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Metodologia da investigação científica aplicada à área biomédica: 2. Investigações na área médica

PÓS-GRADUAÇÃO

Metodologia da investigação científica aplicada à área biomédica : 2. Investigações na área médica

Álvaro Oscar Campana

Prof. Titular, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Álvaro Oscar Campana Depto. de Clínica Médica - Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP 18618-000 - Botucatu, SP Tel. (014) 822-2969, fax (014) 822-2238 E-mail: alvaroc@fmb.unesp.br

A investigação científica nas áreas médica e biológica surgiu na Grécia no século V antes de nossa era, assumiu algumas características de ciência experimental, com Galeno, no século II DC, conheceu um período de estagnação de cerca de 14 a 15 séculos e recebeu impulso revigorador a partir dos séculos 16-17 quando do advento, na Europa, do método científico moderno. Na área médica, figuras importantes na pesquisa foram, nos séculos 17 e 18, Harvey, Morgagni, Bichat e outros, mas, no século 19, entre outros, cite-se Claude Bernard, que pôs em evidência o papel da pesquisa experimental para o amadurecimento e progresso da medicina.

Paralelamente ao exposto, outro conjunto de idéias é de interesse comentar. É sabido que a interpretação dos mecanismos das doenças e sua terapêutica sofreram avanços modestos até o século 19; a partir de 1800 é que ocorreram descobertas significativas concernentes a aquelas áreas. E há que se notar que tais descobertas foram conseguidas, em grande parte, às custas de conhecimentos do âmbito de ciências denominadas básicas, como histologia, microbiologia, física, química, bioquímica, farmacologia e, por fim, imunologia e genética. Dessa maneira, a maioria das pesquisas na área médica passou, aos poucos, a incluir a utilização de técnicas complementares relacionadas a várias áreas do conhecimento, o que tornou a pesquisa clínica em uma atividade multidisciplinar.

Finalmente, há um terceiro fator a considerar quanto ao progresso e à evolução da pesquisa médica. Ele corresponde à introdução da análise estatística para confirmação de achados e para a avaliação do tratamento médico.

Dessa maneira, três fatores representaram, a grosso modo, movimentos evidentes no sentido do aperfeiçoamento e progresso da investigação na área médico-biológica: a observação e a experimentação (esta no sentido de se provocar alguma alteração no indivíduo ou em grupo de indivíduos e observarem-se as conseqüências), o recurso a ciências ancilares e a análise estatística dos resultados.

Este é o legado de nossos antepassados, sobre que repousa a investigação atual na área médica e da qual será feito um apanhado a seguir.

1. ESTUDOS PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS(1)

As investigações na área médica podem corresponder a estudos primários ou a estudos secundários.

Estudos primários correspondem a investigações originais, que constituem a maioria das publicações encontradas nos periódicos médicos. Estudos secundários são os que procuram estabelecer conclusões a partir de estudos primários, com o registro resumido de achados que são comuns a eles.

Estudos primários:

• Relato de caso;

• Estudo de casos e estudo de casos e controles;

• Detecção de casos ("screening");

• Estudo de coorte;

• Ensaio clínico controlado randomizado.

Estudos secundários: correspondem a:

• Revisões:

- Revisões não sistemáticas, que correspondem a resumos de estudos primários;

- Revisões sistemáticas, semelhantes às anteriores, mas seguem uma metodologia definida e rigorosa;

- Metanálise, que, obedecendo uma metodologia rígida, produz resultados integrados a partir de dados de vários estudos primários.

• Guias ("Guidelines"), que, a partir de estudos primários, oferecem orientação para a prática médica;

• Análises de decisão, em que, a partir de estudos primários, registram-se probabilidades associadas a determinadas ações, intervenções ou tratamento. As alternativas e as probabilidades são expressas graficamente, sob a forma de "árvores de decisão";

• Análises econômicas, relacionadas com o uso adequado de recursos.

2. TIPOS DE PESQUISA (VER QUADRO 1 )


Uma classificação de pesquisas na área médica, relacionada à sua finalidade principal, é a que segue:

• Detecção de casos ("screening"), em que a investigação é conduzida em grupos populacionais grandes, estabelecendo-se o diagnóstico por meio de testes, em estágio pré-sintomático. O delineamento de escolha é o estudo transversal.

• Pesquisa etiológica ou etiopatogênica, relacionada ao agente causador de doenças ou aos fatores participantes de sua instalação. Delineamentos mais próprios correspondem ao estudo de coorte ou ao estudo de casos e controles. Relatos de casos podem, também, atender a esta finalidade.

• Pesquisa voltada aos procedimentos diagnósticos das doenças; nesta, estuda-se se um novo teste diagnóstico é válido e confiável. O delineamento recomendado é o estudo transversal. O novo teste é comparado com um teste ideal, que efetivamente detecte os doentes e seja negativo nos não doentes; este teste é conhecido como "gold standard" (padrão-ouro).

• Pesquisa que permite estabelecer seqüência de eventos desde fases iniciais da doença e, portanto, está relacionada com sua evolução e seu prognóstico. O delineamento preferido é o estudo de coorte.

• Pesquisa que envolve alguma forma de intervenção, como tratamento ou prevenção de doenças. O delineamento de escolha é o ensaio clínico controlado randomizado.

