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A instrução pública primária no Decreto n° 7247 (1879): perspectivas civilizatórias de reforma da sociedade imperial

La enseñanza primaria pública en el Decreto nº 7247 (1879): perspectivas civilizadoras para reformar la sociedad imperial

Public primary education in Decree n° 7247 (1879): Civilizing perspectives of imperial society reform

L'enseignement primaire public dans le Décret n° 7247 (1879): des perspectives civilisatrices pour réformer la société impériale

Resumo

No último quartel do século XIX, o Império brasileiro foi confrontado por certas questões políticas, econômicas e sociais, que abalaram suas estruturas consolidadas, ameaçando sua estabilidade. Nesse panorama, o governo imperial, através de uma rede complexa de instituições e dispositivos, procurou alternativas para equilibrar o regime monárquico, garantindo sua permanência. Entre os muitos investimentos implementados no período, destaca-se o Decreto n° 7247 (1879), que reformou os três níveis de ensino, primário e secundário no município da Corte e superior em todo o Império. Atentando-se à instrução pública primária, perscrutou-se determinados sentidos e significados atribuídos à obrigatoriedade, gratuidade, laicidade e liberdade de ensino, nessa legislação educacional. Logo, indiciou-se algumas perspectivas civilizatórias de reforma da sociedade imperial, convergindo o governo da escola com o governo da população. Portanto, entende-se que, por meio da reforma educacional, esforçava-se para instituir uma escola possível, em meio às condições, circunstâncias e acontecimentos daquele presente.

Palavras-chave:
Educação Imperial; Instrução Pública Primária; Reforma Educacional; Império Brasileiro

Resumen

En el último cuarto del siglo XIX, el Imperio brasileño se enfrentó a ciertas cuestiones políticas, económicas y sociales, que sacudieron sus estructuras consolidadas, amenazando su estabilidad. En este panorama, el gobierno imperial, a través de una compleja red de instituciones y dispositivos, buscó alternativas para equilibrar el régimen monárquico, garantizando su permanencia. Entre las muchas inversiones implementadas en el período, se destaca el Decreto nº 7247 (1879), que reformó los tres niveles de enseñanza, primaria y secundaria en el municipio de Corte y la enseñanza superior en todo el Imperio. Atenta a la enseñanza primaria pública, se escudriñaron ciertos sentidos y significados atribuidos a la obligatoriedad, gratuidad, laicismo y libertad de enseñanza, en esta legislación educativa. Luego, se resaltaron algunas perspectivas civilizadoras de reforma de la sociedad imperial, convergiendo el gobierno de la escuela con el gobierno de la población. Así, se entiende que, a través de la reforma educativa, se procuró instituir una escuela posible, en medio de las condiciones, circunstancias y acontecimientos de aquel presente.

Palabras clave:
Educación Imperial; Instrucción Pública Primaria; Reforma Educativa; Imperio Brasileño

Abstract

In the last quarter of the 19th century, the Brazilian Empire was confronted by certain political, economic, and social issues, which shook its consolidated structures, threatening its stability. In this scenario, the imperial government, through a complex network of institutions and devices, sought alternatives to balance the monarchical regime, guaranteeing its permanence. Among the many investments implemented in the period, Decree N° 7247 (1879), which reformed the three levels of education, primary and secondary in the city of Corte and higher education throughout the Empire, stands out. Attentive to public primary education, we scrutinized certain senses and meanings attributed to compulsory education, gratuity, secularism and freedom of teaching in this educational legislation. Thus, some civilizing perspectives of reform of the imperial society were indicted, converging the government of the school with the government of the population. Therefore, it is understood that, by means of educational reform, an effort was made to establish a possible school, in the midst of the conditions, circumstances, and events of that present time.

Keywords:
Imperial Education; Primary Public Education; Educational Reform; Brazilian Empire

Résumé

Au cours du dernier quart du XIXe siècle, l'empire brésilien a été confronté à certains problèmes politiques, économiques et sociaux qui ont ébranlé ses structures consolidées et menacé sa stabilité. Dans ce contexte, le gouvernement impérial, par le biais d'un réseau complexe d'institutions et de dispositifs, a cherché des alternatives pour équilibrer le régime monarchique et garantir sa permanence. Parmi les nombreux investissements mis en œuvre au cours de cette période, le décret n° 7247 (1879), qui réformait les trois niveaux d'enseignement, primaire et secondaire dans la municipalité de Corte et l'enseignement supérieur dans l'ensemble de l'Empire, se distingue. Attentif à l'enseignement primaire public, on a examiné certains sens et significations attribués au caractère obligatoire, à la gratuité, à la laïcité et à la liberté d'enseignement, dans cette législation éducative. Ainsi, on a souligné quelques perspectives civilisatrices de réforme de la société impériale, en faisant converger le gouvernement de l'école avec le gouvernement de la population. On comprend donc que, par le biais de la réforme de l'enseignement, on s'est efforcé d'instituer une école possible, au milieu des conditions, des circonstances et des événements de l'époque.

Mots-clés:
Éducation Impériale; Instruction Publique Primaire; Réforme de L'éducation; Empire Brésilien

No último quartel do século XIX, uma grave crise política, econômica e social tensionou as instituições e estruturas imperiais. Dessa maneira, citam-se algumas circunstâncias que, dentre outras, constrangeram o regime monárquico no período: a reforma partidária, com o ressurgimento do Partido Liberal (1869) e a fundação do Partido Republicano (1870); as disputas políticas, entre conservadores, liberais e republicanos; a forte oposição política de liberais e republicanos ao governo central; a emergência de novos atores sociais reivindicando participação no jogo político; o fortalecimento e avanço do movimento abolicionista; a sanção da Lei do Ventre Livre (1871); a decadência do escravismo; a crise de mão-de-obra nos setores produtivos; a introdução do trabalho assalariado; as iniciativas de imigração para suprir as forças laborais; a reforma do sistema eleitoral (1875), extinguindo-se o voto distrital; o clamor de certos grupos políticos por maior representatividade; e a demanda pela implantação do voto direto (CARVALHO, 2008CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem; a elite política imperial. Teatro de Sombras: a política imperial, 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.; COSTA, 1999COSTA, Emília V. da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6. ed. São Paulo: UNESP, 1999.; HOLANDA, 2004HOLANDA, Sérgio B. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico/ Reações e Transações. t.2. v.5. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 582 p., 2005HOLANDA, Sérgio B. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico/ Do Império à República. t.2. v.7. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2005. 504 p.). À vista disso, por meio de uma rede complexa e heterogênea de dispositivos, entre eles a instrução pública, o governo central procurava controlar e submeter as forças sociais, tencionando construir as bases de governamentalidade, que dariam sustentação ao regime monárquico (SCHUELER; SILVA, 2013SCHUELER, Alessandra Frota Martinez; SILVA, José Cláudio Sooma. Obrigatoriedade Escolar e Educação da Infância no Rio de Janeiro no Século XIX. In: VIDAL, Diana Gonçalves; SÁ, Elizabeth Figueiredo de; SILVA, Vera Lucia Gaspar da. (Org.). Obrigatoriedade Escolar no Brasil. 1. ed. Cuiabá: EdUFMT, 2013.; GONDRA; SCHUELER, 2008GONDRA, José Gonçalves; SCHUELER, Alessandra. Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008a.).

Logo, no último quartel do século XIX, as preocupações referentes à educação da população destacaram-na de modo especial nos projetos e pautas governamentais. Assim sendo, essa questão seria tensionada por relações de força que emergiram em meio aos debates sobre o tema, travados nas diversas esferas sociais nacionais e internacionais. Nessa atmosfera, sobressaem-se alguns investimentos da administração de Leôncio de Carvalho, ministro dos Negócios do Império, entre 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878. e 1879.

Carlos Leôncio de Carvalho, Fluminense do município de Iguaçu, nasceu aos 18 de julho de 1847, filho do Dr. Carlos Antônio de Carvalho. Em 1864, ingressou no Curso Jurídico de São Paulo, concluindo-o em 1868, como bacharel. No ano seguinte, receberia o título de doutor, ao defender sua tese. Em 1870, prestou concurso para docente da Faculdade de Direito de São Paulo, sendo aprovado em terceiro lugar. Então, em 1871, seria nomeado professor substituto nessa instituição. Projetando-se na cena cultural da Província de São Paulo, em 1875, dirigiria o Jornal Correio Paulistano.

Nessa altura, Carvalho já manifestava o seu interesse pela instrução pública participando como membro fundador da Sociedade Propagadora da Instrução Popular, fundada em 1873, por sua iniciativa. A partir dessa sociedade, em 1882, seria instituído, com sua colaboração, o Liceu de Arte e Ofícios de São Paulo, destinado a ministrar gratuitamente ao povo conhecimentos necessários às artes e ofícios, ao comércio, à lavoura e às indústrias. O envolvimento de Carvalho nas questões sociais de seu tempo se estenderia ao campo político, carreira que inicia em 1878, filiado ao Partido Liberal, com o mandato de deputado na Assembleia Geral do Império, posição que ocuparia até 1881.

