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Monstruosidades, Corpo e Criação: estratégias para se dançar com o infamiliar

Monstruosités, Corps et Création: stratégies pour danser avec l’inquiétant

RESUMO

Monstruosidades, Corpo e Criação: estratégias para se dançar com o infamiliar – Este artigo discute um campo de investigações em torno do enlace entre monstruosidades, corpo e criação em dança. Inicia-se com a delimitação do conceito de monstro, utilizado neste trabalho, e com a exposição de alguns dos incômodos vivenciados coletivamente na experiência corporal~subjetiva no presente. Em seguida, traça-se um percurso da monstruosidade explicitando como o monstro, historicamente estranho, foi se tornando familiar ao longo do século XX. Por fim, discute-se a aproximação do monstro com o infamiliar, o inquietante, como estratégia de criação em dança a partir do relato de três processos composicionais.

Palavras-chave:
Monstros; Corpo; Criação; Dança; Infamiliar

RÉSUMÉ

Cet article aborde un champ d’investigation autour du lien entre monstruosités, corps et création dans la danse. Il commence par la délimitation du concept de monstre, utilisé dans ce travail, et par l’exposé de certains des inconforts ressentis collectivement dans l’expérience corporelle~subjective actuelle. Ensuite, un chemin de monstruosité est tracé, expliquant comment le monstre, historiquement étrange, est devenu familier tout au long du vingtième siècle. Enfin, l’approche du monstre de l’infamilier, de l’inquiétant, en tant que stratégie de création dans la danse sera discutée sur la base de trois processus de composition.

Mots-clés:
Monstres; Corps; Création; Danse; l’Inquiétant

ABSTRACT

Monstrosities, Body and Creation: strategies for dancing with the unfamiliar – This paper discusses a field of investigation around the link between monstrosities, body and creation in dance. It begins with the delimitation of the concept of monster, used in this work, and with the exposure of some of the discomforts collectively experienced in the body~subjective experience nowadays. Next, the path of monstrosity history is traced, explaining how the monster, historically strange, has become familiar throughout the 20th century. Finally, the approach of the monster to the unfamiliar, the unsettling, is discussed as a strategy of creation in dance, based on the report of three compositional processes.

Keywords:
Monsters; Body; Creation; Dance; Unfamiliar

Esse eu, ao lado do qual tão repentinamente e tão nervosamente nos colocamos, é o monstro (Jeffrey Jerome Cohen, 2000, p. 53COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos monstros - Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.).

Os monstros que nos habitam

Desde meados de 2019 investigo como os monstros podem intervir na pesquisa e criação em dança, seja na produção de espetáculos ou pela constituição de espaços de investigação e reflexão coletiva que se propõem a experimentar poeticamente o corpo e a criação em contato com as teorias da monstruosidade (Cohen, 2000COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos monstros - Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.; Courtine, 2011COURTINE, Jean-Jacques. O corpo anormal – história e antropologia culturais da deformidade. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (Org.). História do corpo - vol. 3 - As mutações do olhar: o século XX. Petrópolis: Vozes, 2011.; 2013COURTINE, Jean-Jacques. Uma arqueologia da curiosidade – O teatro dos monstros no século XVIII. In: COURTINE, Jean-Jacques (Ed.). Decifrar o corpo: pensar com Foucault. Translation: Francisco Morás. Petrópolis: Vozes, 2013.; Gil, 2006GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água, 2006.; Silva, 2000SILVA, Tomaz Tadeu da. Monstros, ciborgues e clones: os fantasmas da Pedagogia Crítica. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos Monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.; Tucherman, 1999TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999.).

Segundo alguns desses estudos, os monstros habitam sempre zonas limítrofes e seriam uma espécie de catalisador que provoca, entre outras coisas, um borrar de fronteiras: culturais, estéticas e políticas (Jeha, 2009JEHA, Julio. Das origens do mal: a curiosidade em Frankenstein. In: JEHA, Julio; NASCIMENTO, Lyslei de Souza (Org.). Da fabricação de monstros. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.). Nesse processo de mistura e embaralhamento, nossa visão de mundo é perturbada, assim como nossas referências epistemológicas. “Quando isso ocorre, sentimos que nossas expectativas de ordem – as fronteiras – estabelecidas pela ciência, filosofia, moral ou estética foram transgredidas. E transgressões geram monstros” (Jeha, 2009, p. 20JEHA, Julio. Das origens do mal: a curiosidade em Frankenstein. In: JEHA, Julio; NASCIMENTO, Lyslei de Souza (Org.). Da fabricação de monstros. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.).

No que tange à experiência subjetiva, os monstros colocam também em tensão os limites constituintes da própria ideia de humanidade e identidade, situando-se não fora do domínio do humano, mas no seu limite (Gil, 2006, p. 14GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água, 2006.), borrando igualmente as noções estabelecidas em torno da ideia de sujeito e subjetividade (Silva, 2000, p. 19SILVA, Tomaz Tadeu da. Monstros, ciborgues e clones: os fantasmas da Pedagogia Crítica. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos Monstros: os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.). Ao repensar a própria organização subjetiva, alçamo-nos também, em alteridade, ao reposicionamento do outro, colocamo-nos em relação (Kiffer, 2021KIFFER, Ana. Diante dos afetos: visceralidade, emancipação, dor e relação. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41302. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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).

Busco, a partir dessas primeiras questões, refletir sobre como os monstros podem desorganizar o pensamento criativo, a subjetividade e o corpo na dança de modo a estranhar, repensar e eventualmente desmontar políticas de criação vigentes em um certo percurso artístico~coreográfico1 1 O uso do til no lugar do hífen é uma estratégia utilizada pela pesquisadora Alice Stefânia Curi, orientadora da presente pesquisa, que passo também a empregar neste texto. Segundo ela, a troca visa a enfatizar a fluidez entre as perspectivas articuladas, soando menos sectário que o hífen ou a barra, dando mais ênfase à ambivalência e reciprocidade entre as partes. , existente em um chão, em um território específico. Para tanto, propõem-se estratégias de singularização e subjetivação dos monstros em torno de experiências de criação particulares e situadas, em que eles funcionarão como gatilhos desestabilizadores nos processos criativos em dança. Nesse sentido, remeto-me ao campo da psicanálise para pensar o monstro como um agente catalizador e/ou desestabilizador de construções psíquicas que podem ser experimentadas nos processos criativos a partir da noção de estranho/inquietante/infamiliar/incômodo (Freud, 2019FREUD, Sigmund. O infamiliar e outros escritos / Sigmund Freud; seguido de O homem da areia / E. T. A. Hoffmann. Translation: Ernani Chaves; Romero Freitas. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.).

Nesse ponto, como estratégia discursiva e de particularização da experiência de investigação criativa, passo a usar o termo também no singular – o monstro –, quase como sinônimo de sua forma no plural – os monstros –, mas não os equivalendo. Intento com isso, por um lado, estreitar a experiência particular nas investigações criativas, mas manter, por outro, mesmo em uma experiência pessoal, o laço indissociável com a pluralidade possível das expressões monstruosas além de suas ligações com o campo teórico mencionado – as monstruosidades –, que também se caracteriza por ampla variedade de abordagens e recortes.

Cerco, portanto, a partir dos campos das teorias da monstruosidade e da subjetivação, o monstro como sendo um operador prático~teórico que desempenha uma função desestabilizadora em processos criativos em dança, em um território específico de produção. Estimular, provocar, acossar, identificar e conhecer esse monstro que nos habita, fazê-lo aparecer e com ele dançar, são desafios da proposta.

Em um mundo cada vez mais (des)articulado em redes digitais e mediado de maneira extensiva, ostensiva e opressiva por mecanismos de condicionamento neoliberais, pelo excesso de informação e comunicação esterilizadas e pelo esvaziamento do debate público, vivenciamos uma intensa e profunda crise da sensibilidade (Patzdorf, 2021PATZDORF, Danilo. Artista-educa-dor: A somatopolítica neoliberal e a crise da sensibilidade do corpo ocidental. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, v. 1, n. 40, 2021. Available at: https://periodicos.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/19373. Accessed on: 24 Oct. 2022.
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), o que solicita de maneira proeminente e urgente o debate amplo e profundo sobre os afetos públicos e suas relações com a performance (Pais, 2021PAIS, Ana. Apresentação Dossiê. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41290. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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).

