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Inquisição ao avesso: a trajetória de um inquisidor a partir dos registros da Visitação ao Tribunal de Goa

Resumos

O presente artigo pretende analisar a possibilidade de realização da biografia de um inquisidor de Goa, João Delgado Figueira, a partir da documentação produzida pela própria Inquisição que investigava acusações de práticas desaconselhadas feitas por este funcionário. Apesar de ser figura importante, tendo sido inquisidor nos tribunais de Goa, Évora e Lisboa, além de membro do primeiro Conselho Ultramarino, existem muito poucas informações consolidadas por esta figura histórica. Se, por um lado, ele foi acusado de administrar mal as coisas do Santo Ofício, por outro existe um bem registrado esforço de organização do Tribunal de Goa por parte de João Delgado Figueira, na época quando era promotor e deputado do mesmo tribunal. Assim, uma leitura da documentação inquisitorial proporciona a análise do perfil contraditório desta personagem.

Inquisição de Goa; João Delgado Figueira; biografia.


This article aims to examine the biography of an inquisitor of Goa, João Delgado Figueira, from the documentation produced by the Portuguese Inquisition that was investigating allegations of bad practices made by this official. Despite being an important figure, was inquisitor in the courts of Inquisitions of Goa, Evora and Lisbon, and member of the first Conselho Ultramarino, there is very little consolidated information about this historical figure. If, on the one hand, he was accused of mismanaging the things of the Holy Office, on the other there is a well documented organizational effort of the Inquisition of Goa by João Delgado Figueira. Thus a reading of the documentation provides the inquisitorial profile analysis of this contradictory character.

Inquisition of Goa; João Delgado Figueira; biography.


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  • TAVARES; Célia Cristina da Silva Esboço de uma biografia do inquisidor João Delgado Figueira. Clio Nova Série Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa, v. 9, p. 127-141, 2003.
  • TAVIM, José Alberto Rodrigues da Silva. Um inquisidor inquirido: João Delgado Figueira e o seu Reportorio, no contexto da "documentação sobre a Inquisição de Goa". LEITURAS: Revista da Biblioteca Nacional. Lisboa, no 1, p. 183-193, 1997.
  • 1
    Lucien Febvre. Erasmo, la contrarreforma y el espiritu moderno. Barcelona: Martinez Roca, 1971, p. 87-96. Utilizei aqui as reflexões apresentadas em um estudo feito sobre um jesuíta no Oriente, por considerá-las profundamente pertinentes no presente estudo: Célia Cristina da Silva Tavares. Padre Henrique Henriques: modelo de ação cristianizadora na Índia (século XVI). In: Ronaldo Vainfas; Georgina Silva dos Santos; Guilherme Pereira das Neves. (Orgs.). Retratos do Império: trajetórias individuais no mundo português nos séculos XVI a XIX. 1 ed. Niterói: EdUFF, 2006.
  • 2
    Lucien Febvre. Erasmo, la contrarreforma y el espiritu moderno. Barcelona: Martinez Roca, 1971, p. 88 e 91.
  • 3
    Lucien Febvre. Erasmo, la contrarreforma y el espiritu moderno. Barcelona: Martinez Roca, 1971, p. 97-125.
  • 4
    Jacques Le Goff. São Luís: biografia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999, p. 20.
  • 5
    O. Chaussinand-Nogaret. Biographie (Histoire) In: André Burguière (org). Dictionnaire des sciences historiques. Paris: PUF, 1986, p. 86.
  • 6
    Pode-se perceber isso em reflexões feitas por alguns autores, com destaque para Giovanni Levi. Usos da biografia. In: Ma-rieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado (orgs). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996, p. 168; Jacques Le Goff. São Luís: biografia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999. p. 20; Benito Bisso Schimdt. Construindo biografias. Historiadores e Jornalistas: Aproximações e afastamentos. In: Estudo Históricos. Rio de Janeiro, vol. 10, nº 19, 1997, p. 5; José Mattoso. A escrita da História: teoria e métodos. Lisboa: Estampa, 1997, p. 60.