Também em 1878, Leôncio de Carvalho foi alçado ao centro do poder imperial, sendo investido como Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império. Assim sendo, neste mesmo ano, apresentou amplo relatório sobre diversos negócios imperiais, destacando aspectos sobre a instrução pública, que era uma das competências de sua pasta. Logo, dedicando interesse e atenção para essa matéria, realizou a reforma do regulamento do Imperial Colégio Pedro II (BRASIL, Decreto n° 6884, 1878BRASIL. Decreto nº 6.884, de 20 de abril de 1878. Altera os Regulamentos do Imperial Collegio de Pedro II. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1878, p. 207, vol. 1 (Publicação Original)); a abertura de cursos noturnos elementares para adultos, nas escolas públicas de instrução do 1º grau, do sexo masculino, no município da Corte (BRASIL, Decreto n° 7.031, 1878BRASIL. Decreto nº 7.031, de 6 de setembro de 1878. Crêa cursos nocturnos para adultos nas escolas publicas de instrucção primaria do 1º gráo do sexo masculino do municipio da Côrte. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1878, p. 711, vol. 1 (Publicação Original).); e, a reforma da instrução pública nos três níveis de ensino, primário e secundário no município da Corte e superior em todo o Império (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).).

Já no período republicano, Carvalho voltaria a se destacar no cenário político em São Paulo, participando do Senado Paulista e tomando parte no Congresso Constituinte daquele estado. O ex-ministro do Império retomaria sua carreira acadêmica em 1881, sendo nomeado professor catedrático de Direito Constitucional, ‘das Gentes’ e Diplomacia. Em 1883, participaria como secretário da Exposição Pedagógica, onde defenderia posições adotadas na reforma educacional de 1879. Em 1885, seria nomeado bibliotecário da Faculdade de Direito de São Paulo. Em 1890, se tornaria diretor dessa instituição, exonerando-se do cargo, após alguns meses, por divergências com membros de sua congregação em decorrência das medidas adotadas na reforma da instrução pública efetuada, com sua colaboração, no Governo Provisório. Em 1895, foi designado por decreto para a cadeira de Direito Público, da qual se jubilou em 1901, mudando-se em seguida para o Rio de Janeiro, onde lecionaria na Faculdade Livre de Direito e viria a falecer em 1912 (CARLOS, 2020CARLOS, Valter N. V. Traços, esboços e colorações da reforma da instrução pública (1879), na corte imperial. 2020. 275 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade federal do Rio de Janeiro/ UFRJ. Rio de Janeiro, 2020.; SOUSA, 2006SOUSA, Francisco Alencar de. Os Tempos do Império: uma análise da Reforma do Ensino Livre de 1879. 2006. 227 p. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.).

Dito isso, salienta-se que as medidas adotadas por Carvalho na instrução pública imperial têm sido largamente estudadas por historiadores da Educação Brasileira, em múltiplos e diversos aspectos, destacando-se especialmente a Reforma da Instrução Pública (1879). Logo, o conhecimento histórico construído sobre essa reforma, longe de esgotá-la como tema de pesquisa, abre espaços para a proposição de outras questões sobre a mesma, permitindo aproximações variadas. Neste artigo, tomou-se, pois, o Decreto n° 7247 (1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).) como objeto de estudos, procurando abordá-lo a partir de uma diferente perspectiva, esperando contribuir para a compreensão de alguns aspectos condizentes à realidade educacional da época. Dessa maneira, atentou-se para alguns encaminhamentos da Reforma da Instrução Pública (1879) referentes ao ensino primário, que se relacionam com temas educacionais recorrentes no período, tais como: liberdade de ensino, obrigatoriedade, gratuidade e laicidade.

REFORMAR E GOVERNAR: AÇÕES CONVERGENTES E INTEGRADAS

Como já mencionado, o Decreto n°. 7247 (1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).) despontou em meio ao intenso debate político e social sobre o papel da instrução pública no projeto civilizatório de modernização da sociedade brasileira, concebida como elemento fundamental para que o país fosse elevado ao patamar das nações consideradas desenvolvidas, naquele momento. Assim sendo, o referido decreto, que tencionava reformar a instrução pública nos três níveis, conferiu-lhe diferentes encaminhamentos, que se enredam às outras reformas sociais, pleiteadas e promovidas no período, tais como a tentativa de implantação do voto direto (FALA DO TRONO, 1878FALA DO TRONO. [Discurso]. Câmara dos Deputados. Annaes da Câmara dos Deputados, sessão de 15 de dezembro de 1878. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878. p. 92-93. ) e a promoção da alfabetização de trabalhadores (CONGRESSO AGRÍCOLA, 1878CONGRESSO AGRÍCOLA. Anais, Rio de Janeiro, 1878. Edição fac-similar: “Cem anos da abolição”. Introdução e notas de José Murilo de Carvalho. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988.).

Examinando-se determinadas prescrições do Decreto n° 7247 (1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).), circunscritas ao ensino primário, procurou-se indiciar alguns acontecimentos e circunstâncias que estiveram envolvidos na emergência desse dispositivo. Portanto, espera-se contribuir para a compreensão de certos esforços, inciativas, debates e disputas que permeavam a educação naquele período. Desse modo, as análises apresentadas se fundamentam, principalmente, nas seguintes categorias: governamentalidade (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População. São Paulo: Martins Fontes, 2008., 2013FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução: Roberto Machado. 26. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2013.) e reforma educacional (POPEKWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p., 1998POPKEWITZ, Thomas S. Trad. Luiz Ramires. A administração da liberdade: a cultura redentora das ciências educacionais. In: WARDE, Mirian J. Novas Políticas Educacionais: Críticas e Perspectivas. São Paulo: PUC, 1998. p. 147-172.; GONDRA, 2018GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Editora Cortez, 2018. 264 p.; VIDAL, 2006VIDAL, Diana Gonçalves. O fracasso das reformas educacionais: um diagnóstico sob suspeita. Historia de La Educacion; Anuario, n. 7, 2006. p. 70-90.).

Dessa maneira, compreende-se a categoria governamentalidade, a partir das reflexões de Foucault (1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. - nascimento da prisão. 27. ed. Petrópolis: Vozes , 1987. , 2008FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População. São Paulo: Martins Fontes, 2008., 2013FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução: Roberto Machado. 26. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2013.), como forma de governo que desponta, a partir do século XVIII, mediante transformações de ordem econômica e social, em meio às quais emerge o problema de população. Diante dessa questão, o poder governamental buscaria conhecer fenômenos e processos da população, constituindo um saber de Estado, que oportunizaria sua intervenção no corpo social.

Então, o Estado, devidamente aparelhado por uma rede complexa de saberes, instituições, procedimentos, técnicas, instrumentos e dispositivos, exerceria o governo da população como tecnologia de poder que converge para os sujeitos, tornando-os alvos de processos de assujeitamento, normalização, disciplinarização e docilização. Portanto, o governo estatal, instrumentalizado por mecanismos de coerção, vigilância, disciplina e punição, procuraria controlar as condutas sociais, promovendo igualmente o autocontrole das mesmas.

Destarte, buscava-se produzir sujeitos sociais submissos e obedientes à autoridade política, do mesmo modo que se procurava administrar suas forças, tendo em vista seu papel na realidade econômica. Portanto, no século XIX, vários Estados Nacionais, orientados por essa perspectiva governamental, procurariam se alinhar aos imperativos políticos, econômicos, sociais e culturais, permeados pelo ideal de progresso, que se impunham em meio à diferente ordem instaurada pela ascensão do capitalismo liberal burguês.

Nesse panorama, o Decreto n°. 7247 (1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).), na qualidade de legislação educacional, configura-se como instrumento legal e jurídico empregado para normatizar e regular os três níveis de ensino, primário e secundário no município da Corte e superior em todo o Império. Estando a instrução pública submetida à 2ª Diretoria da Secretaria de Negócios do Império, a instituição legislativa desse decreto, que estabelecia outros encaminhamentos à educação imperial, deu-se sob a responsabilidade administrativa de Leôncio de Carvalho, ministro titular da pasta. Assim, esse dispositivo se insere no universo legal do Império, configurando-se como ação governamental que tencionava contribuir para a reorganização da sociedade.

Entende-se, pois, que pela ação legislativa buscava-se promover a ordem social, criando condições de governamentalidade que concorreriam para viabilizar alguns projetos do governo imperial, num momento decisivo para o regime monárquico. Nessa medida, no campo educacional, o Império buscava se alinhar à campanha universal de promoção da escolarização, enfatizando a obrigatoriedade, gratuidade e laicidade (SCHELBAUER, 2009SCHELBAUER, Analete R. Método Intuitivo e lições de coisas: saberes em curso nas conferências pedagógicas do séc. XIX. In: LOMBARDI, José C.; SAVIANI, Demerval; NASCIMENTO, Maria I. M. (Orgs.). Navegando pela História da Educação Brasileira. Campinas: Autores Associados, 2009.). Então, o Decreto n°. 7247 (1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).) desponta em meio ao intenso debate político e social sobre o papel da instrução pública no projeto civilizatório de modernização da sociedade brasileira.

