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Prevalência de tabagismo em uma unidade de internação psiquiátrica de Porto Alegre

Smoking prevalence in a Psychiatric Unit in Porto Alegre, Brazil

Predominancia de tabaquismo en una unidad de internación Psiquiátrica de Porto Alegre

Resumos

Em função de impressões clínicas sobre a alta prevalência de tabagismo nos pacientes psiquiátricos internados, o Serviço de Psiquiatria do HCPA solicitou um estudo que avaliasse a prevalência de tabagismo na Unidade de Internação Psiquiátrica deste hospital. Foram realizados três censos consecutivos, com intervalo de trinta dias, em pacientes internados na Unidade (n=103). Foi utilizado o Questionário de Fagerström para mensurar a intensidade da dependência de nicotina. A prevalência de tabagismo foi de 46,7% , 54, 3% e 38,9% no primeiro, segundo e terceiro censo, respectivamente (p>0,05). A dependência foi considerada grave em aproximadamente 50% dos tabagistas nos três censos. A alta prevalência de tabagismo e a maior gravidade da dependência em pacientes psiquiátricos confirmam dados da literatura e justificam intervenções com a finalidade de minimizar os sintomas de abstinência - que podem ser confundidos com sintomas dos transtornos de base - em pacientes psiquiátricos internados.

Tabagismo; prevalência; comorbidade


Based on anecdotal clinical reports about the high prevalence of tobacco dependence in psychiatric inpatients, the Psychiatric Services of Hospital de Clinicas of Porto Alegre requested a study to ascertain its prevalence. Three consecutive censuses were developed, each 30 days apart, with a total of 103 in-patients, utilizing the Fagerström questionnaire for tobacco dependence to ascertain the severity of nicotine dependence. The prevalences found were 46.7% , 54.3 % and 38.9% , respectively, in the three consecutive samples (p>0.05). Dependence was categorized as severe in approximately 50% of all smokers in the three censuses. The high prevalence of nicotine dependence and the highest severity of dependence among the psychiatric patients confirms literature data and justifies interventions aimed at minimizing withdrawal symptoms - which may be confounded with symptoms of the psychiatric primary diagnosis - in patients hospitalized for psychiatric disorders.

Tobacco dependence; prevalence; comorbidity


En función de las impresiones clínicas sobre la alta predominancia de tabaquismo en los pacientes psiquiátricos internados, el servicio de Psiquiatría do HCPA solicito un estudio que evaluase la predominancia de tabaquismo en la Unidad de Internación Psiquiátrica de este Hospital. Fueron realizados tres censos consecutivos, con intervalo de treinta días, en pacientes internados en la Unidad (n = 103). Fue utilizado el Cuestionario de Fagestron para manejar la intensidad de la dependencia de nicotina. La predominancia de tabaquismo fue de 46.7 %, 54.3% y 38.9% en el primer, segundo y tercer censo respectivamente (p> 0,05). La predominancia fue considerada grave en aproximadamente 50 % de los tabaquistas en los tres censos. La alta predominancia de tabaquismo y la mayor gravedad de la dependencia en pacientes psiquiátricos confirman datos de la literatura y justifican intervenciones con la finalidad de minimizar los síntomas de abstinencia - que pueden ser confundidos con los síntomas de los trastornos de base - en pacientes psiquiátricos internados.

Tabaquismo; prevalência; comorbidad


SAÚDE PÚBLICA

Prevalência de tabagismo em uma unidade de internação psiquiátrica de Porto Alegre

Smoking prevalence in a Psychiatric Unit in Porto Alegre, Brazil

Predominancia de tabaquismo en una unidad de internación Psiquiátrica de Porto Alegre

Raquel De Boni; Flávio Pechansky

IDepartamento de Psiquiatria e Medicina Legal – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

IICentro de Pesquisa em Álcool e Drogas UFRGS, Porto Alegre, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Raquel De Boni Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRGS Rua Itaqui 99/502 90460-140 – Porto Alegre – RS – Brasil E-mail: raqueldeboni@msn.com

RESUMO

Em função de impressões clínicas sobre a alta prevalência de tabagismo nos pacientes psiquiátricos internados, o Serviço de Psiquiatria do HCPA solicitou um estudo que avaliasse a prevalência de tabagismo na Unidade de Internação Psiquiátrica deste hospital. Foram realizados três censos consecutivos, com intervalo de trinta dias, em pacientes internados na Unidade (n=103). Foi utilizado o Questionário de Fagerström para mensurar a intensidade da dependência de nicotina. A prevalência de tabagismo foi de 46,7% , 54, 3% e 38,9% no primeiro, segundo e terceiro censo, respectivamente (p>0,05). A dependência foi considerada grave em aproximadamente 50% dos tabagistas nos três censos. A alta prevalência de tabagismo e a maior gravidade da dependência em pacientes psiquiátricos confirmam dados da literatura e justificam intervenções com a finalidade de minimizar os sintomas de abstinência – que podem ser confundidos com sintomas dos transtornos de base - em pacientes psiquiátricos internados.

