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Influência dos precursores de prata no crescimento de nanopartículas metálicas em vidros óxidos de metais pesados

Influence of silver precursors on growth of metallic nanoparticles in heavy metal oxide glasses

Resumo

In this work we report a systematic study on the influence of the chemical nature of silver precursors on the formation of glass-ceramics from oxide glasses. Thermal, structural and optical properties were analyzed as a function of the glass composition. Controlled crystallization was achieved by thermal treatment of the samples above glass transition. The influence of time of treatment on both nanoparticle growth and optical properties of the samples was studied by transmission electron microscopy and UV-Vis spectroscopy, respectively. Results showed that only glasses containing AgCl and AgNO3 led to glass-ceramics growth after thermal treatment.

glasses; glass-ceramics; nanoparticles


glasses; glass-ceramics; nanoparticles

ARTIGO

Influência dos precursores de prata no crescimento de nanopartículas metálicas em vidros óxidos de metais pesados

Influence of silver precursors on growth of metallic nanoparticles in heavy metal oxide glasses

Paula S. ValleI; Murilo MontessoI; Marcelo NalinI, * * e-mail: mnalin@ufscar.br ; José Pedro DonosoII; Igor D. A. SilvaII ; Claudio J. MagonII

IDepartamento de Química - Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13565-905 São Carlos - SP, Brasil

IIInstituto de Física de São Carlos - Universidade de São Paulo, CP 369, 13560-970 São Carlos - SP, Brasil

ABSTRACT

In this work we report a systematic study on the influence of the chemical nature of silver precursors on the formation of glass-ceramics from oxide glasses. Thermal, structural and optical properties were analyzed as a function of the glass composition. Controlled crystallization was achieved by thermal treatment of the samples above glass transition. The influence of time of treatment on both nanoparticle growth and optical properties of the samples was studied by transmission electron microscopy and UV-Vis spectroscopy, respectively. Results showed that only glasses containing AgCl and AgNO3 led to glass-ceramics growth after thermal treatment.

Keywords: glasses; glass-ceramics; nanoparticles.

INTRODUÇÃO

Vidros óxidos contendo metais pesados (VOMP) têm sido bastante estudados para aplicações em óptica por apresentarem altos valores de índice de refração linear e não linear.1 Esta propriedade advém da hiperpolarizabilidade dos átomos pesados presentes na matriz vítrea. Além dos efeitos não lineares, outras propriedades, como baixa absorção de dois fótons e efeito Kerr ultra-rápido, classificam estes materiais como candidatos a chaveadores ou fibras ópticas para aplicações no campo da fotônica apresentando grande interesse tecnológico.1 Com intuito de explorar mais amplamente estas propriedades, muitos trabalhos vêm sendo dedicados a incorporação de metais nobres, tais como Ag, Au, Pt e Cu, em composições de VOMP.2 Utilizando processos de tratamento térmico3 ou irradiação com lasers4 (fotorredução), pode-se induzir o crescimento destes metais na forma de nanopartículas. Vidros contendo nanopartículas cristalinas são denominados de nano-vitrocerâmicas.5 Outras técnicas também podem ser empregadas para incorporação de íons metálicos e subsequente preparação de nanocristais em vidros, tais como troca iônica ou implantação de íons negativos,6,7 porém, em ambos os casos, uma etapa adicional de tratamento térmico também é necessária.

Vidros estão entre os melhores hospedeiros para nanopartículas de metais nobres e apresentam interessantes aplicações em fotônica8 devido, principalmente, à presença do efeito de ressonância de plasmons superfíciais (SPR). Este fenômeno, proveniente de efeitos quânticos nos nanocristais metálicos, pode ser explicado como oscilações coletivas de elétrons na superfície das nanopartículas9 e vem sendo utilizados em dispositivos plasmônicos2 e sensores.10 Embora muitos trabalhos científicos já tenham demonstrado o potencial de aplicações das vitrocerâmicas contendo nanopartículas de prata, não foi encontrado nenhum trabalho com viés fundamental, focando, principalmente, na influência dos diferentes precursores de prata nas propriedades finais dos materiais, bem como, no crescimento das nanopartículas. Dessa maneira, neste trabalho analisou-se a influência da incorporação de diferentes precursores de prata nas propriedades térmicas, estruturais e ópticas de vidros óxidos de metais pesados. Também é mostrado como o precursor influencia no crescimento de nanopartículas metálicas utilizando a metodologia de tratamento térmico. O sistema vítreo utilizado para análise foi o SbPO4-WO3-PbO-X, tendo que X pode ser AgCl, AgO, Ag2O ou AgNO3. As amostras foram estudadas por calorimetria exploratória diferencial (DSC), difração de raios X, espectroscopias UV-Vis, Raman e M-Lines, ressonância paramagnética eletrônica e microscopia eletrônica de transmissão.