Assim, o Executivo imperial investiria no ato legislativo para promover certas mudanças na instrução pública, buscando ajustá-la às demandas daquele presente. Destarte, essa intervenção governamental na educação tencionava, pela força da lei, também contribuir para a concretização de algumas medidas projetadas pelo gabinete ministerial, tais como: a implantação do voto direto - restrito aos cidadãos alfabetizados - a alfabetização de trabalhadores, o incentivo à industrialização e a introdução do trabalho assalariado (FALA DO TRONO, 1878FALA DO TRONO. [Discurso]. Câmara dos Deputados. Annaes da Câmara dos Deputados, sessão de 15 de dezembro de 1878. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878. p. 92-93. ; CONGRESSO AGRÍCOLA, 1878CONGRESSO AGRÍCOLA. Anais, Rio de Janeiro, 1878. Edição fac-similar: “Cem anos da abolição”. Introdução e notas de José Murilo de Carvalho. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988.), por exemplo.

Nessa medida, esse dispositivo legal foi empregado como meio e instrumento para estabelecer diferentes encaminhamentos para a instrução pública, mas, também, para oportunizar e viabilizar algumas transformações sociais, econômicas e políticas pretendidas pelas lideranças monárquicas. Logo, compreende-se que essa ação do poder governamental intentava produzir certos efeitos e mudanças sobre o corpo social, moldando e configurando sujeitos sociais, em vista de certos projetos de governamentalidade que eram perspectivados (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. - nascimento da prisão. 27. ed. Petrópolis: Vozes , 1987. ; POPKEWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p.). À vista disso, é que se torna interessante também a aproximação da reforma, como categoria de análise, posto que a mesma esteve presente no próprio título do Decreto: “Reforma o ensino primário e secundário do Município da Corte e o superior em todo o Império” (BRASIL, Decreto n°. 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).).

Portanto, buscando-se entender alguns significados que são atribuídos a essa categoria no campo educacional, esta análise explorou algumas reflexões de Popkewitz (1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p., 1998POPKEWITZ, Thomas S. Trad. Luiz Ramires. A administração da liberdade: a cultura redentora das ciências educacionais. In: WARDE, Mirian J. Novas Políticas Educacionais: Críticas e Perspectivas. São Paulo: PUC, 1998. p. 147-172.), Gondra (2018GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Editora Cortez, 2018. 264 p.) e Vidal (2006VIDAL, Diana Gonçalves. O fracasso das reformas educacionais: um diagnóstico sob suspeita. Historia de La Educacion; Anuario, n. 7, 2006. p. 70-90.). Desse modo, parte-se da concepção geral de reforma: “[...] uma palavra que faz referência à mobilização dos públicos e às relações de poder na definição do espaço público” (POPKEWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p., p. 11). Nessa medida, no campo da governamentalidade, compreende-se reforma por meio dos esforços e ações no sentido de promover transformações e realizar mudanças em setores políticos, econômicos e sociais, conferindo-lhes outros rumos, de acordo com ideias, projetos, interesses e posicionamentos que se planeja evidenciar e implementar (POPKEWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p.).

Especificamente no campo educacional, entende-se reforma do seguinte modo:

[...] Reforma é uma palavra cujo significado varia conforme a posição que ela ocupa, se dentro das transformações que têm ocorrido no ensino, na formação de professores, nas ciências da educação ou na teoria do currículo a partir do final do século XIX. Ela não possui um significado ou definição essencial. Nem tampouco significa progresso, em qualquer sentido absoluto, mas implica, sim, uma consideração das relações sociais e de poder (POPKEWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p., p. 12).

Considera-se, pois, reforma educacional como política pública que intervém na educação, realizando mudanças em suas estruturas, tomando-a como instrumento para promover práticas sociais, pelas quais se estabelece a ordem social requerida pelo projeto de governamentalidade. Então, considera-se que

[...] definida como parte das relações sociais de escolarização, a reforma pode ser considerada como ponto estratégico no qual ocorre a modernização das instituições (POPKEWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p., p. 21).

Desse modo, compreende-se a Reforma da Instrução Pública (1879), no horizonte de determinados dispositivos instituídos pelo governo monárquico, que contribuiriam para implementar algumas reformas na organização da sociedade imperial, como a reforma do sistema eleitoral e a abolição do escravismo. Projetava-se, pois, pela educação da população, redefinir algumas condições sociais tais como a moralização dos costumes, a promoção de hábitos de higiene e saúde, a organização da ocupação do espaço urbano, a definição dos papeis dos atores sociais emergentes, com o aumento do número de libertos e as primeiras ondas de imigração, entre outras perspectivas.

Nessa medida, considera-se que, na reforma educacional instituída, a instrução pública foi concebida como um instrumento, entre outros, para que os sujeitos se posicionassem nos quadros sociais, políticos, econômicos e culturais da sociedade imperial, adequando seus atributos e habilidades, de acordo com o projeto civilizatório pretendido, naquela altura. À vista disso, indicia-se alguns efeitos pretendidos na reforma educacional: modernizar a sociedade, estabelecer equilíbrio político e administrar as forças socias diante das demandas econômicas e laborais daquele presente.

Assim sendo, esse dispositivo exerceria uma função estratégica cuja finalidade objetivava “responder a uma urgência” (FOUCAULT, 1992FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa: Passagens. 1992. pp. 129-160., p. 244-45): reformar e modernizar a sociedade imperial. Logo, a Reforma da Instrução Pública (1879) mobilizaria uma rede de elementos políticos, econômicos, sociais e culturais, que estabeleceriam relações de força entre si e com os meios, nos quais produziriam seus efeitos e tensões: as escolas e os sujeitos escolares.

Nesse quadro, entende-se a reforma educacional como dispositivo que legaliza, formaliza e estabelece determinadas visões de mundo, de educação e de escola, da mesma forma que institui práticas sociais e escolares, buscando-se adequar, direcionar e configurar a educação de acordo com os rumos de governamentalidade que se tenciona implementar. Busca-se, assim, intervir na sociedade pela adoção de medidas na educação, de modo a produzir, regular e institucionalizar relações sociais, que oportunizem o governo e administração da liberdade e das condutas dos sujeitos sociais (POPKEWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p.).

Portanto, em meio às transformações políticas, econômicas, sociais e culturais que constituíram uma diferente ordem mundial, emergiu o “problema de população” (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População. São Paulo: Martins Fontes, 2008., 2013FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução: Roberto Machado. 26. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2013.), deste modo “[...] as sociedades liberais do século XIX estabeleceram uma nova relação entre o governo da sociedade e o governo, ou controle, do indivíduo” (POPKEWITZ, 1998POPKEWITZ, Thomas S. Trad. Luiz Ramires. A administração da liberdade: a cultura redentora das ciências educacionais. In: WARDE, Mirian J. Novas Políticas Educacionais: Críticas e Perspectivas. São Paulo: PUC, 1998. p. 147-172., p. 149). Tendo em vista processos de nacionalização e formação do corpo de cidadãos que ocorriam naquele momento, “novos padrões de governança” (POPKEWITZ, 1998POPKEWITZ, Thomas S. Trad. Luiz Ramires. A administração da liberdade: a cultura redentora das ciências educacionais. In: WARDE, Mirian J. Novas Políticas Educacionais: Críticas e Perspectivas. São Paulo: PUC, 1998. p. 147-172., p. 149) engendrariam e instituiriam princípios que regeriam a ordem social, a qual seria regulada e controlada pela interposição de dispositivos governamentais, entre eles as reformas sociais.

Logo, essa forma de governo, deslocando o exercício do poder para o campo da racionalidade, moldaria condutas e erigiria padrões sociais, no sentido de conduzir sujeitos sociais ao autocontrole e à autodisciplina, ou seja, ao autogoverno. Dessa maneira, procurava-se adequar a sociedade aos projetos de governamentalidade que, naquela altura, enfatizando o conhecimento científico na administração social, visavam o desenvolvimento e o progresso das nações (POPKEWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p., 1998POPKEWITZ, Thomas S. Trad. Luiz Ramires. A administração da liberdade: a cultura redentora das ciências educacionais. In: WARDE, Mirian J. Novas Políticas Educacionais: Críticas e Perspectivas. São Paulo: PUC, 1998. p. 147-172.).

