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Da Rede Cegonha à Rami: tensões entre paradigmas de atenção ao ciclo gravídico-puerperal

From the ‘Rede Cegonha’ to ‘RAMI’: tensions between paradigms of maternal and infant health care

RESUMO

Em abril de 2022, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS nº 715, que altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, com o objetivo de instituir a Rede de Atenção à Saúde Materna e Infantil (Rami). Tendo em vista a preexistência da Rede Cegonha, também voltada a essa parcela da população, objetivou-se analisar os modelos de atenção ao ciclo gravídico-puerperal intrínsecos a cada um dos métodos de estruturação organizacional adotados. Para tanto, utilizou-se, como referencial teórico-metodológico, a pesquisa com práticas discursivas, o que possibilitou identificar os repertórios relativos a três categorias predefinidas: os sujeitos, os locais e os agentes da assistência. Na análise, puderam-se observar diferenças paradigmáticas entre as duas redes de atenção. A partir de tais distinções, concluiu-se que a Rede Cegonha está fundamentada em uma concepção de gestação e parto como eventos normais da vida sexual e reprodutiva, enquanto a Rami se estrutura por meio da ênfase no risco, propondo um modelo centrado no hospital e na figura do médico.

PALAVRAS-CHAVES
Modelos de assistência à saúde; Saúde materno-infantil; Saúde reprodutiva

ABSTRACT

In April 2022, the Ministry of Health published the Ordinance No 715, aiming to establish the new Maternal and Infant Health Care Network (RAMI). Having in mind the pre-existence of an organized network to protect and promote maternal and infant health (Rede Cegonha), we aimed to analyze the models of care intrinsic to each of them. For this purpose, we used the research with discursive practices as a theoretical-methodological framework, identifying repertoires regarding three predefined categories: subjects, places, and agents of care. In our analysis, we could observe paradigmatic differences between the two health care networks. From such distinctions, we conclude that the ‘Rede Cegonha’ is based on a conception of pregnancy and childbirth as normal events of sexual and reproductive life, whereas ‘RAMI’ is structured through an emphasis on risk, which results in a model of care centered on the doctor and the hospital as a privileged location for childbirth.

KEYWORDS
Healthcare models; Maternal and child health; Reproductive health

Introdução

Por meio da Portaria nº 1.459, de 24 de junho de 2011, o Ministério da Saúde instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Rede Cegonha. Conforme destaca o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, a rede consistia basicamente na promoção de ações estruturadas visando à garantia do direito ao planejamento reprodutivo e, especialmente, à atenção segura, qualificada e humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério. Partindo do pressuposto de que as crianças também são ‘Sujeitos de Direito’, seu texto também previa o direito ao nascimento seguro e o crescimento e o desenvolvimento saudáveis11 Plaza M. Entenda a Rede Cegonha. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. 2012. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://conass.org.br/entenda-a-rede-cegonha/#:~:text=Para%20dar%20a%20 assist%C3%AAncia%20necess%C3%A1ria,desde%20 a%20confirma%C3%A7%C3%A3o%20da%20 gravidez%2C.
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A estruturação efetiva da assistência ao ciclo gravídico-puerperal instituída pela Rede Cegonha22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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foi ao encontro das necessidades de redução da morbimortalidade materna e infantil e de adequação às boas práticas de atenção ao parto recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)33 Organização Mundial da Saúde. Maternidade segura: assistência ao parto normal: um guia prático: relatório de um grupo técnico. Saúde Reprodutiva e da Família. Unidade de Maternidade Segura. Saúde Materna e Neonatal. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 1996.. Essa rede de atenção foi instituída com o intuito de reduzir tanto a morbimortalidade evitável de gestantes, puérperas e recém-nascidos como, especialmente, a assistência obstétrica altamente intervencionista e medicalizada praticada no País, cujo principal resultado são os altos índices brasileiros de cesáreas44 Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017..

Desde o início dos anos 2000, o Brasil é signatário de pactos para a redução da mortalidade materna e infantil. Em função dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) da Organização das Nações Unidas (ONU), assumiu-se o compromisso de, até o ano de 2015, diminuir em três quartos a mortalidade materna e em dois terços a mortalidade infantil. Enquanto a meta de óbitos de crianças menores de 1 ano foi atingida, o País falhou em reduzir significativamente o número de mortes maternas, chegando apenas a uma razão de 64 óbitos por 100 mil nascidos vivos, muito aquém dos 35 óbitos, a meta estipulada55 Roma JC. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos de desenvolvimento sustentável. Ciênc. Cult. 2019; 71(1):33-9..

Em 2015, uma nova agenda global foi adotada pela ONU, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Como o Brasil foi signatário dos ODS, determinou-se para o País a Agenda 2030, na qual uma das tarefas é reduzir a Razão de Mortalidade Materna para 30 óbitos maternos a cada 100 mil nascidos vivos, e a Taxa de Mortalidade Infantil para menos de 8 óbitos por mil nascidos vivos até o ano de 203066 Motta CT, Moreira MR. O Brasil cumprirá o ODS 3.1 da Agenda 2030? Uma análise sobre a mortalidade materna, de 1996 a 2018. Ciênc. saúde coletiva. 2021; 26(10):4397-409..

Além de evidenciar as profundas desigualdades brasileiras, a dificuldade em reduzir a mortalidade materna também é signo das falhas nas práticas de atenção ao pré-natal e ao parto do País. Enquanto mulheres morrem pelo manejo inadequado das síndromes hipertensivas e hemorragias pós-parto, os altos índices de intervenção no trabalho de parto e de cesariana demonstram que houve falha em utilizar as tecnologias adequadas de modo apropriado. Como bem pontua Diniz77 Diniz CSG. Gênero, saúde materna e o paradoxo perinatal. Rev. Bras. De Crescimento e Desenvolv. Hum. 2009; 19(2):313-26., o maior desafio é a convivência com o pior de dois mundos na assistência obstétrica: o adoecimento e a morte pela falta de tecnologia apropriada e o adoecimento e a morte pelo excesso de tecnologia inapropriada.