Esses afetos apresentam em seu cerne uma ambiguidade, típica também dos monstros, entre estados de desvitalização e desânimo, por um lado, e estimulação e excitamento, por outro, o que nos impele a uma oscilação constante entre o êxtase e o desencanto. Desencanto entendido aqui como o resultado de processos de esvaziamento e desnutrição da força vital, da linguagem, do desejo, do imaginário, em suma, da nossa pulsão de vida, frente aos modos de automatização das subjetividades e afetos no presente, o que a psicanalista Suely Rolnik (2018)ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018. vai chamar “cafetinagem” da vida. Esse processo, mediado pelo que ela define como inconsciente colonialcapitalístico, visa a extrair suas forças de expropriação não só das bases econômicas da sociedade, mas hoje, principalmente, de suas bases culturais e subjetivas, gerando um quadro ainda mais perverso de espoliação das subjetividades (Rolnik, 2018, p. 33ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.).

Busco, na reflexão sobre os afetos públicos e o encontro da dança com os monstros, habitar essa ambiguidade, de modo a produzir também, para além de desencanto, êxtase: resistências, potências e subjetividades dissidentes no presente a partir da criação. Mapear e vivenciar essas polaridades de afetos, a partir de uma perspectiva da dança, tornam-se tarefas almejadas, pois, conforme nos aponta a pesquisadora Ana Pais (2021, p. 11)PAIS, Ana. Apresentação Dossiê. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41290. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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, elas dizem respeito a

[...] sentimentos públicos prementes no momento atual (incluindo cicatrizes de sentimentos de outros tempos, mas que perduram), forças invisíveis que circulam em narrativas culturais e normas sociais condicionando a experiência individual. Não raro, estas forças atravessam as artes performativas contemporâneas, que as tornam visíveis, palpáveis.

Depreende-se, portanto, que de maneira mais ou menos evidente as forças afetivas2 2 Para um entendimento das conceituações de afeto e da ‘virada afetiva’ nas Ciências Humanas, verificar Pais (2021). do presente emergem nas artes do corpo. Almejo assim, no trabalho criativo, de forma intencional e propositada, mapear a presença e a emergência desses sentimentos públicos, especialmente a partir da gravidade dos acontecimentos histórico-sociais vivenciados nos últimos anos, tanto em nível global quanto nacional, o que provavelmente contribuiu para a subjetivação coletiva de uma série de afetos a partir de um “[...] lastro comum, determinado por uma conjuntura ultraconservadora e neoliberal e um acontecimento que estarreceu o mundo – a pandemia Covid 19” (Pais, 2021, p. 11PAIS, Ana. Apresentação Dossiê. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41290. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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).

Frente a esse quadro, novamente, assim como com os monstros, a própria noção de humanidade pôs-se em questão, quando se vislumbra que hoje, constantemente, a vida negocia com a morte, a catástrofe e a destruição. Nas últimas décadas, observamos a intensificação de crises vivenciadas globalmente, como o alarmante colapso climático, os conflitos migratórios e xenófobos, a emergência de guerras, o aumento chocante da desigualdade social durante a pandemia, enfim, uma verdadeira crise humanitária que configura todo o arcabouço problemático para a subsistência da humanidade e do planeta e que aparece contemplado nas discussões atuais sobre o Antropoceno (Quilici, 2021, p. 25QUILICI, Cassiano. O afeto da urgência: artes performativas e a recriação das formas de vida. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41302. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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).

Buscando fugir de uma anestesia a esse contexto e intentando ativamente problematizá-lo dentro dos espaços de criação, parto de algumas perguntas orientadoras, tanto em sala de ensaio quanto nesta escrita: como enfrentar as crises provenientes do presente? Como questionar, ou responder, a política de movimento que parte do desencanto e de corpos exaustos, expropriados subjetivamente? Como negociar o movimento com a dor, a violência e a normalização da barbárie?

Em contrapartida ao desencanto, o êxtase, também proporcionado pelos monstros, remete-se à criação, ao “direito de existir ou, mais precisamente, [a]o direito à vida em sua essência de potência criadora” (Rolnik, 2018, p. 24ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.). Habitar esse estado estranho-familiar (Rolnik, 2018ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.) entre afetos e sentimentos paradoxais e ambíguos, como os monstros nos instigam, é o objetivo, e talvez a única forma possível, de se manter em estado de criação. Pois se, por um lado,

[...] este momento global pandémico que vivemos nos últimos dois anos, dominado por sentimentos públicos do medo, do pânico e da dor que contaminaram atmosferas coletivas pelo mundo fora, multiplicou equívocos, ignorância e desespero, também gerou inesperadas forças positivas, esperançosas e resilientes que nos ajudaram a adentrar pelo desconhecido (Pais, 2021, p. 11PAIS, Ana. Apresentação Dossiê. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41290. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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Na busca pela ativação dessas forças positivas e resilientes, por meio dos monstros busco examinar de que formas o corpo, hoje condicionado pela anestesia, asfixia e esgotamento dos afetos, do imaginário e da sensibilidade (Patzdorf, 2021PATZDORF, Danilo. Artista-educa-dor: A somatopolítica neoliberal e a crise da sensibilidade do corpo ocidental. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, v. 1, n. 40, 2021. Available at: https://periodicos.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/19373. Accessed on: 24 Oct. 2022.
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), pode responder à criação, de modo a elucubrar como o movimento pode emergir frente à paralisia, eventualmente manifestada no presente mediado pelo medo, pelo risco e pela dor. A dor aqui, menos do que um afeto que se torna fetiche, acessado, revisitado e cutucado de maneira a gerar mais sofrimento, assumiria uma função

[...] ligada à delimitação e contorno de um corpo-território: físico, psíquico e sempre comum. A história dessa dor, impossível de se desembaraçar da história do apagamento de seus rastros, só se enuncia quando insurge como voz diversa, não localizável apenas neste ou naquele corpo, mas como que definindo um outro corpo-comum, anônimo mesmo quando localizável (Kiffer, 2021, p. 144-145KIFFER, Ana. Diante dos afetos: visceralidade, emancipação, dor e relação. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41302. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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A dor não seria localizável então somente em um certo corpo, mas compartilhada por um corpo-comum, um coletivo que habita um mesmo tempo presente cujos laços de sociabilidade precisam ser urgentemente recriados, mesmo que para isso precisemos nos encontrar com certos monstros que, longe de fantásticos, apresentam-se como “seres aparentemente ordinários em um mundo ordinário” (Bertin, 2016, p. 38BERTIN, Juliana. O monstro invisível: o abalo das fronteiras entre monstruosidade e humanidade. outra travessia, n. 22, 2016. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2016n22p37. Accessed on: 29 Oct. 2022.
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Busco assim mapear eventuais forças produtivas que se apresentaram a partir de um quadro de desencanto, procurando entendê-las em aproximação com as monstruosidades, no intuito de pensar o estranhamento, o incômodo ou a infamiliaridade dos tempos atuais como território de subversão criativa. Entendendo o corpo~subjetividade como um mesmo sistema entrelaçado, investigar criação em dança a partir da monstruosidade no presente significa averiguar também quais são e como são produzidos os monstros em nosso tempo na medida em que eles participam da conformação e do condicionamento da nossa sensibilidade, nossos afetos e nossa maneira de habitar o mundo. O que nos leva, inicialmente, a investigar quais monstros nos habitam.

Do monstro estranho ao monstro familiar

Os monstros modernos, no entanto, já não se encontram do lado de fora da fronteira, desejando entrar. Eles habitam o mesmo espaço geográfico que os humanos, levando a uma horrível conclusão: os monstros não apenas se parecem conosco, eles estão entre nós (Juliana Bertin, 2016, p. 48BERTIN, Juliana. O monstro invisível: o abalo das fronteiras entre monstruosidade e humanidade. outra travessia, n. 22, 2016. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2016n22p37. Accessed on: 29 Oct. 2022.
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).

Os monstros estão presentes em todos os períodos da história do Ocidente. Seres extraordinários que habitavam a cosmologia da antiguidade, seres imaginários que existiam nos confins do mundo medieval, seres exóticos e estrangeiros que justificaram a formação dos nacionalismos no alvorecer da modernidade, seres catalogados e enclausurados na teratologia e nos freak shows do século XIX e, finalmente, seres hibridizados com o metal, a tecnologia e o artificial na contemporaneidade do pós-humano.