À vista disso, a difusão da escolarização (SHUELLER; SILVA, 2013SCHUELER, Alessandra Frota Martinez; SILVA, José Cláudio Sooma. Obrigatoriedade Escolar e Educação da Infância no Rio de Janeiro no Século XIX. In: VIDAL, Diana Gonçalves; SÁ, Elizabeth Figueiredo de; SILVA, Vera Lucia Gaspar da. (Org.). Obrigatoriedade Escolar no Brasil. 1. ed. Cuiabá: EdUFMT, 2013.) seria concebida como elemento fundamental para a organização social, uma vez que por seu intermédio se propagariam os moldes morais, intelectuais e técnicos, pelos quais os governos viabilizariam projetos de modernização pretendidos. Tendo em vista a finalidade estratégica de se atingir o desenvolvimento e o progresso nacionais, a educação do povo seria direcionada de acordo com as demandas político-econômicas daquele presente, uma vez que

[...] o saber profissional corporificava uma ideia secular peculiar ao progresso que vinculava as racionalidades políticas à construção do indivíduo (POPKEWITZ, 1998POPKEWITZ, Thomas S. Trad. Luiz Ramires. A administração da liberdade: a cultura redentora das ciências educacionais. In: WARDE, Mirian J. Novas Políticas Educacionais: Críticas e Perspectivas. São Paulo: PUC, 1998. p. 147-172., p. 150).

Então, a reforma educacional despontaria como instrumento potente na promoção de “[...] importantes transformações e rupturas que ocorrem a nível nacional e internacional” (POPEKWITZ, 1997POPKEWITZ, Thomas S. Reforma Educacional: uma política sociológica - Poder e Conhecimento em Educação. Trad. Beatriz Afonso Neves. Porto Alegre: Arte Médicas, 1997. 294 p., p. 144). Desse quadro, a categoria de análise reforma educacional pode ser entendida como ação governamental, que, por meio de legislação específica, produziria efeitos na realidade educacional, bem como se desdobraria em outros setores sociais, contribuindo para a realização de transformações pretendidas em meio à diferente ordem política e econômica que se instaurava no período.

Voltando-se para o Império brasileiro, entende-se que reformas educacionais empreendidas no período, em linhas gerais, buscavam “[...] forjar um modelo de escola moderna [...]” (GONDRA, 2018GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Editora Cortez, 2018. 264 p., p. 20), pelo qual se viabilizaria o projeto civilizatório de modernização da sociedade brasileira, pretendido naquela altura. Nas intervenções governamentais imperiais na educação, por meio de reformas na instrução pública, indicia-se a intenção de convergir o governo da escola com o governo das populações “[...] de modo a assegurar a realização do projeto de modernização que se pretendia pôr em curso” (GONDRA 2018GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Editora Cortez, 2018. 264 p., p. 27-28).

Nessa direção, a escola seria concebida como espaço crucial e privilegiado para administração das condutas sociais que, em conjunto com outras instituições, promoveria a reforma da sociedade brasileira. Logo, no período imperial, reformas educacionais buscariam estabelecer o governo das escolas baseando-se em mecanismos de regulação, controle e inspeção. Essas ações seriam exercidas por agentes governamentais, membros de uma estrutura administrativo-policial que buscariam garantir a efetivação e cumprimento das medidas e prescrições legais (GONDRA, 2018GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Editora Cortez, 2018. 264 p.).

Essas reformas, enquanto dispositivos estratégicos, orientados por princípios de governamentalidade, estabeleceriam regras, critérios e hierarquizações que definiriam quem seriam os sujeitos governáveis, os limites geográficos do raio de ação das escolas, os saberes que seriam disseminados, os modos de ensiná-los, bem como os professores habilitados para tal exercício (GONDRA, 2018GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Editora Cortez, 2018. 264 p.). Destarte, “[...] a busca de um padrão ‘moderno’ de escola, voltado para pôr a jovem nação no rumo da civilização, procura justificar e tornar aceitável a intervenção do Estado” (GONDRA, 2018GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Editora Cortez, 2018. 264 p., p. 29).

Nesse quadro de considerações, compreende-se que as reformas educacionais empreendidas na época despontariam em meio a relações de força, tensões e constrangimentos, constituindo-se como territórios de disputas travadas entre grupos sociais diversos, representando diferentes visões de mundo, de escola e escolarização. Esse embate social também acarretaria em negociações que, paulatinamente, conciliando interesses díspares, seriam refletidas nos modos de organização escolar e social (VIDAL, 2006VIDAL, Diana Gonçalves. O fracasso das reformas educacionais: um diagnóstico sob suspeita. Historia de La Educacion; Anuario, n. 7, 2006. p. 70-90.).

As reformas, ao promoverem mudanças na realidade escolar, também se desdobrariam em outros setores da sociedade, contribuindo para transformações em aspectos diversos das práticas sociais. Por outro lado, a escola também sofreria a ação das forças sociais, impregnando-se, igualmente de seus fazeres e práticas, o que se projetaria em seu governo, bem como na constituição das formas e culturas escolares. Então, em meio a diálogos, disputas e lutas,

[...] as relações entre a escola e a sociedade se transformaram, tanto pela impregnação dos fazeres sociais à escola, quanto pela disseminação de dispositivos escolares no seio da sociedade - faces complementares da cultura escolar (VIDAL, 2006VIDAL, Diana Gonçalves. O fracasso das reformas educacionais: um diagnóstico sob suspeita. Historia de La Educacion; Anuario, n. 7, 2006. p. 70-90., p. 82).

Nessa perspectiva, considera-se que não somente as prescrições legais e premissas pedagógicas operam mudanças no campo educacional, mas, também, as relações de força, tensões e constrangimentos, que permeiam as relações entre a escola e as várias instituições sociais, concorrem para a transformação das práticas escolares. Portanto, na análise das reformas educacionais, deve-se atentar para os seguintes aspectos: continuidades e descontinuidades, estratégias de poder e táticas de subversão (CERTEAU, 1994CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano: 1, Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.), bem como as lutas, entre os vários sujeitos sociais, pelas representações de escola e como ela deve atuar.

A partir desses diálogos teórico-metodológicos, procurou-se construir fundamentos que oportunizassem a compreensão de algumas dimensões do Decreto n°. 7247 (1879). Dessa maneira, na sequência, procede-se às análises de algumas prescrições desse dispositivo, enfatizando-se as circunscritas ao ensino primário.

Obrigatoriedade, Gratuidade, Laicidade E Liberdade De Ensino

O Decreto n° 7247 (1879) foi instituído pelo Executivo imperial tencionando promover certas mudanças nos três níveis de ensino, primário e secundário no município da Corte e o superior em todo o Império. Logo, a incumbência dessa ação governamental esteve a cargo do ministro Leôncio de Carvalho, que também respondia pela administração da instrução pública, lotada na 2ª Diretoria da Secretaria dos Negócios do Império. Assim sendo, esse dispositivo emergiu no universo legislativo do Império, como instrumento legal e jurídico que regulamentou a educação imperial no período, conferindo-lhe determinados encaminhamentos, que deveriam orientar sua organização, administração e inspeção.

Então, a reforma educacional, na qualidade de acontecimento, desponta como produto da luta de representações sociais sobre educação que estavam em disputa no período. Desse modo, essa legislação educacional evoca múltiplas e diversas subjetividades, que se atentavam para o papel da instrução pública frente às necessidades e exigências sociais daquele presente. Leôncio Carvalho era o enunciador desse discurso legal, mas o decreto também é perpassado pelas vozes de políticos, intelectuais e outros sujeitos que preconizavam a difusão de luzes na sociedade como marca de distinção e civilidade, medida esta que orientaria o país no rumo daquilo que era apregoado como o desenvolvimento e o progresso (MATTOS, 1987MATTOS, Ilmar Rohloff. O Tempo Saquarema. São Paulo: HUCITEC; [Brasília, DF]: INL, 1987.). Assim, corroborando essas convicções, o ministro defenderia a oferta da instrução pública, a qual concebia como fator indispensável para o estabelecimento da ordem social e estabilidade política:

Sem a instrução, nenhum povo deve ser verdadeiramente livre, porque é ela que inculca no homem a consciência de seus direitos e reprime as paixões que, ao dar origem à anarquia, abrem um campo fértil a audaciosos projetos de ambição (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 22).

Na argumentação de Carvalho em relação à instrução, ao destacá-la como meio para “inculcar a consciência de direitos” e “reprimir paixões”, indiciam-se modos de pensar a escolarização do social no sentido de promover o autogoverno dos sujeitos. Igualmente, suas ideias oportunizam pistas de concepções da instrução como instrumento de regulação, controle e organização social, o que se sobressai quando ele a posiciona como garantia de “liberdade do povo”. Portanto, a reforma educacional se aproximava, de algum modo, às perspectivas das reformas sociais pretendidas no período, diante das transformações políticas e econômicas que tensionavam o Império. À vista disso, pondera-se que, pela reforma educacional, tencionava-se alinhar a instrução pública ao projeto civilizatório que se pretendia implementar naquele presente. Desse modo,

Educar e civilizar são aí representados como atos solidários. Dupla ação a convergir para um único fim: eliminar os fatores adversos e produzir um futuro novo, regenerado, sem vícios, grandioso para os indivíduos, para a sociedade e para o Estado [...] (GONDRA, 2004GONDRA, José G. Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004, 562p., p. 22).