Tendo em vista o caráter fragmentado, centrado na tecnologia e pouco resolutivo da atenção ao ciclo gravídico-puerperal, a Rede Cegonha se constituiu como marco importante na reorganização do cuidado. Nesse contexto, seu objetivo foi garantir acesso, acolhimento, resolutividade e redução da mortalidade materna e infantil, implementando um novo modelo de atenção à saúde da mulher e à saúde da criança, com ênfase na atenção ao parto, ao nascimento, ao crescimento e ao desenvolvimento da criança de zero aos 24 meses22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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Segundo dados preliminares disponibilizados no Painel de Monitoramento da Vigilância em Saúde88 Gandra A. Brasil teve, em 2021, 107 mortes de mães a cada 100 mil nascimentos. Agência Brasil. 2022 maio 28. [acesso em 2022 out 2]. Disponível em: https:// agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-05/ brasil-teve-em-2021-media-de-107-mortes-cada-100--mil-nascimentos.
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, o Brasil atingiu, em 2021, a pior razão de mortalidade materna, de 107 mortes de mães a cada 100 mil nascimentos, situação agravada pela síndrome respiratória aguda grave ocasionada pelo vírus Sars-CoV-2, revertendo a tendência de queda observada até então. Segundo dados mais recentes e preliminares do Painel de Monitoramento, no ano de 2023 a razão de mortalidade materna foi 48,75 óbitos maternos para 100.000 nascidos vivos88 Gandra A. Brasil teve, em 2021, 107 mortes de mães a cada 100 mil nascimentos. Agência Brasil. 2022 maio 28. [acesso em 2022 out 2]. Disponível em: https:// agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-05/ brasil-teve-em-2021-media-de-107-mortes-cada-100--mil-nascimentos.
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No ano seguinte à pior razão de mortalidade materna da história recente, o Ministério da Saúde lançou uma nova estratégia de organização da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Segundo a portaria que a institui, o objetivo da reorganização seria

Implementar modelo de atenção à saúde seguro, de qualidade e humanizado, com foco no planejamento familiar, na gravidez, no pré-natal, no nascimento, na perda gestacional, no puerpério e no cuidado do recém-nascido e da criança, promovendo o crescimento e desenvolvimento saudáveis99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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(592).

Diante do exposto e considerando que já haviam sido implementados esforços para a estruturação da Rede Cegonha no âmbito do SUS, a hipótese é que, de fato, a Rami tem como meta deslocar o paradigma em que já se encontrava assentada a rede de assistência à gestação e ao parto.

Por esse motivo, o objetivo é, por meio da análise discursiva, compreender qual é o modelo de atenção trazido pela Rami ao ciclo gravídico-puerperal e como este se diferencia daquele proposto pela Rede Cegonha. Para tanto, buscou-se identificar as diferenças nos locais, agentes e sujeitos da assistência, os três indicadores centrais que permitem determinar as diferenças paradigmáticas entre as duas propostas de estruturação das redes de atenção.

Material e métodos

Como referencial teórico-metodológico, utilizou-se a abordagem das práticas discursivas. Proveniente do campo da psicologia social, essa abordagem permite compreender a linguagem como prática social e reconhecer seus efeitos na construção da realidade. Essa compreensão é reflexo das bases construcionistas que fundamentam a abordagem adotada neste artigo. Conforme destacam Spink e Frezza1010 Spink MJ, Frezza RM. Práticas discursivas e produção de sentidos. In: Spink MJ, organizadora. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Editora Cortez; 2013. p. 22-41., a pesquisa com práticas discursivas está bem assentada na vertente epistemológica chamada construcionismo social. De acordo com Ibañez1111 Ibáñez T. O giro lingüístico. In: Íñiguez L, organizador. Manual de análise do discurso em Ciências Sociais. Petrópolis, RJ: Vozes; 2005. p. 19-49., juntamente com a crítica ao representacionismo característico das ciências modernas, a concepção da linguagem como performativa, isto é, como capaz de afetar a construção da realidade, é com -partilhada por uma multiplicidade de referenciais e correntes construcionistas.

Entre as ferramentas disponíveis no âmbito da pesquisa com práticas discursivas, escolheu-se o uso dos repertórios linguísticos para identificar as noções de sujeitos, agentes e locais da assistência presentes nas portarias que instituem a Rede Cegonha e a Rami. Segundo Spink e Medrado1212 Spink MJ, Medrado B. Produção de sentido no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para análise das práticas discursivas. In: Spink MJ, organizadora. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Editora Cortez; 2013. p. 22-41., os repertórios são um dos elementos constitutivos das práticas discursivas e podem ser definidos como os conteúdos discursivos que circulam em dada época. Nesse sentido, sua análise permite a familiarização com os discursos produzidos e reinterpretados por diferentes domínios do saber.

Em consonância com as reflexões de Spink1313 Spink P. Análise de documentos de domínio público. In: Spink MJ, organizadora. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Editora Cortez; 2013. p. 100-126., uma das referências no campo da psicologia discursiva, entende-se que as portarias em questão, enquanto documentos de domínio público, condensam posicionamentos e repertórios em circulação. Apresentandose como práticas discursivas em sua forma e conteúdo, tais documentos funcionam como dispositivos locais nos processos de construção e reconstrução da realidade. Desse modo, são produtos de seu tempo, pertencendo a um contexto discursivo e normativo muito mais amplo, evidenciando a relação intrínseca entre discurso e poder defendida por Foucault1414 Foucault M. A ordem do discurso. São Paulo: Editora Loyola; 2010.. Nesse contexto, por meio de uma análise criteriosa dos documentos de domínio público, pode-se ter acesso aos discursos circulantes, cristalizados na forma dos documentos que se apresentam como objeto deste trabalho de pesquisa.

Por meio da leitura cuidadosa dos documentos analisados, identificaram-se e agruparam-se os repertórios relativos às três categorias predefinidas de acordo com o objetivo do estudo. Tendo em consideração que se buscou compreender quais modelos de assistência cada uma das redes busca estruturar, utilizou-se como categorias de análise os sujeitos, os locais e os agentes da assistência, sendo que, neste último, limitou-se a análise aos agentes associados aos contextos de atenção à gestação e ao parto de risco habitual. Após uma breve introdução sobre os aspectos fundamentais e estruturantes da Rede Cegonha e da Rami, será discutida cada uma dessas categorias.

Resultados e discussão

Antes de prosseguir com a apresentação e a discussão dos resultados, faz-se necessário situar alguns aspectos fundamentais das duas redes em questão. Nesse contexto, trazem-se, a seguir, os objetivos, os princípios e as diretrizes que estruturam a Rede Cegonha e a Rami.

O texto da portaria que institui a Rede Cegonha traz como preâmbulo de suas resoluções marcos importantes do SUS e dos esforços para a redução da mortalidade materna e infantil. Além disso, a Rede Cegonha reivindica sua legitimidade por meio da reunião de pac-tuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) ocorrida em 28 de abril de 201122 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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Por definição, segundo seu art. 1º, a Rede Cegonha é uma rede de cuidados que visa assegurar à mulher o direito ao planejamento reprodutivo e à atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como à criança o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e ao desenvolvimento saudáveis. A instituição dessa rede de cuidados, de acordo com o art. 3º22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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da portaria, tem três objetivos:

I - fomentar a implementação de novo modelo de atenção à saúde da mulher e à saúde da criança com foco na atenção ao parto, ao nascimento, ao crescimento e ao desenvolvimento da criança de zero aos vinte e quatro meses; II - organizar a Rede de Atenção à Saúde Materna e Infantil para que esta garanta acesso, acolhimento e resolutividade; e

III - reduzir a mortalidade materna e infantil com ênfase no componente neonatal.