PARTE EXPERIMENTAL

Preparação das amostras vítreas

Foram preparadas quatro amostras com base no sistema vítreo 1-x(0,5WO3 - 0,3SbPO4 - 0,2PbO)-x, com x representando AgCl, AgNO3 AgO e Ag2O. As concentrações dos compostos de prata utilizados totalizaram 5% em mol de Ag. Todos os reagentes de prata, bem como o WO3 e PbO, possuem pureza analítica. SbPO4 foi preparado segundo o procedimento descrito por Nalin e colaboradores.11 Os componentes dos vidros foram pesados e macerados em um almofariz de ágata, em seguida transferidos para um cadinho de platina e levados ao forno. Para as amostras de AgCl e AgO, realizou-se a fusão a 1100 oC durante 30 min. Posteriormente, a temperatura do forno foi reduzida a 980 oC, onde o líquido permaneceu por 5 min antes de ser transferido para um molde de aço, previamente aquecido a 350 oC. As amostras contendo Ag2O e AgNO3 foram fundidas a 1100 oC, porém, a temperatura de transferência para o molde foi de 1010 oC. As amostras foram deixadas no forno para recozimento durante 2 h à 350 oC e, posteriormente, o forno foi desligado e resfriado até a temperatura ambiente. As amostras foram então cortadas e polidas usando lixas de SiC com diferentes granulometrias.

Tratamento térmico e crescimento das nanopartículas

A formação das vitrocerâmicas foi realizada por tratamento térmico a 480 oC por diferentes tempos (5 e 10 h). Para minimizar efeitos secundários e evitar possíveis variações nas propriedades das amostras durante o processo de crescimento das nanopartículas, os tratamentos térmicos foram realizados utilizando-se uma amostra de cada sistema em um único procedimento.

Caracterização das amostras

Os materiais foram caracterizados visando a estudar possíveis variações nas propriedades estruturais, ópticas e térmicas em função da adição dos compostos de prata. As temperaturas características dos vidros (Tg, transição vítrea e Tx, início da cristalização) foram obtidas usando Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) em um equipamento 2910 da TA Instruments, na faixa de temperatura entre 200 e 600 oC, usando pedaços de vidros (~30 mg), em panelinhas de alumínio, seladas e sob atmosfera de N2. A taxa de aquecimento utilizada foi de 10 oC min-1. O erro estimado utilizando esta técnica é de ± 2 oC tanto para Tg como para Tx. Difração de raios X foi empregada para analisar a presença de fases cristalinas existentes nas amostras vítreas antes e após o tratamento térmico e foi realizada pelo método de pó, utilizando um difratômetro Simens Krystalloflex com radiação Cuκα, no intervalo de 2θ, entre 04 e 70 o. Espectros de espalhamento Raman foram obtidos usando um espectrômetro HORIBA (Jobin Yvon) - LabRAM-HR equipado com um microscópio (micro Raman) e laser de He-Ne, com l = 632,8 nm, no intervalo de 100 a 1400 cm-1. As curvas na região do UV-Vis foram obtidas dos vidros polidos usando um equipamento VARIAN, modelo Cary 5000 Scan, na faixa espectral de 2000 a 400 nm. Os valores de índice de refração foram obtidos utilizando um equipamento MATRICON 2010 com λ = 632 nm, sendo o erro associado à medida de 10-4. Para confirmar a presença de nanopartículas foi utilizado um microscópio eletrônico de transmissão (MET) Philips CM 120. A preparação da amostra foi feita primeiramente, cominuindo-se um pedaço do vidro em um almofariz. O pó foi suspenso em etanol utilizando um banho ultrassônico e, posteriormente, gotas da suspensão foram depositadas sobre uma grade de cobre recoberta com filme de carbono.

