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Rebitagem por fricção ("FricRiveting"). Desenvolvimento de uma nova técnica de união para juntas híbridas do tipo polímero-metal. Parte II: propriedades térmicas e mecânicas

Friction riveting (FricRiveting). Development of a new joining technique for polymer-metal hybrid joints). Parte II: thermal and mechanical properties

Resumos

Este artigo tem como objetivo complementar a primeira parte do estudo já publicado (Parte I), ilustrando a viabilidade da técnica FricRiveting, através da análise da temperatura processual (via termometria e termografia) e desempenho mecânico (via ensaios de tração, cisalhamento e microdureza) de juntas produzidas a partir de polieterimida (PEI) com rebites de alumínio 2024-T351. Os resultados deste estudo mostram que a máxima temperatura de processo é próxima da temperatura de fusão do rebite de alumínio e temperatura de transformações térmicas do PEI (300ºC a 500ºC); altas temperaturas de processamento e altas taxas de deformação, implicam em excelente performance de ancoramento do rebite; e consequentemente, ótimas propriedades mecânica das juntas. Essas evidências, reforçam o grande potencial de aplicação do FricRiveting como nova técnica de união e fabricação de juntas de termoplásticos avançados e ligas leves.

estruturas híbridas; rebitagem; soldagem por fricção; termoplásticos; ligas leves


This present manuscript complements the work presented in the firs part of the study (Part I) tackling the feasibility of the Friction Riveting (FricRiveting). This paper reports on the thermal history (the process temperature evaluated by thermometry and infrared thermography) and mechanical performance (tensile strength, lap shear strength and microhardness) of polyetherimide (PEI) / aluminium 2024-T351 joints. The results showed average process temperatures within 300ºC to 500ºC. These are values close to the melting temperature of the aluminium rivet and the thermal degradation range of PEI. The high temperatures and shear rate induce the formation of the deformed tip of the rivet (anchoring zone) responsible for the high anchoring efficiency of the rivet, and consequently, excellent mechanical properties of joints. The FricRiveting was demonstrated to be well adequate to hybrid engineering thermoplastic and lightweight alloy joints.

hybrid structures; riveting; friction welding; thermoplastic polymers; lightweight alloys


CONVIDADO

Rebitagem por fricção ("FricRiveting"). Desenvolvimento de uma nova técnica de união para juntas híbridas do tipo polímero-metal. Parte II: propriedades térmicas e mecânicas1 1 Manuscrito traduzido e adaptado do trabalho vencedor do prêmio "Henry Granjon 2009 Categoria A do International Institute of Welding, publicado originalmente em "Welding in the World no 01-02, vol. 55, pp. 13-24, 2010.

Friction riveting (FricRiveting). Development of a new joining technique for polymer-metal hybrid joints). Parte II: thermal and mechanical properties

Sergio T. Amancio-Filho

Helmholtz-Zentrum Geesthacht, Institute of Materials Research, Materials Mechanics, Solid-State Joining Processes Department, Advanced Polymer-Metal Hybrid Structures Group, Geesthacht (Alemanha), sergio.amancio@hzg.de

RESUMO

Este artigo tem como objetivo complementar a primeira parte do estudo já publicado (Parte I), ilustrando a viabilidade da técnica FricRiveting, através da análise da temperatura processual (via termometria e termografia) e desempenho mecânico (via ensaios de tração, cisalhamento e microdureza) de juntas produzidas a partir de polieterimida (PEI) com rebites de alumínio 2024-T351. Os resultados deste estudo mostram que a máxima temperatura de processo é próxima da temperatura de fusão do rebite de alumínio e temperatura de transformações térmicas do PEI (300ºC a 500ºC); altas temperaturas de processamento e altas taxas de deformação, implicam em excelente performance de ancoramento do rebite; e consequentemente, ótimas propriedades mecânica das juntas. Essas evidências, reforçam o grande potencial de aplicação do FricRiveting como nova técnica de união e fabricação de juntas de termoplásticos avançados e ligas leves.

Palavras-chave: estruturas híbridas, rebitagem, soldagem por fricção, termoplásticos, ligas leves.

