REBELLION AND RESISTANCE IN THE IBERIAN EMPIRES, 16TH-19TH CENTURIES.

Pronunciamiento (ES) | Pronunciamento (PT)

Author: Miguel Dantas da Cruz

Affiliation: ICS-Universidade de Lisboa

https://doi.org/10.60469/fmbc-3a03


A palavra não tem uso corrente nos mundos ibéricos até ao final do século XVIII. Também não tem tratamento dicionarístico. Raphael Bluteau fala antes de “Pronunciação”, que define como a “Quinta parte da retórica, que consiste na ação, e modo de falar e representar o que se diz”. Fala também de “Pronunciar”, que equivalia a “Articular. Pronunciar uma letra, uma palavra” (Bluteau 1720, VI: 776, 2). Em Espanha, pela mesma altura, o Diccionario de Autoridades também identifica as mesmas palavras somente, descrevendo-as de forma similar. “Pronunciar”, do latim “Pronuntiare” era o “Expressar las letras ò palabras con el sonído de la voz” (RAE 1737, V: 402, 2). Só em 1803 aparece a primeira referência a “Pronunciamiento” num dicionário, no caso o Diccionario de la lengua castellana, mas ainda sem relacioná-lo com um ato de rebelião ou prática de resistência. “Pronunciamiento” é equiparado a “pronunciacion”, consistindo, portanto na “expression de las letras, o palabras, hecha com el sonido de la voz”. (RAE 1803: 690, 2). Em 1817, com a época dos modernos pronunciamentos já em curso em Espanha, a quinta edição do Diccionario de la lengua castellana traz uma novidade. “Pronunciamiento” é ainda associado a “pronunciacion”, mas acrescenta-se que é uma “pronunciacion por publicacion” (RAE 1817: 708, 2). Esta definição repete-se em dicionários de 1822, 1832, 1837 e 1843. A décima edição do Diccionario de la lengua castellana de 1852 já define pronunciamento como um “alzamiento” (RAE 1852: 568, 1), mas sem oferecer mais explicações.

A despeito da centralidade dos modernos pronunciamentos militares na vida política espanhola, e do sul da Europa no geral, a Real Academia Espanhola continuaria a insistir na definição simplificada da palavra pronunciamento. Na verdade, a instituição régia só viria a introduzir novidades em 1925, e não muito significativas, quando define “pronunciamento” como “rebelion militar” (RAE 1925: 993, 3). Isto não era um acaso, segundo Ramón Joaquín Domínguez (1811-1848), revolucionário, exilado político, e autor do dicionário mais inovador, do ponto de vista lexicográfico, da Espanha de meados de Oitocentos. No Diccionario Nacional o Gran Diccionario Clásico de la Lengua Española, pronunciamento aparece como “Alzamiento ó movimento insurrecional, voz últimamente usada em España para designar con ella todos los movimientos que han occurrido de pocos annos á esta parte, y que la Academia no admite” (Domínguez 1853: 1430, 1). A palavra encerrava claramente um significado político controverso no ambiente político espanhol e nem todos viam vantagem em dar-lhe tratamento dicionarístico mais aperfeiçoado. Só em 1970 é que a Real Academia Espanhola se aproximou da definição de pronunciamento proposta em 1846-1847 por Ramón Joaquín Domínguez, escrevendo-se então: “Alzamiento militar contra el gobierno, promovido por um jefe del ejército u outro caudillo” (RAE 1970: 1072, 2). A primeira inclusão da palavra num dicionário português foi mais tardia, surgindo, no entanto, logo dotada de um significado mais próximo do atual. Mais relevante é a explicação adicional que o Grande Diccionário Portugues ou Thezouro da Lingua Portugueza, publicado em 1873, proporciona: “pronunciamento” é “Termo de Historia”, é “Acto de sublevação de um chefe militar, na republica da America meridional.” (Vieira 1873, 4: 974, 2). Frei Domingos Vieira não consegue resistir ao preconceito político: “pronunciamento” seria, para ele, coisa para sul americanos republicanos, supostamente inexistente na Europa das monarquias temperadas.