Logo, no imaginário e na produção simbólica cultural da humanidade, é recorrente a aparição de monstros, sejam eles teratológicos ou fantásticos/fabulosos: nas mitologias, nas religiões, na psicologia, no cinema, na literatura, na arte e nas mais diversas manifestações imagéticas do cotidiano. Habitando sempre os limites fronteiriços da cultura, borrando as identidades, no limiar, escapando aos regimes da linguagem, os monstros sempre pressionaram as categorias e as experiências normativas dos regimes sociais, tensionando as fronteiras que demarcam a própria ideia de humanidade (Gil, 2006GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água, 2006.).

A produção teórica sobre os monstros é, portanto, vasta, e está distribuída predominantemente em áreas do conhecimento que se debruçam sobre os estudos da cultura, tais como a antropologia, a história, a sociologia, a filosofia, a literatura e a arte. Apesar da ampla diversidade de campos que tratam as monstruosidades, de maneira geral os estudos em torno dessas teorias podem nos apresentar características comuns de um “método para se ler as culturas a partir dos monstros que elas engendram” (Cohen, 2000, p. 25COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos monstros - Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.).

É o que nos propõe o professor Jeffrey Jerome Cohen (2000)COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos monstros - Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000., em um texto exemplar, no qual apresenta características comuns em torno de sete teses gerais que nos ajudam a perceber primordialmente o caráter desestabilizador dos monstros. São elas: o corpo do monstro é um corpo cultural; o monstro sempre escapa; o monstro é o prenúncio da crise de categorias; o monstro habita os portões da diferença; o monstro policia as fronteiras do possível; o medo do monstro é realmente uma espécie de desejo; e, por fim, o monstro está situado no limiar… do tornar-se.

Tendo como território comum essas características gerais da ação dos monstros, mas buscando trilhar um caminho particular dentro desse amplo enquadramento teórico, separo dois recortes que me parecem importantes para pensarmos a presença monstruosa na cultura em relação às artes performativas. O primeiro deles ocorre a partir do século XVI, quando percebemos, especialmente no pós-renascimento (Gil, 2006GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água, 2006.), um processo de teatralização dos monstros; e o segundo momento, em alguma medida uma consequência ou desenvolvimento do anterior, que se passa já nos séculos XVIII e XIX, com a espetacularização dos monstros.

A teatralização, no século XVI, ocorreu a partir da proliferação dos museus e da necessidade de catalogação e organização de coleções de objetos estranhos, o que gerou a demanda de criação de classificações e taxonomias que organizassem os artefatos que passavam a ser coletados. José Gil (2006, p. 66–68GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água, 2006., grifos nossos) nos informa que essa é

[...] a época das primeiras coleções de objetos de toda a espécie: reúnem-se coisas estranhas e sem relação, fósseis, restos de seres monstruosos. [...] As coleções e os museus [...], proporcionando o seu espaço simultaneamente descontextualizado e neutro, preparam a elaboração de novas taxinomias. [...] Nesse sentido, o monstro constitui já por si uma pequena coleção de objetos (de traços) descontextualizados, aparecendo como uma espécie de paradigma vivo destes museus no século XVI. [...] Este torna-se teatro onde se representa – e continuará a representar-se ao longo dos séculos XVII e XVIII – o estranho cenário dos fenômenos.

Um teatro do estranho passa a se formar em torno desses objetos que simbolizam os restos e rastros monstruosos que se organizam através das novas taxonomias que começam a classificar e catalogar a diferença, o outro, a partir daquilo que não se reconhece como igual, semelhante e compartilhado. Começa aqui, a partir da catalogação do estranho, um primeiro movimento de mostra, de exposição e teatralização dos monstros. É o que vai observar também, em sua minuciosa análise, a professora Ieda Tucherman (1999, p. 98TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999., grifos nossos):

O fascínio pelos monstros, sempre presente e sempre especial, pode aí ser pensado como uma teatralização, um show vivo da reunião do que não se reúne. Pode-se prever que quando as taxonomias se tornam vitoriosas e se afirmam a partir de novas categorias lógicas, os monstros e os freaks perderão o seu estatuto de ‘mirabilia’ para serem olhados por outra relação de saber e de poder.

Já na espetacularização dos monstros, nos séculos XVIII e XIX, observa-se um processo peculiar de exposição das deformidades e estranhezas corporais a partir do surgimento dos circos, feiras e freak shows, que continham a exibição do corpo monstruoso como atração cênica (Courtine, 2011COURTINE, Jean-Jacques. O corpo anormal – história e antropologia culturais da deformidade. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (Org.). História do corpo - vol. 3 - As mutações do olhar: o século XX. Petrópolis: Vozes, 2011., 2013COURTINE, Jean-Jacques. Uma arqueologia da curiosidade – O teatro dos monstros no século XVIII. In: COURTINE, Jean-Jacques (Ed.). Decifrar o corpo: pensar com Foucault. Translation: Francisco Morás. Petrópolis: Vozes, 2013.; Tucherman, 1999TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999.).

Nos freak shows, os monstros foram utilizados também como categorização e taxonomia do outro, do estranho, daquilo que se opunha ao sujeito, como forma de evidenciar o centro de referência da identidade moderna nascente: branca, masculina, heterossexual, europeia. O homem ocidental moderno constrói o seu duplo monstruoso situado, sitiado e mediado via cena e espetáculo, fora de si, em seu exterior. O espetáculo dos sujeitos ditos monstruosos funcionava como um processo de intervenção segura na depuração daquilo que representava, em alteridade, a própria consciência moderna:

Neste processo, tudo é concebido e montado para que o visitante - espectador se veja num mundo à parte, em tudo diferente de seu universo cotidiano. Portanto, no mesmo movimento, produzia-se a oposição entre o cotidiano e o espetáculo-freak e entre os habitantes dos dois mundos. Um encontro que era também um confronto entre duas imagens, o inglês vitoriano, branco e racional, consciente de si mesmo como ligado ao progresso da raça e da razão; e seu outro, irracional, anormal e materializado. O efeito obtido só podia ser uma espécie particular de catarse que, a partir da exposição desta radical alteridade, expurgava o homem moderno de seus ‘fantasmas’ reafirmando para ele sua própria modernidade (Tucherman, 1999, p. 103TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999.).

Retomando uma das teses de Cohen (2000)COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos monstros - Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000., a de que o monstro habita os portões da diferença, e associando-a à discussão que o professor Tomaz Tadeu da Silva (2014)SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2014. fez acerca da identidade e diferença, podemos concatenar que a formação do espírito da modernidade se estrutura então em oposição à criação de categorias que representavam o outro, como sendo aquilo que o eu não poderia ser. Nesse processo, a identidade e a diferença, menos do que algo existente em si, como um a priori na cultura, são produções, criações sociais e culturais, além de serem também mutuamente determinadas e codependentes (Silva, 2014, p. 75-76SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2014.). O monstro passará a ser então um profícuo canal de manifestação da diferença, em oposição à florescente identidade hegemônica que aos poucos se estruturava, sendo “permanentemente assombrada pelo Outro, sem cuja existência ela não faria sentido” (Silva, 2014, p. 84SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2014.).

O outro gênero, a outra cor, a outra sexualidade, a outra raça, a outra nacionalidade, serão então frequentemente entendidos como monstruosos quando sua diferença expressar algo de oposto ou variante em relação ao construído como normal dentro da matriz de referência moderna. Os monstros desempenharão então um papel de corporificação de fenômenos sociais associados, por exemplo, à misoginia, ao racismo, à homo/transfobia3 3 Especificamente sobre a relação dos monstros com a transexualidade, consultar Leite Junior (2012). , à xenofobia, entre outros comportamentos sociais reativos, em última instância, ao corpo diferente, uma vez que “[...] qualquer tipo de alteridade pode ser inscrito através (construído através) do corpo monstruoso, mas, em sua maior parte, a diferença monstruosa tende a ser cultural, política, racial, econômica, sexual” (Cohen, 2000, p. 27COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos monstros - Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.).

A categoria raça, no entanto, terá um protagonismo específico no período de consolidação da modernidade, já que a primeira expansão colonial mercantil, iniciada no século XV, estruturar-se-á a partir da violenta escravização de diferentes povos do continente africano. Esse dado é particularmente importante no caso da dominação portuguesa sobre o território brasileiro, uma vez que o Brasil, como se sabe, foi o país em que o sistema escravocrata se perpetuou por maior tempo.