ABSTRACT

This present manuscript complements the work presented in the firs part of the study (Part I) tackling the feasibility of the Friction Riveting (FricRiveting). This paper reports on the thermal history (the process temperature evaluated by thermometry and infrared thermography) and mechanical performance (tensile strength, lap shear strength and microhardness) of polyetherimide (PEI) / aluminium 2024-T351 joints. The results showed average process temperatures within 300ºC to 500ºC. These are values close to the melting temperature of the aluminium rivet and the thermal degradation range of PEI. The high temperatures and shear rate induce the formation of the deformed tip of the rivet (anchoring zone) responsible for the high anchoring efficiency of the rivet, and consequently, excellent mechanical properties of joints. The FricRiveting was demonstrated to be well adequate to hybrid engineering thermoplastic and lightweight alloy joints.

Key-words: hybrid structures, riveting, friction welding, thermoplastic polymers, lightweight alloys.

1. Introdução

Estruturas híbridas de metal-polímero são cada vez mais encontradas em aplicações industriais devido ao seu melhor desempenho, redução de peso e redução de custos [1]. Estas estruturas são, atualmente, encontradas em carros [2, 3], navios [4], aviões [5] e trens. A tecnologia de união é a chave do processo de produção de estruturas metal-polímero, mas ainda é um campo de pesquisa de pouca informação disponível. Recentemente, Messler Jr. [6] reportou que os processos de união para estruturas multimateriais são os de fixação (ou ancoramento) mecânica, colagem, e alguns processos de soldagem (nesse caso, apenas para estruturas com juntas similares). Além disso, outras técnicas como métodos híbridos de união (colagem com adesivo combinada com ancoramento mecânico ou soldagem), rebitagem de polímeros e moldagem de plásticos sobre partes metálicas perfuradas tem sido atualmente exploradas [7].

A técnica de FricRiveting (do Inglês "Friction Riveting") foi desenvolvida recentemente [8] e patenteada pela Helmholtz-Zebtrum Geesthacht (Alemanha) em 2007 [9]. O método permite a produção de juntas estruturais resistentes do tipo polímero-polímero e metal-polímero, obtidas de uma maneira simples, rápida e menos danosa ao ambiente, com grande potencial para satisfazer as necessidades tecnológicas e de mercado das estruturas híbridas de polímero-metal.

O atual artigo visa complementar a primeira parte do estudo já publicado (Parte I), em que a viabilidade da técnica de rebitagem por fricção foi ilustrada sob a ótica dos variáveis e parâmetros de processo, e caracterização microestrutural das juntas de polieterimida com rebites de alumínio 2024-T351. Na primeira parte desse estudo, observou-se que a microestrutura do conjunto é altamente influenciada pela a temperatura, deformação e força axial resultantes da interação do rebite com os componentes a serem unidos, levando a transformações metalúrgicas e alterações macromoleculares nas diferentes zonas microestruturais na área de união. A segunda parte desse estudo conclui a análise de viabilidade da técnica, apresentando a caracterização das juntas de poliéterimida/alumínio 2024-T351 em termos de temperatura processual (via termometria e termografia) e desempenho mecânico (via ensaios de tração, cisalhamento e microdureza).

2. Materiais e Métodos

2.1. Materiais

Placas de polieterimida (PEI ULTEM 1000, GE Plastics) extrudadas, de 5 e 13,4 milímetros de espessura, e rebites cilíndricos (com ou sem rosca) de AA2024-T351 foram usados para produção de juntas pontuais em uma placa (para teste de tração) e juntas de placas sobrepostas (para testes de cisalhamento). O PEI é um termoplástico de engenharia amorfo (Figura 1) caracterizado por elevada resistência mecânica e rigidez, tanto à temperatura ambiente (em torno de 100 MPa) quanto a temperaturas superiores (em torno de 50% da resistência à temperatura ambiente quando submetido a temperaturas entre 170 e 190 ºC [10]), boa resistência térmica a longo prazo (entre 35 e 160 ºC [11]), excelente estabilidade dimensional e boa resistência química a uma ampla gama de substâncias, incluindo hidrocarbonetos, alcoóis não-aromáticos e fluidos halogenados [12]. Adicionalmente, apresenta elevada temperatura de transição vítrea (215 a 220ºC [12]), elevado Índice de Oxigênio (aproximadamente 47%) e baixa formação de fumaça [11]. As temperaturas de processamento normalmente variam de 350 a 425 ºC para moldagem por injeção, com encolhimento consideravelmente baixo (0,005 a 0,007 cm/cm [13]). Essas propriedades tornam o PEI uma boa escolha para estruturas de aeronaves [13], principalmente em painéis de assoalho, iluminação, assentos e outras estruturas secundárias e terciárias.