A palavra parece ter ganho uso corrente aproximadamente ao mesmo tempo em ambos os países ibéricos. Em Espanha, independentemente da forma como era usado, “pronunciamiento” vulgarizou-se a partir do segundo quartel do século XIX. Em Portugal a palavra não aparece nos debates parlamentares no sentido mais moderno, enquanto sinónimo de revolta ou insurreição, antes da década de 1840. E parece que se impôs por conta de um esforço deliberado de alguns, como notou Almeida Garrett, que não a usou no seu Portugal na balança da Europa, de 1830. Em sessão parlamentar de 11 de Agosto de 1842, o escritor romântico não deixou de comentar, em jeito jocoso, todos aqueles “que gostam tanto desta palavra”, e que queriam impô-la aos demais (DCD 1842, 27: 88, 1). Como em Espanha, a vulgarização da palavra pronunciamento, no sentido mais moderno, não recolhia unanimidade, mesmo entre liberais. Se uns a desvalorizavam e outros lhe resistiam, outros, porém, reconheciam o seu potencial retórico, forçando inclusivamente a sua adoção no vocabulário político coevo. A palavra foi, entretanto, incorporada pelo discurso académico, ainda que nem todos os historiadores sigam a mesma definição. Para alguns, a começar por Vasco Pulido Valente, pronunciamento “é uma intervenção de oficiais de carreira [...] que pretende substituir um governo ou um regime sem violência” (Valente 1997: 9). De acordo com esta interpretação, um pronunciamento tem de ser liderado por militares, é um processo exclusivamente militar. Para outros, como Will Fowler, especialista na história política do México, pronunciamento é essencialmente um protesto ou petição, com uma lista de queixas ou exigências, que, se não atendidas, poderia resultar em rebelião armada ou mesmo num golpe de Estado. O processo ou insurreição pode contar, por vezes, com a participação das forças armadas, mas não tem de ser necessariamente conduzido por elas (Fowler 2009: 12). De acordo com esta interpretação, que se tornou dominante na historiografia mexicana, a diferença entre pronunciamento e revolta esbate-se significativamente, como o próprio Will Fowler reconhece (Fowler 2009: 12). Não fica, contudo, claro se o esbatimento dessas diferenças (por exemplo, entre pronunciamento e revolta) encerra vantagens para a construção de uma tipologia de conceitos associados à resistência.


REFERÊNCIAS

Dicionários
Bluteau, Rafael, Vocabulario portuguez e latino, áulico, anatómico, architectonico […], tomo VI, Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, 1720. http://clp.dlc.ua.pt/DICIweb/default.asp?url=Ler&Serie=27

Diario da Camara dos Deputados (DCD), sessão 27, de 11 de agosto de 1842, Lisboa, Publicado pela Empreza dos Empregados da mesma Camara, 1842. https://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/cd/01/01/01/027/1842-08-11  

Domínguez Hervella, Ramón Joaquín, Diccionario Nacional o Gran Diccionario Clásico de la Lengua Española (1846-47), 2 vols, Madrid-París, Establecimiento de Mellado, 1853, 5ª edición.

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana compuesto por la Real Academia Española, reducido a un tomo para su más fácil uso. Quarta edición, Madrid, Viuda de Ibarra, 1803. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana por la Real Academia Española. Quinta edición, Madrid, Imprenta Real, 1817. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana por la Real Academia Española. Décima edición, Madrid, Imprenta Nacional, 1852. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua castellana en que se explica el verdadero sentido de las voces, su naturaleza y calidad, con las phrases o modos de hablar, los proverbios o rephranes, y otras cosas convenientes al uso de la lengua. Compuesto por la Real Academia Española... Madrid, en la imprenta de Francisco del Hierro, impressor de la Real Academia Española, 1737. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua española. Décima quinta edición, Madrid, Calpe, 1925. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle  

Real Academia Española (RAE), Diccionario de la lengua española. Décimonovena edición, Madrid, Espasa-Calpe, 1970. https://apps.rae.es/ntlle/SrvltGUILoginNtlle

Vieira, Frei Domingos, Grande Diccionário Portugues ou Thezouro da Lingua Portugueza, Porto, Imprensa Litterario-Commercial, 1873. https://bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/28254

Bibliografia
Fowler, Will, “El pronunciamiento mexicano del siglo XIX: Hacia una nueva tipología”, Estudios de Historia Moderna y Contemporánea de México, 38, 2009: 5-34. 

Valente, Vasco Pulido, Os Militares e a Política (1820-1856), Lisboa, INCM, 1997.