  • 7
    Benito Bisso Schimdt. Construindo biografias. Historiadores e Jornalistas: Aproximações e afastamentos. In: Estudo Históricos. Rio de Janeiro, vol. 10, no 19, 1997, p. 5.
  • 8
    Giovanni Levi. Usos da biografia. In: Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado (orgs). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996, p. 169.
  • 9
    Pierre Bourdieu. A ilusão biográfica. In: Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado (orgs). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996, p. 182-183.
  • 10
    Jacques Le Goff. São Luís: biografia. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999, p. 20.
  • 11
    Giovanni Levi. Usos da biografia..., p. 167.
  • 12
    José Mattoso. A escrita da História: teoria e métodos. Lisboa: Estampa, 1997, p. 60.
  • 13
    Giovanni Levi. Usos da biografia. In: Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado (orgs). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996, p. 174-178.
  • 14
    Giovanni Levi. Usos da biografia. In: Marieta de Moraes Ferreira e Janaína Amado (orgs). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1996, p. 179-180.
  • 15
    Carlo Ginzburg. A micro-história e outros ensaios. Trad. António Narino Lisboa: Difel, 1991, p. 174.
  • 16
    Um bom exemplo disso é o estudo desenvolvido por Carla Delgado de Piedade. O contributo português na definição das rotas do Pacífico no século XVI: a viagem de Sebastião Rodrigues Soromenho.Dissertação apresentada no Mestrado em História dos descobrimentos e da Expansão Marítima Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, 2005. A partir da difícil construção da biografia parcial do navegador português Sebastião Rodrigues Soromenho, a autora constrói um interessante painel da participação portuguesa na navegação do Pacífico no século XVI.
  • 17
    Célia Cristina da Silva Tavares. Jesuítas e inquisidores em Goa. Lisboa: Roma Editora, 2004. As reflexões iniciais sobre a figura de João Delgado Figueira foram consolidadas em um artigo e desde então tenho aprofundado a pesquisa sobre esta personagem, Célia Cristina da Silva Tavares. Esboço de uma biografia do inquisidor João Delgado Figueira. Clio Nova Série Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, Lisboa, v. 9, p. 127-141, 2003.
  • 18
    Francisco Bethencourt. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália - séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 195.
  • 19
    Para entender a destruição destas fontes leiam-se Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I, p. 15 e José Alberto Rodrigues da Silva. Um inquisidor inquirido: João Delgado Figueira e o seu Reportório, no contexto da "documentação sobre a Inquisição de Goa". In: LEITURAS: Revista da Biblioteca Nacional. Lisboa, no 1, 1997, p. 184.
  • 20
    BNP. Reportório geral de tres mil oito centos processos, que sam todos despachados neste Sancto Officio de Goa, & mais partes da India do anno de Mil & quinhentos & secenta & hum, que começou o dito Sancto Officio ate o anno de Mil & seis centos & vinte e tres cõ a lista dos Inquisidores que tem sido nelles & dos autos publicos da Fee, que se tem celebrado na dita cidade de Goa / feito pelo Licenciado Ioão Delgado Figueyra do Dezembargo de Sua Magestade, Promotor e Deputado do dito Sancto Officio, Sendo Inquisidores os Senhores Francisco Borges de Souza & Ioão Fernandes de Almeida, 1623. Microfilme F. 2545. A Biblioteca Nacional de Portugal descreve o livro da seguinte forma em seu site: "Trata-se de um repertório alfabético dos autos-de-fé da Inquisição de Goa. - Inclui uma nota final sobre o restabelecimento do tribunal em 1775. - Cada série alfabética tem como "folha de rosto" uma inicial de página inteira, iluminada a cores e ouro. - Folha de rosto iluminada, tendo ao centro a figura de São Pedro mártir (inquisidor dominicano do séc. XIII), com respectivos atributos (cutelo ferindo a cabeça, palma, e a filactera "Credo in Deum", a vermelho); título enquadrado por elementos arquitectónicos e vegetalistas, a cores e ouro; dois anjos tenentes; bustos de São João de Capristano, São Jaime da Marca, São Domingos e São Raimundo. - Contém fólios em branco, não numerados. - Dedicatória ao bispo D. Fernão Martins Mascarenhas (1548-1628), teólogo célebre, reitor da Universidade de Coimbra, cónego da Sé de Évora, bispo do Algarve, inquisidor-geral e conselheiro de Estado, datada de 2 de Janeiro de 1622, Goa. - Encadernado com pastas de cartão revestidas a pele castanha com ferros gravados a ouro". Capturado em site da internet: http://purl.pt/102/1/decoracao/decoracao_thumb_70.html.