A liga comercial de alumínio AA2024-T351 é uma liga ternária (Al-Cu-Mg) tratável termicamente. Essa liga é comumente utilizada para fabricação de chapas, barras, componentes forjados e anéis laminados [15]. A liga 2024-T351 geralmente exibe resistência à corrosão razoável, médias a boas resistência ao trincamento por corrosão sob tensão e trabalhabilidade, e boa usinabilidade. Para o presente trabalho, rebites de 5 milímetros de diâmetro, com perfil de rosca M5, foram usinados de barras de 10 milímetros de diâmetro de AA2024-T351 trefiladas. A composição química dos rebites produzidos pode ser vista na Tabela 1. A resistência à tração média nominal das barras utilizadas para produção dos rebites usinados é 425 MPa, com alongamento média de 8% [15].

A microestrutura dos rebites de AA2024-T351 é mostrada na Figura 2. Os grãos são notadamente alongados e orientados na direção de trefilação (Figuras 2A e 2B). Pontos pretos vistos na Figura 2B, principalmente no interior dos grãos, são relativos a partículas secundárias e a intermetálicos. Essas partículas são identificadas como compostos intermetálicos de Al2Cu-θ e partículas secundárias de AlMgCuC (0,93% Mg; 0,73% Cu; 0,20% C) [8]. O PEI é um polímero amorfo e transparente, não sendo possível desse modo nenhuma visualização microestrutural através de microscopia ótica.


2.2.Métodos

2.2.1. Técnicas Analíticas

As medições de temperatura foram feitas através de termopares Cr-Ni do tipo-K (Figura 3A, Thermocoax, Alemanha) embutidos nas placas de PEI, e também de uma câmera de infravermelho (Figura 3B, Jenoptik, Alemanha).


2.2.2. Caracterização Mecânica

A dureza Vickers das amostras foi medida com o microdurômetro UT100 (BAQ GmbH, Alemanha). Os mapas de dureza da parte metálica das juntas foram obtidos de áreas com aproximadamente 400 mm2, compreendendo o volume do rebite imerso na placa polimérica. Os parâmetros de teste adotados foram 1,96 N (200 gf) de carga de endentação, 5 s de aplicação de carga e 0,5 mm de distância entre endentações consecutivas, de acordo com a norma ASTM E384-992e1 [16]. A microdureza do polímero foi obtida utilizando-se carga de 0,98N (100 gf) e tempo de aplicação de 15 s, segundo Calleja e Fakirov [17].

Os testes de tração das juntas de PEI/AA2024-T351 foram baseados em VDI 2230 Parte 1 [18], com uma velocidade da travessa de 0,5 mm/min, a 21 ºC, e realizados em uma máquina universal de tração Instron 1195 (50 kN). A resistência ao cisalhamento de juntas monorrebitadas (com rebite de 5 mm diâmetro, sem rosca) foi avaliada segundo a norma ASTM D5961 [19], com uma velocidade de travessa de 2 mm/min, a 21 ºC, em uma máquina de tração Zwick-Roell 1484 (200 kN). A Figura 4 apresenta as dimensões dos componentes das juntas e dos corpos de prova submetidos aos testes mecânicos descritos.


2.2.3. Equipamento e Procedimento de União

O equipamento utilizado para produção das juntas consiste em uma máquina de soldagem por fricção (RSM 200, Harms & Wende, Alemanha) conectada a um sistema de medição de força (Kistler GmbH, Alemanha) para medidas de torque. A Figura 5 ilustra o equipamento descrito.


Juntas de PEI / AA2024-T351 por FricRiveting foram produzidas adotando-se a seguinte faixa de parâmetros: 10000 a 21000 rpm (1050 a 2200 rad/s); 0,3 a 5 s; e 8 a 19,5 bar. A qualidade das juntas foi avaliada em termos da razão de aspecto do rebite (quociente entre a profundidade atingida pelo rebite no interior do polímero e a largura de sua ponta deformada) e do grau de defeitos térmicos na região da junta.

