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Relato de casos

Tratamento da doença de Hailey-Hailey com laser de CO2 fracionado: uma série de três casos

Vanessa da Nóbrega Vilela1; Catarina Gonçalves da Silva Carvalho1; Gustavo de Sá Menezes Carvalho2; Ângela Cristina Rapela Medeiros3; Valter Kozmhinsky4; Emmanuel Rodrigues de França5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201791895

Data de recebimento: 28/08/2016
Data de aprovação: 28/02/2017
Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

A doença de Hailey-Hailey ou pênfigo familiar benigno é condição rara, que se caracteriza por lesões vesiculares e erosões, associadas a dor e queimação, que comprometem a qualidade de vida dos pacientes. Existem vários tratamentos tópicos e sistêmicos que podem promover temporariamente a remissão das lesões, não existindo tratamento curativo. Algumas opções de tratamento com resultados duradouros abrangem a dermoabrasão e a vaporização com laser de Erbium YAG ou CO2. Relatamos três casos de pacientes com lesões recorrentes e respostas limitadas aos tratamentos clássicos, que apresentaram melhora clínica importante e alívio sintomático após terapia com laser de CO2 fracionado.


Keywords: PÊNFIGO FAMILIAR BENIGNO; TERAPIA A LASER; DIÓXIDO DE CARBONO


INTRODUÇÃO

A doença de Hailey-Hailey ou pênfigo familiar benigno é condição rara que afeta a adesão dos queratinócitos. Tem herança autossômica dominante e se caracteriza por lesões vesiculares e erosões com predileção por áreas intertriginosas, como axilas, virilhas e região inframamária.1 Surgem por volta da segunda e terceira décadas de vida, podendo se manifestar até a quinta década.1,2

O curso é indeterminado, geralmente apresentando períodos de surtos e remissões, e as erupções podem ser desencadeadas por fatores como fricção, transpiração, calor, estresse emocional e radiação ultravioleta. As lesões podem apresentar remissão espontânea ou se complicar com fissuras dolorosas ou com vegetações de mau odor, comprometendo de forma significativa a qualidade de vida.1,2

Várias opções terapêuticas têm sido descritas, sendo as mais comuns a antibioticoterapia e a corticoterapia oral ou tópica, com variadas taxas de remissão e recaídas. Retinoides, metotrexate e ciclosporina sistêmicos, tacrolimus tópico, toxina botulínica e terapia fotodinâmica também apresentaram taxas variáveis de sucesso terapêutico.2 As opções de tratamento a longo prazo consistem na excisão cirúrgica com enxerto de pele e dermoabrasão, com resultados bons, porém com taxas significativas de complicações como infecções e retrações, por se tratarem de técnicas mais invasivas. Em contrapartida, a terapia a laser é menos invasiva e tem sido relatada como segura e eficaz com resultados duradouros.3

Relatamos três casos de pacientes que apresentaram resposta limitada aos tratamentos clássicos, mas que mostraram melhora clínica importante, alívio sintomático e ausência de recidiva após terapia com laser de CO2 fracionado.

 

MÉTODOS

Os procedimentos foram realizados em ambiente ambulatorial, sob anestesia tópica da marca Pliaglis (lidocaína 7% + tetracaína 7% – Galderma, São Paulo, Brasil) com o aparelho DUAL DEEP® (Lutronics – Coreia do Sul) na forma estática, usando-se spot de 12mm e fluência entre 80 e 100Joules/cm2, com duas passadas em cada sessão, ultrapassando-se em 1cm as bordas visivelmente ativas das lesões.

Em todos os casos observaram-se sequelas hiperpigmentares, em consequência das lesões crônicas.

Relatos

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 58 anos, com história de doença de Hailey-Hailey recorrente há seis anos. Apresentava placas fissuradas dolorosas e hiperceratósicas no dorso e na região cervical. Havia feito tratamento conservador prévio com corticoides tópicos e antibióticos orais, sem melhora significativa. Foram tratadas múltiplas áreas do dorso, uma em cada sessão, num período total de dois anos, com média de quatro sessões em cada área afetada (Figura 1). Em acompanhamento clínico no serviço, a paciente não mostrou recidiva das lesões nas áreas tratadas após quatro anos da realização do procedimento.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 39 anos, com doença de Hailey-Hailey recorrente, nas axilas, há cerca de 10 anos. Apresentava falência da terapia com antimicrobianos e isotretinoína oral. Foram realizadas três sessões de laser de CO2 em cada axila, com intervalos mensais (Figura 2). A paciente não apresentou recidiva após dois anos de acompanhamento clínico.