3. ESTUDO DE CASOS E ESTUDO DE CASOS E CONTROLE

Um tipo de pesquisa clínica é aquele em que o observador registra os dados relativos à observação clínica e laboratorial de grupo de indivíduos acometidos por uma doença. Em fases iniciais de estudo das doenças, a pesquisa freqüentemente inclui somente os casos de doença, não se servindo de grupo controle. Este tipo de pesquisa, a que se pode chamar de estudo de casos, é, portanto, não controlado e tem características fundamentalmente descritivas.

Quando os conhecimentos sobre a doença estão mais avançados, a pesquisa pode contemplar o estudo de dois grupos, o grupo de casos e o grupo controle. Este tipo de pesquisa é denominado estudo de casos e controles. Este estudo, por ser controlado, permite a proposição de hipóteses, que podem ser contrastadas pela comparação do grupo de doentes com o grupo controle. Dessa maneira, esta pesquisa envolve estudo de natureza analítica.

Quanto ao delineamento, a partir do momento inicial, o estudo é longitudinal e retrospectivo. Em ambos os estudos, observamos alterações que representam efeitos atuais de causas possíveis que ocorreram anteriormente: nestas condições, seu delineamento é denominado invertido. Os fatores considerados como possivelmente ligados à doença são todos levados em conta, não importando o número; pode ocorrer que alguns entrem na listagem como mais suspeitos.

O estudo de casos permite, fundamentalmente, a execução de pesquisa descritiva; por exemplo, o cálculo da freqüência de sintomas e sinais. O estudo de casos e controles pode detectar, entre os fatores, aquele que só comparece (ou deixa de comparecer) no grupo de doentes; a associação deste fator a este grupo é evidência para a hipótese formulada de que ele representa um fator causal com relação à doença estudada. Contudo, a validade deste estudo para determinação do agente ou fator etiológico é menor do que a de estudos de coorte e do ensaio clínico randomizado. Uma razão importante para essa crítica é a tendenciosidade na constituição do grupo de indivíduos doentes. Entretanto, o estudo de casos e controles é o método a que se pode recorrer, para estabelecimento da etiologia, no caso de doenças raras, quando técnicas como o estudo de coorte se tornam inexeqüíveis.

Constituição do grupo de doentes - Levar em consideração os seguintes aspectos:

• estabelecer qual o critério diagnóstico para a inclusão dos doentes no grupo;

• definir se os pacientes incluídos no estudo estão sendo acompanhados em ambulatório (geral? de especialidade?) ou procedem de enfermaria (qual delas?); esclarecer se os pacientes procedem de serviços médicos hospitalares diferentes;

• definir os estágios da doença e registrá-los; se houver variantes clínicas, caracterizá-las e registrá-las;

• qual foi o procedimento de recrutamento dos doentes?

• há condições e doenças concomitantes que indicam exclusão de pacientes? Por exemplo: tabagismo, etilismo, desnutrição, cânceres, doenças sistêmicas ou outras, afora a doença objeto de estudo; uso de medicamentos (anticoncepcionais) e drogas também levarão à exclusão?

• considerar grupos étnicos, sexo e faixa etária; e

• estabelecer critérios que permitam agrupar os doentes em diferentes estratos socioeconômicos; considerar alfabetização.

Constituição do grupo controle - O grupo controle deverá ter características de máxima semelhança com o grupo de doentes, com exceção da doença em si. Nestas condições:

• é recomendável que o grupo controle proceda da mesma área geográfica e que apresente características socioeconômicas e culturais idênticas às do grupo experimental;

• é recomendável que o grupo controle seja constituído por pessoas atendidas pelos mesmos serviços médicos de que se originaram os doentes. Alguns preferem não utilizar pessoas atendidas em hospital, mesmo que, obviamente, não apresentem a doença em estudo; neste caso, o grupo controle pode ser constituído por vizinhos, parentes ou colegas de trabalho ou de escola dos doentes que estão sendo estudados. Quando o pesquisador tem, à sua disposição, número razoável de indivíduos controles, ele poderá usar todos esses indivíduos ou utilizar amostra do conjunto desses indivíduos; para a constituição dessa amostra, poderá ser usado o processo de pareamento, ou seja, selecionar controles idênticos aos pacientes em algumas variáveis, como: sexo, idade, cor, nível socioeconômico e de educação.

4. RELATO DE CASO

O relato de caso descreve aspectos de interesse de um único paciente. A descrição pode conter dados da história e antecendentes do doente, dados do exame físico, evolução, resultados de exames complementares e terapêutica. A razão da publicação pode corresponder ou à raridade do caso, a alguma peculiaridade, ou a algum aspecto terapêutico de interesse.

5. DETECÇÃO DE CASOS ("SCREENING")

Detecção de casos ("screening") pode ser definida como o exame de pessoas assintomáticas a fim de se conhecer a probabilidade de terem (ou não terem) a doença que é o motivo do estudo. A detecção pode também referir-se à identificação das pessoas que apresentam alto risco de desenvolver a doença, embora ainda não a tenham. A detecção de casos é um estudo apropriado quando uma parcela significativa, embora pequena, da população é afetada(2).

Neste estudo, a investigação é conduzida em grupos populacionais grandes, estabelecendo-se o diagnóstico por meio de testes, em estágio pré-sintomático. O delineamento de escolha é o estudo seccional ou transversal ("cross sectional survey").