A associação de outros seres humanos aos monstros, ou melhor, a exclusão de outros homens e mulheres da categoria do humano, é a chave que marca a consolidação de uma subjetividade moderna que justifica a escravidão e o expansionismo mercantil. Esse fenômeno será muito bem definido pelo jornalista e sociólogo Muniz Sodré (2002)SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira. Rio de Janeiro; Salvador: Imago Editora; Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2002., em torno da ideia de uma semiótica da monstruosidade, uma articulação conceituai, discursiva e de subjetivação que se fortalece e se consolida nesse período. Segundo ele

[...] o sintoma racista sustenta-se, em última análise, na separação radical que a modernidade europeia opera entre natureza e cultura. O 'outro' é introjetado pela consciência hegemônica como um ser-sem-lugar-na-cultura. Emerge daí uma semiótica da monstruosidade para a consciência subjetivada, edipianizada, o 'afro' é um homem que a consciência eurocêntrica não consegue sentir como plenamente humano; é como o monstro, não um desconhecido, mas um conhecido que finalmente não se consegue perceber como idêntico à ideia universal de humano (Sodré, 2002, p. 177SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira. Rio de Janeiro; Salvador: Imago Editora; Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2002.).

Há portanto um processo que se inicia nesse período de codependência cultural/subjetiva entre a construção de uma ideia de sujeito - ocidental, moderno - e a separação de extratos dessa mesma subjetividade, que precisavam ser materializados fora, em um outro construído em corpos que representassem aquilo que o eu não deveria ser. Em consequência, esse mesmo processo de duplicação e codependência ocorre também dentro do próprio par dialógico modernidade/colonialidade como movimento expansionista europeu em direção às Américas (século XVI) e, posteriormente, europeu e norte-americano em direção à Africa e Ásia (século XIX). "A modernidade, estando 'intrinsecamente associada à experiência colonial' (Maldonado-Torres, 2008, p. 84), não é capaz de apagá-la: não existe modernidade sem colonialidade (Quijano, 2000, p. 343)" (Ballestrin, 2013, p. 100-101BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 11, 2013. Available at: http://www.scielo.br/j/rbcpol/a/DxkN3kQ3XdYYPbwwXH55jhv/abstract/?lang=pt. Accessed on: 7 Feb. 2023.
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).

Para que tal projeto de expansão e dominação se consolidasse foi necessária a criação de uma categoria classificatória que pudesse simbolizar, justificar e estabilizar subjetivamente o massacre, o genocídio e a eliminação de povos e culturas que não se enquadravam dentro da nova humanidade nascente. A categoria raça é, portanto, a base fundante de organização intelectual e subjetiva que ampara o movimento expansionista da modernidade cuja premissa foi a delimitação e eliminação do outro, do estranho, dos desviantes culturais e sociais que não se enquadravam no modelo hegemónico, ou melhor, enquadravam-se enquanto par oposto de alteridade, dando sentido simbólico ao processo dialético. Voltando à ligação da categoria raça com os monstros, Cohen (2000, p. 36)COHEN, Jeffrey Jerome. A cultura dos monstros: sete teses. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Pedagogia dos monstros - Os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. afirma que

[...] a raça tem sido, da Época Clássica ao século XX, um catalisador quase tão poderoso para a criação de monstros quanto a cultura, o gênero e a sexualidade. A África tornou-se desde cedo o outro significante do Ocidente, com o signo de sua diferença ontológica sendo constituído simplesmente pela cor da pele.

A partir dessa relação intrínseca, a raça deve ser também uma categoria primordial para se investigar a monstruosidade ou, em outras palavras, a monstruosidade talvez seja um fenômeno cultural que deva ser lido a partir da categoria raça, especialmente no que tange ao processo de instauração da modernidade/colonialidade entre os séculos XVI e XIX4 4 Para mais sobre a relação entre monstros, colonialismo e racismo consultar Markendorf (2015; 2018) e Klinkerfus (2021). . Essa visão é também corroborada pela professora Ieda Tucherman (1999, p. 98-99)TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999., ao afirmar que

[...] é no momento em que se procura normalizar o anormal, inserindo-o na ‘ordem natural das coisas’, que uma outra (e perigosa) mitologia se estabelece, onde, de maneira racista e dogmática, o anormal (onde o freak se inclui) aparece como o outro do europeu, branco, macho. [...] Surge a mitologia da raça, de uma raça em radical alteridade em relação à raça branca, que, de maneira indireta, vai influenciar o modo de percepção do fenômeno freak com seu tipo particular de monstruosidade. O freak aparecerá associado, de maneira indireta, quase como caso individual, deste outro racial.

Uma vez estabelecida, pelo crivo da raça, a oposição entre o eu e o outro, organiza-se a congruência simbólica e subjetiva que formará uma mentalidade específica, a mentalidade moderna ocidental, e junto dela a noção de indivíduo. Essa mentalidade terá impactos profundos na formação de um inconsciente colonial-capitalístico (Rolnik, 2018ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.) e servirá de apoio, suporte e justificativa para os processos expansionistas e imperialistas do próprio sistema capitalista, mesmo em suas fases mais recentes. Aliás, é a partir da conformação desse inconsciente que se produzem as metamorfoses do próprio sistema.

Adentrando no século XX, veremos que o monstro humano, teratológico, que se firma no fim do século anterior e que tem nos freak shows um de seus mais evidentes símbolos, começará a se diluir simbolicamente na cultura, uma vez que o corpo monstruoso que foi teatralizado e espetacularizado será agora apropriado pela cultura de massa, especialmente pelo cinema (no começo do século) e pela televisão (a partir das décadas de 50 e 60). Segundo a professora Ieda Tucherman (1999)TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999., haverá um processo de transição, das feiras e circos, para o jornal impresso, a televisão e o cinema, sendo este último, no século XX, o que tomará o lugar dos freak shows, que serão condenados ao desaparecimento (Tucherman, 1999, p. 102TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999.).

Dois exemplos clássicos do papel do cinema nessa substituição aos freak shows são o filme Drácula, de 1931, e o incontornável Freaks, de 1932, ambos dirigidos pelo diretor americano Tod Browning. O cinema, no começo do século, desempenhará então o papel de mediação entre o espetáculo teratológico, não mais tolerado moralmente, especialmente após a Primeira Guerra Mundial, e um novo e diferente espetáculo simbólico da monstruosidade, mais fictício, artificial, mediado em um ambiente controlado:

Tudo se passa então como se os traços monstruosos, não sendo mais reconhecidos em seu enraizamento corporal e humano, se desdobrassem na esfera do espetáculo para aí adquirir uma existência autônoma: impulsionados pelo desenvolvimento das tecnologias cinematográficas, vão desenvolver-se nesse espaço como formas hiperbólicas, ao mesmo tempo que se vai enfraquecendo o reconhecimento da alteridade das monstruosidades humanas (Courtine, 2011, p. 325-326COURTINE, Jean-Jacques. O corpo anormal – história e antropologia culturais da deformidade. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (Org.). História do corpo - vol. 3 - As mutações do olhar: o século XX. Petrópolis: Vozes, 2011.).

Podemos, ainda, mencionar uma série de outros filmes, em diferentes versões e produções, cujos monstros funcionarão como metáforas do mal (Jeha, 2007JEHA, Julio. Monstros como metáforas do mal. In: JEHA, Julio (Org.). Monstros e monstruosidades na literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.), alegorias das transformações que abalariam profundamente a sociedade ao longo do século XX: Frankenstein, King Kong, O médico e o Monstro nas décadas de 1920/30, Godzilla nos anos 1950, além de diversos filmes de vampiros nos anos 1980, dinossauros nos 1990 e, por fim, de lobisomens, alienígenas e zumbis no fim do século. Esses monstros do cinema foram respostas simbólicas dentro da cultura de massa às “[...] catástrofes do século XX: guerras, epidemias, depressões econômicas e loucuras da ciência – todas elas geraram seus monstros” (Courtine, 2011, p. 326COURTINE, Jean-Jacques. O corpo anormal – história e antropologia culturais da deformidade. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (Org.). História do corpo - vol. 3 - As mutações do olhar: o século XX. Petrópolis: Vozes, 2011.).