Descritores: Tabagismo, prevalência, comorbidade.

ABSTRACT

Based on anecdotal clinical reports about the high prevalence of tobacco dependence in psychiatric inpatients, the Psychiatric Services of Hospital de Clinicas of Porto Alegre requested a study to ascertain its prevalence. Three consecutive censuses were developed, each 30 days apart, with a total of 103 in-patients, utilizing the Fagerström questionnaire for tobacco dependence to ascertain the severity of nicotine dependence. The prevalences found were 46.7% , 54.3 % and 38.9% , respectively, in the three consecutive samples (p>0.05). Dependence was categorized as severe in approximately 50% of all smokers in the three censuses. The high prevalence of nicotine dependence and the highest severity of dependence among the psychiatric patients confirms literature data and justifies interventions aimed at minimizing withdrawal symptoms – which may be confounded with symptoms of the psychiatric primary diagnosis – in patients hospitalized for psychiatric disorders.

Key-words: Tobacco dependence, prevalence, comorbidity.

RESUMEN

En función de las impresiones clínicas sobre la alta predominancia de tabaquismo en los pacientes psiquiátricos internados, el servicio de Psiquiatría do HCPA solicito un estudio que evaluase la predominancia de tabaquismo en la Unidad de Internación Psiquiátrica de este Hospital. Fueron realizados tres censos consecutivos, con intervalo de treinta días, en pacientes internados en la Unidad (n = 103). Fue utilizado el Cuestionario de Fagestron para manejar la intensidad de la dependencia de nicotina. La predominancia de tabaquismo fue de 46.7 %, 54.3% y 38.9% en el primer, segundo y tercer censo respectivamente (p> 0,05). La predominancia fue considerada grave en aproximadamente 50 % de los tabaquistas en los tres censos. La alta predominancia de tabaquismo y la mayor gravedad de la dependencia en pacientes psiquiátricos confirman datos de la literatura y justifican intervenciones con la finalidad de minimizar los síntomas de abstinencia – que pueden ser confundidos con los síntomas de los trastornos de base – en pacientes psiquiátricos internados.

Palabras-clave: Tabaquismo, prevalência, comorbidad.

INTRODUÇÃO

O tabagismo é responsável por 20% das mortes nos EUA, estando relacionado às principais causas de morte da população adulta: doenças cardiovasculares, câncer e doenças respiratórias1,2. Atualmente existe 1 bilhão e 200 milhões de pessoas fumantes no mundo, sendo que sua prevalência na população adulta norte –americana é de 25%, o que é aproximadamente igual a estudo realizado em São Paulo, que encontrou prevalência de 24%1-3. Segundo estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Brasil ocorrem 200.000 mortes/ano associadas ao tabagismo, o que significa que 23 pessoas morrem a cada hora.3

Vários estudos têm demonstrado a comorbidade entre doenças psiquiátricas graves (como esquizofrenia e transtornos do humor) e dependência de nicotina4-7, sendo que alguns autores sugerem que pacientes psiquiátricos apresentam dependência mais intensa que fumantes sem comorbidade6. Entretanto, muitas vezes este diagnóstico não é realizado nos pacientes de unidades psiquiátricas7, e os sintomas de abstinência de nicotina (ansiedade, irritabilidade, humor deprimido, insônia) podem ser confundidos com os sintomas que levaram à internação. O Serviço de Psiquiatria do HCPA recomendou a avaliação dos hábitos de fumo dos pacientes atendidos na internação psiquiátrica deste hospital, pelo desconforto relatado pelos pacientes internados em função da abstinência ao tabaco, dentro de um projeto de abordagem ao tabagismo que se faz de forma regular dentro da instituição.

