Ideação suicida em adolescentes escolares: não fechar os olhos para suas dores

Autores

  • Leiny Cristina Flores Parreira USP
  • Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler USP

DOI:

https://doi.org/10.33233/eb.v19i1.3977

Resumo

Como pedagoga, minha vida profissional sempre foi voltada í  busca pela melhor qualidade de vida dos discentes, considerando tanto as questões pedagógicas quanto as sociais e de saúde. Atualmente sou pedagoga em um Campus do interior paulista do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de São Paulo e estou como coordenadora do setor de Coordenadoria Sociopedagógica, atendendo tanto demandas sociopedagógicas quanto de saúde fí­sica e mental, para os devidos encaminhamentos.

Nesta instituição tem me inquietado o sofrimento emocional que percebo entre adolescentes e jovens dos Cursos Técnicos Integrados, talvez pelas mudanças no estilo de vida pós ensino fundamental, o que compromete não só seu desempenho escolar, mas também sua saúde fí­sica e mental. Pior, muitas vezes as morbidades referidas ou os sinais e sintomas no âmbito educacional e de saúde não são valorizados pela famí­lia.

O pedagogo institucional tem o importante papel de saber reconhecer o limiar presente entre educação e saúde. No cotidiano de seus atendimentos verifica-se muitas situações cujo problema instaurado ultrapassou a resolução educacional na busca do desenvolvimento e aquisição da aprendizagem do aluno. Posto isto, em especial quando se refere a saúde mental dos indiví­duos, torna-se muito delicado trabalhar o que o aluno não sabe quando se percebe a fragilidade da saúde mental.

Uma das possibilidades desta condição de saúde pode ser inclusive a própria dificuldade escolar, ou mesmo lidar com a insatisfação pessoal e familiar diante de uma situação escolar mal resolvida e não abordada corretamente. Recentemente questões pedagógicas têm ficado em segundo plano, pois emergiram questões relativas í  saúde mental e sintomas depressivos dos discentes, percebendo em alguns a ideação suicida, que tem interferido muito no êxito escolar. Há uma enorme quantidade de alunos que necessitam ser encaminhados para atendimento na saúde pública. Muitos entraves acontecem quando há uma rejeição por parte dos familiares, às vezes do próprio aluno, em aceitar o uso do medicamento e/ou tratamento terapêutico. As consequências destas ações se refletem no âmbito escolar e agravam o sofrimento do aluno.

Entendemos a necessidade de se fazer um trabalho preventivo, interdisciplinar, multiprofissional, social, familiar e de autocuidado do estudante com sua saúde, especialmente no aspecto psí­quico, de modo a facilitar sua apropriação e reflexão crí­tica dos conhecimentos, assim como possibilitar sua formação integral e seu pertencimento institucional e social com qualidade, favorecendo o bem-estar individual e coletivo.

Parte-se do pressuposto que a condição de saúde dos alunos é agravada devido a um contexto onde as relações intersubjetivas não creem que as condições de saúde do indiví­duo estão realmente graves e precisando de cuidados médicos e de atenção em saúde. Temos identificado vários casos de muito prejuí­zo da saúde mental dos discentes, pelo número de afastamentos médicos devido í  depressão, pânico ou outra condição de saúde que de alguma forma denota problema emocional. Alguns destes afastamentos culminaram í  transferência do aluno para outra escola por decisão familiar e com o intuito de reestabelecer a melhoria da saúde.

Entendemos a possibilidade de diferentes fatores contribuí­rem para o prejuí­zo da saúde fí­sica e mental e do desempenho escolar dos escolares e jovens na instituição educacional em foco, como: o não conhecimento real do funcionamento da instituição antes do ingresso; a busca por uma educação de melhor qualidade o impeça de visualizar as suas reais condições de saúde; a pressão familiar para se destacarem, não perderem a oportunidade; não reconhecer as fragilidades presentes e criar rotinas desgastantes; as várias horas diárias gastas em deslocamento viário para chegar í  instituição; as várias horas necessárias ao estudo para sanar dificuldades de aprendizagem relacionadas í  complexidade dos conteúdos ou a defasagem de aprendizagem decorrente aos anos escolares anteriores.

Não se pode deixar de mencionar que estes alunos estão vivendo uma fase muito importante e complexa: a adolescência. A adolescência pode ser considerada uma fase crí­tica para o desenvolvimento do estresse, especialmente devido í  pouca experiência dos jovens em lidar com situações conflituosas, como as inerentes às relações interpessoais com parentes, amigos e parceiros amorosos, além das relacionadas às responsabilidades e aos compromissos estudantis. O estresse é um indicador de saúde mental complexo, considerado um fator de risco para o surgimento de problemas depressivos na adolescência que pode, em casos mais graves, levar ao suicí­dio, merecendo, portanto, a atenção de profissionais diretamente envolvidos com os jovens, pesquisadores e órgãos de saúde pública.

Diante de tanta complexidade este adolescente não percebe que ingressou numa rotina que trouxe uma companheira constante: a depressão. Para combatê-la é importante fortalecer as variáveis relacionadas í  fatores de proteção, como as amizades, as relações interpessoais familiares e escolares, consequentemente as habilidades sociais, autoestima e autoeficácia. No entanto é imprescindí­vel gerar a conscientização para se buscar atendimento médico e de saúde.

Desde o iní­cio, meu desassossego foi a ansiedade relatada pelos alunos, muitas vezes com manifestações de depressão, sinais e sintomas de ideação suicida e o fato de nem sempre a famí­lia atender aos encaminhamentos da Coordenadoria Sociopedagógica, para avaliação médica. Tal situação me motivou a buscar o mestrado acadêmico junto a um Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Enfermagem, somando minha vivência profissional com a atuação em pesquisa no foco de morbidade referida da minha orientadora.

Na elaboração do Projeto de Pesquisa e revisão da bibliografia cientí­fica, identificamos que ainda são incipientes os estudos e investigações no Brasil que tratam da ideação suicida de adolescentes e jovens escolares, menos ainda com uma abordagem também sociopedagógica. Assim, parece inquestionável que esta pesquisa é pertinente e será relevante não só para nossa comunidade acadêmica, mas para outros extratos acadêmicos e sociais, além de subsidiar outras investigações cientí­ficas no contexto de qualidade de vida de adolescentes escolares. Eles não são apenas crianças virando adultos, ou os estigmatizados "aborrecentes", têm muitas dores da "alma" que não podem ser negligenciadas.

Biografia do Autor

Leiny Cristina Flores Parreira, USP

Pedagoga, pós-graduada em Comunicação e Linguagem e Gestão do Currí­culo pela Universidade de São Paulo (USP/SP)

Zaida Aurora Sperli Geraldes Soler, USP

D.Sc., Obstetriz, enfermeira, livre-docente em enfermagem obstétrica, docente e orientadora de graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu

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Publicado

2020-03-22