3. FricRiveting: Fases do Processo e Geração de Calor

O processo de rebitagem por fricção pode ser decomposto em fases referentes aos diferentes estágios de aquecimento e ao deslocamento axial do rebite em função do tempo de união. Essa analogia é comumente adotada em outros processos de união baseados em fricção como na soldagem por rotação de plásticos [20]. O processo pode ser dividido em cinco fases principais, como esquematizado na Figura 6. Na Fase I, o principal mecanismo de aquecimento é a fricção Coulombiana (no estado sólido); a fricção Coulombiana é encontrada também em outros processos de soldagem por fricção [21]. Acredita-se que a fricção no estado sólido no processo de FricRiveting é do tipo polímero-polímero, em que as rugosidades do metal penetram no polímero, sendo assim criado um filme sólido de polimero aderido ao metal, que passa a ser friccionado contra a superficie polimérica desgastada. Geralmente, o coeficiente de atrito dinâmico decai com a rotação e com o tempo, devido ao deslizamento do filme de polímero na superfície do metal (geralmente para polímeros dúcteis) ou por causa de pequenas partículas poliméricas dispersas que atuam como lubrificante [22] (geralmente para polímeros vítreos). Durante esse curto estágio, o deslocamento axial do rebite é virtualmente nulo (P-I, Figura 6).


O regime de fricção muda de sólido para o estado fundido quando o calor friccional é suficiente para a fusão/amolecimento do polímero na interface. Esse fenômeno marca o início da Dissipação Viscosa em Estado Transiente, ou Fase II (P-II, Figura 6). Durante esse estágio, o calor friccional é basicamente gerado por cisalhamento interno no polímero fundido/amolecido, devido ao desentrelaçamento das cadeias poliméricas [23]. Durante essa fase o rebite começa a penetrar na placa polimérica, à medida que o deslocamento axial cresce de modo não-linear com o tempo.

Na Fase III, ou Dissipação Viscosa em Estado Estacionário, há um equilíbrio entre a taxa de fusão/amolecimento do polímero logo abaixo da ponta do rebite em rotação, e a taxa de expulsão de material fundido (expelido como rebarba). Conseqüentemente, o deslocamento axial aumenta linearmente com o tempo. Ao final desse estágio, o nível desejado de plastificação da ponta do rebite é alcançado e o processo está pronto para a fase de forjamento.

Na Fase IV, ou Fase de Forjamento do Rebite, a rotação é desacelerada e a pressão axial (pressão de forjamento) é elevada. Como resultado, a espessura da camada de polímero fundido/amolecido é bruscamente reduzida logo abaixo da ponta do rebite. Há um aumento no volume da rebarba devido à adição extra de material expelido. Desse modo a taxa de deslocamento axial aumenta (ver mudança de inclinação da curva na região P-IV, Figura 6). A ponta do rebite é deformada, assumindo uma configuração parabolóide.

Na Fase de Consolidação, ou Fase V, a junta solidifica sob pressão constante. O deslocamento atinge um valor máximo, tornado-se constante (P-V, Figura 6). O polímero fundido/amolecido consolida-se ao redor do rebite, gerando uma interface unida por adesão.

Do ponto de vista analítico, a geração de calor pode ser estimada pela Equação 1. Esse modelo analítico, baseado nos dados experimentais, decompõe o calor devido à fricção em estado sólido e viscosa durante a fase de aquecimento, calculando o calor total médio (Qtotal) sendo gerado na área friccionada durante essa fase, como mostrado a seguir [8]:

onde:

µ é o coeficiente de fricção;

P(r) é a distribuição de pressão axial na região friccionada;

η é a viscosidade do polímero fundido/amolecido;

η0 é a viscosidade do polímero sob tensão nula (uma variável que tende a ser constante a baixas taxas de deformação;

β é o coeficiente de dependência da pressão axial com h;

Vmaxé a máxima velocidade tangencial de rotação na área friccionada;

Vαmax é a máxima velocidade axial (ou a Taxa de Penetração);

H é a espessura média da camada de polímero consolidada.

Da equação do modelo, pode-se concluir que a velocidade de rotação (representada por Vmax) tem uma influência quadrática sobre o aquecimento; a pressão axial (representada por P(r)) complementa a contribuição à geração de calor, apesar de em menor grau do que a velocidade de rotação. Estudos complementares sobre a modelagem térmica do processo serão publicadas futuramente.

