CAPÍTULO PUBLICADO

LIVRO: SAÚDE DA MULHER E SEUS DESAFIOS

OPEN ACCESS PEER-REVIEWED BOOK 

MANEJO DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA

MANAGEMENT OF FEMALE URINARY INCONTINENCE IN THE CONTEXT OF PRIMARY CARE

 2023 Editora Science / Brazil Science Publisher

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CAPÍTULO 7

MANEJO DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA FEMININA NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA

MANAGEMENT OF FEMALE URINARY INCONTINENCE IN THE CONTEXT OF PRIMARY CARE

DOI: https://doi.org/10.56001/23.9786500631609.07

Submetido em: 14/07/2023

Revisado em: 17/07/2023

Publicado em: 07/08/2023

Gabriela Lopes Miranda

Universidade Federal de Juiz de Fora, Governador Valadares - Minas Gerais

http://lattes.cnpq.br/3727156526332130

Weverton de Lana Ferreira

Universidade Federal de Juiz de Fora, Governador Valadares - Minas Gerais

https://orcid.org/0000-0002-8994-6024

Juliana Barbosa Costa

Universidade Estadual do Maranhão, Caxias - Maranhão

http://lattes.cnpq.br/4354511643403371

Yasmine Martins Cruz

Universidade Federal de Juiz de Fora, Governador Valadares - Minas Gerais

http://lattes.cnpq.br/4862491485215445

 

Resumo

A incontinência urinária (IU) pode ser definida como qualquer perda urinária de forma involuntária gere impacto na qualidade de vida por meio de desconforto para a paciente e possa ser objetivamente demonstrado ao exame físico. Trata-se de um distúrbio mais recorrente em mulheres devido ao menor comprimento da uretra, da anatomia do assoalho pélvico e das diversas alterações que o corpo feminino passa durante a gestação e o parto. A IU pode ser subdividida em cinco tipos devido seus mecanismos fisiopatológicos e as diferentes clínicas possíveis, a incontinência de esforço, de urgência, mista, paradoxal ou contínua. Atualmente, existem diversos tratamentos conservadores propostos, como terapias farmacológicas, exercícios específicos, biofeedback e estimulação elétrica ou magnética, mas a cirurgia ainda é considerada o principal tratamento no contexto da incontinência urinária feminina.

Palavras-chave: Saúde da mulher. Incontinência Urinária. Qualidade de vida. Tratamento Conservador.  Urodinãmica.

Abstract

Urinary incontinence (UI) can be defined as any involuntary urinary loss that impacts quality of life through discomfort for the patient and can be objectively demonstrated on physical examination. It is a more recurrent disorder in women due to the shorter length of the urethra, the anatomy of the pelvic floor and the various changes that the female body undergoes during pregnancy and childbirth. UI can be subdivided into five types due to their pathophysiological mechanisms and the different possible clinics, stress, urge, mixed, paradoxical or continuous incontinence. Currently, there are several proposed conservative treatments, such as pharmacological therapies, specific exercises, biofeedback and electrical or magnetic stimulation, but surgery is still considered the main therapeutic in the context of female urinary incontinence.

Keywords: Women's health. Urinary incontinence. Quality of life. Conservative treatment. Urodynamics.

 

Introdução

A incontinência urinária pode ser definida como perda de urina involuntária, podendo interferir na higiene feminina e na qualidade de vida da paciente, acarretando constrangimento, redução de interações sociais e até mesmo ao isolamento. Atualmente, ainda são inúmeras as mulheres que não relatam aos seus médicos os sintomas de incontinência urinária, por acharem que se trata de uma condição normal ou por se sentirem envergonhadas frente a esse problema.

No Brasil, estima-se que 11 a 23% da população feminina seja incontinente. A prevalência aumenta com o envelhecimento: entre 50 e 75 anos é de 20 a 35% mulheres e após 75 anos é de 25 a 50%.

Os principais tipos de incontinência urinária são:

  • Incontinência urinária de esforço: considerada como a perda involuntária de urina ao realizar esforço físico como tossir, espirrar, carregar peso, dar risada ou, em casos mais graves, até andar ou levantar. Geralmente ocorre por um defeito no funcionamento da uretra, seja no esfíncter externo uretral, seja nos músculos do assoalho pélvico.
  • Bexiga Hiperativa: pode ser caracterizada como a vontade urgente de urinar, podendo ou não estar associada à perda urinária, na ausência de infecção urinária. Ocorre devido à contração involuntária do músculo detrusor da bexiga fora do período da micção.
  • Incontinência urinária mista: quando a perda urinária ocorre pelos dois mecanismos, a incontinência urinária de esforço e a Bexiga Hiperativa.
  • Incontinência urinária por transbordamento: condição caracterizada pela perda de capacidade e de contração da bexiga. Geralmente a perda urinária nesse tipo de incontinência ocorre por gotejamento. Ocorre, principalmente, em pacientes com diabetes descompensada, AVC ou trauma de medula.