A proposição de seus objetivos está fundamentada em princípios bem delimitados, sendo eles: o respeito, a proteção e a realização dos direitos humanos; o respeito à diversidade cultural, étnica e racial; a promoção da equidade; o enfoque de gênero; a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres, homens, jovens e adolescentes; a participação e a mobilização social; e, por fim, a compatibilização com as atividades das Rami em desenvolvimento nos estados22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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. Nesse sentido, percebe-se claro alinhamento às diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM)1515 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher Princípios e Diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. [acesso em 2022 set 15]. Disponível em: https://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mu-lher.pdf.
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e aos princípios do SUS.

As diretrizes que visam ao alcance do objetivo estipulado estão organizadas em quatro componentes. Os três primeiros dizem respeito aos diferentes campos de ação e intervenção da atenção à saúde sexual e reprodutiva, enquanto o último trata do sistema logístico, incluindo transporte sanitário e regulação. De acordo com o art. 6º22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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A Rede Cegonha organiza-se a partir de quatro (4) Componentes, quais sejam:

I - Pré-Natal

II - Parto e Nascimento

III - Puerpério e Atenção Integral à Saúde da Criança

IV - Sistema Logístico: Transporte Sanitário e Regulação.

A Rami se encontra normatizada por meio de duas portarias: a Portaria GM/MS nº 715, de 4 de abril de 2022, e a Portaria GM/MS nº 2.228, de 1º de julho de 202299 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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,1616 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n° 2.228 de 1º de julho de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a habilitação e o financiamento da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 1 Jul 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudele-gis/gm/2022/prt2228_01_07_2022.html.
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. Distinguindose de maneira significativa da portaria que institui a Rede Cegonha, ao instituir a Rami, o Ministério da Saúde utiliza como premissa seu direito conferido pela Constituição Federal, prosseguindo, então, em ambas as portarias, com suas resoluções.

Por meio da Portaria GM/MS nº 715, de 4 de abril de 2022, são expostos os objetivos e as diretrizes que fundamentam a nova rede. De acordo com o art. 5º99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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, são objetivos da Rami:

I - implementar modelo de atenção à saúde seguro, de qualidade e humanizado, com foco no planejamento familiar, na gravidez, no pré-natal, no nascimento, na perda gestacional, no puerpério e no cuidado do recém-nascido e da criança, promovendo o crescimento e desenvolvimento saudáveis;

II - garantir a integralidade do cuidado no pré-natal, na gravidez, na perda gestacional, no parto e, no puerpério, bem como ao recém-nascido e à criança, com foco na resolutividade da atenção primária e da atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e

III - reduzir a morbimortalidade materna e infantil.

Tais diretrizes são uma reformulação dos três objetivos que orientavam a Rede Cegonha. No primeiro objetivo, inclui-se a definição do modelo que se busca implementar: “seguro, de qualidade e humanizado”, delimitando o enfoque da rede no “planejamento familiar, na gravidez, no pré-natal, na perda gestacional, no puerpério e no cuidado do recém-nascido e da criança”99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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Diferenciando-se da Rede Cegonha, a nova Rami organiza suas diretrizes em torno de quatro eixos estruturantes divididos em seis componentes, a saber: os serviços de assistência (componentes I a III), os sistemas de apoio (componente IV), os sistemas logísticos (componente V) e o sistema de governança (componente VI). Conforme o art. 6º da portaria que a institui22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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A Rami é constituída pelos seguintes componentes:

I - Componente I - Atenção Primária à Saúde (APS);

II - Componente II - Atenção Ambulatorial Especializada (AAE);

III - Componente III - Atenção Hospitalar (AH);

IV - Componente IV - Sistemas de Apoio;

V - Componente V - Sistemas Logísticos; e

VI - Componente VI - Sistema de Governança.

A estruturação operacional se distingue significativamente daquela apresentada pela Rede Cegonha. Conforme já descrito acima, a proposta anterior estruturava toda a rede de atenção em função das diferentes etapas do ciclo gravídico-puerperal, agregando as ações voltadas ao planejamento reprodutivo ao componente pré-natal. A Rami, por sua vez, adota em sua estrutura operacional o modelo característico das redes de atenção à saúde em sistemas de saúde voltados para as condições crônicas1717 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc. saúde coletiva. 2010; 15(5):2297-305. que, tradicionalmente, incluem o ciclo reprodutivo.

Sujeitos da assistência

São sujeitos da Rami: mulheres em idade fértil, às quais se direcionam ações de vinculação às equipes de saúde da atenção básica e garantia de acesso oportuno a métodos contraceptivos; mulheres gestantes, puérperas, recém-nascidos e crianças. Desse recorte, resulta-se o deslocamento de uma abordagem de promoção da saúde sexual e reprodutiva direcionada a toda a população, restringindo-se ao espectro da saúde materno-infantil. Isso não quer dizer que, ao longo do texto, não estejam previstas ações de planejamento familiar: uma de suas diretrizes consiste na “garantia de acesso às ações de planejamento familiar e sexualidade responsável”99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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. Contudo, as ações previstas na portaria que implementa e fornece a estrutura operacional da nova Rami se resumem ao mapeamento de mulheres em idade fértil e à oferta de métodos contraceptivos direcionada, exclusivamente, às mulheres.

Nesse sentido, a Rami configura uma proposta mais semelhante a um regime de atenção à saúde da mulher anterior às reverberações das reivindicações feministas na concepção das políticas de saúde direcionadas a essa parcela da população, que marcou a década de 1980. Até o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Paism), o enfoque das ações ficava restrito ao controle demográfico e ao planejamento familiar, com algum tipo de atenção ao ciclo gravídico-puerperal. Nesse contexto, a mulher nas demais fases de seu ciclo vital ficava praticamente desassistida, e os aspectos da saúde sexual que não se reduziam à reprodução eram negligenciados.