3.1. FricRiveting: Propriedades das Juntas

3.1.1. Histórico de Temperatura

O Histórico de Temperatura no FricRiveting é dependente dos materiais de base e da geometria da junta. Em outras palavras, a história térmica é resultado do equilíbrio entre o aporte e a dissipação térmica. Desse modo, não apenas a condutividade térmica, mas também as propriedades reológicas do polímero fundido/amolecido - como a viscosidade - e o nível de calor friccional sustentado pela velocidade de rotação, tempo de união e pressão de união, irão influenciar a temperatura do processo.

A evolução da temperatura durante a rebitagem por fricção de PEI/AA2024 foi avaliada nos componentes poliméricos (com termopares embutidos em posições pré-determinadas no centro da junta, como mostra Figura 3B). Sabe-se de outros processos de soldagem baseados em fricção [24] que a medição direta da temperatura real na área friccionada é muito complicada devido ao movimento relativo das superfícies em contato. Considerando as curtas fases de aquecimento presentes no FricRiveting e a baixa condutividade térmica do polímero, é aceitável que a temperatura no material de rebarba seja praticamente a mesma da área friccionada. Portanto pode-se assumir que as temperaturas máximas médias obtidas através de termografia por infravermelho representam a temperatura média atingida na área friccionada.

A média das temperaturas máximas medidas pelos termopares e por termografia no infravermelho estiveram entre 300 e 500ºC. A Figura 7 apresenta um exemplo de monitoramento da temperatura, obtido para uma junta produzida com 21000 rpm, 3 s e 11 bar. As médias das temperaturas máximas medidas pelos termopares estiveram em uma faixa aproximada de 30 a 65ºC para os termopares H1, H3 e H4 e 350ºC para H2. As temperaturas mais altas foram medidas com o termopar H2, localizado nos pontos mais próximos do centro do rebite e da área friccionada. Esse fato indica que a temperatura tende a aumentar quando se aproxima da principal área fonte de calor - as superfícies em atrito.


A faixa de temperatura experimental medida é de aproximadamente 50 a 95% do ponto de fusão do rebite de alumínio e compreende a faixa de alterações térmicas do PEI. Desse modo, espera-se que tanto fenômenos metalúrgicos complexos no rebite quanto alterações macromoleculares no polímero ocorram durante o processo. A análise da temperatura de processo ajuda a basear as alteracoes microsestruturais apresentadas na Part 1 desse trabalho [25].

3.1.2. Resistência Mecânica Local das Juntas

A distribuição de microdureza em uma junta rebitada por fricção é função das mudanças estruturais associadas com o processamento termomecânico, como discutido na seção anterior. A Figura 8 exibe uma sobreposição esquemática dos resultados experimentais de mapeamento de microdureza de uma junta monorrebitada em PEI (placas extrudadas de 13,4 mm de espessura) e alumínio AA2024-T351 (rebites com perfil de rosca M5).


Como comportamento geral, pode-se observar um decréscimo na microdureza em comparação com o material de base nas porção do rebite inseridas no polímero, e um acréscimo da mesma no volume do polímero em torno do rebite. O diminuição da microdureza da MHAZ é normalmente menor do que na MTMAZ (HV-MHAZ ~ 95% e HV-MTMAZ ~ 85% da dureza média do material de base), como mostra a porção esquerda do mapa de microdureza da Figura 8, nas posições 1 e 2, respectivamente. Enquanto que na MHAZ nenhuma mudança visual na microestrutura ocorre, na MTMAZ há parcialmente refinamento e/ou recristalização dinâmica de grãos [25]. Esse fato se relaciona com os menores valores de microdureza, onde o recozimento foi mais intenso nas regiões do rebite próximas às superfícies friccionadas.

Após observação dos resultados do mapeamento de microdureza no polímero, representados no lado direito da Figura 8, notou-se que as regiões ao redor do rebite sofreram um aumento de microdureza em comparação com o material de base (HVPHAZ ~ 110% da dureza média de 284,0 ± 4,5 MPa referente ao PEI de base). Acredita-se que essas alterações gerais de dureza na PHAZ são devido ao envelhecimento físico e/ou endurecimento devido à perda de água estrutural típicas do polímero em questão. Estudos aprofundados estão sendo realizados para melhor entendimento dessa fenomenologia.