  • 21
    Francisco Bethencourt. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália - séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 130.
  • 22
    Francisco Bethencourt. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália - séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 130.
  • 23
    Francisco Bethencourt. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália - séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 195. O autor alerta que não se tratou de um rebaixamento, como à primeira vista pode parecer, mas sim uma manutenção do vínculo com a Inquisição ao ter sido designado "como conselheiro do recém-criado Conselho Ultramarino, uma das mais importantes estruturas do Estado reorganizado depois da revolução de 1640".
  • 24
    BNP. Catálogo dos Inquizidores Geraes, Inquizidores e Deputados das Inquizições de Lx.a, Coimbra e Evora de1720. Microfilme F. 2374.
  • 25
    Segundo Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I, p. 178, no início da Inquisição eram os notários que ofereciam os libelos, depois os deputados assumiram também o papel de promotores, portanto não se fazia distinção destes cargos na Índia.
  • 26
    No período de 1560 a 1682, do total de setenta e seis deputados e promotores nomeados para o tribunal de Goa, sessen-ta e um pertenciam a ordens religiosas (dominicanos - vinte; jesuítas - dezessete; agostinianos - onze; franciscanos - dez; outras ordens - três); enquanto os outros quinze eram funcionários de tribunais e outras repartições do rei (nove) e do clero secular (seis). Cf. Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I.
  • 27
    José Miguel Ribeiro Lume. Portugueses em cargos, ofícios e funções no Estado Português da Índia (1580-1640). Contribuição para o seu inventário. Dissertação apresentada no Mestrado em História Moderna da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa, 1994. v. 2. p. 446-448. Baião informa 1626, Lume, 1624.
  • 28
    Cf. Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945. v. I. p. 214. Curiosamente das pequenas notas biográficas que Baião apresenta sobre os Inquisidores de Goa do século XVII só o João Delgado Figueira e o Domingos Rebelo Lobo não têm dados pessoais anotados, sem identificação da habilitação. Daí a dificuldade da biografia.
  • 29
    Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I, p. 214.
  • 30
    Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I, p. 215.
  • 31
    Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I, p. 215.
  • 32
    Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I, p. 215 e 217.
  • 33
    Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I, p. 217.
  • 34
    Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. I, p. 217.
  • 35
    José Alberto Rodrigues da Silva. Um inquisidor inquirido: João Delgado Figueira e o seu Reportorio, no contexto da "do-cumentação sobre a Inquisição de Goa". In: LEITURAS: Revista da Biblioteca Nacional. Lisboa, no1, 1997, p. 186.
  • 36
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Parecer de João Delgado Figueira, promotor e deputado da Inquisição de Goa sobre os sinais gentílicos (1619). Liv. 474.