Em contrapartida, a Portaria MS/GM nº 1.459/2011 estabelecia como um de seus princípios centrais a “garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres, homens, jovens e adolescentes”22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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. Nesse contexto, a formulação da Rede Cegonha se encontrava assentada no amplo arcabouço teórico-conceitual da saúde sexual e reprodutiva. Tal enfoque resultou no abandono de conceitos mais restritos de saúde da mulher, que abordam apenas aspectos da biologia e anatomia do corpo feminino, para adotar concepções mais amplas que interagem com o debate dos direitos humanos e com questões relacionadas com o exercício da cidadania. Eram previstas ações educativas que visavam à promoção da saúde sexual e reprodutiva, no âmbito das quais se situam aquelas voltadas ao planejamento reprodutivo.

Além da inclusão da educação em saúde como ferramenta de promoção de vidas sexuais e reprodutivas saudáveis, a portaria que institui a Rede Cegonha adotava um enfoque de gênero, conforme os princípios e diretrizes da PNAISM1515 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher Princípios e Diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. [acesso em 2022 set 15]. Disponível em: https://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mu-lher.pdf.
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. Quando se fala de um enfoque de gênero, engloba-se uma multiplicidade de abordagens, de acordo com o referencial conceitual que se adota. Para os fins das políticas de saúde direcionadas à atenção integral à saúde da mulher, adotar um enfoque de gênero diz respeito, conforme destaca Scott1818 Scott J. Gender: a useful category of historical analyses. Gender and the politics of history. New York: Columbia University Press; 1989., à compreensão do gênero como a construção social e histórica sobreposta a um corpo sexuado. Além disso, compreende-se que o gênero é uma forma primeira de significação do poder, colocando-se como elemento constitutivo das relações sociais entre homens e mulheres. Tendo isso em vista, tais relações são alimentadas por símbolos, normas e instituições que definem modelos de masculinidade e feminilidade e padrões de comportamento aceitáveis ou não para homens e mulheres1919 Garcia CC. Breve história do feminismo. São Paulo: Editora Claridade; 2011..

Além de serem definidas por normas e instituições, as relações de gênero passam também a defini-las, imprimindo tais relações de poder no ordenamento jurídico-político. Se há relações de gênero desiguais, há, consequentemente, como bem argumenta a PNAISM, desequilíbrios refletidos em leis, políticas e práticas sociais, às quais se somam outras desigualdades produzidas no âmbito de relações socioeconômicas e raciais1515 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher Princípios e Diretrizes. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. [acesso em 2022 set 15]. Disponível em: https://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mu-lher.pdf.
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A redução das políticas de saúde a ações voltadas ao ciclo gravídico-puerperal e a responsabilização exclusiva das mulheres pela contracepção são signos das desigualdades nas relações de gênero supracitadas. Contudo, as assimetrias também estão impressas na concepção de saúde da mulher limitada ao ciclo gravídico-puerperal e na ausência do reconhecimento de que a saúde materna e infantil só pode ser garantida em um contexto de garantia da saúde sexual e reprodutiva e da diminuição das desigualdades.

Por fim, nesse primeiro aspecto analisado, ambas as propostas contam com lacunas e invisibilizações em relação a necessidades específicas na assistência ao ciclo gravídico--puerperal que decorrem de diferenças de raça, gênero e idade. Mesmo diante da possibilidade de passarem pelo ciclo gravídico-puerperal, homens trans não são referenciados em momento algum, o que pode impactar na capacidade da rede de oferecer a assistência adequada a essa parcela da população. Levando em conta que a gravidez na adolescência e em meninas que acabaram de entrar na idade reprodutiva se coloca como problema de saúde pública, destaca-se negativamente o fato de que a Rede Cegonha não faz mais do que citar adolescentes, de maneira genérica, como sujeitos da garantia de direitos sexuais e reprodutivos. A abordagem dessa especificidade na Rami, por sua vez, é ainda mais preocupante, tendo em vista que as adolescentes são citadas apenas como objeto de atenção diferenciada no âmbito da promoção, proteção e apoio do aleitamento materno. Além disso, em nenhuma das propostas são fornecidas diretrizes estruturais que dessem condições à rede e aos agentes da assistência para a minimização de vulnerabilidades raciais que mantêm elevada a mortalidade de mulheres negras no Brasil.

Em suma, quando se trata da estruturação da atenção reprodutiva, há pouco ou nenhum espaço para especificidades de pessoas que não se encaixem no ideal de mulher universal. Ainda assim, é preciso considerar que, mesmo em sua universalidade, ‘a mulher’ tem seus direitos mais limitados na Rami do que na Rede Cegonha.

Locais da assistência

Quanto aos serviços que compõem a Rami, observou-se que os locais que podem compor o itinerário terapêutico dos sujeitos da assistência são classificados conforme os componentes da nova rede. São locais de atenção à gestação e ao parto de baixo risco: as Unidades Básicas de Saúde (UBS), como parte da APS; as Maternidades de Baixo Risco (MAB); os Centros de Parto Normal intra-hospitalares (CPN intra-hospitalar); os Centros de Parto Normal peri-hospitalares (CPN peri-hospitalar) e, finalmente, as Casas da Gestante, Bebê e Puérpera (CGBP)99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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É importante ressaltar que as CGBP, situadas no componente baixo risco no âmbito da portaria que institui a Rami, cumprem função, conforme a Portaria nº 2.228/2022, de residência provisória para mulheres que estejam em situação de risco ou vulnerabilidade. Esses locais faziam parte do componente parto e nascimento na Rede Cegonha22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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, sendo incorporados à nova Rami99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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Além das maternidades de baixo risco, foram incorporados os CPN intra e peri-hospitalares já pertencentes à Rede Cegonha, embora com algumas mudanças nos atores da assistência, conforme se discute a seguir. A Portaria nº 2.228/2022 vetava a integração de novos equipamentos de saúde desse tipo, o que representava um retrocesso ante o modelo proposto pela Rede Cegonha, considerando os resultados maternos e neonatais da assistência nesses locais.

A experiência bem-sucedida de países com CPN liderados por obstetrizes e enfermeiras obstetras (midwife led) lembra que o ambiente hospitalar acrescenta riscos ao momento do parto. A Inglaterra já incorporou, como diretriz de saúde pública, recomendações de que todas as gestantes de baixo risco sejam informadas dos benefícios de planejarem seus partos fora do ambiente hospitalar2020 National Institute for Health and Care Excellence. Intrapartum care for healthy women and babies. London: NICE; 2014. [acesso em 2022 set 21]. Disponível em: https:/www.nice.org.uk/guidance/cg190.
https:/www.nice.org.uk/guidance/cg190...
. Um estudo de coorte prospectivo realizado na Inglaterra, em 2011, apontou que, quando comparadas com mulheres que tiveram partos em unidades intra-hospitalares, aquelas que pariram em casa ou em ambiente peri-hospitalar obtiveram melhores desfechos, por exemplo, menores chances de parto instrumental, cesarianas e intervenções, como a analgesia. Dessa forma, quando as mulheres escolhem as casas de parto como primeira opção de nascimento elas obtêm maiores chances de parto natural, sem aumento de desfechos desfavoráveis2121 Birthplace in England Collaborative Group, Brock-lehurst P, Hardy P, et al. Perinatal and maternal outcomes by planned place of birth for healthy women with low risk pregnancies: the birthplace in england national prospective cohort study. Bmj. 2011; 343:d7400..