Esta investigação corresponde, por exemplo, a aquela que é empreendida em uma praça pública para verificar a tendência de o eleitorado votar em A ou B. Ou, ainda, qual a altura "normal" de um homem adulto. Ou, qual é a prevalência do tabagismo em tal ou qual comunidade.

A detecção de casos é investigação apropriada nas seguintes condições: a) quando a prevalência da doença básica na população é significativa; b) quando existe um teste diagnóstico que pode ser efetivamente aplicado num estudo de detecção; c) quando é possível intervir efetivamente na doença.

Note-se que a palavra detecção ("screening") é às vezes usada para referir-se à aplicação de teste realizado em pacientes sintomáticos, cujo diagnóstico ainda não foi estabelecido. Nesta acepção, a detecção faz parte dos procedimentos diagnósticos dentro do campo da clínica médica. Dessa maneira, "screening" tem duas conotações: uma, ligada à saúde pública e outra, ligada à medicina interna(2).

6. ESTUDOS SECCIONAIS OU TRANSVERSAIS(3)

Estudos em que a causa e o efeito estão presentes no mesmo momento, que é o momento analisado, são chamados estudos transversais. Exemplo: investigação, em amostra populacional, do relacionamento entre o tipo de trabalho profissional dessa amostra, no momento, e o nível de pressão arterial, também nesse momento. Por outro lado, também é exemplo de estudo transversal a investigação dos efeitos de causa que é permanente ou, pelo menos, característica do indivíduo. Exemplo: a pesquisa da relação entre grupo sanguíneo e doença. Dessa maneira, o estudo transversal caracteriza-se pelo fato de que a causa e o efeito estão ocorrendo simultaneamente, embora a causa possa existir só no momento atual, ou existir desde algum tempo no passado ou, por fim, ser uma característica do indivíduo.

Os estudos transversais podem ser controlados ou não controlados, descritivos ou analíticos. Os descritivos incluem observação e descrição de manifestações da doença.

Os estudos analíticos são aqueles desenvolvidos a partir de hipótese inicial; permitem verificar a associação causal entre o fator de risco e a doença e, também, a comparação entre os acometidos e não acometidos e expostos e não expostos. Fator de risco ou fator de exposição corresponde à variável independente de uma associação causal válida entre o fator em consideração e a doença implicada. Nestas condições, o fator de risco pode ser um agente físico, químico, um agente patogênico vivo, alguma anomalia ligada aos genes ou alguma doença anterior. O fator de risco pode atuar pela sua presença (exemplo: bactérias) ou ausência (exemplo: carência de vitamina A). O fator de risco está relacionado com a doença investigada e é aceito como tal após reiteradas validações de sua contribuição como causa da doença.

Alguns índices de interesse podem ser calculados a partir da comparação entre indivíduos expostos e não expostos (ver a tabela 1).

Na tabela 1, expostos significa o número de indivíduos expostos ao fator considerado e acometidos, os que apresentam a doença.

Índices: coeficiente de incidência da doença entre os expostos (Ie), que é igual a a/a+b; coeficiente de incidência da doença entre os não expostos (Io) que é igual a c/c+d. A associação entre o fator suspeito e a doença deve ser analisada estatisticamente, para verificação de sua significância.

Calcula-se, ainda, o risco relativo (RR), que é relação entre o coeficiente de incidência referente aos expostos e o coeficiente de incidência entre os não-expostos:

RR = Ie / Io

Finalmente, calcula-se o risco atribuível (RA), que corresponde à diferença entre os dois índices anteriores.

RA = Ie – Io

O risco atribuível é o risco a que está exposto um indivíduo, atribuído exclusivamente ao fator estudado. Trata-se de índice bastante utilizado no planejamento de programas de controle de doenças e na sua avaliação. O risco atribuível pode ser calculado para a população total, por meio de fórmulas específicas.

7. ESTUDOS EM SEGUIMENTO(4)

O estudo com seguimento, seqüencial ou longitudinal (com "follow-up") espelha a seqüência natural dos fatos; obedece, portanto, a delineamento natural: neste estudo, o grupo de indivíduos é acompanhado durante período de tempo variável, em que é observado o comportamento seqüencial de parâmetros de interesse para determinada doença. Corresponde ao estudo de coorte, podendo ser controlado ou não controlado.

No que consiste a coorte? Consiste na relação de grupo de pessoas consideradas sadias quanto à doença que se quer investigar e que, em relação a alguns critérios, é grupo homogêneo, apresentando características idênticas: mesmo ano de nascimento, mesma profissão ou mesmo tipo de trabalho, mesma área geográfica de procedência, mesmo nível socioeconômico, etc. Contudo, quanto à variável investigada, o grupo é heterogêneo: determinada percentagem das pessoas sofre a exposição a algum fator (que é o fator suspeito) e a percentagem restante não o é. A exposição ao fator pode ser episódica (exemplo: exposição a resíduo radioativo) ou permanente (exemplo: exposição ao fumo de cigarros). O estudo prospectivo (de duração variada, podendo ser bastante longa) permitirá comparar-se o aparecimento da doença em questão nos dois grupos: tanto será possível conhecer sua freqüência nos dois grupos, quanto se poderá determinar se há diferença na velocidade com que surge a doença nos dois grupos. Por hipótese, o grupo exposto ao fator suspeito mostrará freqüência maior da doença, que ocorrerá também significativamente mais cedo que no grupo não-exposto.