Nessa medida, a reforma seria orientada pelos princípios de “moralidade e higiene” (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 1°). Logo, por meio desses indícios, considera-se que as medidas adotadas por Carvalho procuravam se articular à racionalidade civilizatória e regeneradora pela qual se tentava organizar a sociedade. Esse dispositivo somaria esforços às estratégias governamentais que buscavam promover a moralização dos costumes, bem como atender às demandas por salubridade. Nesse projeto de regeneração e modernização social o município da Corte seria destacado, uma vez que diversos fatores, físico-naturais, políticos, econômicos, sociais e culturais,

[...] produziam um ambiente favorável à degeneração social e uma ‘cidade degenerada’ [...] que precisava urgentemente - por motivos políticos, econômicos, científicos e culturais - ser regenerada (GONDRA, 2004GONDRA, José G. Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004, 562p., p. 100-101).

Assim, nessa perspectiva regenerativa, buscava-se estabelecer uma organização racional e científica da sociedade, procurando-se reconfigurar espaços públicos, moralizar costumes, padronizar comportamentos e regular condutas sociais, ou seja, civilizar o povo e modernizar a sociedade. Então, a reforma educacional, norteando-se por essa perspectiva, formalizava e regulamentava a inspeção dos estabelecimentos públicos e particulares de ensino primário e secundário, buscando assegurar e garantir condições de higiene e moralidade nesses espaços escolares:

É completamente livre o ensino primario e secundario no municipio da Côrte e o superior em todo o Imperio, salvo a inspecção necessaria para garantir as condições de moralidade e hygiene (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 1°).

No período, em meio às relações solidárias estabelecidas entre os ideais de educação e civilização, projetava-se que os espaços escolares se convertessem em centros irradiadores dessa diferente mentalidade, propagando as medidas civilizatórias e regeneradoras planejadas para se efetivar a organização, educação e modernização da sociedade. Portanto, a capital do Império seria concebida como espaço privilegiado, em que se projetava forjar um modelo de civilização que nortearia a nação imperial brasileira, conforme Gondra (2004GONDRA, José G. Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004, 562p., p. 179-180):

No caso da Corte, no Brasil, a produção do espaço escolar esteve amalgamada com a construção do espaço da cidade, sendo aquele um componente para fundar a clássica ideia de cidade-educadora [...] a construção de colégios em edifícios próprios para funcionarem como lugar de ensino a partir das prescrições da higiene, certamente funcionou como um emblema e um ícone do amplo projeto de modernização - entenda-se, de higienização nacional.

Dessa forma, no destaque conferido aos enunciados “moralidade e hygiene” nesse discurso legal, o Decreto n° 7247 (1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).), indicia-se essa tendência de reconfiguração dos espaços públicos, que tentaria materializar, no município da Corte, um modelo civilizatório, a partir do qual seriam estabelecidas regras, normas e condutas de socialização e de ocupação do espaço urbano. Igualmente, as ações de controle e inspeção das condições morais e higiênicas prescritas, que são enfatizadas no dispositivo, oportunizam pistas de que, naquela altura, procurava-se adequar os espaços escolares a este projeto de civilização e modernização do Império.

Se a reforma educacional buscava promover a “higiene” nos e pelos espaços escolares, no que se refere especificamente à “moralidade”, o dispositivo procuraria desvincular essa questão do credo religioso, uma vez que o Estado brasileiro era confessional. Em razão disso, muitos direitos dos cidadãos estavam condicionados à profissão da religião do Estado. Logo, a questão religiosa era incisiva na organização da sociedade imperial, estabelecendo formalmente critérios de desigualdade e hierarquização entre os cidadãos (CUNHA, 2017CUNHA, Luiz A. A Educação Brasileira na Primeira Onda Laica: do Império à República. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2017. 530 p.).

No caso do gozo de direitos políticos, por exemplo, os não católicos eram impendidos de se candidatarem aos cargos de deputado e senador (BRASIL, 1824BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824. , cap. VI, art. 95, III). Situação análoga, no que se refere ao cerceamento de direitos, também se repetia nos estabelecimentos públicos de ensino, nos quais os não católicos eram constrangidos à obrigatoriedade do ensino religioso, bem como a prestarem juramentos confessionais e a participarem de rituais católicos (CUNHA, 2017CUNHA, Luiz A. A Educação Brasileira na Primeira Onda Laica: do Império à República. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2017. 530 p.). Diante desse quadro, Carvalho havia, no ano anterior, na reforma do regulamento do Imperial Colégio de Pedro II, flexibilizado o ensino religioso:

Os alumnos acatholicos não precisarão cursar a cadeira de instrucção religiosa, nem prestar exame das respectivas materias para receber o gráo de Bacharel em letras (BRASIL, Decreto n° 6884, 1878BRASIL. Decreto nº 6.884, de 20 de abril de 1878. Altera os Regulamentos do Imperial Collegio de Pedro II. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1878, p. 207, vol. 1 (Publicação Original), Art. 6º).

Por meio dessa prescrição, franqueou-se o ingresso de alunos não católicos naquela instituição, bem como os dispensou da frequência à disciplina Instrução Religiosa. Igualmente, na criação dos cursos noturnos para adultos, o ministro seguiu a mesma orientação (BRASIL, Decreto n° 7031BRASIL. Decreto nº 7.031, de 6 de setembro de 1878. Crêa cursos nocturnos para adultos nas escolas publicas de instrucção primaria do 1º gráo do sexo masculino do municipio da Côrte. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1878, p. 711, vol. 1 (Publicação Original)., 1878, Art. 1°).

Portanto, dando continuidade a essa linha de ação, na reforma da instrução pública (1879), Carvalho estendia a todo ensino primário e secundário do município da Corte as mesmas medidas que havia adotado anteriormente. Assim, o decreto assegurou a facultatividade do ensino religioso para os alunos não católicos. Destarte, recomendaria que a referida disciplina fosse ministrada em alguns dias da semana, antes ou depois das outras disciplinas, que seriam cursadas por todos (BRASIL, Decreto n° 7247BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., 1879, art. 4°, §1°).

Entende-se, pois, que as medidas supracitadas tencionavam promover uma relativa laicidade na educação popular. O debate sobre a laicização da esfera pública era um ponto que alcançava certo consenso entre os liberais, tendo em vista as múltiplas e diversas correntes de liberalismo circulantes na cena política imperial (CUNHA, 2017CUNHA, Luiz A. A Educação Brasileira na Primeira Onda Laica: do Império à República. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2017. 530 p.). Dessa maneira, o ministro Carvalho, no que se refere à questão religiosa, materializaria na reforma educacional parte de suas convicções liberais sobre esse tema, as quais defendera em sua atuação como editor jornalístico1 1 Ao longo dos anos 1870, Leôncio de Carvalho atuou como editor e redator no Correio Paulistano, do qual também foi proprietário entre julho e dezembro de 1875. Por conseguinte, sendo membro do Partido Liberal, em diversos editoriais desse periódico, promoveria e defenderia ideias, posições e pautas liberais, destacando-se entre elas a laicização do Estado (CARLOS, 2020). :

Sob a nova redacção propõe-se o Correio Paulistano [...] Advogar idéas liberaes, pugnando principalmente [...] Ampla liberdade de cultos [...] e a suppressão da desigualdade de direitos por motivo religioso [...] (PROGRAMMA, Correio Paulistano, 1875PROGRAMMA. Correio Paulistano, São Paulo, p.1, 21 de julho de 1875., p. 1).

À vista disso, pondera-se que a prescrição legal do ensino religioso facultativo para os não católicos na reforma educacional (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 4°, §1°), corroborando essa posição, buscava combater, nesse aspecto particular, a desigualdade e hierarquização de cidadãos, em vista do seu credo. O ministro, perante a Câmara Geral, defenderia a medida adotada, opondo-se ao imperativo confessional na educação pública, denunciando e contestando tal constrangimento:

[...] a intolerancia religiosa fechando as portas dos estabelecimentos do ensino publico aos cidadãos que não professam a religião official, mas que contribuem com o seu dinheiro para esses estabelecimentos (BRASIL, Câmara dos Deputados, 1879BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados - 17ª Legislatura. Sessão de 1879, Tomo I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1879., p. 209).

Portanto, indicia-se que a reforma educacional tentava se aproximar do debate internacional sobre a oferta de escolarização obrigatória, gratuita e laica à população (SCHELBAUER, 2009SCHELBAUER, Analete R. Método Intuitivo e lições de coisas: saberes em curso nas conferências pedagógicas do séc. XIX. In: LOMBARDI, José C.; SAVIANI, Demerval; NASCIMENTO, Maria I. M. (Orgs.). Navegando pela História da Educação Brasileira. Campinas: Autores Associados, 2009.). Logo, em relação à questão da obrigatoriedade, o decreto estabelecia:

Até se mostrarem habilitados em todas as disciplinas que constituem o programa das escolas primárias do 1.° grau, são obrigados a frequentá-las, no município da Corte, os indivíduos de um e outro sexo, de 7 a 14 anos de idade (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 2.°).