As amostras vítreas foram caracterizadas por ressonância paramagnética eletrônica (RPE) a partir dos vidros pulverizados antes do tratamento térmico, utilizando um espectrômetro Varian E-109 operando na banda-X (9,476 GHz). As medidas foram realizadas a T = -258 oC e à temperatura ambiente. É importante mencionar que as medidas de EPR foram realizadas com todas as amostras nas mesmas condições experimentais, ou seja, mesma temperatura (-258 oC), mesma potência de microondas (1 mW) e mesma modulação (5 G). As intensidades dos espectros foram corrigidas pelas massas das amostras e, para fazer a comparação entre eles, normalizamos pela intensidade da linha do Fe3+ que está presente como impureza natural em todas as amostras. Esse estudo foi realizado visando subtrair o efeito das impurezas na medida permitindo identificar o sinal da prata em g = 2,07. Posteriormente os valores obtidos para a matriz pura foi subtraído dos dados obtidos para as amostras contendo os compostos de prata.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos vidros sem tratamento térmico

Como dito na sessão experimental, os vidros contendo AgCl e AgO foram obtidos em temperaturas diferentes daqueles contendo Ag2O e AgNO3. A maior temperatura antes do vertimento do líquido no molde pré-aquecido se deve ao fato que as amostras contendo Ag2O e AgNO3 se tornavam muito viscosas abaixo de 1010 oC, dificultando a vazão do fundido para o molde. Independentemente do composto de prata adicionado ao vidro, todas as amostras obtidas são transparentes e apresentam coloração amarela. Difratogramas de raios X foram obtidos para as composições vítreas e, em todos os casos, somente a presença de halos de difração, característicos de materiais não-cristalinos foram observados. A influência da natureza química do composto de prata nas temperaturas características dos vidros foi analisada por DSC. As curvas obtidas para as amostras sem tratamento térmico acima de Tg são mostradas na Figura 1a. Os valores das temperaturas características foram comparados com aqueles obtidos para um vidro sem adição de prata (Tg = 459 e Tx = 579 oC).12 Como podemos observar, a incorporação dos diferentes compostos de prata aumenta ligeiramente o valor de Tg para a amostra contendo Ag2O, entretanto, para as demais composições Tg permanece constante. Por outro lado, podemos observar que a adição dos óxidos aumenta significativamente a temperatura de Tx. O parâmetro Tx-Tg é comumente utilizado para estimar a estabilidade térmica de uma composição vítrea frente à cristalização. Assim, podemos afirmar que a adição dos óxidos aumenta a estabilidade dos vidros em, pelo menos, 50 oC quando comparado às composições contendo AgCl e AgNO3. Os valores experimentais de DSC são resumidos na Tabela 1.


Os compostos de prata incorporados aos vidros podem sofrer decomposição durante o processo de fusão a alta temperatura segundo as reações abaixo:

Nesse sentido, todos os compostos levam ou deveriam levar à formação de prata metálica nas matrizes vítreas durante o procedimento de preparação das amostras. Assim, devemos considerar que a prata deve estar na forma de clusters, contendo somente alguns átomos metálicos e com dimensões muito reduzidas, uma vez que não foi possível observar a presença de nanopartículas por microscopia eletrônica nestas amostras. A confirmação da formação de prata metálica foi acompanhada usando RPE. Os espectros de RPE da Figura 2 apresentam três sinais. A ressonância em 1570 Gauss (g = 4,3) é atribuída a íons Fe3+ isolados em simetria tetraédrica ou octaédrica com distorção rômbica.15,16 O íon Fe3+ tem configuração eletrônica 3d5, com spin S = 5/2 no estado fundamental 6S5/2. Na região de g » 2,0 (em torno de 3400 Gauss na Figura 2), o espectro de RPE mostra dois sinais superpostos, sendo um deles composto por um conjunto de linhas de pouca intensidade, o qual é característico do íon paramagnético Mn2+ ocupando sítios com simetria octaédrica com distorção tetragonal.17 O íon Mn2+ tem configuração eletrônica 3d5 e spin eletrônico S = 5/2. Como o spin nuclear do isótopo 55Mn (abundância natural 100%) é I = 5/2, o espectro de RPE do Mn2+ consiste em um conjunto de seis linhas hiperfinas. Esta estrutura hiperfina resulta da interação dipolo-dipolo entre o momento magnético do núcleo 55Mn e o momento eletrônico do elétron desemparelhado do Mn2+. A separação entre estas linhas no espectro permite determinar a constante hiperfina, A = 80 ± 6 Gauss, valor que está de acordo com o relatado para Mn2+ em vidros óxidos. Cabe salientar que estes dois sinais, em g = 4,3 e g » 2,0, estão presentes também nas amostras de vidro não dopadas, sugerindo que eles resultem da presença de impurezas, Fe e Mn, nos óxidos metálicos utilizados na preparação dos vidros. O sinal intenso, centrado em g = 2,07 (3272 G na Figura 2), pode estar associado à presença de íons prata. Os íons Ag2+ e os átomos Ag0, de configurações eletrônicas 4d9 e 4d105s1, respectivamente, são paramagnéticos, mas o íon Ag+, de configuração eletrônica 4d10, não é paramagnético e, portanto, não gera espectro de RPE. Garnica-Romo e col. identificaram sinais espectrais em g » 1,95, em vidros de SiO2 dopados com AgNO3 tratados termicamente, como resultantes de elétrons desemparelhados em nanopartículas de prata.18 Mitrikas e col. também associaram o sinal de RPE observado em g = 2,0, assim como as curvas de recuperação do eco de spin eletrônico, em matrizes de SiO2 dopadas com AgNO3 com a presença de nanopartículas de prata.19 As pequenas diferenças observadas nos valores de g com relação ao valor da prata metálica (g = 1,9827) têm sido atribuídas a efeitos quânticos nos agregados de prata.20


Com o intuito de avaliar a influência dos precursores de prata nas propriedades estruturais das amostras vítreas, estas foram estudadas usando espectroscopia Raman. Nenhuma variação significativa foi observada nos espectros em função da natureza do composto de prata adicionado (Figura 1Sa). Devido à semelhança dos espectros, estes são mostrados somente no material suplementar, disponível on-line.

Da mesma maneira, as propriedades ópticas analisadas por UV-Vis não sofrem nenhuma variação nesta região. Nota-se também que a adição dos diferentes precursores de prata não causa mudanças significativas no gap óptico dos vidros, como pode ser visualizado na Figura 2S. Os valores de índices de refração dos vidros foram medidos para λ = 632 nm e apresentaram valores iguais (2,072) para a amostra contendo AgCl, AgNO3 e Ag2O, enquanto o valor obtido para a amostra contendo AgO foi 2,070. Este conjunto de resultados mostra que, independentemente da natureza química do composto de prata utilizado, não há variação significativa nos valores de índice de refração dos vidros.

Caracterização dos vidros após o tratamento térmico

Todas as amostras foram tratadas termicamente em atmosfera ambiente por 5 e 10 h a 480 oC, portanto, acima da temperatura da transição vítrea. A influência do tratamento térmico também foi estudada por análise térmica. Na Figura 1b podemos observar que, para os vidros tratados durante 5 h, os valores de Tg permanecem constantes para as amostras contendo AgCl e AgNO3, enquanto que uma ligeira diminuição foi observada para as amostras contendo os óxidos. Por outro lado, os valores de Tx e do parâmetro Tx-Tg, diminuem para todas as amostras. Na Figura 1c verificamos que o aumento do tratamento térmico (10 h) não altera significativamente os valores das temperaturas características dos vidros em relação ao tratamento realizado durante 5 h. Uma característica que se torna mais evidente após o tratamento térmico é a separação dos picos de cristalização presentes nas amostras contendo AgCl e AgNO3. Notou-se uma grande semelhança entre as curvas, sugerindo que tanto o processo de cristalização como as fases cristalinas formadas foram semelhantes. Seguindo o mesmo raciocínio, as curvas dos vidros contendo os óxidos também se comportam de mesma maneira.