Um tipo especial de coorte é o que consiste no acompanhamento de um grupo de pacientes por um período também longo, o que possibilita o estudo evolutivo da doença. Pode-se, então, dispor de vários dados: aparecimento de novos sintomas e sinais no decorrer do tempo, com sua freqüência; dados relacionados ao prognóstico. Nota-se a diferença entre esse grupo e os referidos acima: lá, trata-se do seguimento de indivíduos e não de doentes; aqui, trata-se de doentes.

O estudo de coorte, pelas suas características, dá informações valiosas sobre causas das doenças, sobre sua incidência, sobre evolução do quadro clínico e sobre prognóstico.

A seguir, são descritos dois tipos de estudos longitudinais.

Estudo prospectivo propriamente dito ou estudo prospectivo concorrente - O delineamento deste tipo está em conformidade com o descrito acima. A denominação concorrente deriva de que o encaminhamento da pesquisa e da doença progridem concomitantemente. O exemplo clássico desta pesquisa é o estudo de Framingham, sobre doenças cardiovasculares, realizado nos Estados Unidos da América do Norte.

Estudo prospectivo não concorrente - A diferença, aqui, consiste em que a coorte é selecionada a partir de algum ponto no passado, mesmo que este se situe vários anos atrás. Neste caso, a exposição ao fator (episódica ou permanente) ocorreu, também, no passado ou vem ocorrendo desde o momento do início de formação da coorte, no passado. Dessa maneira, os casos de doença ocorridos são registrados desde o ponto inicial, no passado, até o momento final da pesquisa, logo após o início formal dos trabalhos de investigação. Este modelo foi usado para o esclarecimento dos riscos associados à exposição ao asbesto; para efeito de comparação, o grupo de não-expostos foi selecionado a partir da própria população de que o grupo de trabalhadores em asbesto fazia parte.

O estudo é chamado prospectivo porque, a partir de algum ponto no passado, verifica-se, com o decorrer do tempo, o aparecimento da doença que é alvo do interesse do pesquisador; por outro lado, é não concorrente, porque a evolução dos fatos analisados e o desenvolvimento da pesquisa ocorrem em tempos diversos.

8. ENSAIO CLÍNICO CONTROLADO RANDOMIZADO(5,6)

É a investigação preferida quando o objetivo é testar a eficiência do tratamento por drogas, por um procedimento cirúrgico ou por outro tipo de intervenção.

Em essência, dois grupos idênticos de pacientes são estudados, num delineamento prospectivo, isto é, em que os dados são coletados depois que se deu início ao estudo. De preferência, uma única variável é avaliada - por exemplo, o efeito de uma droga contra o efeito placebo. Ambos os grupos são acompanhados durante tempo especificado, após o que é analisado o comportamento da variável, tal como definido no início do estudo _ na realidade, isto corresponde ao resultado final ("end point") do ensaio; pode ser, por exemplo, a concentração do colesterol no soro ou, mesmo, algum evento clínico.

Técnica do ensaio - Os indivíduos acometidos por determinada doença são convidados a participar do ensaio; alguns não concordam em participar do estudo. Os demais, isto é, os participantes, são distribuídos em dois grupos: o grupo experimental ou de estudo e o grupo controle.

A distribuição dos pacientes nos dois grupos é feita ao acaso. Isto pode ser feito pelo uso de uma tabela de números casuais ou por meio de envelopes selados numerados seqüencialmente, cada um contendo um número ao acaso, gerado por computador. No caso em que os pacientes não são admitidos todos ao mesmo tempo no estudo, pode-se registrar o nome de determinado paciente que está sendo incluído para a investigação na primeira linha vaga de uma listagem. Na listagem, as linhas é que são sorteadas ao acaso, para indicar que o nome nela inscrito deve pertencer ao grupo experimental ou ao grupo controle. No caso do uso de placebo, este é que pode ser sorteado. Dessa maneira, as drogas e os placebos são mantidos em um conjunto, montado ao acaso, e eles são dados aos pacientes, de acordo com a ordem de entrada dos pacientes na investigação.

O tamanho da amostra é fator importante quanto à credibilidade dos resultados fornecidos pelo ensaio. A partir de um número pequeno de casos analisados, existe o risco de se chegar a uma conclusão que não corresponde à realidade. Esse problema pode ser superado pelo delineamento em que se preveja a participação colaborativa de mais de um ou de vários centros de pesquisa (ver item 11).

Em alguns casos, o estudo deve ser estratificado. A estratificação é feita quando há interesse ou necessidade de se estudarem, separadamente, sexos, determinados grupos etários ou variantes clínicas e estádios clínicos diferentes da doença em tela. Formam-se, assim, conglomerados ou blocos, tanto no grupo experimental, quanto no grupo controle. Neste caso, constituem-se blocos com números iguais de indivíduos.

Estudos cegos - Para evitar tendenciosidade, o pesquisador pode conduzir o experimento sem que ele saiba se o paciente pertence ao grupo experimental ou ao grupo controle, isto é, se determinado paciente recebeu a droga ou o placebo. Este experimento é chamado de experimento cego. Adicionalmente, o experimento pode ser conduzido sem que tanto médicos, enfermeiros e familiares, quanto os pacientes saibam a que grupo estes pertencem, experimental ou controle. Este procedimento permite evitar a tendenciosidade na resposta do paciente ao tratamento e na avaliação do investigador sobre o experimento. Este é o experimento denominado duplo cego.