Atenta-se que, nesse enunciado específico, a escrituralização legal utilizou o termo “indivíduos” ao invés de cidadãos. Em razão disso, argumenta-se que, apesar do texto legal não mencionar literalmente escravos, libertos e ingênuos, a redação dessa legislação educacional abria uma brecha legal e jurídica para que esses sujeitos pudessem frequentar as escolas públicas ou fossem, de algum modo, educados sob a responsabilidade do Estado, em instituições dedicadas a essa finalidade.

Porém, não é possível afirmar que o ministro agiu intencionalmente na adoção de tal aspecto nas prescrições legais de obrigatoriedade. No entanto, tendo em vista a racionalidade moral e higiênica que orientava a reforma educacional, considera-se a possibilidade de que o projeto civilizatório de modernização da sociedade imperial também abarcasse esses sujeitos: escravos, libertos e ingênuos.

Tal conjectura também se apoia no discurso proferido por Leôncio de Carvalho, na abertura da Exposição Pedagógica (1883): “A educação da infância desamparada”; no qual defendeu a intervenção do Estado na educação de crianças pobres, livres ou libertas, oportunizando-lhes o aprendizado de ofícios, como parte de um projeto civilizatório de aperfeiçoamento moral e econômico da sociedade imperial (CARVALHO, 1883CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878.). De igual modo, fortalecendo essa argumentação, salienta-se que Sinimbu, chefe do gabinete ministerial, também recomendou a educação moral e profissional dos ingênuos diante Assembleia Geral Legislativa, na Primeira Sessão da 17ª Legislatura, em 18782 2 “Convém, a meu ver, estimular por meio de auxílio pecuniário, proporcional ao número de ingênuos que lhes hajam de ser entregues, a organização de sociedades que se constituam com determinados requisitos, fixados em especial regulamento, sejam elas meramente filantrópicas, sejam industriais. Mediante contrato de locação de serviços, celebrados perante os juízes de órfãos e sob sua inspeção executado, podem alguns menores ser confiados a empresa ou a particulares, de reconhecida idoneidade, obrigando-se aquelas e estes a dar-lhes educação. Por fim, cumpre fundar, sobre plano modesto, asilos agrícolas e industriais, onde recebam os ingênuos, ao par com instrução elementar e religiosa, a lição prática do trabalho. Combinando este e vários meios que podem ser desenvolvidos, a medida que a experiência trouxer o seu conselho, não é para mim duvidoso que a despesa com a educação dos ingênuos será compensada pelos seus resultados” (SINIMBU, Relatório dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Apresentado à Assembleia Geral Legislativa na Primeira Sessão da 17ª Legislatura, 1878, p. 19 apud FONSECA, 2002, p. 80). .

Por fim, respaldando-se essas considerações, evoca-se o discurso de Carvalho na Câmara dos Deputados:

Haja calma, reflexão, justiça na inquirição dos meios mais appropriados para arrancar tantos milhares de brazileiros que vivem na ignorancia, ou dela descahem para a miseria, para o vicio e para o crime. A missão de instruir o povo não é deste ou daquelle partido, é tarefa nacional, é dever de patriotismo. [...] Viu a ignorancia dominando populações inteiras com o inseparavel cortejo de miserias e vicios. Achou prisões repletas de criminosos, que ali não estariam si o Estado, abrindo-lhes os olhos da consciencia, por meio da educação, tivesse-lhes patenteado as sublimes verdades da moral [...] (BRASIL, Câmara dos Deputados, 1879BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados - 17ª Legislatura. Sessão de 1879, Tomo I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1879., p. 208-209).

Logo, nesses enunciados, indicia-se o protagonismo atribuído à instrução pública no projeto civilizatório de modernização da sociedade imperial, sendo considerada como instrumento de regulação das condutas sociais e moralização dos costumes, que nortearia o autogoverno dos sujeitos. Desse quadro, a reforma educacional procurou assegurar a obrigatoriedade do ensino primário, visto que essa medida contribuiria para ampliar o alcance do ensino primário no município da Corte. Todavia, ainda que prescrita a obrigatoriedade, admitiu-se a liberdade de frequência, como se aponta:

[...] Esta obrigação não compreende os que seus pais, tutores ou protetores provarem que recebem a instrução conveniente em escolas particulares ou em suas próprias casas, e os que residirem a distância maior, da escola pública ou subsidiada mais próxima, de um e meio quilômetro para os meninos, e de um quilômetro para as meninas (BRASIL, Decreto n° 7247BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., 1879, art. 2.°).

A despeito disso, nota-se que, mesmo tornando-se flexível a frequência às escolas, a legislação procurou formalizar os mecanismos de inspeção e controle para garantir o cumprimento da obrigatoriedade do ensino primário, como se observa nas disposições:

§ 1º Todos aquelles que, tendo em sua companhia meninos ou meninas nas condições acima mencionadas, deixarem de matriculal-os nas escolas publicas, ou de proporcionar-lhes em estabelecimentos particulares ou em suas casas a instrucção primaria do 1º gráo, sejam pais, mais, tutores ou protectores, ficam sujeitos a uma multa de 20 a 100$000. Na mesma pena incorrerão os que, sendo advertidos da pouca frequencia dos alumnos á escola ou regularidade do ensino administrado particularmente, á vista dos mappas organizados nas escolas publicas ou dos attestados que no segundo caso deverão apresentar de tres em tres mezes, não provarem no trimestre seguinte que houve a devida regularidade no mesmo ensino ou frequencia, salvo caso de molestia ou outro justo impedimento. [...]. § 6º Para fiscalisação da fiel observancia das disposições contidas neste artigo, será organizada de seis em seis mezes pelo Inspector de cada districto, com o concurso das respectivas autoridades policiaes, uma relação de todos os meninos e meninas de idade escolar ahi residentes. Estas relações serão enviadas ao Inspector geral da instrucção publica (BRASIL, Decreto n° 7247BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., 1879, art. 2° § 1º; § 6º).

Dessa forma, a reforma educacional, procurando assegurar o direito individual e o direito coletivo à instrução, impunha a obrigatoriedade do ensino primário como medida coercitiva (HORTA, 1998HORTA, João S. B. Direito à Educação e Obrigatoriedade Escolar. Caderno de Pesquisa, n. 104, p. 5-34, julho, 1998.), cuja inobservância acarretaria a penalização por multas (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879 BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 2°, § 1°), devendo assim ser fiscalizada por meio de inspeção (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 2°, § 6°). Logo, a efetivação das prescrições legais do dispositivo, sobretudo aquelas referentes à obrigatoriedade, ficavam sob a tutela dos agentes governamentais lotados na Inspetoria Geral da Instrução Pública, estrutura administrativo-policial (GONDRA, 2018GONDRA, José Gonçalves. A Emergência da Escola. São Paulo: Editora Cortez, 2018. 264 p.), responsável pela inspeção e controle do cumprimento das medidas adotadas.

Ainda em relação à obrigatoriedade do ensino primário, a legislação educacional mantinha certa rigidez quanto ao prosseguimento do ensino primário para os meninos que atingissem a idade de 14 anos, antes de concluí-lo. Então, os mesmos deveriam dar continuidade aos estudos onde houvesse escolas gratuitas para adultos (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 2°, § 2°):

Os meninos que attingirem a idade de 14 annos, antes de haverem concluido o estudo das disciplinas mencionadas no principio deste artigo, são obrigados a continual-o, sob as penas estabelecidas, nas parochias onde houver escolas gratuitas para adultos.

Nesse artigo específico (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 2.°, § 2.°), a lei apresentava uma relativa atenção à gratuidade, aspecto este associado à obrigatoriedade e à laicidade na campanha mundial de promoção da escolarização popular (SCHELBAUER, 2009SCHELBAUER, Analete R. Método Intuitivo e lições de coisas: saberes em curso nas conferências pedagógicas do séc. XIX. In: LOMBARDI, José C.; SAVIANI, Demerval; NASCIMENTO, Maria I. M. (Orgs.). Navegando pela História da Educação Brasileira. Campinas: Autores Associados, 2009.). Nessa direção, no mesmo artigo, previa-se a assistência do Estado, por meio do Conselho Diretor da Instrução Pública, aos estudantes pobres, aos quais deveriam ser fornecidos vestuários, livros e demais objetos necessários ao estudo (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 2.°, § 3.°):

Aos meninos pobres, cujos pais, tutores ou protectores justificarem impossibilidade de preparal-os para irem á escola, será fornecido vestuario decente e simples, livros e mais objectos indispensaveis ao estudo.