No Brasil, houve a regulamentação, em 1999, do Centro de Parto Normal peri-hospitalar (CPNp), também denominado Casa de Parto, indicado como estratégia de melhoria da qualidade da assistência obstétrica no Brasil2222 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 985, de 5 de agosto de 1999. Cria o Centro de Parto Normal-CPN, no âmbito do Sistema Único de Saúde/SUS, para o atendimento à mulher no período gravídico--puerperal. Diário Oficial da União. 26 Ago 1999.. Importa dizer que esta normativa foi atualizada em 2015 para que os partos pudessem ser realizados fora do ambiente hospitalar, de forma a determinar que para uma mulher poder ter o parto nesse local, ela deve ser classificada como de baixo risco, e seu parto deve ter início de forma fisiológica e natural, sem uso de analgesia, fórceps, vácuo extrator ou cesariana2323 Brasil. Ministério da saúde. Portaria GM/MS nº 11 de 7 de janeiro de 2015. Redefine as diretrizes para implantação e habilitação de Centro de Parto Normal (CPN), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), para o atendimento à mulher e ao recém-nascido no momento do parto e do nascimento, em conformidade com o Componente PARTO E NASCIMENTO da Rede Cegonha, e dispõe sobre os respectivos incentivos financeiros de investimento, custeio e custeio mensal. Diário Oficial da União. 7 Jan 2015. [acesso em 2022 set 19]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt0011_07_01_2015. html.
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A casa de parto é um ambiente extra-hospitalar, podendo ou não ter vínculo com um hospital de referência, embora precise estar distante, no máximo, a 20 minutos de um hospital de referência e ter uma ambulância disponível para o caso de ser necessário um atendimento de maior complexidade2424 Guadagnucci L. La lezione (che nessuno ha imparato) del G8 di Genova. MicroMega. 2021; 4:1-15.. Nesse local, deve ocorrer assistência humanizada e de qualidade ao parto fisiológico de mulheres de baixo risco, ou seja, que não possuem nenhuma doença associada, cujo feto se apresente na posição cefálica.

Tendo em conta que no CPN peri-hospitalar, também conhecido como casa de parto, a gestão e o atendimento são realizados por obstetrizes e enfermeiras obstetras, esse local está associado aos benefícios relacionados com o atendimento por essas profissionais no período gravídico-puerperal. Conforme destaca Narchi2525 Narchi NZ, Castro CM, Oliveira CF, et al. Report on the midwives’ experiences in the Brazilian National Health System: a qualitative research. Midwifery. 2017; 53:96-102., os mais altos níveis da qualidade na assistência materno-infantil se relacionam de forma direta com a atuação das enfermeiras obstetras e obstetrizes no atendimento. As evidências mostram que o trabalho dessas profissionais resulta em redução das intervenções, das complicações materno--fetais e da mortalidade. Desse modo, o que se observa é uma atuação diretamente associada à diminuição das altas taxas de cesárea e da morbimortalidade materna e neonatal2525 Narchi NZ, Castro CM, Oliveira CF, et al. Report on the midwives’ experiences in the Brazilian National Health System: a qualitative research. Midwifery. 2017; 53:96-102..

Apesar dos resultados positivos associados a esse local de atenção ao parto e ao ciclo gravídico-puerperal, a grande pressão da classe médica acaba oprimindo o avanço dessa iniciativa. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) não recomenda que o parto seja realizado fora do ambiente hospitalar2626 Trapani Jr. A. Assistência ao nascimento baseada em evidências e no respeito. Febrasgo. 2018 set 4. [acesso em 2022 out 7]. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/pt/noticias/item/625-assistencia-ao--nascimentobaseado-em-evidencias-e-no-respeito.
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. Tais consensos não são baseados em evidência e acabam reverberando na elaboração de políticas de saúde e na estruturação das redes de atenção, como a Rami. Nesse contexto, a Portaria GM/MS nº 715/2022 argumenta que a nova Rami tem como diretriz a promoção de “práticas de gestão e de atenção baseadas nas melhores evidências científicas disponíveis”99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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, mas recusa em considerá-las no modo de estruturação organizacional da rede.

Os locais de atenção à gestação e ao parto de alto risco que compõem a Rami não incluem os serviços de Atenção Ambulatorial Especializada à Gestação de Alto Risco (Agar), ambulatórios de alto risco, atenção hospitalar de referência à Gestação de Alto Risco tipo I (GAR I), atenção hospitalar de referência à Gestação de Alto Risco tipo II (GAR II)99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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,1616 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n° 2.228 de 1º de julho de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a habilitação e o financiamento da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 1 Jul 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudele-gis/gm/2022/prt2228_01_07_2022.html.
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. Ainda que previstos pela Portaria MS/GM nº 715/2022, serviços de referência hospitalar em atendimento secundário e terciário à gestação de alto risco serão categorias futuramente extintas1616 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n° 2.228 de 1º de julho de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a habilitação e o financiamento da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 1 Jul 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudele-gis/gm/2022/prt2228_01_07_2022.html.
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. A Portaria nº 2.228/2022 determina que tais serviços sejam reclassificados como MAB ou GAR II, atendendo às condições mínimas para habilitação, ou descredenciados da rede. Além disso, as Unidades de Terapia Intensiva (UTI) neonatal tipos II e III, as unidades de cuidados intermediários neonatais convencionais e os cangurus foram incorporados da Rede Cegonha com a possibilidade de novas habilitações.

Diante da clara ruptura entre serviços de atenção à gestação de baixo e alto risco, levanta-se a hipótese de que a estrutura organizacional da Rami poderia abrir a possibilidade de uma excessiva fragmentação da assistência ao ciclo gravídico-puerperal. Entre os efeitos negativos dessa fragmentação, estariam as dificuldades de as gestantes de alto risco participarem dos grupos e das ações educativas da atenção básica, já que esses locais não fazem parte dos demais componentes da atenção ao ciclo gravídico-puerperal. Mesmo que se recomende discursivamente a continuidade da assistência, não se podem prever os efeitos na ruptura entre esses níveis de atenção operada por meio da estrutura organizacional da rede.