As amostras tratadas por 5 e 10 h também foram estudadas utilizando espectroscopia Raman e observou-se que, mesmo após o tratamento térmico, os espectros não apresentam variações significativas nas energias das bandas existentes em relação as amostras não tratadas. Por outro lado, as curvas de absorção na região do UV-Vis para as amostras contendo AgCl e AgNO3 apresentam diferenças significativas quando comparadas com as amostras sem tratamento térmico. Como podemos observar na Figura 3, após o tratamento térmico de 5 h, as amostras contendo cloreto e nitrato de prata apresentam bandas de absorção centradas em 552 e 545 nm, respectivamente, enquanto nenhuma mudança significativa na absorção foi observada para as amostras contendo os óxidos. O tratamento térmico durante 10 h aumenta ligeiramente a intensidade das bandas da amostra contendo cloreto de prata, como mostrado no inserto da Figura 3, porém, novamente, não provoca nenhuma mudança nos espectros das amostras contendo óxidos.


As bandas de absorção podem ser atribuídas à ressonância de plasmons superficiais (SPR) decorrentes do crescimento dos clusters de prata e culminando na formação das nanopartículas metálicas no interior dos vidros. Este fenômeno é bem conhecido e vem sendo bastante explorado nos últimos anos devido à possibilidade de sua utilização em vidros, para aumentar a emissão de terras raras na região do infravermelho, visando a aplicações em amplificadores para telecomunicações.9 Resultados recentes de obtenção de nanopartículas em vidros óxidos de metais pesados21 mostram que a energia da banda SPR depende de vários fatores tais como o tamanho da nanopartícula, sua geometria e o valor do índice de refração do dielétrico (neste caso, da matriz vítrea). O aumento do tamanho da partícula e/ou do índice de refração do vidro pode ser responsável pela diminuição da energia da SPR. A intensidade da banda pode ser relacionada, principalmente, ao número de partículas. Assim, atribuímos o ligeiro aumento na intensidade da banda SPR, observado para amostra tratada 10 h, ao aumento do número de partículas. A confirmação da presença das nanopartículas nos vidros contendo AgCl e AgNO3 foi obtida por MET a partir das amostras tratadas durante 10 h e pode ser observada nas Figuras 4a e 4b, respectivamente. Como insertos nas Figuras 4a e 4b são mostradas as curvas de distribuição média do tamanho das nanopartículas que, podemos notar, são bastante semelhantes, apresentando os valores de 3,2 nm para a amostra contendo AgCl e 3,1 nm para amostra contendo AgNO3. Os valores dos índices de refração foram novamente medidos para estas duas amostras após o tratamento térmico de 10 h. Os resultados obtidos para as amostras contendo AgCl e AgNO3 apontam um aumento de n (em λ = 632 nm) passando de 2,072 (para as amostra sem tratamento) para 2,080. O aumento de n pode ser atribuído ao aumento da polarizabilidade advindo da presença das nanopartículas metálicas. Entretanto, como o aumento de n foi igual para as duas amostras, a diferença de energia entre as bandas SPR deve ser atribuída à diferença do tamanho médio das partículas como foi observado por microscopia.



Na sessão anterior, discutimos a respeito da existência de prata metálica dispersa no vidro, assim, podemos afirmar agora que o tratamento térmico acima de Tg para as amostras contendo AgCl e AgNO3 favorece a migração dos átomos de prata levando à formação das nanopartículas. Dessa maneira, observamos que as propriedades (térmicas e ópticas) das duas amostras são muito parecidas, sugerindo que, após o processo de fusão, as composições dos vidros sejam semelhantes.