Esse processo é descrito também por José Gil (2006, p. 13)GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água, 2006. para justificar a banalização do mal, da violência, da anomalia em geral e a exacerbação da presença dos monstros no cotidiano, quando estes se afastam do domínio teratológico. Segundo ele, em síntese, há uma contração do domínio tradicional da anomalia ou, simplesmente, uma contração da monstruosidade, que passa a ser fabulada, processada e mercantilizada como um produto cultural de massa. Essa contração está associada também ao próprio desenvolvimento da ciência e do cientificismo, que passam a higienizar, condicionar e corrigir o corpo enfermo, anômalo ou defeituoso.

O século XX assumiu o projeto de afastar e, se possível, erradicar as anomalias e as doenças. Através de uma crescente medicalização do Ocidente, os defeitos físicos – aqueles mesmos que possibilitaram o filme Freaks de Tod Browning – tornam-se escassos, singulares e reversíveis. Os corpos monstruosos reais, que foram matéria de exposições e feiras, perdem materialidade, corpo, substância; doenças congênitas, marcas de nascença, cicatrizes, entre outros ‘defeitos estéticos’ migram de uma esfera irreversível para algo que pode ser corrigido ou até mesmo evitado (Paleólogo, 2011, p. 8PALEÓLOGO, Diego. O labirinto contemporâneo - a experiência do Minotauro em Borges e Cortázar. Imaginário, efeito de real e contração da monstruosidade. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC, 12., 2011, Curitiba. Annals [...]. Curitiba, 2011. Available at: https://abralic.org.br/eventos/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0866-1.pdf. Accessed on: 7 Feb. 2023.
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).

O afastamento do monstro teratológico, na transição do século XIX para o XX, foi também uma estratégia de subjetivação necessária, já que as mudanças sociais e culturais da época passaram aos poucos a não mais permitir uma diferenciação e separação nítida e objetiva dos sujeitos/corpos monstruosos. Segundo Courtine (2011)COURTINE, Jean-Jacques. O corpo anormal – história e antropologia culturais da deformidade. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (Org.). História do corpo - vol. 3 - As mutações do olhar: o século XX. Petrópolis: Vozes, 2011., a teratologia, embebida pela medicina das Luzes e pelo positivismo, avança como ciência que passará a representar cientificamente os monstros, inserindo-os na ordem, humanizandoos. A aberração, o anormal, o estranho começaram a ficar próximos demais, parecidos demais, eventualmente identificados demais com a posição que outrora apenas observava de fora. Esse movimento é notado novamente por Courtine (2011, p. 312)COURTINE, Jean-Jacques. O corpo anormal – história e antropologia culturais da deformidade. In: CORBIN, Alain; COURTINE, Jean-Jacques; VIGARELLO, Georges (Org.). História do corpo - vol. 3 - As mutações do olhar: o século XX. Petrópolis: Vozes, 2011. ao nos comunicar que

[...] o espetáculo e o comércio da monstruosidade não podiam de verdade prosperar a não ser enquanto fosse fraco, ou quase inexistente, o vínculo de identificação do espectador com o objeto da exibição. Só a partir do momento em que se percebeu a monstruosidade como algo humano, ou seja, no instante em que o espectador do entra e sai pôde reconhecer um semelhante sob a deformidade do corpo exibido é que seu espetáculo passou a ser sumamente problemático.

Em certa medida, o monstro do século XIX ainda persistirá, mas estará agora desdobrado em novos freak shows contemporâneos: nos filmes, nos programas de televisão ou, já perto da transição para o século XXI, nos corpos ciborgues, hibridizados com a artificialidade das técnicas médicas, farmacológicas e de produção do corpo (Breton, 2013BRETON, David Le. Adeus Ao Corpo. 6. ed. Campinas: Papirus, 2013.). Os novos monstros, novos freaks, demandarão, portanto, novas estratégias de elaboração simbólica e de subjetivação, já que o corpo ora lido como monstruoso passa a estar à disposição como atributo técnico, a ser produzido pelas novas práticas de intervenção médicas, farmacológicas, eróticas, acessórias e virtuais.

De início, [...] o cinema exterminará o circo-show, assumindo o lugar do espetáculo por excelência, associado, depois dos anos 50-60 à televisão e sua comunicação do grotesco, ainda frequente nos programas de auditório ‘politicamente incorretos’. Mas as mudanças ocorridas no século XX trarão outra e nova relação para a questão dos freaks. Ao lado das figuras dos freaks tradicionais, surgem novos corpos desviantes, novas práticas de intervenção nos corpos que se utilizam da estética do bizarro como forma de se opor à norma. Comportamentos ‘de circo’ se expandem para um certo cotidiano particular como as tatuagens, os body-piercing, e outras marcações corporais que demandam agora uma outra análise de sua produção e recepção (Tucherman, 1999, p. 104TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999.).

Esse mesmo movimento de transição e de diluição dos monstros na cultura, que se inicia no século XIX e se consolida no XX, é especialmente descrito e analisado também por Michel Foucault (2010)FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Translation: Eduardo Brandão. 2nd ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. no livro Os anormais, um compilado de suas conferências ao Collége de France nos anos de 1974 e 1975. Esse trabalho nos ajuda também a pensar o corpo monstruoso notadamente em relação ao saber-poder biomédico e jurídico que se configura desde o século XVIII, e enclausura as manifestações corporais que não se enquadravam nas normas modernas nascentes, ditas civilizadas.

Observaremos daí até o século XX um processo de trânsito das deformidades físicas para o âmbito do lúdico e do imaginário – televisão, cinema e literatura –, o que colabora para a passagem conceitual de um monstro morfológico para um monstro moral (Bertin, 2016BERTIN, Juliana. O monstro invisível: o abalo das fronteiras entre monstruosidade e humanidade. outra travessia, n. 22, 2016. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2016n22p37. Accessed on: 29 Oct. 2022.
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). O resultado é que a presença da monstruosidade “[...] passa a se dar no comportamento e não mais na aparência física. O autor [Foucault] observa essa mudança analisando a relação do monstro com o direito penal e o deslizamento da monstruosidade jurídico-natural para jurídico-moral” (Bertin, 2016, p. 44BERTIN, Juliana. O monstro invisível: o abalo das fronteiras entre monstruosidade e humanidade. outra travessia, n. 22, 2016. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2016n22p37. Accessed on: 29 Oct. 2022.
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). O monstruoso, agora, pode estar contido em uma aparência lida como normal; o monstro fica invisível aos olhos.

Ainda que essa análise se aplique, primordialmente, aos monstros humanos, uma vez que os monstros da fantasia, imaginários e fantásticos não correspondiam de maneira tão direta, por assim dizer, literal, a um espelhamento morfológico duplicado da própria humanidade, podemos transladar a reflexão para o mundo da fabulação e da ficção, conforme observa Juliana Bertin (2016, p. 45)BERTIN, Juliana. O monstro invisível: o abalo das fronteiras entre monstruosidade e humanidade. outra travessia, n. 22, 2016. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2016n22p37. Accessed on: 29 Oct. 2022.
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É importante notar que os autores estão tratando de monstros humanos. No entanto, se essas reflexões não dizem respeito aos monstros da fantasia, como vampiros, alienígenas ou zumbis, por exemplo, elas podem ser apropriadas para pensarmos sobre aqueles monstros da ficção que, embora sejam representações e não pessoas reais, inserem-se em um contexto ordinário, mais próximo do humano que do sobrenatural.

É o caso, por exemplo, de personagens humanos da literatura, ficcionais, que existem em um contexto cotidiano reconhecível e que apresentam comportamentos moralmente condenáveis socialmente. A análise se torna eficaz assim tanto para monstros reais quanto para ficcionais, pois os monstros criados na fantasia correspondem a modelos comportamentais e subjetivos reais lidos como monstruosos em um certo contexto: familiar, social ou cultural. A questão é que embora a construção de narrativas fantásticas e a criação de figuras monstruosas durante a Antiguidade Clássica e a Idade Média também funcionassem como estratégias sociais definidoras de alteridade e, assim, conformadoras do humano, é a partir do Renascimento que os monstros humanos começam a ganhar um maior protagonismo frente aos monstros fantásticos (Gil, 2006, p. 15GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água, 2006.).

“É que a própria teratologia se tornou fantástica” (Gil, 2006, p. 12GIL, José. Monstros. Lisboa: Relógio D’água, 2006.) e, nesse sentido, as representações monstruosas em fabulações e ficções humanas, espelhadas e embebidas no/pelo contexto cotidiano, corresponderiam também a uma lógica subjetiva mediada pela mesma mentalidade moderna. Nesse ponto, a aproximação do monstro com o humano se intensifica a um ponto tal que a fronteira nítida delimitadora de ambos passa a se borrar, a se confundir. Onde acaba o humano e começa o monstro e vice-versa? Onde finda a humanidade e começa a monstruosidade?