O ensaio clínico controlado randomizado pode ser considerado como o meio mais poderoso para atribuir os resultados obtidos ao ensaio e não a outros fatores. Contudo, esta técnica levanta problemas éticos para o médico e o paciente. De fato, como pode o médico indicar um tratamento no qual ele não acredita totalmente ou que ele considera inferior a outro? Por outro lado, a relação médico-paciente tem mudado nas últimas décadas; atualmente, é mais freqüente o paciente desejar saber, com clareza, qual a sua doença e qual a melhor terapêutica para ela. Ele não está disposto a seguir um tratamento inferior a outro, mais conhecido, ou outro tratamento, cuja eficácia é ainda desconhecida. Pode também ocorrer que o doente não esteja disposto a seguir um delineamento cego.

Assim, é conveniente considerar os seguintes aspectos:

• este ensaio oferece chances de vir a ser executado inadequadamente, por ser de difícil e complicada realização;

• o ensaio não tem razão de ser se existe disponível e aceito um tratamento ou uma intervenção conhecida como eficaz e superior;

• argumentos éticos opõem-se a sugerir randomização;

• o número de pacientes necessário para o estudo pode ser muito alto;

• o ensaio não se aplica para estudo de prognóstico de doença (quando se deve optar pelo estudo longitudinal) ou para validação de teste diagnóstico ou "screening" (quando se deve optar pelo estudo transversal).

Entre os fatores que trazem dificuldades à realização do ensaio clínico randomizado, um deles é justamente a randomização. Há, de fato, estudos comparativos, em que os indivíduos são alocados aos grupos de intervenção e controle em uma maneira não randomizada. Estes trabalhos são denominados "outros ensaios clínicos controlados". Nestes, a randomização não é feita por ser não ética, não prática ou impossível.

Estes aspectos têm sido levados em conta no momento da decisão terapêutica. Para a decisão, os seguintes pontos devem ser considerados(7,8):

• se for possível conduzir um ensaio clínico bem controlado e que forneça resultados cientificamente aceitáveis, pode-se não empregar a randomização;

• o ensaio randomizado pode ser proposto nas seguintes condições: a) quando há discordância sobre o tratamento de escolha para o paciente; b) quando o médico não tem como julgar qual das alternativas é preferível no caso específico; c) o paciente não tem preferência por uma das alternativas. Nestas condições, o paciente é destinado, por acaso, a um tipo de tratamento e, após consentimento informado, passa a ser tratado pelo médico que considera este tipo de tratamento o mais apropriado para o paciente;

• quando o médico acredita que um tratamento é superior a outro, o paciente não deve ser incluído em estudo randomizado.

Os comentários acima deixam implícito que, embora o paciente seja atendido pelo seu médico, há que se contar com uma equipe de médicos no momento da decisão terapêutica.

Finalmente, os estudos duplamente cegos e o uso de placebo acrescentam complexidade adicional à investigação clínica e podem produzir intercorrências indesejáveis. Dessa maneira, estudos randomizados, cegos ou duplamente cegos, e que utilizam placebo incluem, com maior intensidade, a necessidade de se definir, com clareza, sua justificativa ética.

9. ENSAIO CLÍNICO CRUZADO ("CROSSOVER")

Delineamento em que metade de um grupo de indivíduos recebe um tratamento (por exemplo, uma droga) e a outra metade, o tratamento alternativo (placebo); a seguir, após período de repouso ("washout period"), há inversão, a primeira metade recebendo o placebo e a segunda, a droga em estudo. Este procedimento permite analisar os resultados em conjunto (todos os que receberam o tratamento contra todos os que receberam placebo), desde que a análise estatística mostre que não houve efeito do período de administração sobre os resultados das variáveis estudadas.

10. ESTUDO DA RELAÇÃO ESTÍMULO/EFEITO(9)

Número apreciável de pesquisas, em clínica, visa o efeito de estímulos sobre algum parâmetro biológico. O delineamento deste tipo de experimento obedece ao delineamento geral, já exposto em capítulos precedentes. Há, apenas, a fazer alguns comentários sobre os grupos experimentais.

Um tipo específico de estudo sobre a relação estímulo/efeito é aquele que utiliza apenas um grupo de indivíduos (doentes). É o denominado projeto antes-depois(8). Neste delineamento, constituído o grupo de estudo, medem-se os valores da variável em tela; a seguir, o estímulo é aplicado aos indivíduos do grupo e, então, medem-se, novamente, os valores da mesma variável. Dessa maneira, neste estudo, há apenas um grupo, que é o grupo experimental e o efeito do estímulo é avaliado pela comparação dos valores da variável antes e depois da aplicação do estímulo.

A crítica óbvia que se pode fazer ao delineamento acima descrito é a de que algumas variáveis incontroláveis possam interferir nos resultados, durante o tempo decorrido entre os momentos antes e depois do experimento.

Em conseqüência, o projeto antes-depois com grupo controle é utilizado para contornar essa crítica. Neste caso, há dois grupos, o experimental e o controle, e a medida da variável em estudo é feita, em ambos os grupos, no início da investigação. A seguir, o estímulo é aplicado somente no grupo experimental e, no final do experimento, os valores da variável em estudo são determinados em ambos os grupos. Este tipo de delineamento dá mais consistência à proposição de que o efeito observado se associa ao estímulo introduzido.