A análise da portaria que instituiu a Rede Cegonha no âmbito do SUS revelou um método de classificação dos serviços conforme as fases do ciclo gravídico-puerperal de risco habitual, em coerência com seus componentes. Tendo em vista que apenas uma pequena proporção da população apresenta complicações durante a gestação e o parto, a Portaria GM/MS nº 1.459/2013 prevê, de maneira breve, que os serviços especializados e de referência deveriam compor a rede22 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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, especificados de modo detalhado na Portaria GM/MS nº 1.020/2013, voltada especificamente para a regulamentação da implantação e habilitação de serviços de atenção à gestação de alto risco. A Portaria nº 1.459/201122 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 1.459 de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS - a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 24 Jun 2011. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html.
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determina que a rede deve ser composta de

Serviços hospitalares de referência à gestação de alto risco com suficiência de leitos obstétricos e neonatais, prevendo-se o financiamento para ampliação e qualificação de leitos para UTI neo e adulto, UCI neonatal, leitos para gestantes de alto risco (80% do custeio) e para leitos Canguru (100% do custeio).

Além disso, são previstos os seguintes serviços: UBS; CPN intra-hospitalar; CPN peri-hospitalar; e CGBP. Faz-se necessário lembrar que, conforme a regulamentação dos serviços de atenção à gestação de alto risco, o pré-natal dessa parcela da população poderia ser realizado nas UBS quando houvesse matriciamento, com apoio dos serviços especializados e o diálogo apropriado entre os diferentes níveis de atenção2727 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.020 de 29 de maio de 2013. Institui as diretrizes para a organização da Atenção à Saúde na Gestação de Alto Risco e define os critérios para a implantação e habilitação dos serviços de referência à Atenção à Saúde na Gestação de Alto Risco, incluída a Casa de Gestante, Bebê e Puérpera (CGBP), em conformidade com a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 29 Maio 2013. [acesso em 2022 set 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/ prt1020_29_05_2013.html.
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. Além disso, a portaria que institui a Rede Cegonha prevê as maternidades como locais da assistência ao parto, mas já há uma ênfase aos CPN como locais privilegiados de parturição.

A contratualização dos Pontos de Atenção deveria ser feita considerando a elaboração de um desenho municipal da Rede Cegonha, desenho este orientado pelo dimensionamento da demanda e da oferta assistencial. Desse modo, a delimitação dos serviços de atenção à gestação e ao parto de alto riscos não é definida previamente pelo Ministério da Saúde, mas obedece ao princípio da regionalização da atenção à saúde, com “articulação entre os diversos pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS), conforme pactuação local”2727 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.020 de 29 de maio de 2013. Institui as diretrizes para a organização da Atenção à Saúde na Gestação de Alto Risco e define os critérios para a implantação e habilitação dos serviços de referência à Atenção à Saúde na Gestação de Alto Risco, incluída a Casa de Gestante, Bebê e Puérpera (CGBP), em conformidade com a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 29 Maio 2013. [acesso em 2022 set 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/ prt1020_29_05_2013.html.
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. A partir do mapeamento dos serviços e suas capacidades, são instituídos os fluxos da linha de cuidado.

Enfim, com relação aos serviços de atenção à gestação e ao parto de alto risco, a Portaria GM/MS nº 1.020/2013 previa os ambulatórios especializados, vinculados ou não a um hospital e maternidade; e os serviços hospitalares de referência, à gestação de alto risco tipo I e II2727 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.020 de 29 de maio de 2013. Institui as diretrizes para a organização da Atenção à Saúde na Gestação de Alto Risco e define os critérios para a implantação e habilitação dos serviços de referência à Atenção à Saúde na Gestação de Alto Risco, incluída a Casa de Gestante, Bebê e Puérpera (CGBP), em conformidade com a Rede Cegonha. Diário Oficial da União. 29 Maio 2013. [acesso em 2022 set 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/ prt1020_29_05_2013.html.
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Agentes da assistência

Os agentes da assistência estão intrinsecamente relacionados com os locais da assistência. Desse modo, identificá-los de maneira descontextualizada dos serviços que compõem a rede resultaria em uma análise incompleta. Para dar conta da comparação proposta neste artigo, optou-se por não realizar uma análise exaustiva de todos os atores envolvidos nos diversos níveis de assistência, limitando-se a comparar aqueles que fazem parte do quadro dos serviços de atenção ao baixo risco.

Para identificar os agentes da assistência na Rami, bastou analisar as diretrizes de estruturação dos serviços que a compõem, dispostas na Portaria GM/MS nº 2.228/20221616 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n° 2.228 de 1º de julho de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a habilitação e o financiamento da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 1 Jul 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudele-gis/gm/2022/prt2228_01_07_2022.html.
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. Em relação aos serviços de baixo risco, agregados tanto no componente da APS, no caso das UBS, como da atenção hospitalar, no caso das maternidades de baixo risco e dos CPN intra-hospitalares, é visível um paulatino deslocamento em direção à centralidade dos profissionais médicos nos serviços de atenção ao pré-natal e ao parto, o que pode representar uma visão invertida desses eventos da vida sexual e reprodutiva: no lugar de uma concepção destes como eventos normais, introduz-se para eventos potencialmente patológicos, o que significaria trabalhar na lógica de uma inversão da proporção entre gestações de risco habitual e de alto risco.

Para a habilitação e a qualificação dos serviços da atenção primária – as UBS –, a Rami determina que se deve respeitar o regimento geral previsto na Portaria GM/MS nº 2/2017, que consolida as normas sobre as políticas nacionais de saúde do SUS. Recomenda-se que sejam realizadas consultas intercaladas entre profissional médico e enfermeiro; e, nas unidades básicas com Estratégia Saúde da Família, adiciona-se a possibilidade de acompanhamento multiprofissional, conforme prevê a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)2828 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436 de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União. 21 Set 2017. [acesso em 2022 set 29]. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_ publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19308123/ do1-2017-09-22-portaria-n-2-436-de-21-de-setem-bro-de-2017-19308031.
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_ p...
,2929 Rede pela humanização do parto e nascimento. Parecer Técnico nº 1/2022. Brasília, DF: ReHuNA; 2022. [acesso em 2022 out 28]. Disponível em: https://www. abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2022/04/ Parecer-Tecnico-no-01-de-2022-25-de-abril-retificado.pdf.
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.