As amostras contendo Ag2O e AgO apresentaram propriedades distintas dos vidros discutidos acima. Além de não mudarem de coloração após o tratamento térmico de 10 h, também apresentaram comportamento diferente na análise térmica e, finalmente, não possuem nanopartículas, como foi verificado por MET. Uma possível explicação para esse fato é que o Ag2O e o AgO podem não ter sido totalmente decompostos durante o processo de fusão dos vidros, permanecendo, em grande parte como Ag2O e, possivelmente, fazendo parte das estruturas dos vidros. A presença dos óxidos aumentou a estabilidade vítrea da composição SbPO4-WO3-PbO sugerindo que unidades do tipo -Ag-O-Ag-O- podem estar ligadas à estrutura que compõe o esqueleto da matriz vítrea e que, mesmo após o tratamento térmico acima de Tg, não ocorre a difusão dos átomos de prata e a consequente formação de uma estrutura organizada, a qual poderia ser metálica ou mesmo do óxido. Estas conclusões foram baseadas nos resultados discutidos previamente nas referências,22,23 as quais discutem dados obtidos para sistemas vítreos à base de sílica22 e outros oxidos23 e onde foi identificada a presença de prata na forma de Ag2O, mesmo com a síntese dos vidros sendo realizada acima de 950 oC. Neste contexto, e considerando os resultados obtidos em nosso trabalho, acreditamos que nossas conclusões estão de acordo com os dados relatados por estes autores.

Por outro lado, a hipótese mais provável para a ausência das nanopartículas metálicas de prata deve estar relacionada à temperatura usada para o tratamento térmico. Devido ao maior valor de estabilidade térmica determinado para as amostras contendo os óxidos, a temperatura escolhida para o tratamento térmico (480 oC) pode não ser suficientemente alta para induzir a difusão da prata pela estrutura do vidro. Entretanto, salientamos que o valor da temperatura de tratamento térmico foi escolhida com base nos valores de Tg dos vidros.

A presença das nanopartículas metálicas nos vidros pode ser explorada de diversas maneiras, sendo que duas aplicações se destacam. A primeira está relacionada às propriedades não lineares dos vidros óxidos de metais pesados, dos quais a formação das nano-vitrocerâmicas pode melhorar ainda mais as propriedades e resultar na fabricação de dispositivos totalmente ópticos, como vem sendo proposto em vários trabalhos.21,24 Outra aplicação é a preparação de amplificadores ópticos contendo, simultaneamente, nanopartículas metálicas e íons terras raras, tais como Er3+ e Tm3+. Em princípio, dependendo da matriz vítrea e da natureza das nanopartículas metálicas, pode-se excitar o vidro na banda SPR e, posteriormente, os sólitons gerados transferem a energia para as terras raras de uma maneira mais efetiva que a excitação direta, fazendo com que a eficiência de emissão no infravermelho aumente. Isto permitiria a preparação de dispositivos amplificadores mais eficazes que os disponíveis. Atualmente, estamos explorando ambos os efeitos em nosso laboratório e os resultados preliminares são bem animadores, tanto para o aumento da não linearidade como para o estudo da transferência de energia entre a nanopartícula e as terras raras em matrizes de óxidos de metais pesados.

CONCLUSÕES

Observamos que a escolha dos compostos de prata utilizados para a preparação de vitrocerâmicas contendo nanopartículas metálicas é extremamente importante e que, dependendo da natureza do composto e das condições de tratamento térmico, pode não ocorrer a formação das nano-vitrocerâmicas.

Nano-vitrocerâmicas foram preparadas usando como reagentes de partida AgCl e AgNO3, os quais são decompostos em átomos de prata metálica durante o processo de fusão, que se aglomeram sob tratamento térmico acima de Tg.

Por outro lado, a adição de Ag2O e AgO não levou à formação de vitrocerâmicas, sugerindo que a temperatura e/ou tempo de tratamento térmico do vidro não foram suficientes para induzir a difusão dos átomos de Ag e, como consequência, não ocorreu formação de nanopartículas metálicas.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Está disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre e é constituído pelas Figuras 1S e 2S.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq, CAPES e FAPESP (CEPID 2011/51368-2) pelo auxílio financeiro e ao Prof. Dr. S. J. L. Ribeiro do LAMF, IQ - UNESP de Araraquara pelas medidas de análise térmica, espectroscopias Raman e M-Lines.

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Recebido em 21/9/12

Aceito em 11/4/13

Publicado na web em 4/6/13

Material Suplementar

O material suplementar está disponível em pdf: [Material Suplementar]

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Set 2012
    • Aceito
      11 Abr 2013
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