Projeto alternativo para o anterior, porém mais complexo, é o que procura eliminar até mesmo o possível efeito da própria medição da variável, realizada no início da investigação. Este projeto inclui quatro grupos; primeiro grupo: experimental I: logo de início, mede-se a variável em estudo (seja ela a variável "a") e, a seguir, aplica-se o estímulo; segundo grupo: controle I: mede-se a variável "a"; não se aplica o estímulo; terceiro grupo: experimental II: não se mede a variável "a"; aplica-se o estímulo; quarto grupo: controle II: não se aplica o estímulo e não se mede a variável "a". No fim do experimento, mede-se a variável "a" em todos os grupos. O experimento poderá trazer as seguintes informações: 1ª) o estímulo altera a variável "a" (observação dos grupos experimentais I e II); 2ª) a medição da variável, no início do experimento, não introduziu alteração de seu valor (observação dos grupos controles I e II).

Deriva-se do anterior, por simplificação, o projeto em que a medida da variável em estudo é feita somente após o estímulo, utilizando-se, para comparação, os valores no grupo controle.

11. ESTUDO COLABORATIVO MULTICÊNTRICO

Trata-se de estudo cooperativo entre várias instituições, o que permite a obtenção de massa significativa de dados, visando fundamentação mais sólida para a aceitação dos resultados. Envolve a elaboração de protocolo de atividades, que é seguido sem alteração pelas diversas equipes das instituições participantes, e o cumprimento idêntico dos vários procedimentos relacionados ao ensaio clínico, que é o objeto de estudo. O treinamento do pessoal envolvido na investigação, principalmente aquele orientado para as atividades mais complexas, é de grande importância.

12. REVISÕES E METANÁLISES(1)

Nos últimos anos, cresceu bastante o interesse relacionado a um ramo emergente da ciência médica, que é a "medicina baseada em evidências". Na realidade, a medicina baseada em evidências serve-se de procedimentos que a experiência do passado já consagrou. Entretanto, realça alguns deles e dá ênfase a seu encadeamento, visando aplicação efetiva no exercício da prática médica. Pontos essenciais a considerar são: 1) formulação adequada do problema; 2) modos de melhor responder à questão formulada: é o exame clínico? o diagnóstico laboratorial? a literatura médica disponível? outros? o objetivo é ater-se à melhor evidência para aceitar-se a solução da questão proposta; 3) análise da evidência: procurar saber quão próxima ela é da verdade; em outras palavras, este passo corresponde ao estudo da validade dos testes, do experimento, dos resultados; 4) aplicação prática(10).

Como já foi dito, procedimentos e técnicas não são diferentes daquelas que têm sido utilizadas até agora. Entretanto, não basta saber apenas que o resultado de determinado exame laboratorial mostra valor acima da faixa usual; o que interessa é saber qual a probabilidade de a doença "A" estar em jogo, tendo em vista o resultado esperado. Este exemplo mostra a associação de métodos epidemiológicos à pesquisa clínica, uma área que corresponde à epidemiologia clínica.

Revisões - Revisões sistemáticas são, igualmente, armas da medicina baseada em evidências. Revisões sistemáticas, por sua vez, dão azo a que um certo número de trabalhos venha a ser tratado estatisticamente (processo de metanálise), o que leva a uma síntese estatística dos resultados numéricos de vários trabalhos, todos dirigidos a responder à mesma questão.

As revisões podem ser sistemáticas ou não sistemáticas. As revisões sistemáticas procuram oferecer dados e informações, em conjunto, relativos a uma série de estudos primários, isto é, originais. A revisão, para ser considerada sistemática, deve ser realizada de acordo com metodologia explicitada e reprodutível. Em outras palavras, deve enunciar claramente quais são seus objetivos e quais são os critérios que determinaram quais trabalhos foram incluídos no estudo. A seguir, da revisão constam os dados de cada trabalho incluído, após verificada sua qualificação do ponto de vista metodológico. O passo seguinte é a reunião do maior número possível de dados e sua análise por meio de estatística apropriada - o que corresponde à metanálise. Feito isso, referem-se os resultados finais. O texto final corresponde, pois, a um sumário crítico da revisão, com enunciado de objetivos, descrição de materiais e métodos e relato de resultados.

Metanálise pode ser definida como "uma síntese estatística dos resultados numéricos de vários ensaios, todos dedicados a examinar a mesma questão".

Na revisão aludida acima, poderá haver vários resultados, de importância semelhante, de acordo com as circunstâncias. Nesta fase, o trabalho do investigador é decidir qual dos resultados finais (resultados dos vários estudos primários) é o melhor para uso na síntese que é o objetivo da metanálise (por exemplo: os trabalhos primários podem referir-se à mortalidade de determinada doença em três meses (ou em seis meses ou em um ano); na metanálise, o objetivo estabelecido pode ser o da mortalidade em seis meses).