Caso 3

Paciente do sexo masculino, 46 anos, com diagnóstico de doença de Hailey-Hailey desde a adolescência, com acometimento predominante nas axilas. Havia relato de melhora parcial das lesões com antibióticos orais e corticosteroides tópicos, porém com recidiva frequente. As axilas foram então tratadas mensalmente com sessões de laser de CO2, num total de quatro sessões para cada axila. Houve melhora importante das lesões, sem recidivas após um ano de seguimento (Figura 3).

 

DISCUSSÃO

Pênfigo familiar benigno é doença que cursa com placas erosivas recalcitrantes e pode ser debilitante. As terapias de primeira linha geralmente são medicamentosas e promovem apenas a supressão temporária das lesões.1 As técnicas mais avançadas no tratamento da doença de Hailey-Hailey, que tem resultado em remissão duradoura, são a dermoabrasão e o laser ablativo. A dermoabrasão é efetiva, porém limitada devido a suas complicações e impossibilidade de realização em determinadas áreas do corpo.2

A terapia com laser possui várias vantagens em relação às demais: pode tratar uma grande área em curto período de tempo; causa menos dor no intraoperatório, menos sangramento pós-operatório, oferece melhor controle de profundidade e menos probabilidade de cicatriz do que a dermoabrasão podendo ser realizado em ambiente ambulatorial sob anestesia local.2, 3 Dessa forma, é uma terapia promissora com chance de se tornar a modalidade principal para o tratamento de doença recorrente.

Os efeitos colaterais principais do laser CO2 são edema e eritema transitórios, cicatrizes e despigmentação. Um problema comum verificado é a recorrência da doença na periferia da lesão tratada. Para evitar essa situação, Kruppa et al. sugeriram que o tratamento deve ser prolongado para além da doença clinicamente visível.4,5

O mecanismo exato de ação do laser ablativo nessa patologia permanece incerto. Uma teoria é que a epiderme e os queratinócitos que expressam o defeito molecular são destruídos, deixando os anexos intactos para regenerar a epiderme normal sem o defeito de adesão. As estruturas anexas têm a mutação,mas não a expressam e por isso não são afetadas pelo processo acantolítico.5 Outra teoria é que a fibrose dérmica leva a melhor suporte da epiderme doente e diminui o risco de ulceração e fissura.6

Os três casos apresentados mostraram ótima resposta ao laser CO2 fracionado com mínimos efeitos colaterais (eritema, edema e dor transitórios). Foram acompanhados por até quatro anos, sem recorrência das lesões no local tratado.

As evidências que descrevem o tratamento do pênfigo familiar benigno com laser CO2 são animadoras em relatos de casos como esses. Entretanto, são necessários estudos mais amplos para determinar o lugar legítimo dessa modalidade no arsenal terapêutico da doença.

 

Referências

1. Chiaravalloti A, Payette M. Hailey-Hailey disease and review of manegement. J Drugs Dermatol. 2014;13(10):1254-1257.

2. Ortiz AE, Zachary CB. Laser therapy for Hailey-Hailey disease: review of the literature and a case report. Dermatol Reports. 2011;3(2):e28.

3. Pretel-Irazabal M, Lera-Imbuluzqueta JM, España-Alonso A. Carbon dioxide laser treatment in Hailey-Hailey disease: a series of 8 patients. Actas Dermosifiliogr. 2013; 104(4):325-333.

4. Collet Villete AM, Richard MA, Fourquet F, Monestier S, Gaudy C, Bonerandi JJ, Grob JJ. Treatment of Hailey-Hailey Disease With Carbon Dioxide Laser Vaporization. Ann Dermatol Venereol. 2005;132(8-9 Pt 1):637-640.

5. Falto-Aizpurua LA, Griffith RD, Yazdani Abyaneh MA, Nouri K. Laser therapy for the treatment of Hailey-Hailey disease: a systematic review with focus on carbon dioxide laser resurfacing. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2015; 29(6):1045-1052.

6. Grönemeyer LL, Thoms KM, Bertsch HP, Hofmann L, Schön MP, Haenssle HA. Reflectance confocal microscopy and Hailey-Hailey disease: assessment of response to treatment after CO2 laser ablation. J Dtsch Dermatol Ges. 2014;12(12): 1135-1137.

 

Trabalho realizado no Hospital Universitário Oswaldo Cruz Universidade de Pernambuco (UPE) – Recife (SP), Brasil.


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