Contudo, é preciso acrescentar a esta análise o Programa Cuida Mais Brasil e o novo modelo de custeio e financiamento da APS instituído pelo Programa Previne Brasil, como bem aponta o Parecer Técnico nº 1/2022 da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa)3030 Brasil. Ministério da Saúde. Nota Técnica nº 3/2020-DESF/SAPS/MS. [acesso em 2022 set 30]. Disponível em: https://www.conasems.org.br/wp-content/ uploads/2020/01/NT-NASF-AB-e-Previne-Brasil. pdf.
https://www.conasems.org.br/wp-content/ ...
. Enquanto o Programa Cuida Mais Brasil insere médicos ginecologistas e obstetras na APS, o Programa Previne Brasil deixa de prever o financiamento aos Núcleos Ampliados de Saúde da Família (Nasf ). Conforme argumenta o próprio Ministério da Saúde, com essa desvinculação, o gestor municipal passa a ter autonomia para compor suas equipes multiprofissionais3131 World Health Organization. WHO recommendations: intrapartum care for a positive childbirth experience. Geneva: World Health Organization; 2018..

Como visto, os serviços de atenção ao parto de baixo risco são compostos por maternidades de baixo risco, CPN intra-hospitalares e CPN peri-hospitalares, incorporadas da Rede Cegonha. Compõem os recursos humanos mínimos para o funcionamento das maternidades de baixo risco os seguintes profissionais: médico obstetra, médico pediatra e médico anestesiologista 24 horas por toda a semana, podendo ser por escala de sobreaviso; enfermeiro, preferencialmente obstétrico, ou obstetriz, de acordo com o quantitativo de leitos obstétricos; e, por fim, técnicos de enfermagem. Além disso, determina-se que tais instituições devem ter acesso a médicos especialistas em clínica geral e cirurgia geral, bem como à equipe multiprofissional conforme necessidades clínicas da gestante e do recém-nascido1616 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n° 2.228 de 1º de julho de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a habilitação e o financiamento da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 1 Jul 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudele-gis/gm/2022/prt2228_01_07_2022.html.
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.

Na contramão das evidências científicas disponíveis sobre os resultados maternos e perinatais associados aos diferentes atores da assistência ao parto, a Portaria nº 715/2022 determina a inclusão de médicos obstetras nos CPN intra-hospitalares99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS nº 715 de 04 de abril de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para instituir a Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 4 Abr 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://in.gov.br/ web/dou/-/portaria-gm/ms-n-715-de-4-de-abril-de-2022-391070559.
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. Conforme apresentado anteriormente, a redução de intervenções associada à garantia da segurança da assistência é uma das características dos espaços voltados à atenção ao parto de risco habitual comandados por obstetrizes e enfermeiras obstetras. A publicação ‘Intrapartum care for a positive childbirth experience’3232 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Básica. Atenção ao Pré-natal de baixo risco. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012. (Série A, nº 32). [acesso em 2022 ago 20]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf.
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destaca tais efeitos positivos, emitindo a recomendação de que se deve considerar a implementação de unidades de atenção ao parto alternativas às maternidades, como CPN liderados por obstetrizes e enfermeiras obstetras no próprio ambiente hospitalar (on-site midwife-led birthing units). Tal medida facilitaria a adoção do modelo de atenção proposto pela OMS, a saber: uma atenção segura ao parto com o mínimo possível de intervenções, reduzindo procedimentos desnecessários3232 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Básica. Atenção ao Pré-natal de baixo risco. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012. (Série A, nº 32). [acesso em 2022 ago 20]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf.
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. Nesse sentido, é possível observar que, na organização da Rami, prevalecem os consensos de classe não baseados em evidência, reforçando a arbitrariedade da nova estrutura organizacional e o esvaziamento da reivindicação que o Ministério da Saúde faz do caráter baseado em evidência da nova rede.

Nesse contexto, o debate sobre os agentes privilegiados da assistência ao parto de risco habitual não se resume a uma questão de reserva de mercado, mas diz respeito à urgente adequação do cuidado intraparto ao modelo proposto pelo último documento de recomendações da OMS3232 Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Básica. Atenção ao Pré-natal de baixo risco. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012. (Série A, nº 32). [acesso em 2022 ago 20]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf.
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, que, conforme argumenta a instituição, contém recomendações que excedem contextos e necessidades específicas, ou seja, são universais.

Em relação aos CPN peri-hospitalares, a portaria que dispõe sobre a habilitação dos serviços da Rami tem uma lacuna discursiva sobre a presença de médicos nesse ambiente. São citados na equipe mínima: obstetriz ou enfermeiro obstétrico, técnico de enfermagem e o auxiliar de serviços gerais. Contudo, o inciso I do art. 64 determina que tais serviços devem atender aos critérios gerais e de equipe multiprofissional dispostos nos arts. 57 e 58 da Portaria nº 2.228/2022, que determina a obrigatoriedade do médico obstetra na equipe do CPN1616 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n° 2.228 de 1º de julho de 2022. Altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 3, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre a habilitação e o financiamento da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). Diário Oficial da União. 1 Jul 2022. [acesso em 2022 set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudele-gis/gm/2022/prt2228_01_07_2022.html.
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Quando se analisam as recomendações para estruturação e organização dos serviços de atenção à gestação e ao parto de risco habitual da Rede Cegonha, dispostas na portaria que a institui e, de maneira complementar, na Portaria nº 11/2015, podem-se observar algumas semelhanças e diferenças fundamentais. O componente ‘pré-natal’ prevê que a atenção a esse período deve ser realizada nas UBS, pelo médico e enfermeiro generalista ou especialista em Saúde da Família, associada à equipe multidisciplinar, conforme a recomendação do ‘Caderno de Atenção Básica nº 32’3333 Diniz CSG. Atenção ao parto e relações de gênero: elementos para uma releitura médico-social. [dissertação]. [São Paulo]: Universidade de São Paulo; 2007. 210 p.. A grande diferença com relação ao modelo proposto pela Rami está no componente ‘parto e nascimento’. Como discutido anteriormente, na Rede Cegonha, pode-se observar uma ênfase nos CPN como local privilegiado da atenção a esse evento da vida reprodutiva, inclusive em ambiente hospitalar. Os agentes que coordenam e prestam a assistência oferecida no local são os enfermeiros obstetras e obstetrizes, que contam com o apoio dos técnicos de enfermagem e dos auxiliares de serviços gerais. Nesse contexto, adota-se um modelo em que esses profissionais são responsáveis pela tomada de decisão e ação, contando com a retaguarda médica conforme a necessidade2323 Brasil. Ministério da saúde. Portaria GM/MS nº 11 de 7 de janeiro de 2015. Redefine as diretrizes para implantação e habilitação de Centro de Parto Normal (CPN), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), para o atendimento à mulher e ao recém-nascido no momento do parto e do nascimento, em conformidade com o Componente PARTO E NASCIMENTO da Rede Cegonha, e dispõe sobre os respectivos incentivos financeiros de investimento, custeio e custeio mensal. Diário Oficial da União. 7 Jan 2015. [acesso em 2022 set 19]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt0011_07_01_2015. html.
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Considerações finais

Nesta análise, foi possível perceber que os métodos de estruturação organizacional da rede imprimem o modelo de atenção ao ciclo gravídico-puerperal subjacente a cada um deles. Considerando as diferenças radicais nos componentes da Rami e da Rede Cegonha, conclui-se que as propostas estão fundamentadas por paradigmas conflitantes de atenção à gestação e ao parto.