Atualmente, os resultados de metanálise são apresentados sob forma padrão. A representação é conhecida como "forest plot" ou "blobbogram". Na figura 1, vê-se a representação teórica de um conjunto de trabalhos, submetidos à metanálise. Cada trabalho (ensaio clínico) é representado por uma linha horizontal; os trabalhos são dispostos um abaixo do outro. A marca ("blob") no meio da linha é o valor da estimativa da diferença entre os grupos; o comprimento da linha representa o intervalo de confiança de 95% da estimativa. A linha vertical é a linha de "não efeito": associa-se ao risco relativo de 1.0. Assim, se a linha horizontal não passar sobre a linha vertical, há 95% de chance de haver diferença real entre os grupos. A última linha representa os dados agrupados dos trabalhos analisados.

Na figura 1, está representado o resultado de um estudo relacionado com oito ensaios clínicos controlados randomizados. À direita, encontram-se os resultados de cada um dos oito trabalhos. Vamos supor que se trate da comparação do tratamento A com o tratamento B, analisando mortalidade dentro de um período de um ano. As linhas horizontais mostram as estimativas (e seus intervalos de confiança de 95%) de cada "razão de chances" (ou "produto cruzado", isto é, "odds ratio") dos ensaios que compararam tratamento A com tratamento B. No exemplo teórico figurado, nota-se que a última linha horizontal (que resume os dados dos oito trabalhos) é mais curta: é que o intervalo de confiança estreitou-se, é menor devido ao número grande de casos do estudo, analisados em conjunto. Além disso, a linha horizontal sobrepõe-se à de "não efeito", o que significa que, provavelmente, não há diferença entre o tratamento A e o tratamento B.


13. PESQUISA QUALITATIVA(1)

Pesquisa qualitativa foi, durante muitos anos, um tipo de investigação próprio da área de ciências humanas. Ultimamente, tem despertado o interesse de investigadores da área médica.

A pesquisa qualitativa visa o estudo de aspectos específicos, particulares, aplicado a grupos também específicos, com abordagem bastante ampla e buscando saber como as pessoas vêem e como se sentem quando defrontadas com as situações estudadas.

Com relação à metodologia empregada, um dos métodos é a observação. Diferentemente dos estudos quantitativos, a observação não visa, necessariamente, a enumeração. A observação consiste em ficar perto, em ouvir o que as pessoas têm a dizer e tomar conhecimento de suas preocupações. Outra técnica é a entrevista pessoal, em que o diálogo permite a exploração de tópicos em detalhe. Além da entrevista pessoal, o investigador pode programar entrevistas com grupo de pessoas, sadias ou doentes.

Além destas, outras diferenças metodológicas existem entre a pesquisa qualitativa e quantitativa. Na pesquisa qualitativa, não existe a necessidade de que o grupo estudado seja correspondente a uma amostra representativa da população. Ao contrário, o que se pretende é justamente a abordagem de um grupo particular, específico de pessoas.

No estudo quantitativo, a investigação surge após o enunciado de uma hipótese, ao passo que, no trabalho qualitativo, a hipótese pode surgir mais tarde, quando os procedimentos investigativos estão já em plena evolução.

Não há, também, rigidez a respeito do tema da investigação: aceita-se e até estimula-se que haja modificações do problema central do trabalho, quando os achados que estão se processando parecem apontar novos caminhos para a pesquisa.

Em fase adiantada da investigação, o pesquisador terá, disponível, um texto volumoso: um resultado de transcrição de entrevistas, por exemplo. Há, então, que se criar uma maneira sistemática de análise dos dados e selecionar passagens contendo exemplos que dão suporte à idéia que está sendo defendida no trabalho.

É também característica importante do trabalho qualitativo o fato de que, neste, os resultados da investigação correspondem, na realidade, à interpretação dos dados obtidos.

14. CONSIDERAÇÕES FINAIS

14.1.Testes diagnósticos: padrão-ouro

Qualquer que seja o tipo de investigação empreendida, é de fundamental importância a constituição adequada dos grupos de estudo, tanto do grupo de pacientes, quanto do grupo controle. O primeiro grupo tem de estar afetado pela doença e o grupo controle não deve ter a doença. É imprescindível, pois, que o diagnóstico seja comprovado no primeiro grupo e rejeitado no segundo. Neste caso, temos que utilizar um procedimento diagnóstico que nos dê garantia de que seu resultado positivo indique, realmente, a presença da doença. Isto é, é preciso dispor-se de um teste que efetivamente detecte a doença e seja negativo quando não há a doença(3). Este teste ideal é conhecido como "gold standard" - padrão-ouro; em muitos casos, ele é representado pelas características histopatológicas de tecido obtido por biópsia. Nem sempre o teste padrão-ouro pode ser utilizado; em conseqüência, número apreciável de investigações clínicas centram-se no estudo de um novo teste, em comparação com o teste padrão-ouro. Para isso, estudam-se dois grupos de indivíduos: um, afetado pela doença, conforme diagnóstico feito pelo teste padrão-ouro e outro, que não tem a doença, isto é, em que o teste foi negativo. O novo teste, o teste em estudo é, então, realizado nos dois grupos. Os resultados do novo teste, em comparação com os do teste padrão-ouro, são apresentados em uma tabela dois-por-dois (ver tabela 2).

Na população examinada, os casos situados na coluna esquerda da tabela são positivos para o teste padrão-ouro e, portanto, têm a doença em causa; os casos à direita são negativos para o padrão-ouro e, portanto, não têm a doença. Por outro lado, os resultados positivos e negativos para o novo teste estão apresentados em disposição horizontal. Dessa maneira, nota-se que se delineiam quatro tipos de resultados: verdadeiros-positivos, falsos-positivos, falsos-negativos e verdadeiros-negativos.