  • 37
    Roberto Nobili nasceu em Roma no ano de 1577, de uma família nobre de Montepulciano, na Toscana, foi noviço da Companhia de Jesus em Nápoles em 1596. Solicitou aos superiores fazer missão no Oriente, saindo de Lisboa para Índia em 1604, chegando a Goa em 1605. Esteve brevemente em Cochim e na costa da Pescaria. Nobili identificou na casta brâmane a chave das conversões na Índia, avaliando que se fosse possível cristianizar esse grupo, as outras castas, historicamente submetidas aos brâmanes, os acompanhariam, criando um efeito multiplicador do número de convertidos. Com a autorização dos superiores eclesiásticos, Nobili apresentou-se na região de Maduré, na costa Malabar, em 1606, como um nobre romano que não tinha nenhum vínculo com os outros missionários e com os portugueses e que rejeitara todos os prazeres e confortos do mundo. Adotou a vestimenta amarela dos saniassas, ou seja, assumiu a postura dos brâmanes que viviam o último estágio de sua vida, a completa renúncia. Declarou que seu objetivo era estudar a literatura, as línguas sânscrita e telugu, além da malaiala. Em troca oferecia aos brâmanes da região revelar as verdades do cristianismo. Deixou de comer carne, dedicouse apenas a rezar e a estudar. Dificultava os encontros com os brâmanes, para dar a impressão de sua importância. Nobili gradativamente conseguiu promover a conversão de alguns brâmanes por volta de 1608. Procurava sempre respeitar os costumes indianos que não considerasse superstição. Dessa forma, não reprimia o uso da linha bramânica (tríplice cordão de algodão que os brâmanes traziam a tiracolo da esquerda para direita), do kudumi (tufo na cabeça), o uso do sândalo nas fricções corporais, dos banhos rituais, a continuação de sinais na testa que faziam as distinções das castas, entre outros costumes. Em 1610 surgiram as primeiras críticas ao método de Nobili dentro da Companhia de Jesus, que nos anos subseqüentes acabaram por desenvolver um debate amplo, envolvendo as autoridades eclesiásticas de Goa chegando por fim a Roma em 1615.
  • 38
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 207. Consultas da Inquisição de Goa (1572-1620). fl. 52.
  • 39
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 207. Consultas da Inquisição de Goa (1572-1620). fl. 61.
  • 40
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 207. Consultas da Inquisição de Goa (1572-1620). fl. 64.
  • 41
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 207. Consultas da Inquisição de Goa (1572-1620). fl. 79.
  • 42
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 207. Consultas da Inquisição de Goa (1572-1620). fl. 83-96.
  • 43
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 474, Parecer de João Delgado Figueira, promotor e deputado da Inquisição de Goa sobre os sinais gentílicos. Goa, 10 de abril de 1619. 86 fls.
  • 44
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 207. Consultas da Inquisição de Goa (1572-1620). fl. 98.
  • 45
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 207. Consultas da Inquisição de Goa (1572-1620). fl. 292-302.
  • 46
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Livro 101.Consulta do Conselho Geral sobre a prisão que fez Paulo Rebello nas casas do Inquisidor de Goa. 10/01/1631. Lisboa. fl. 2 v-3. O episódio foi narrado pelo próprio inquisidor João Delgado Figueira em carta ao Conselho Geral do Santo Ofício do dia 6 de fevereiro de 1630. Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Correspondência dos inquisidores da Índia (1569-1630). Coimbra: Imprensa da Universidade, 1930. v. II. p. 742.
  • 47
    Catarina Madeira Santos. Goa é a chave de toda a Índia. Perfil político da capital do Estado da Índia (1505-1570). Lisboa: Comissão Nacional Para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, p. 233.
  • 48
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Livro 101. Consulta do Conselho sobre a lei que o Conde de Linhares publicou sobre a proibição dos palanquins. 10/01/1631. Lisboa. fl. 6 v.
  • 49
    Biblioteca da Ajuda. Miscelânea Coleções de Francisco Barreto. Cartas do Vice-rei da Índia, Conde de Linhares (D. Miguel de Noronha) para o inquisidor em Goa, João Delgado Figueira e resposta do inquisidor. 10 de março de 1630. Códice 51-VI-9. fl. 5.
  • 50
    Biblioteca da Ajuda. Miscelânea Coleções de Francisco Barreto. Cartas do Vice-rei da Índia, Conde de Linhares (D. Mi-guel de Noronha) para o inquisidor em Goa, João Delgado Figueira e resposta do inquisidor. 10 de março de 1630. Códice 51-VI-9. fl. 6.