Compreendemos daí que, se até o começo do século XX, o limite que demarcava o fim da humanidade e o começo da monstruosidade era perfeitamente nítido e delimitado, agora, os monstros estão diluídos na tessitura do tecido social, muitas vezes apropriados pelos sistemas de controle, produzindo sujeitos, indivíduos, nas mais variadas interações entre corpo, cultura e subjetividade (Sander, 2006SANDER, Jardel. Camelos também Dançam. Movimento corporal e processos de subjetivação contemporâneos: um olhar através da dança. 2006. 139 p. Thesis (Doctorate in Psychology) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.). Ao se fazer presente, confundido com o humano, “[...] o monstro perturba a ordem e as normas, trazendo à luz a fragilidade dos alicerces que sustentam as separações binárias: nós/eles, civilização/bestialidade, humanidade/monstruosidade” (Bertin, 2016, p. 53BERTIN, Juliana. O monstro invisível: o abalo das fronteiras entre monstruosidade e humanidade. outra travessia, n. 22, 2016. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2016n22p37. Accessed on: 29 Oct. 2022.
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). O monstro, antes estranho, torna-se assim familiar.

A resposta contemporânea das estratégias de controle do capital foi se apropriar do estranho, transformá-lo em familiar, na direção de compreender, apreender e estimular a continuidade da produção dessas novas aberrações, dessas novas subjetividades, que passam a se tornar ideais de desejo, referências de identidade, em última instância, produtos disponíveis para consumo. Especialmente após o movimento de contracultura dos anos 1960, quando o sistema se reconfigura fornecendo agora “novos modelos de presença corporal e novos padrões de ‘beleza’ e projeção” (Tucherman, 1999, p. 116TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Vega, 1999.).

Observaremos assim grandes mudanças paradigmáticas que gerarão então novos processos de subjetivação na contemporaneidade, à medida que novos monstros passarão a conviver lado a lado conosco. As presenças monstruosas, agora familiares e confundidas com nossa própria humanidade, fornecerão, portanto, substratos da cultura que mediarão nossos modos de vida e, consequentemente, nossos modos de criação. Intenta-se assim investigar o que os modos atuais de monstruosidade têm a revelar sobre o agora, especialmente sobre a dança que se produz agora.

Se o monstro tornou-se familiar, invisível, palatável e foi eventualmente apropriado pelas forças neoliberais como produtos da cultura que alimentam as formas de desencanto, de expropriação da subjetividade, do desejo, da criação e da sensibilidade (Patzdorf, 2021PATZDORF, Danilo. Artista-educa-dor: A somatopolítica neoliberal e a crise da sensibilidade do corpo ocidental. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, v. 1, n. 40, 2021. Available at: https://periodicos.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/19373. Accessed on: 24 Oct. 2022.
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), cabe-nos, como artistas, pensá-lo a partir do estranhamento, presente em nós como larva potencial para a criação de novos modos de relação (Rolnik, 2018ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.).

A função~monstro e o infamiliar na criação em dança

Além de descrever como o monstro é, suas características, é preciso entender o significado de sua presença, a função que ele exerce (Juliana Bertin, 2016, p. 51BERTIN, Juliana. O monstro invisível: o abalo das fronteiras entre monstruosidade e humanidade. outra travessia, n. 22, 2016. Available at: https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/2176-8552.2016n22p37. Accessed on: 29 Oct. 2022.
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).

As experiências de diálogo das monstruosidades com a dança vêm sendo testadas e experimentadas em sala de ensaio a partir de processos composicionais que se desdobraram em espetáculos, além de outros estudos e experimentos menores que se realizaram em ações cênicas virtuais e ensaios fotográficos. Essas investigações desenvolvem-se no DES~criação, núcleo de pesquisa em Dança liderado por mim e sediado no Instituto Federal de Brasília, atrelado ao curso de Licenciatura em Dança. Destaco, dessas produções, três espetáculos que dão suporte e orientam as reflexões e análises da pesquisa em curso: O Fio de Minos, O Inquietante e Manada.

O Fio de Minos5 5 Link para o espetáculo completo: https://youtu.be/-agyArLOL1c. Acesso em: 02 jan. 2023. , criado em 2019, partiu do conto A Casa de Astérion, do escritor argentino Jorge Luis Borges, e traz à cena a corporeidade e a subjetividade do personagem mítico Minotauro. Com foco no hibridismo entre o homem e o animal, a encenação levou cinco artistas a um mergulho coletivo para o labirinto imaginário criado pelos fios de ações e memórias do monstro. Nessa criação, o Minotauro me guiou até sua casa, o labirinto; e, a partir de seu corpo~casa monstruoso, definiu-se o eixo de criação para a pesquisa e produção do espetáculo.

Uma vez que essas referências se apresentam e se fixam, insistem, abrese então o caminho para o campo da monstruosidade emergir como território de investigação para processos criativos em dança de maneira mais ampla, pois foi a partir do corpo~casa do Minotauro que se anunciaram as primeiras possibilidades de proposição de um pensamento de criação em contato com o estranhamento, o desconforto e a busca por um corpo cênico em estado dilatado de presença desestabilizado pela presença do monstro.

O segundo espetáculo de referência, O Inquietante6 6 Link para o espetáculo completo: https://youtu.be/Lk9okFvcMhg. Acesso em: 02 jan. 2023. , é um solo criado em 2021 durante o auge das quarentenas da pandemia de Covid-19. A proposta pretendia explorar dramaturgicamente a zona fronteiriça entre a subjetividade~corpo e o Minotauro, buscando pensá-lo não mais como personagem mítico, como fora no espetáculo anterior, mas como mediador de temas que se impunham na época, como a própria experiência pandêmica, as reclusões, a morte, a finitude, o risco e a solidão. Foi, portanto, um processo errante, que negociou constantemente com o medo, a dúvida, as interrupções e cortes frustrantes, a centelha de vida e a insistência na criação.

No processo do solo, já estavam presentes estudos acerca das relações entre arte e psicanálise a partir dos pontos de contato entre criação em dança e processos de subjetivação. É nessa composição que surgem os esboços de alguns operadores de criação que, posteriormente, passaram a ser sistematizados como práticas corporais de contato com os monstros.

Manada7 7 Link para o espetáculo completo: https://youtu.be/0S-lPmcTTyU. Acesso em: 02 jan. 2023. , o trabalho mais recente, realizou-se em janeiro de 2023 de forma coletiva após o retorno às atividades presenciais do DES~criação. Esse espetáculo, com um caráter bem mais aberto e experimental, aconteceu no espaço público da rua e da instituição que sedia o grupo, e já traz as hipóteses da pesquisa de forma muito mais intencionalmente organizada. Os operadores de criação esboçados no solo anterior se estruturam e passam a ser sistematicamente experimentados com o grupo ao longo de quatro meses de trabalho no fim de 2022. Nesse ponto, a investigação se aprofunda de modo compartilhado no grupo, a partir de trocas teóricas, debates, discussões, práticas de treinamento/preparação corporais e investigações poéticas em laboratórios de criação8 8 Por uma limitação de espaço, neste artigo não serão detalhadas essas ações. .

A tese principal que venho perseguindo nessas criações, a partir do encontro dos monstros com a dança, é entendê-los menos como seres, objetos, entes, criaturas, personalidades, personagens, e mais como operadores, como função. Uma função do infamiliar (Freud, 2019FREUD, Sigmund. O infamiliar e outros escritos / Sigmund Freud; seguido de O homem da areia / E. T. A. Hoffmann. Translation: Ernani Chaves; Romero Freitas. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.) atuante no ato criativo. Nessa relação, a criação não almeja traduzir, interpretar, representar, manifestar, expressar, refletir ou mesmo metaforizar o monstro, mas compreendê-lo como elemento constituinte intrínseco de sua gênese, ou seja, há uma procura pela diluição das fronteiras entre o elemento estranho representado pelo monstro e o ato criativo.

Busco, assim, uma experiência com o monstro que produza alteridade, instabilidade, devir e desvio, no tensionamento com a criação. Uma experiência que o pesquisador Diego Paleólogo (2010)PALEÓLOGO, Diego. Produção de Alteridade: a experiência do Minotauro. 2010. Dissertation (Masters in Letters) – Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010., ao analisar processos de subjetivação a partir do mesmo monstro que primeiro me escolheu, o Minotauro, nomeia de função-espelho, função-touro ou função-minotauromáquica.