O objetivo desta comunicação breve é descrever os achados iniciais de prevalência de tabagismo em pacientes internados na Unidade de Internação Psiquiátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

MÉTODO

Foram realizados três censos consecutivos, com intervalo de trinta dias cada um, nos pacientes internados na Unidade Psiquiátrica do HCPA, cuja lotação máxima é de 36 pacientes. Foram escolhidos trinta dias em virtude da rotatividade dos pacientes, em função da taxa média de permanência na unidade. Mediante consentimento verbal, todos responderam ao Questionário de Fagerström, que avalia a intensidade da dependência ao tabaco. O questionário foi elaborado em 1978 8 e é composto por seis perguntas com diferentes pesos, sendo que o escore máximo é 10. O ponto de corte para identificar dependência grave ainda é controverso, tendo sido adotado neste estudo o ponto de corte de seis ou mais pontos.1,9,10. Até o presente momento, os autores não identificaram a validação concorrente do instrumento no Brasil. O questionário foi aplicado por estagiários de pesquisa treinados.

RESULTADOS

No primeiro censo foram entrevistados 32 pacientes, no segundo 35 e no terceiro, 36 pacientes. A porcentagem de fumantes encontrada foi de 46,7% no primeiro censo, de 54,3% no segundo e 38,9% no terceiro. No primeiro censo, 53,3% dos tabagistas eram mulheres; no segundo, 57,9% eram homens; e no terceiro, a proporção entre homens e mulheres foi idêntica. Em relação à idade, os entrevistados entre 19 e 30 anos foram maioria nos três momentos. As taxas de fumantes graves foram de 46,7 % no primeiro censo, de 47,6 % no segundo e 50% no terceiro. A pontuação média dos dependentes graves encontrada foi de 6,71 no primeiro censo; 7,44 no segundo e 7,57 no terceiro. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as três amostras (p>0,05). Os achados encontram-se descritos na Tabela 1.

DISCUSSÃO

Embora este seja um estudo de pequenas proporções, limitado a uma variável única e a uma população específica, os dados obtidos confirmam uma alta prevalência de fumantes na Unidade de Internação Psiquiátrica (aproximadamente 50% dos pacientes internados), consideravelmente maior do que a encontrada na população geral e maior do que a encontrada em pacientes internados de um hospital geral paulista (21%).9 Existe uma proporção significativa de dependentes graves em relação aos fumantes em menor grau. Tais achados vão ao encontro de dados descritos por outros autores em amostras semelhantes4-6. Ressalta-se que não houve diferença significativa entre as três amostras, sugerindo que os achados acima descritos apresentam constância na unidade de internação psiquiátrica estudada.

Além da gravidade da dependência, que pode estar diretamente relacionada com os sintomas de abstinência, vários estudos sugerem que pacientes com episódios prévios de depressão apresentam recorrência após a abstinência de nicotina11,12; mais ainda, que a nicotina pode diminuir a concentração sérica dos fármacos anti-psicóticos, o que têm implicações no tratamento dos pacientes em abstinência.13

Também foi observada uma prevalência alta em pacientes jovens (19-30 anos), o que aponta para a necessidade de prevenção do tabagismo em adolescentes, visto que a idade média de experimentação é de 13 anos. A nicotina irá levar a um uso problemático 30-60% destes jovens, e apenas 2,5% dos pacientes dependentes irão alcançar a abstinência a cada ano, de acordo com o consenso brasileiro sobre o tratamento da dependência de nicotina.1

CONCLUSÕES

Os dados acima descritos justificam abordagens terapêuticas que visem a minimizar os sintomas de abstinência à nicotina e reforçam a importância de avaliar tal dependência nos pacientes psiquiátricos, particularmente no início de seu tramento hospitalar. O consenso brasileiro sobre o tratamento da dependência de nicotina1 recomenda a reposição de nicotina para a maioria dos pacientes, exceto grávidas e idosos com risco cardiovascular, para o tratamento da abstinência. Sua associação com terapia comportamental breve em grupo seria de fácil execução e custo aceitável1, podendo ser indicada para os pacientes motivados a manter a abstinência.

Ao considerar a amostra específica de pacientes psiquiátricos, não foi objetivo deste estudo avaliar comorbidades. Entretanto, cabe ressaltar a importância da realização de estudos que avaliem as comorbidades psiquiátricas em pacientes tabagistas brasileiros, visto que o tratamento dos transtornos associados pode ser um fator importante para a elevação das taxas de abstinência ao tabaco.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à colaboração do Dr. Iverson Brandão, pelo auxílio valioso na coleta dos dados.

Recebido em 08/09/2003.

Revisado em 07/10/2003

Aprovado em 04/11/2003

Copyright ã Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul – SPRS

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  • Endereço para correspondência
    Raquel De Boni
    Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da UFRGS
    Rua Itaqui 99/502
    90460-140 – Porto Alegre – RS – Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      04 Nov 2003
    • Revisado
      07 Out 2003
    • Recebido
      08 Set 2003
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