  • 51
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Liv. 101. Consulta do Conselho sobre a junta que o Conde de Linhares fez a que chamou o inquisidor João Delgado e ele não foi. Lisboa. 13/11/1631.
  • 52
    José Alberto Rodrigues da Silva. Um inquisidor inquirido: João Delgado Figueira e o seu Reportorio, no contexto da "documentação sobre a Inquisição de Goa". In: LEITURAS: Revista da Biblioteca Nacional. Lisboa, no1, 1997, p. 186.
  • 53
    O texto da visitação encontra-se no ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Visita a Inquisição de Goa de D. Francisco de Castro. Liv. 184. Mas não há as conclusões finais do Conselho Geral nessa documentação.
  • 54
    É interessante lembrar que o jesuíta Antônio de Andrade era uma figura de grande destaque na Companhia de Jesus. Nascido em Oleiros, Castelo Branco, Portugal, no ano de 1580, foi admitido ao noviciado em 1596, partindo para a Índia em 1600. Em Goa completou a formação religiosa e, em seguida, foi enviado a Agra, como superior e visitador da missão mogol. Ali reuniu informações sobre o Tibete e decidiu empreender uma viagem para essa região. Em 1624 iniciou a jornada, conseguindo superar as dificuldades do Himalaia e localizando as nascentes do rio Ganges. Chegou enfim ao reino de Guge, e obteve permissão do rei local para pregar a fé católica. Retornando a Agra, informou por carta ao visitador da Companhia de Jesus na Índia, André Palmeiro, sobre a sua ousada viagem, e em 1625 voltou ao Tibete, onde conseguiu a conversão do rei e da rainha de Guge, entre outros habitantes locais. Em 1629 foi chamado a Goa para assumir o cargo de provincial e depois o de reitor, além de ter assumido o cargo de deputado da Inquisição de Goa, em 1633. Preparava-se para voltar ao Tibete quando foi envenenado por um irmão jesuíta. Para maior aprofundamento ver Hugues Didier (org). Les portugais au Tibet: les premières relations jésuites (1624-1635). Paris: Editions Chandeigne, 1996.
  • 55
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Visita a Inquisição de Goa de D. Francisco de Castro (1632-1633). Liv. 184. fl. 1-2v.
  • 56
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Visita a Inquisição de Goa de D. Francisco de Castro (1632-1633). Liv. 184. fl. 5.
  • 57
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Visita a Inquisição de Goa de D. Francisco de Castro (1632-1633). Liv. 184. fl. 6-8 v. Note-se que nesse trecho há uma clara rivalidade entre os inquisidores. Isso parece ser algo comum, se basear-nos em uma carta de 1595 do Conselho Geral do Santo Ofício aos inquisidores de Goa, ordenando que não houvesse diferenças particulares entre eles. BNRJ. Inquisição de Goa. 25, 2, 1 nos 212-213.
  • 58
    ANTT. Conselho Geral do Santo Ofício. Visita a Inquisição de Goa de D. Francisco de Castro (1632-1633). Liv. 184. fl. 20-25 v.
  • 59
    Francisco Bethencourt. História das Inquisições: Portugal, Espanha e Itália - séculos XV-XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 194-195.
  • 60
    Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. 1, p. 329, também se coloca em dúvida sobre a veracidade das acusações e depoimentos arrolados pela visita de 1632.
  • 61
    Antônio Baião. A Inquisição de Goa. Tentativa de história da sua origem, estabelecimento, evolução e extinção. Lisboa: Academia de Ciências, 1945, v. 1, p. 218.
  • 62
    Ana Rita Amaro Monteiro. Legislação e Actos de Posse do Conselho Ultramarino (1642-1830). Edição Paleográfica. Porto: Universidade Portucalense, 1997, p. 35.
  • 63
    Marcelo Caetano. O Conselho Ultramarino: esboço da sua história. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1967, p. 42-3.
  • 64
    João Adolfo Hansen (org). Cartas do Brasil: 1626-1697. Estado do Brasil e Estado do Maranhão e Grão-Pará por António Vieira. São Paulo: Hedra, 2003, p 389.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2009
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