Tomando emprestada essa ideia de Diego Paleólogo, adapto-a aqui, generalizando o que no trabalho dele parte de um único monstro, o Minotauro, para uma ação mais ampla da monstruosidade, o que, espera-se, possa auxiliar na produção/modificação de processos de subjetivação em dança a partir da noção de função~monstro. O objetivo é que a função~monstro nos provoque a pensar os monstros não como entidades em si, seja teratológica ou fantástica, mas como catalisadores do ato criativo. O ato criativo é um ato de duplicação e alteridade: do criador que se duplica no monstro que se duplica na criação.

Nesse sentido, como gesto de criação, a função~monstro funcionaria também como provocadora de deriva do criador/autor, desestabilizando traços de sua subjetividade, uma vez que, ao mesmo tempo e paradoxalmente, a criação medeia a presença (inscrição) e a ausência (apagamento) da singularidade de quem cria, na medida em que agencia processos de subjetivação que se implicam nos processos criativos. Espera-se, com isso, des-evidenciar processos de condicionamento simbólico ou mesmo des-anestesiar canais de contato com as forças de criação, liberando seus fluxos.

Acrescento, assim, uma última camada para a discussão do encontro dos monstros com a dança: a teoria psicanalítica freudiana, especialmente a partir do estudo do estranho/inquietante/incômodo/infamiliar como marcador estético de uma teoria de subjetivação. O escrito de Sigmund Freud, Das Unheimliche, publicado em 1919, é um marco para os estudos da presença do estranho, às vezes lido como o horror, que habita nosso inconsciente mais profundo.

No Brasil, o termo foi traduzido primeiro como o estranho (1976), depois, o inquietante (2010) e, mais recentemente, como o infamiliar (2019) e o incômodo (2021), essas duas últimas como parte da comemoração dos 100 anos da publicação original. Nesta pesquisa, tenho utilizado os termos como equivalentes e intercambiáveis, embora reconheça que infamiliar, das traduções, é a que mais se adéqua às especificidades do português brasileiro (Iannini; Tavares, 2019IANNINI, Gilson; TAVARES, Pedro Heliodoro. Freud e o Infamiliar. In: FREUD, Sigmund (Ed.). O infamiliar e outros escritos / Sigmund Freud; seguido de O homem da areia / E. T. A. Hoffmann. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.) e, portanto, assume algum protagonismo em relação às outras.

No texto, Freud (2019)FREUD, Sigmund. O infamiliar e outros escritos / Sigmund Freud; seguido de O homem da areia / E. T. A. Hoffmann. Translation: Ernani Chaves; Romero Freitas. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. localiza as causas/origens do infamiliar em torno de algumas noções como o complexo de castração, o duplo, a compulsão à repetição, a onipotência de pensamentos, o animismo, a magia, a feitiçaria e a relação com a morte, sendo esse o infamiliar produzido pela vivência, fruto de traumas reprimidos na infância: “[...] o infamiliar da vivência existe quando complexos infantis recalcados são revividos por meio de uma impressão ou quando crenças primitivas superadas parecem novamente confirmadas” (Freud, 2019, p. 105FREUD, Sigmund. O infamiliar e outros escritos / Sigmund Freud; seguido de O homem da areia / E. T. A. Hoffmann. Translation: Ernani Chaves; Romero Freitas. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. grifos do autor).

Complementarmente, entendendo a origem desse material reprimido que constitui a subjetividade para além dos limites da psicanálise, Freud analisa um conto do escritor E. T. A. Hoffmann, O Homem da Areia, e diferencia o infamiliar produzido pela vivência e o infamiliar imaginado, ou sobre o qual se lê: “[...] assim, é possível acenar para uma diferença entre o infamiliar por nós vivenciado e aquele que está simplesmente representado ou o que conhecemos pela leitura” (Freud, 2019, p. 101FREUD, Sigmund. O infamiliar e outros escritos / Sigmund Freud; seguido de O homem da areia / E. T. A. Hoffmann. Translation: Ernani Chaves; Romero Freitas. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. grifo do autor). De todo modo, em ambos os casos, o “infamiliar seria tudo o que deveria permanecer em segredo, oculto, mas que veio à tona” (Freud, 2019, p. 45FREUD, Sigmund. O infamiliar e outros escritos / Sigmund Freud; seguido de O homem da areia / E. T. A. Hoffmann. Translation: Ernani Chaves; Romero Freitas. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. grifo do autor), que aparece, sem que se tenha um controle. Freud sugere assim, utilizando-se da literatura, que há uma produção estética do infamiliar, especialmente no gênero fantástico.

Sem a pretensão de apropriação do conceito em sua aplicação na clínica psicanalítica, a noção de infamiliar proposta por Freud é relevante para as reflexões aqui colocadas no sentido de uma utilização como marco referencial para uma produção poético~estética na composição cênica, além de auxiliar na análise de processos de subjetivação em dança em contato com a noção de função~monstro. As relações entre o familiar e o estranhamento, evocadas também por Rolnik (2018)ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018. como necessárias para as dissidências e resistências criativas, instigam assim a pensar o corpo e o movimento como zonas instáveis, que podem ser tocadas, ativadas e reestruturadas a partir do contato com os monstros.

Portanto, os processos de criação têm sido organizados a partir do que venho nomeando de operadores de ativação do infamiliar: ações de movimento que intentam gerar um corpo cênico a partir de estados de incômodo e, posteriormente, reorganizar esse corpo em fabulações e corporeidades que materializem uma práxis poética em dança, dentro de um território específico onde ela se realiza. Conforme relatado, esses operadores surgiram durante o processo de criação do solo O Inquietante e passaram a ser sistematizados, experimentados e compartilhados coletivamente no processo de criação de Manada. Eles foram nomeados como duplos monstruosos, no intuito de serem compartilhados no coletivo antes de serem novamente singularizados por cada participante em seu processo pessoal de pesquisa e criação: o quadrúpede, o tonto, o rastejante, o ternário, o escrevente, entre outros, configuram-se a partir de comandos e ações específicos e direcionados, mas que estão suscetíveis a metamorfoses e transformações durante o processo de exploração.

Cabe ressaltar que o objetivo de uma investigação poética em dança que se ancora no infamiliar não será necessariamente criar uma obra de horror, ou de suspense, que gere repulsa; tampouco uma dança fantástica, no sentido dos contos fantásticos ou maravilhosos nos quais essa estratégia foi larga e magistralmente usada. O intuito é mais partir de um afeto de infamiliaridade, vinculado eventualmente a situações, vivências, lembranças e memórias vividas, para daí fabulá-las como dança. A ficção aqui agiria no tratamento do material, e não necessariamente na criação do efeito inquietante em si, que age no efeito de ludibriar, iludir, enganar o público, como Freud explora no texto quando trata da literatura e do conto de Hoffmann.

De todo modo, concordo com Freud quando afirma que “[...] a ficção cria novas possibilidades para a sensação do infamiliar, que não se dão nas vivências” (Freud, 2019, p. 111FREUD, Sigmund. O infamiliar e outros escritos / Sigmund Freud; seguido de O homem da areia / E. T. A. Hoffmann. Translation: Ernani Chaves; Romero Freitas. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. grifo do autor). A sensação (ou as novas sensações) de infamiliaridade se daria, porém, como já dito, no tratamento do material mnemônico/vivido e na produção do corpo cênico. O fato de isso gerar uma cena, uma poética, capaz de causar as mesmas sensações de estranheza na recepção, no público, seria apenas uma consequência não obrigatória.

O ponto é que Freud explora a ficção como detentora de artimanhas únicas de criação e ampliação do efeito do infamiliar, desde que se crie um véu, que ilude o espectador tornando o mundo imaginário muito mais próximo do mundo real, o que aproximaria o contexto criado poeticamente de experiências vivenciadas (pelo recalcamento infantil). Nesse caso, quando em certo ponto do contato com a obra – conto, filme, espetáculo – damonos conta de que ela é ficção, já é tarde demais, pois já vivenciamos o incômodo como parte da realidade.