As principais causas dessa condição urinária são: aumento de pressão intra-abdominal (ocorre na gravidez, na obesidade e na tosse crônica, por exemplo); trauma (parto vaginal ou acidente em que ocorra lesão de períneo); deficiência de colágeno; doenças neuropáticas (trauma raquimedular, neuropatia central ou periférica, diabetes).

O quadro clínico característico da incontinência é marcado por perda de urina involuntária ao tossir, dar risada ou fazer esforço ou urgência de ir ao banheiro podendo perder urina.

O diagnóstico é realizado a partir da história clínica da paciente e do exame físico. Algumas vezes é necessária a realização do diário miccional e de exames auxiliares como estudo urodinâmico, ultrassonografia transperineal ou até ressonância Magnética.

O tratamento da incontinência urinária é marcado por três pilares principais: mudanças de estilo de vida (realização de dieta balanceada, não deixar a bexiga cheia por muito tempo, ir ao banheiro em média a cada 3 horas, reduzir a ingesta hídrica no pepríodo noturno, evitar bebidas alcoólicas ou derivados de cafeína, controle de doenças como diabetes e infecção urinária); abordagem clínica (fisioterapia de assoalho pélvico e tratamento da hipotrofia genital com estrogênio tópico e/ou laserterapia); e abordagem cirúrgica (Sling, Burch  e injeção periuretral).

A prevenção da incontinência urinária envolve o controle em relação ao peso, exercícios físicos orientados por profissionais capacitados ou com fisioterapia de assoalho pélvico e mudanças de estilo de vida.

Etiologia

As perdas urinárias em pacientes com incontinência podem ocorrer por via extra uretral ou por via uretral.

Perdas por via extra uretral: São aquelas advindas de fístulas vesicovaginais, ureterovaginais, uretrovaginais e de ureter ectópico. •

 Perdas por via uretral: São as perdas que ocorrem durante o armazenamento vesical, podendo subdividir esse tipo em defeito uretral ou do seu suporte anatômico (incontinência urinária de esforço) e em defeito vesical (incontinência urinária de urgência e bexiga hiperativa).

Outras causas são a baixa complacência, a atonia, a bexiga neurogênica e a polaciúria associada à quadros de cistite.

Independentemente da idade, a capacidade de continência urinária irá depender da integridade anatômica e fisiológica do aparato vesical e esfincteriano, bem como da existência de estado mental pleno, da mobilidade preservada, da destreza e da motivação da paciente.

 Os fatores de risco envolvidos no surgimento da incontinência urinária de esforço são múltiplos e podem ter origem em diversos locais, no aparelho urinário, no assoalho pélvico e no sistema neurológico, além de sofrer influências hormonais e psicológicas e, algumas vezes, ter até mesmo origem iatrogênica.

Manejo da paciente incontinente na atenção primária

Inicialmente, durante o atendimento de uma paciente incontinente, deve-se caracterizar qual o tipo de perda urinária vivenciado, caracterizando-o como por esforço, de urgência ou mista. Deve-se avaliar também a presença de doenças concomitantes, o hábito intestinal e a mobilidade.

Como auxílio durante a definição das hipóteses diagnósticas foi criado o mnemônico DIAPPERS, o qual elenca as seguintes opções, demência,  infecção urinária, atrofia (em casos de vaginite atrófica ou uretrite, por exemplo), psiquiátrico (quadro psiquiátrico que possa contribuir para a incontinência), pharmacológica (como o uso de diuréticos), endócrino (em casos de DM descompensada ou ICC, por exemplo), restrição de mobilidadep or alguma condição pessoal (paciente não consegue se deslocar rápido o suficiente para o banheiro, perdendo urina pelo caminho) e S#!T (fezes impactadas que irritam o colo vesical localizado em contato íntimo com a ampola retal).

Durante a realização da anamnese, a história clínica de pacientes com incontinência urinária é de extrema relevância, devendo-se caracterizar os episódios de perdas urinárias para definir o tipo de incontinência urinária. Desse modo, será possível diferenciar pacientes com perdas exclusivas sob esforço daquelas com urgência miccional e urgi-incontinência. Além disso, outros dados devem ser obtidos na história, como a severidade das perdas, a necessidade de uso de absorventes, a interferência do problema na qualidade de vida, os antecedentes obstétricos e ginecológicos, as doenças neurológicas prévias ou concomitantes, as cirurgias pélvicas extirpativas, se há antecedente de radioterapia, o status hormonal e tratamentos anteriores para IU.

Por fim, é de extrema relevância para o diagnóstico de incontinência urinária a realização do diário miccional pelas pacientes incontinentes ou com disfunções miccionais. O diário deverá ser preenchido por um período de 48 a 72 horas e vai auxiliar com informações imprescindíveis para o pleno entendimento das dimensões da incontinência, permitindo identificar problemas que não são passíveis de diagnóstico de qualquer outra forma.