Em razão disso, entende-se que a reforma educacional procurava minimamente garantir condições para que os “meninos pobres” não ficassem excluídos do projeto educacional que se tencionava implementar. Contudo, ressalva-se que essa medida não tentava assegurar autonomia ou ascensão social dos grupos mais pobres, mas adequá-los ao projeto civilizatório perspectivado pelo poder imperial.

Como mencionado anteriormente, o Império enfrentava uma grave crise econômica, com a decadência do escravismo, transformações na cadeia produtiva e a emergência de diferentes relações de trabalho, entre outras questões (CARVALHO, 2008CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem; a elite política imperial. Teatro de Sombras: a política imperial, 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.; COSTA, 1999COSTA, Emília V. da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6. ed. São Paulo: UNESP, 1999.; HOLANDA, 2004HOLANDA, Sérgio B. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico/ Reações e Transações. t.2. v.5. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 582 p., 2005HOLANDA, Sérgio B. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico/ Do Império à República. t.2. v.7. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2005. 504 p.). Porém, apesar desse panorama de instabilidade política, econômica e social, considera-se que o Executivo empenhava esforços para efetivar uma escola possível, tendo em vista as relações de força que se impunham naquele presente, abalando os alicerces do regime monárquico, tensionando diversas instituições imperiais, entre elas a instrução pública (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878.).

Nessa atmosfera, a liberdade de ensino despontou na reforma educacional (1879) como alternativa e possibilidade de se ampliar a oferta de ensino, visto que a escola estatal, constrangida por seus limites de difusão, não conseguia alcançar uma significativa parcela da população (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878.). O ministro Carvalho já havia defendido a adoção de tal medida, quando discursou perante à Assembleia Geral, no ano anterior:

Em matéria de instrucção, se alguma cousa se tem feito entre nós, muito mais ha ainda a fazer para imprimir-lhe o indispensável impulso e afim de que o paiz possa colher todos os fructos que é destinada a produzir. A primeira medida a realizar, para conseguir-se este desideratum, é a da liberdade do ensino, que é o solido alicerce sobre que deve assentar o edifício da educação nacional (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 23, grifo do autor).

O ministro, na defesa dessa medida, creditava parte do progresso e prosperidade dos Estados Unidos da América, bem como de alguns países da Europa, à liberdade de ensino, pela qual se derramava a instrução naquelas populações (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 23). A despeito dessa projeção de desenvolvimento econômico e social, alguns adversários da liberdade de ensino argumentavam que a redução do poder do Estado sobre a educação poderia abrir “espaços” para que doutrinas diferentes pudessem ser propagadas na sociedade. Refutando tal especulação, Carvalho sustentava que:

A principal objecção que contra a liberdade do ensino levanta-se é o mal que á sociedade poderá advir, se nos estabelecimentos particulares forem ensinadas doutrinas diferentes das que o Estado professa nos seus. Esse mal é illusorio, e ahi está justamente a grande vantagem do ensino livre. O Estado não é infallivel nem pôde arrogar-se o monopólio do saber, e para a sociedade o supremo bem é a verdade, cujo conhecimento só se obtém pela livre manifestação de todas as idéas e opiniões, pelo seu confronto e discussão. Salva, portanto, a repressão criminal, nos casos de abusos contra a legislação do paiz, e a necessária inspecção para verificar se os estabelecimentos possuem as indispensáveis condições de moralidade e hygiene, nenhum inconveniente poderá receiar a sociedade, antes muito terá a lucrar com a decretação da liberdade do ensino (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 24).

Na réplica àqueles que insistiam na manutenção do monopólio estatal sobre a oferta de instrução, Leôncio de Carvalho contra-argumentava que seriam constituídos rígidos mecanismos de controle e inspeção das unidades de ensino, que porventura viessem a ser estabelecidas (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 24). Por conseguinte, tal aspecto relativo à inspeção dos estabelecimentos, como já se informou, foi efetivamente observado nas prescrições da reforma educacional (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879, art. 1°; art. 2°, § 1°; art. 2°, § 6°). Mediante a regulamentação do controle e inspeção do Estado sobre a oferta de ensino, Carvalho (1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 63) defendia:

Urge tornar completamente livre o ensino particular, revogando-se a disposição que faz depender de uma licença e de provas de capacidade profissional a abertura de qualquer escola ou estabelecimento de instrucção.

Dessa forma, a proposta de liberdade de ensino se materializou na reforma educacional (1879), como medida que oportunizava à inciativa privada a possibilidade de abrir estabelecimentos de ensinos, observadas as condições de “moralidade e higiene” previstas na lei (BRASIL, Decreto n° 7247, 1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original)., art. 1°). Sendo, pois, garantidas legalmente pelas prescrições do Decreto n° 7247 (1879), as instituições particulares passariam a gozar de certa autonomia, ou seja, poderiam “estabelecer programas, funcionar regularmente e conceder títulos, sem que fosse necessário o aval do Estado para tudo” (BASSO, 2005BASSO, Silvia E. de Oliveira. O Debate sobre a Educação no Segundo Reinado e a Reforma Leôncio de Carvalho, de 1879. 2005. 125 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2005. , p. 87).

Naquele momento, a crise do setor produtivo, em grande parte tensionada pela decadência do escravismo, impunha austeridade à economia imperial (CARVALHO, 2008CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem; a elite política imperial. Teatro de Sombras: a política imperial, 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.; COSTA, 1999COSTA, Emília V. da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6. ed. São Paulo: UNESP, 1999.; HOLANDA, 2004HOLANDA, Sérgio B. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico/ Reações e Transações. t.2. v.5. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 582 p., 2005HOLANDA, Sérgio B. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil Monárquico/ Do Império à República. t.2. v.7. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2005. 504 p.). Nesse quadro, as restrições orçamentárias, que atingiam diversas instituições, também comprometiam a instrução pública, limitando a expansão de seu raio de ação: “O desenvolvimento da instrucção popular, dependendo de escolas, professores e muitas outras condições, exige grandes despesas” (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 63). À vista disso, o ministro considerava a liberdade de ensino como pré-requisito necessário e indispensável para a efetivação da obrigatoriedade do ensino primário, uma vez que a demanda pela instrução aumentaria:

A decretação do ensino obrigatorio acarretará como consequencia a necessidade de um maior numero de escolas porque as existentes não comportarão o augmento de pessoal que há de afluir ás suas aulas [...] (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 57-58).

Logo, defendia a adoção de tal medida, afirmando: “A liberdade do ensino constitue, pois, o complemento natural do aprendizado obrigatório” (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 63). Desse modo, entende-se que essa ação governamental, a adoção da liberdade de ensino, foi direcionada no sentido de responder à urgência de difundir a instrução na sociedade imperial, tendo em vista as demandas políticas, econômicas e sociais do período, entre as quais se citam: o projeto de reforma eleitoral, restringindo o voto aos alfabetizados (BRASIL, 1879), a alfabetização e formação profissional de trabalhadores, investimentos na mão-de-obra assalariada, incentivo à imigração (CONGRESSO AGRÍCOLA, 1878CONGRESSO AGRÍCOLA. Anais, Rio de Janeiro, 1878. Edição fac-similar: “Cem anos da abolição”. Introdução e notas de José Murilo de Carvalho. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1988.), iniciativas na industrialização, crescimento das populações urbanas (COSTA, 1999COSTA, Emília V. da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 6. ed. São Paulo: UNESP, 1999.). Nesse horizonte, o ministro apregoou:

[...] abrindo-se uma carreira franca a todos os talentos e aptidões, a sciencia será cultivada com ardor e dedicação, as suas conquistas augmentadas e vulgarisadas, e pela multiplicação dos estabelecimentos de ensino, a instrucção se propagará a todas as camadas da sociedade, podendo cada indivíduo adquirir a porção que lhe é necessária e se coaduna com os seus interesses, sua vocação e condição social, e recebel-a dos professores que quizer e mais confiança lhe inspirem (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 23).

Na concepção liberal de Carvalho, a livre concorrência, que se estabelecia gradativamente nas manifestações e transformações daquele presente, condicionava o sucesso social ao acúmulo de conhecimentos por parte dos sujeitos: “Em qualquer profissão, em qualquer carreira [...] a supremacia será sempre dos mais intelligentes, dos mais instruídos” (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 23). Apoiado nessa perspectiva, preconizava que deveria existir “emulação” entre os professores, pois aqueles que ensinassem “mais e melhor” seriam os preferidos, o que seria proveitoso para os alunos e, por conseguinte, para a sociedade (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 23-24). Assim sendo, o ministro também defendia que a liberdade de ensino oportunizaria o aperfeiçoamento do magistério, porque o Estado, uma vez desonerado da responsabilidade de fundar escolas, poderia investir na formação docente:

A primeira condição para um bom ensino são os bons professores e estes não se improvisam, formam-se. A creação, pois, de escolas normaes, destinadas a fornecer um pessoal convenientemente preparado para desempenhar as elevadas funcções do magistério, é necessidade reconhecida porquanto se ocupam com verdadeiro interesse das questões concernentes ao ensino e que reclama uma attenção solícita da parte dos poderes públicos (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 65).