A validade do teste é caracterizada, quantitativamente, por meio de duas propriedades: a sensibilidade e a especificidade.

A sensibilidade é expressa pela relação a/a+c e indica a capacidade que tem o teste de oferecer resultado positivo em indivíduos com a doença em causa.

A especificidade é expressa pela relação d/b+d e indica a capacidade de o teste oferecer resultado negativo em indivíduos sem a doença.

Em outras palavras, o teste é altamente sensível (para a doença estudada), se ele for positivo na maioria dos doentes em que se espera que ele seja positivo e é altamente específico, se for negativo na maioria dos doentes em que se espera que ele seja negativo. Assim, testes sensíveis têm poucos falsos-negativos e testes específicos têm poucos falsos-positivos.

Obviamente, o ideal seria dispor de teste que fosse 100% sensível e 100% específico, isto é, que desse resultados sempre positivos no caso de doença e sempre negativos em indivíduos não afetados pela doença. Isto não ocorre na prática. Sendo assim, qual o teste que deve ser preferencialmente empregado? Para esta decisão, outras propriedades devem ser analisadas. Assim:

• a prevalência da doença na população clínica específica estudada, que é a proporção de doentes na população em estudo; a prevalência é dada pela fórmula a+c/a+b+c+d;

• o valor preditivo do resultado positivo corresponde à probabilidade de ter a doença, quando o teste é positivo; refere-se à relação entre o número de doentes com resultado positivo e o número total de resultados positivos obtidos, isto é, a/a+b;

• o valor preditivo do resultado negativo é definido como a relação entre os resultados verdadeiros negativos e o total de resultados negativos, isto é, d/c+d;

• o índice da probabilidade do teste positivo, que mostra quão mais provável é encontrar-se resultado positivo em alguém com a doença (em contraste com a pessoa que não tem a doença); a relação é dada pela fórmula sensibilidade/1-especificidade;

• o índice da probabilidade do teste negativo, que mostra quão mais provável é encontrar-se resultado negativo em pessoa que não tenha a doença, em contraste com aquela que tem a doença; a fórmula é (1-sensibilidade)/especificidade;

• a acurácia do teste é dada pela relação entre todos os resultados verdadeiros obtidos (positivos e negativos) e o total de exames realizados, isto é, a+d/a+b+c+d.

Suponhamos que a prevalência da doença a é de 0,1%; se o teste empregado tem sensibilidade de 100% e especificidade de 99%, em cada 1.000 indivíduos, temos uma reação positiva verdadeira (prevalência é de 0,1%; portanto, temos um doente em 1.000 indivíduos) e dez reações falsas positivas. Se a prevalência da doença é de 0,01%, temos dez vezes mais resultados falsos positivos, embora o número de resultados verdadeiros positivos continue correspondendo à unidade (considerando, agora, 10.000 indivíduos). Assim, é importante levar em conta que, à medida que a prevalência da doença diminui no grupo estudado, eleva-se o número absoluto das respostas falsas positivas. Em outras palavras, se o objetivo assumido é o de estudar um grupo em que a prevalência da doença é baixa, o emprego de teste altamente sensível mas de baixa especificidade será inconveniente, pela quantidade de resultados falsos positivos que fornecerá. No caso de uma investigação científica, é bastante provável que a prevalência da doença seja elevada no grupo selecionado. Sendo assim, pode-se esperar que sejam mais satisfatórios o valor preditivo do resultado positivo, o valor preditivo do resultado negativo e a acurácia da prova. Em outras palavras, nestas condições, as provas laboratoriais passam a ter maior significação diagnóstica, por se tornarem mais eficientes.

Em conclusão, no que concerne à investigação clínica, importa ter-se a menor dúvida possível a respeito do diagnóstico no grupo experimental (isto é, que o risco de incluir, neste grupo, indivíduos que não tenham a doença seja mínimo) e que, no grupo controle, seja mínimo o número de casos falsos positivos. Desta maneira, é aconselhável, para finalidades diagnósticas, o uso de teste que seja altamente específico.

14.2.Testes estatísticos comumente usados(1)

No quadro 2, apresentamos alguns tipos de investigação clínica, seus objetivos principais e os testes estatísticos que mais comumente podem responder aos quesitos formulados.


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  • 3. Campana AO. Introdução à investigação clínica. 1ª ed. São Paulo, SP: Editora Trianon, 1995.
  • 4. Rouquayrol MZ. Epidemiologia & saúde. 3ª ed. Rio de Janeiro: MEDSI, Editora Médica e Científica Ltda., 1988.
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  • 7. Kodish E, Lantos JD, Siegler M. Ethical considerations in randomized controlled clinical trials. Cancer 1990;65(Suppl):2400-2404.
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  • 9. Lakatos EM, Marconi M de A. Metodologia científica - Ciência e conhecimento científico; métodos científicos, teoria, hipóteses e variáveis. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 1991.
  • 10. Sackett DL, Haynes B. On the need for evidence-based medicine. Evidence - Based Medicine 1995;1:4-5.
  • Endereço para correspondência:
    Álvaro Oscar Campana
    Depto. de Clínica Médica - Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
    18618-000 - Botucatu, SP
    Tel. (014) 822-2969, fax (014) 822-2238
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 1999
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