Outro da anamnese que é fundamental é a avaliação do impacto dos sintomas da incontinência na qualidade de vida da paciente.

O exame físico também vai auxiliar no diagnóstico e no planejamento terapêutico de pacientes com incontinência urinária, por meio da comprovação de perdas urinárias, da avaliação da presença de prolapsos genitais e do nível de estrogenização da mucosa genital. O exame neuro-urológico básico, que inclui avaliação da sensibilidade perineal e anal, do reflexo bulbocavernoso e do tônus do esfíncter anal será responsável por definir qual o grau de integridade das vias neurológicas que são responsáveis pela inervação dos órgãos e do assoalho pélvicos.

Por fim, para o exame da mobilidade do colo vesical e, consequentemente, do grau de eficiência do suporte anatômico do assoalho pélvico da paciente, pode-se realizar o teste do cotonete (Q-tip test) na investigação etiológica da incontinência.

Quadro clínico
  • Incontinência urinária de esforço: perda urinária durante a realização de esforço, ausência de urgência miccional e perda urinária em baixa quantidade.
  • Incontinência urinária de urgência: polaciúria, noctúria, perda urinária precedida de urgência miccional e ausência da perda urinária durante a realização de esforços.
  • Incontinência urinária mista: perda urinárias por esforço associadas à urgi-incontinência.
Diagnóstico

Além da realização da anamnese, do exame físico e do diário miccional citados anteriormente, para a determinação diagnóstica da incontinência urinária há a possibilidade de realização de exames complementares:

Pad test: exame utilizado comumente como aparato de estudos clínicos, uma vez que permite a detecção e a quantificação da urina perdida sem definir a causa da incontinência urinária da paciente. Como é realizado: o primeiro passo é pesar um absorvente seco e colocá-lo na paciente, em seguida ela deve ingerir 500 ml de líquido sem eletrólitos. Após, a paciente deve realizar uma série de atividades por 60 min, como subir e descer lances de degraus, se sentar e tossir, pesando o absorvente ao fim dessa 1 hora. A diferença de peso maior que 1 g confirma o diagnóstico de incontinência urinária.

Urina tipo I: esse exame é realizado para excluir anormalidades como hematúria e piúria.

Avaliação urodinâmica e exames de imagem: quando existirem dúvidas em relação ao tipo de incontinência ou quando o tratamento inicial falhar, o estudo urodinâmico será importante para a correta caracterização da queixa do paciente. Por meio do estudo urodinâmico é possível diferenciar a deficiência esfincteriana intrínseca e a hipermobilidade de colo vesical como etiologias da incontinência urinária de esforço. Outros fatores de risco possíveis de serem identificados por meio da avaliação urodinâmica são, disfunção esfincteriana intrínseca e déficit de contratilidade do detrusor na fase de esvaziamento vesical.

Tratamento

Tratamento da incontinência urinária mista: deve-se dar prioridade à queixa que mais interfere na qualidade de vidada paciente, isto é, perdas por esforço, urgência ou ambos.

Tratamento da incontinência urinária por esforço: o tratamento pode ser feito por meio de medicamentos, prática de fisioterapia do assoalho pélvico ou cirurgia.

Em casos leves, o tratamento da incontinência urinária por esforço pode ser farmacológico ou com fisioterapia, especialmente em pacientes idosas. Entre as terapêuticas possíveis, temos a cinesioterapia que pode ser realizada com ou sem o auxílio de biofeedback, a eletroestimulação e o uso de cones vaginais.

O tratamento farmacológico é feito com medicamentos que aumentam o tônus da musculatura lisa uretral, por meio da utilização de fármacos que possuam ação adrenérgica.

A principal forma de tratamento da incontinência urinária de esforço é o tratamento cirúrgico, o qual se baseia no desenvolvimento do suporte uretrovesical restringindo sua hipermotilidade, melhorando sua coaptação durante os esforços e evitando as perdas urinárias. Entre as técnicas disponíveis, temos tanto por via abdominal (uretropexia retropúbica, conhecida como Cirurgia de Burch) como por via vaginal (Slings).

Tratamento da incontinência urinária de urgência:  é medicamentoso na maioria dos casos, sendo os anticolinérgicos o grupo de drogas de primeira escolha. Seu mecanismo de ação se baseia no bloqueio dos receptores muscarínicos envolvidos na contração vesical. Como adjuvante ao tratamento é importante adequar a dieta, de forma a evitar a ingestão de alimentos/líquidos irritantes vesicais como a cafeína, bebidas gaseificadas, alimentos condimentados e evitar também a ingestão muito elevada de líquidos. A reabilitação pélvica também está indicada no tratamento da IUU.

Referências

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