O propósito que aqui elucubro é explorar a ficção no âmbito do processo criativo em dança como tentativa intencional de investigar, abordar e tocar os materiais estranhos, seja por fluxo de consciência, improvisações ou outros procedimentos prático~teóricos, e, a partir das sensações que daí emergirem, dar forma ao corpo, dar forma ao informe. Não haveria a necessidade ou a prerrogativa de se lembrar, caso ocorra, exatamente de fatos e situações vivenciados, menos ainda de reviver traumas ou feridas eventuais, mas sim de deixar-se desfigurar e borrar pelas sensações das imagens e da produção de movimento que daí emergem (Sander, 2006SANDER, Jardel. Camelos também Dançam. Movimento corporal e processos de subjetivação contemporâneos: um olhar através da dança. 2006. 139 p. Thesis (Doctorate in Psychology) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.; 2009SANDER, Jardel. Corporeidades contemporâneas: do corpo-imagem ao corpodevir. Fractal: Revista de Psicologia, v. 21, p. 387-407, 2009. Available at: http://www.scielo.br/j/fractal/a/CFSqdVg4YDzGQ7DpxWWVdVv/abstract/?lang=pt. Accessed on: 28 Oct. 2022.
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). Daí o desenvolvimento e a utilização dos operadores de ativação do infamiliar, que almejam produzir corporalmente esses estados.

Esforço-me assim para aproximar a função~monstro da criação em dança, desnaturalizando os afetos, o corpo e o presente, a partir daquilo que se desestabiliza em contato com o infamiliar. Torna-se assim crucial notarmos a implicação desse processo no campo afetivo (Pais, 2021PAIS, Ana. Apresentação Dossiê. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41290. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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), pois se os afetos e a sensibilidade estão capturados por um lado (Patzdorf, 2021PATZDORF, Danilo. Artista-educa-dor: A somatopolítica neoliberal e a crise da sensibilidade do corpo ocidental. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, v. 1, n. 40, 2021. Available at: https://periodicos.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/19373. Accessed on: 24 Oct. 2022.
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), é exatamente nesse campo, como artistas do corpo, que temos eficácia para agir: proporcionando práticas e experiências de criação que nos façam estranhar espaços subjetivos que normalmente mantemos naturalizados, não visitados, que evitamos vivenciar. Nessa trilha, seria preciso entender o incômodo, a angústia e a dor como afetos compartilhados de um mesmo presente comum, e procurar

[...] uma potência da dor como traço de elo e de desenho de limites corpóreo-territoriais, que só pode acontecer no compartilhamento das vulnerabilidades comuns, da própria vulnerabilidade como fundação de um espaço comum e, logo, de inflexão do triunfo desse individualismo empreendedor de si, sempre em flecha de conquista e de dominação (Kiffer, 2021, p. 150KIFFER, Ana. Diante dos afetos: visceralidade, emancipação, dor e relação. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41302. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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).

Frente ao intensivo açoite e expropriação da linguagem, ao esvaziamento e manipulação dos discursos de massa, faz-se necessário reconstruir a noção de coletivo, criar zonas de compartilhamento ou “comunidades temporárias que pretendem agir nessa direção construindo o comum” (Rolnik, 2018, p. 36ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.). Seria preciso, assim, criar condições para dar vazão ao que o artista e pesquisador Cassiano Quilici (2021)QUILICI, Cassiano. O afeto da urgência: artes performativas e a recriação das formas de vida. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41302. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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chamou de “afeto da urgência”, desvencilhando-se da apatia, anestesia ou ignorância frente ao esfacelamento do presente:

A desestabilização dessa imagem ilusória [o ‘eu’, o ‘indivíduo’], ao revelar algo da vulnerabilidade de nossa condição, gera a demanda por um trabalho de reorientação dos territórios existenciais e das formas de vida. [...] Pode aflorar então o que chamaremos aqui de ‘afeto da urgência’, uma consciência vital da desestabilização, do perigo e da necessidade de lidar com ele. Algo que só pode surgir da sustentação do contato com a fragilidade, a incerteza, o mal-estar e a inquietude gerada pelas situações. É daí que nasce a energia e disposição para se fazer uma passagem, para se reinventar as formas de viver e habitar o mundo (Quilici, 2021, p. 32QUILICI, Cassiano. O afeto da urgência: artes performativas e a recriação das formas de vida. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41302. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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).

Objetiva-se, assim, na criação em dança, habitar a sensação do estranho~familiar ao invés de evitá-la e anestesiá-la, com vias a orientá-la para novas germinações de vida. “‘Sustentar o mal-estar’ que gera nos processos de subjetivação a introdução de uma diferença, uma ruptura, uma mudança” (Rolnik, 2018, p. 17ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.). É precisamente aqui que entram os monstros, como potenciais desestabilizadores da familiaridade do corpo, da subjetividade, do movimento, da dança e do território onde se habita e se cria, assumindo a função de agência catalisadora dos estranhamentos, dos incômodos, das experiências insólitas que podem revelar, fazer aparecer novos estados de resistência ao presente. O monstro como função. A função~monstro como um operador que busca unir práticas de preparação técnico-expressiva do artista cênico, processos de composição~dramaturgia em dança e possibilidades de subjetivação por meio do movimento.

Notas

  • 1
    O uso do til no lugar do hífen é uma estratégia utilizada pela pesquisadora Alice Stefânia Curi, orientadora da presente pesquisa, que passo também a empregar neste texto. Segundo ela, a troca visa a enfatizar a fluidez entre as perspectivas articuladas, soando menos sectário que o hífen ou a barra, dando mais ênfase à ambivalência e reciprocidade entre as partes.
  • 2
    Para um entendimento das conceituações de afeto e da ‘virada afetiva’ nas Ciências Humanas, verificar Pais (2021)PAIS, Ana. Apresentação Dossiê. Dramaturgias, n. 18, 2021. Available at: https://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/article/view/41290. Accessed on: 27 Oct. 2022.
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    .
  • 3
    Especificamente sobre a relação dos monstros com a transexualidade, consultar Leite Junior (2012)LEITE JUNIOR, Jorge. Transitar para onde? Monstruosidade, (des)patologização, (in)segurança social e identidades transgêneras. Revista Estudos Feministas, v. 20, 2012. Available at: http://www.scielo.br/j/ref/a/GZ4KZpZGPTjvPkMyKq4bffv/abstract/?lang=pt. Accessed on: 7 Feb. 2023.
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    .
  • 4
    Para mais sobre a relação entre monstros, colonialismo e racismo consultar Markendorf (2015MARKENDORF, Marcio. Os reflexos do colonialismo em ficções alienígenas. Gavagai - Revista Interdisciplinar de Humanidades, v. 2, n. 2, 2015. Available at: https://periodicos.uffs.edu.br/index.php/GAVAGAI/article/view/8939. Accessed on: 7 Feb. 2023.
    https://periodicos.uffs.edu.br/index.php...
    ; 2018MARKENDORF, Marcio. Os zumbis negros, monstros políticos da escravidão haitiana. In: JEHA, Julio; SANTOS, Josalba Fabiana dos (Org.). Crimes, Pecados e Monstruosidades. Rio de Janeiro: ABRALIC, 2018. Available at: https://abralic.org.br/downloads/e-books/e-book06.pdf. Accessed on: 7 Feb. 2023.
    https://abralic.org.br/downloads/e-books...
    ) e Klinkerfus (2021)KLINKERFUS, João Pedro. A monstruosidade de tudo que é negro: a antinegritude do cinema de horror às páginas dos jornais. Revista Ensaios, v. 18, Jan./July 2021. Available at: https://periodicos.uff.br/ensaios/article/view/50197. Accessed on: 7 Feb. 2023.
    https://periodicos.uff.br/ensaios/articl...
    .
  • 5
    Link para o espetáculo completo: https://youtu.be/-agyArLOL1c. Acesso em: 02 jan. 2023.
  • 6
    Link para o espetáculo completo: https://youtu.be/Lk9okFvcMhg. Acesso em: 02 jan. 2023.
  • 7
    Link para o espetáculo completo: https://youtu.be/0S-lPmcTTyU. Acesso em: 02 jan. 2023.
  • 8
    Por uma limitação de espaço, neste artigo não serão detalhadas essas ações.
  • Disponibilidade dos dados da pesquisa: o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

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Editor responsável: Gilberto Icle

Disponibilidade de dados

Disponibilidade dos dados da pesquisa: o conjunto de dados de apoio aos resultados deste estudo está publicado no próprio artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2022
  • Aceito
    13 Fev 2023
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