A Rede Cegonha regulamentava uma rede de atenção à gestação de risco habitual e ao parto normal, à qual se somavam os serviços de atenção à gestação e ao parto de alto risco, dos quais se beneficiam uma parcela significativamente menor de gestantes e puérperas. Essa abordagem diferenciada na estruturação operacional da rede resultou na publicação da Portaria nº 1.020/2013, para instituição das diretrizes para a organização da atenção à saúde na gestação de alto risco em conformidade com a Rede Cegonha, já instituída em portaria anterior. Nesse sentido, encontrou-se uma estrutura composta por locais e agentes voltados para atender à gestação, ao parto e ao puerpério de baixo risco, os quais se organizam e se integram em função de cada uma das fases do ciclo gravídico-puerperal, realizando encaminhamentos necessários aos serviços de apoio, conforme o incremento do risco gestacional.

A Rami, por sua vez, é uma rede de atenção cuja estrutura reflete uma ênfase no risco gestacional, operando, de partida, uma clara ruptura entre os locais e os agentes da atenção ao baixo e alto risco gestacional. Além disso, a estruturação dos serviços de atenção à gestação de baixo risco parte do princípio de que todo trabalho de parto tem o potencial de ser um evento patológico, a começar pelo confinamento dos serviços de atenção ao parto no componente III da atenção hospitalar. Nessa lógica, extingue-se a possibilidade de que mais mulheres possam ser assistidas em CPN peri--hospitalares, as casas de parto, mesmo que esses espaços sejam conduzidos por profissionais habilitados para identificar e manejar as intercorrências mais frequentes. Com a exigência da presença de médicos obstetras nos CPN, reinstala-se um modelo de atenção ao parto centrado nos profissionais cuja formação enfatiza os desvios do processo fisiológico.

Nesta análise, a Rami está toda orientada pela concepção da gestação e do parto como um evento ‘naturalmente’ patológico. Apesar de convocar a ‘implementação da atenção humanizada’ como um de seus objetivos, essa implementação fica prejudicada em face dos locais e dos agentes da assistência. Isso porque uma atenção humanizada deve estar orientada pelas boas práticas de atenção ao parto e pela garantia de uma assistência segura com o mínimo de intervenções. Conforme já se discutiu, o parto de baixo risco assistido em CPN por obstetrizes e enfermeiras obstetras está associado a menos intervenções sem prejudicar os desfechos maternos e neonatais.

Apesar de estarem em consonância com a estrutura operacional descrita por Mendes1717 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc. saúde coletiva. 2010; 15(5):2297-305., há de se reconhecer que o ciclo gravídico--puerperal tem certa especificidade em relação às ‘outras’ condições crônicas que requerem a estruturação de redes de atenção, tendo em vista seu caráter de evento normal da vida reprodutiva. Cabe lembrar que a própria obstetrícia tem uma história que ora se aproxima, ora se distancia da história da própria medicina. Conforme destaca Diniz3333 Diniz CSG. Atenção ao parto e relações de gênero: elementos para uma releitura médico-social. [dissertação]. [São Paulo]: Universidade de São Paulo; 2007. 210 p., a obstetrícia tem uma história própria, especialmente marcada por relações desiguais de gênero e pela concepção do caráter patológico do corpo feminino. Essa concepção crítica deve fundamentar a estruturação de qualquer rede que busque oferecer uma atenção integral às mulheres e a outras pessoas com capacidade de gestar, gestantes e puérperas.

Mesmo que não se aceite a tese de que a Rami deva ser operacionalizada conforme essa especificidade, ainda há o argumento de que essa rede reserva uma participação coadjuvante à atenção básica, promovendo o protagonismo da atenção ambulatorial e hospitalar, o que resulta em uma forma de organização hierárquica e a atenção centrada na assistência curativa. Essas são características que Mendes1717 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc. saúde coletiva. 2010; 15(5):2297-305. associa aos sistemas fragmentados de atenção à saúde, de modo que, mesmo com a adoção dos próprios termos utilizados pelo autor, que é referência em termos de redes de atenção, para descrever a estrutura operacional características das redes efetivas, uma análise mais criteriosa dos locais e agentes da assistência propostos pela Rami demonstra o caráter esvaziado do uso desses termos, levando em conta que adotam um modelo de atenção à saúde conflitante com a noção de redes. O propósito das redes de atenção à saúde é reduzir a utilização de serviços especializados1717 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc. saúde coletiva. 2010; 15(5):2297-305.. O que a Rami faz, contraditoriamente, é aumentar a ênfase nesse componente, dando a ele, de certo modo, autonomia em relação à atenção básica.

Apesar de ter como um de seus componentes um sistema de governança, a nova Rami foi instituída sem ao menos respeitá-lo. Conforme destaca Mendes1717 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc. saúde coletiva. 2010; 15(5):2297-305., as comissões intergestoras são o espaço privilegiado da ampla gestão das redes, e a própria implementação da rede não foi pactuada com esses atores. Nesse sentido, ao instituir a Rami, parte-se de um exercício de autoridade absolutamente descontextualizado, como se, no uso de suas plenas atribuições, o Ministério da Saúde não estivesse situado em um contexto jurídico-político resultante de uma série de marcos históricos e legais que fundamentam e regulamentam a elaboração, a organização e a estruturação das políticas de saúde no Brasil.

Nesse contexto, recomenda-se que uma rede de atenção deva ser instituída, implementada e estruturada à luz dos princípios que norteiam o SUS. Apenas dessa maneira se poderá construir uma Rami democraticamente, que leve em consideração as necessidades daqueles que são sujeitos da assistência oferecida.

Por fim, há aspectos de grande relevância que o recorte sujeitos-locais-agentes da assistência não permitiu explorar, como o modo que tratam (ou deixam de tratar) de outros aspectos do ciclo gravídico-puerperal, como o abortamento previsto em lei ou a atenção à situação de abortamento – que a Rami insiste em chamar de ‘perda gestacional’. Por esse motivo, outros estudos fazem-se necessários para que se possa compreender, de maneira cada vez mais adequada e aprofundada, quais modelos de atenção são subjacentes às duas propostas de organização da rede.

  • Suporte financeiro: não houve

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Editado por

Editora responsável: Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2022
  • Aceito
    26 Set 2023
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