3.1.3. Resistência Mecânica Global das Juntas

3.1.3.1. Testes de Tração

A resistência à tração das juntas de PEI (placas de 13,4 mm de espessura) e AA2024 (rebites com rosca M5) foi determinada depois de uma seleção de um conjunto otimizado de parâmetros de união referentes às amostras produzidas; a seleção da junta otimizada seguiu o procedimento descrito na seção Equipamento e Procedimento de União.

As condições de união selecionadas para a fabricação dos corpos de prova de tração foram 21000 rpm, 3 s e 8 bar, que produziram uma junta com uma melhor razão de aspecto para o rebite e níveis reduzidos de defeitos. A Figura 9 mostra a curva média dos testes de tração dos materiais de base (rebite com rosca M5, e placas de PEI de 13,4 mm de espessura), bem como a curva média dos testes de tração e de cisalhamento das juntas. De uma média de 5 amostras, calculou-se uma força máxima de tração de 6068 ± 163 N para as juntas, enquanto que para os rebites esse valor foi de 6524 ± 162; o alongamento média de ruptura das juntas foi de 11,9 ± 1,2 %, e 8,9 ± 1,5% para o material de base. A falha da junta ocorreu por fratura na porção do rebite externa à área de união (Figura 10D). Os valores de resistência à tração das juntas apresentaram aproximadamente 93% da resistência à tração dos rebites com rosca M5.


 





Esses resultados podem ser mais profundamente compreendidos com o auxílio da análise fractográfica. As Figuras 10A e 10B exibem o rebite de AA2024-T351 fraturado; a Figura 11A e 11B mostra o corpo de prova de PEI fraturado. Tanto o rebite quanto as juntas falharam de modo similar. Nota-se que a fratura em tração da junta iniciou-se no primeiro filete de rosca embutido na placa polimérica, um comportamento típico de juntas rosqueadas com parafusos falhando por fratura dúctil sem empescoçamento (Figura 10C e 10D). Esse tipo de fratura segue a propagação de trinca a 45º por duas ou três voltas no filete, devido ao acúmulo de esforços associado ao severo mecanismo de concentração de tensões na área rosqueada. Além disso, um trincamento secundário estável ocorreu ao redor da AZ no volume do polímero (indicado pelas setas na Figura 10C). Esse tipo de fratura justifica a elevada performance sob tração apresentada por essa junta.


 




3.1.3.2. Testes de Cisalhamento sob Tensão

A combinação otimizada dos parâmetros de processo para os corpos de prova de cisalhamento (placas de PEI de 5 mm de espessura monorrebitadas com rebites de AA2024-T351 de 5 mm de diâmetro) foi a mesma que a utilizada para os corpos de tração (21000 rpm, 3 s, e 8 bar).

Na Figura 9 as curvas médias de tensão de tração em função da deformação das placas de PEI e de tensão de cisalhamento por deformação para os corpos monorrebitados podem ser observadas. Tanto o PEI puro como as placas de PEI rebitadas por fricção falharam de maneira frágil. A Figura 11A mostra um corpo de PEI fraturado, em que praticamente nenhum empescoçamento pôde ser observado. Isso é um indicativo da natureza frágil desse material. Adicionalmente mostrados na Figura 11B, microfibrilamentos múltiplos (multiple crazing) - microtrincas tipicamente encontradas em polímeros frágeis - embasam a suposição de fratura frágil.

A fratura frágil também foi observada na placa inferior de PEI dos corpos de cisalhamento sob tensão (Figuras 11C e 11D). Apesar da falha primária ter se iniciado por deformação plástica localizada (bearing) em torno do rebite em ambas as placas de PEI (Figura 11E), a trinca terminal ocorreu por fratura catastrófica frágil (net-tension) na placa de PEI inferior. Esse é um tipo de mecanismo de fratura satisfatório para juntas plásticas rebitadas, considerando que a fratura catastrófica pode ser evitada através de inspeções regulares.

A média das resistências máximas ao cisalhamento sob tensão atingiu valores de 77,5 ± 0,1 MPa, correspondendo a aproximadamente 70% da resistência de uma placa de PEI (111,7 ± 1,9 MPa). Esse resultado é relativamente bom, considerando que o PEI é altamente sensível a entalhes e que o furo ocasionado pelo rebite na placa polimérica age como concentrador de tensões.