Portanto, considera-se que o ministro ao investir na liberdade de ensino também se orientou pela concepção de que tal medida, além possibilitar o aumento dos estabelecimentos de ensino, também contribuiria para melhorar sua qualidade, uma vez que: “[...] severas censuras [eram] dirigidas á imperfeição do ensino dado nas escolas publicas do paiz [...]” (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 65). Assim sendo, a reforma educacional se projetou, entre outras perspectivas, no sentido de difundir um ensino de qualidade.

Ancorando-se na concepção de que as categorias de análises são históricas (CERTEAU, 1982CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.), é interessante sublinhar alguns aspectos que dizem respeito ao ensino de qualidade na visão do último quartel do século XIX. Primeiramente, entende-se que, ao aludir à ideia de ensino de qualidade, Carvalho se referia a um ensino eficaz, ou seja, o ensino concreto, racional e científico, que orientava as prescrições pedagógicas da reforma da instrução pública (1879).

Igualmente, considera-se que as reflexões do ministro sobre a qualidade do ensino se orientassem no horizonte da governamentalidade. Desse modo, a difusão de um ensino de qualidade contribuiria para a reconfiguração do corpo social e a moralização dos costumes, como apregoa:

Por outro lado a instrucção, moralisando o povo, inspirando-lhe o habito e o amor ao trabalho que é tanto mais fecundo quanto mais intelligente e instruído é aquelle que o executa, desenvolve todos os ramos da industria, augmenta a producção e com esta a riqueza publica e as rendas do Estado (CARVALHO, 1878CARVALHO, Leôncio. Relatório apresentado em dezembro de 1878. Ministério do Império. Relatório apresentado a Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 17ª Legislatura. Rio de Janeiro: Typographia Nacional , 1878., p. 58).

À vista disso, compreende-se que o ministro defendia investimentos na instrução pública, como o aumento de sua oferta e a melhora de sua qualidade, para efetivar alguns projetos de governamentalidade perspectivados no período. Assim sendo, o ensino de qualidade contribuiria para: moldar e produzir as condutas dos sujeitos; administrar as forças sociais, potencializando suas aptidões, com foco na sua utilidade econômica; e, produzir submissão e obediência ao poder político (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. - nascimento da prisão. 27. ed. Petrópolis: Vozes , 1987. , 2003FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Tradução: Roberto Machado. 26. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2013., 2008FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População. São Paulo: Martins Fontes, 2008.).

Desse quadro, na diferente ordem mundial que se impunha pela irradiação do capitalismo liberal (HOBSBAWM, 1996HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções: 1789-1848. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996., 2003HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.), a renovação educacional era considerada como condição imprescindível para a modernização social e progresso das nações (SCHELBAUER, 2005SCHELBAUER, Analete R. O método intuitivo e lições de coisas no Brasil no século 19. In: STEPHANOU, Maria; BASTOS, Maria Helena Camara. Histórias e memórias da Educação no Brasil. v. 2, século 19. Petrópolis: Vozes , 2005, p. 132-149., 2009SCHELBAUER, Analete R. Método Intuitivo e lições de coisas: saberes em curso nas conferências pedagógicas do séc. XIX. In: LOMBARDI, José C.; SAVIANI, Demerval; NASCIMENTO, Maria I. M. (Orgs.). Navegando pela História da Educação Brasileira. Campinas: Autores Associados, 2009.). Assim, pondera-se que, em linhas gerais, o ministro Carvalho procurou se aproximar, por meio do Decreto n° 7247 (1879), da campanha universal pela promoção da escola primária obrigatória, laica e gratuita, fundamentada na liberdade de ensino (SCHELBAUER, 2009SCHELBAUER, Analete R. Método Intuitivo e lições de coisas: saberes em curso nas conferências pedagógicas do séc. XIX. In: LOMBARDI, José C.; SAVIANI, Demerval; NASCIMENTO, Maria I. M. (Orgs.). Navegando pela História da Educação Brasileira. Campinas: Autores Associados, 2009.).

Considerações Finais

A questão do papel social da escola era tema recorrente nos debates públicos daquele presente, suscitando atenções de vários sujeitos dos diversos setores da sociedade imperial (GONDRA; SCHUELER, 2008GONDRA, José Gonçalves; SCHUELER, Alessandra. Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008a.; SCHELBAUER, 2009SCHELBAUER, Analete R. Método Intuitivo e lições de coisas: saberes em curso nas conferências pedagógicas do séc. XIX. In: LOMBARDI, José C.; SAVIANI, Demerval; NASCIMENTO, Maria I. M. (Orgs.). Navegando pela História da Educação Brasileira. Campinas: Autores Associados, 2009.). Entende-se, pois, que as prescrições da reforma educacional, em especial as que se referem ao ensino primário, formalizam e legalizam certas interpretações, ressignificações e apropriações de concepções relativas à obrigatoriedade, gratuidade, laicidade e liberdade de ensino.

Destarte, esses enunciados evocados no discurso legal, o Decreto n° 7247 (1879BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).), sobre os quais se refletiu, materializam, de certa forma, algumas das visões de mundo e de escola do último quartel do século XIX, as quais resultam das lutas de representações sociais sobre os possíveis sentidos da educação, que estavam em disputa no período. Nessa perspectiva, a representação de uma escola estatal obrigatória, gratuita e laica se destacou entre políticos, intelectuais, educadores e outros sujeitos, que passaram a preconizá-la como medida capital para se operar transformações políticas, econômicas e sociais desejadas naquele momento.

Portanto, reflete-se que essa ação governamental sobre a instrução pública tencionava, entre outros interesses e propostas, implementar uma escola possível, promovendo a escolarização do social. Assim, acreditava-se que investimentos na instrução popular, bem como em outras instituições de regulação social, concorreriam para se estabelecer as condições de governamentalidade projetadas para estabilizar o regime monárquico e promover o desenvolvimento e progresso do país.

Referências

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  • BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brazil. Rio de Janeiro, 1824.
  • BRASIL. Decreto nº 6.884, de 20 de abril de 1878. Altera os Regulamentos do Imperial Collegio de Pedro II. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1878, p. 207, vol. 1 (Publicação Original)
  • BRASIL. Decreto nº 7.031, de 6 de setembro de 1878. Crêa cursos nocturnos para adultos nas escolas publicas de instrucção primaria do 1º gráo do sexo masculino do municipio da Côrte. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1878, p. 711, vol. 1 (Publicação Original).
  • BRASIL. Decreto nº 7247, de 19 de abril de 1879. Reforma do ensino primário, secundário e superior no município da Corte em todo o Império. Coleção de Leis do Império do Brasil - 1879, p. 196, vol. 1 pt. II (Publicação Original).
  • CARLOS, Valter N. V. Traços, esboços e colorações da reforma da instrução pública (1879), na corte imperial. 2020. 275 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade federal do Rio de Janeiro/ UFRJ. Rio de Janeiro, 2020.
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  • 1
    Ao longo dos anos 1870, Leôncio de Carvalho atuou como editor e redator no Correio Paulistano, do qual também foi proprietário entre julho e dezembro de 1875. Por conseguinte, sendo membro do Partido Liberal, em diversos editoriais desse periódico, promoveria e defenderia ideias, posições e pautas liberais, destacando-se entre elas a laicização do Estado (CARLOS, 2020CARLOS, Valter N. V. Traços, esboços e colorações da reforma da instrução pública (1879), na corte imperial. 2020. 275 f. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade federal do Rio de Janeiro/ UFRJ. Rio de Janeiro, 2020.).
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    “Convém, a meu ver, estimular por meio de auxílio pecuniário, proporcional ao número de ingênuos que lhes hajam de ser entregues, a organização de sociedades que se constituam com determinados requisitos, fixados em especial regulamento, sejam elas meramente filantrópicas, sejam industriais. Mediante contrato de locação de serviços, celebrados perante os juízes de órfãos e sob sua inspeção executado, podem alguns menores ser confiados a empresa ou a particulares, de reconhecida idoneidade, obrigando-se aquelas e estes a dar-lhes educação. Por fim, cumpre fundar, sobre plano modesto, asilos agrícolas e industriais, onde recebam os ingênuos, ao par com instrução elementar e religiosa, a lição prática do trabalho. Combinando este e vários meios que podem ser desenvolvidos, a medida que a experiência trouxer o seu conselho, não é para mim duvidoso que a despesa com a educação dos ingênuos será compensada pelos seus resultados” (SINIMBU, Relatório dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Apresentado à Assembleia Geral Legislativa na Primeira Sessão da 17ª Legislatura, 1878, p. 19 apud FONSECA, 2002FONSECA, Marcus Vinicíus. A Educação dos Negros: uma nova face do processo de abolição da escravidão no Brasil. Bragança Paulista: Edusf, 2002., p. 80).

Editado por

Editor responsável:

Eduardo Cristiano Hass da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2023
  • Aceito
    15 Maio 2023
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