4. Conclusões

No presente estudo, juntas de PEI/AA2024-T351 foram produzidas por Fricreviting e caracterizadas em termos de propriedades mecânicas e temperatura processual através da determinação dos mecanismos de adesão, evolução da temperatura e resistência mecânica sob solicitação de tração e cisalhamento sob tensão em condições estáticas.

As máximas temperaturas de processo chegam até 500ºC e correspondem a aproximadamente 95% da ponto de fusão do rebite de alumínio, e compreende a faixa de temperatura de degradação do polímero base. A elevada eficiência de ancoramento do rebite, está de acordo com as teorias de comportamento mecânico de juntas rebitadas por fricção, que correlacionam resistências superiores com maiores largura e profundidade da zona de ancoramento. Além disso, foram obtidos resultados satisfatórios com relação aos valores de resistência à tração das juntas que apresentaram aproximadamente 93% da resistência à tração dos rebites utilizados. A performance das juntas sob solicitação por cisalhamento sob tensão apresentaram aproximadamente 70% da resistência do polímero puro e a fratura frágil por net-tension na placa de polímero inferior foi o mecanismo de falha predominante para as juntas.

Como uma técnica de união alternativa para estruturas polímero-metal encontradas em aplicações industriais, como aeronáuticas e automotivas, o FricRiveting apresenta as seguintes vantagens e limitações: Vantagens - a) Pouca ou nenhuma necessidade de limpeza ou preparação de superfície dos componentes da junta; b) Não obrigatoriedade de pré-furos; c) Juntas hermeticamente seladas podem ser obtidas através da escolha do conjunto certo de parâmetros; d) Apenas o acesso unilateral às placas a serem rebitadas é necessário; e) A união é independente da posição (tanto vertical como horizontal); f) Número reduzido de estágios do processo e curtos tempos de união, o que potencialmente pode levar a redução de custos na produção; g) uma vasta gama de materiais podem ser unidos [8]; h) Maquinário simples e barato, assim como a possibilidade de aplicações robóticas; i) Boas performances mecânicas de tração e de cisalhamento das juntas. Limitações - a) O processo permite apenas a produção de juntas pontuais; b) O processo não é aplicável para polímeros termofixos sem a seleção de configurações otimizadas de juntas; c) Há uma espessura mínima de trabalho para as placas poliméricas, da mesma maneira que nos processos tradicionais de interação (ancoramento) mecânico. Através da experiência prática observou-se que o diâmetro do rebite deve ter aproximadamente a metade da espessura a ser unida para que um ancoramento mecânico ótimo seja atingido; d) Assim como em estruturas soldadas, coladas ou rebitadas, as juntas rebitadas por fricção não são remontáveis.

Os resultados gerados no presente trabalho mostraram o potencial dessa nova técnica de união. Outros estudos ainda são necessários para que se possa desenvolver o atual estágio de compreensão do conjunto de fenômenos que ocorrem no FricRiveting. Isso favorecerá a futura transferência industrial dessa nova técnica de união, que demonstrou ser simples, rápida e financeiramente eficiente para a união de termoplásticos avançados e ligas leves. Atualmente a técnica esta sendo investigada pela indústria aeronáutica européia, e resultados positivos já foram obtidos em juntas de compósito de fibra de carbono e de vidro com ligas de titânio, resultados esses a serem publicados posteriormente.

5. Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer o apoio financeiro proporcionado pelo Conselho Nacional de Pesquisa CNPq - Brasil e à DAAD (Alemanha). Os autores ainda são gratos ao Engenheiro C. Bueno e a Engenheira C. Rodrigues (UFSCar, São Carlos) pela ajuda com a tradução dos termos técnicos e formatação do artigo.

6. Referências

(Recebido em 27/10/2011; Texto final em 27/10/2011)

Artigo originalmente publicado no CONSOLDA 2009

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    Manuscrito traduzido e adaptado do trabalho vencedor do prêmio "Henry Granjon 2009 Categoria A do International Institute of Welding, publicado originalmente em "Welding in the World no 01-02, vol. 55, pp. 13-24, 2010.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      27 Out 2011
    • Aceito
      27 Out 2011
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