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Os juristas e as políticas da justiça criminal: quem tem medo da esfera pública?

Jurists and politics of the criminal justice: who is afraid of the public sphere?

Resumo

Neste ensaio lanço a hipótese de que as ordens racial, de gênero, classe e sexualidade limitam a escuta adequada dos juristas em relação às formulações apresentadas por movimentos sociais na esfera pública e confinam a discussão ao argumento da tecnicidade jurídica. Sustento que nos últimos 30 anos a maior permeabilidade da esfera pública à chegada de contrapúblicos subalternos produziu e reforçou agendas contestatórias das definições de responsabilidade, crime e violência. Provocando, deste modo, um contraste com a produção de definições políticas e jurídicas que costumam estar submetidas a um cenário discursivo extremamente seletivo em termos de agendas e agentes.

Palavras-chave:
Movimentos Sociais; Esfera pública; Ciências Criminais

Abstract

In this essay I hypothesize that the racial, gender, class and sexuality orders limit the potencial listening of the formulations presented in the public sphere by social movements and confine the discussion on the grounds of legal technicality. I argue that the greater permeability of the public sphere, in the last 30 years, to the arrival of subordinate counterpublics began to produce and reinforce contentious agendas of definitions of responsibility, crime and violence. This provokes a contrast with the production of political and juridical definitions that are usually subject to an extremely selective discursive scenario in terms of agendas and agents.

Keywords:
Social Movement; Public Sphere; Criminal Sciences

Introdução

Em São Paulo, no dia 29 de agosto de 2017, um homem foi preso em flagrante depois de ejacular em uma mulher dentro de um ônibus. Dentro do prazo das 24 horas, o juiz, responsável por avaliar a legalidade da prisão bem como o pedido de prisão preventiva, entendeu não haver elementos caracterizadores do tipo penal de estupro e classificou a conduta como contravenção de importunação ao pudor (art. 61, Lei 3688/1941). A autoridade judicial afirmou que:

O crime de estupro tem como núcleo típico constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Na espécie, entendo que não houve constrangimento, tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco de ônibus quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado (Processo0076565-59.2017.8.26.0050)

A decisão gerou reações de reprovação nas redes sociais e em movimentos sociais feministas. Algumas manifestações reprovaram o fato de que o homem não houvesse sido preso preventivamente. Outras, discordaram do sentido de violência e grave ameaça atribuído pelo juiz ao caso concreto.1 1 Em 2018, um ano após este caso, promulgou-se uma lei que tipifica a conduta de importunação sexual como crime no Código Penal (art. 215-A).

Juristas, muitos deles alinhados ao campo crítico das ciências criminais, manifestaram-se nas redes sociais e em publicações de sites de direito especializados. Em uma das argumentações mais sustentadas, afirmaram que a decisão era válida porque, em conformidade com a motivação da decisão, violência e grave ameaça são elementos típicos que não se adequam ao fato realizado pelo homem. De modo que qualquer interpretação diversa feriria o princípio da legalidade penal. Em outro grupo de argumentação conectado à primeira, alguns juristas atribuíram a qualificação de punitivistas às manifestações críticas promovidas por movimentos feministas, alegando que as feministas não aprenderam a lição da crítica criminológica, que aponta para os custos da violência e da exclusão realizados pelo funcionamento do sistema penal.2 2 Alguns dos textos publicados à época por juristas ou textos de jornal em que houve consulta à opinião de juristas: MENDES, Soraia da Rosa. Foi constrangedor, foi violento, foi estupro. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/09/04/foi-constrangedor-foi-violento-e-foi-estupro/Acesso em: 20 de agosto de 2018; LIMA, Joana Domingos de. Ejacular em uma mulher sem consentimento é estupro? O que diz a lei. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/08/31/Ejacular-em-uma-mulher-sem-consentimento-%C3%A9-estupro-O-que-diz-a-lei/ Acesso em: 20 de agosto de 2018; SANZ, Beatriz. A perversa lógica que libertou um homem que ejaculou em uma passageira. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/01/politica/1504299619_341992.html/Acesso em: 20 de agosto de 2018; RONDON, Gabriela. O caso do ônibus que exige mais do que o direito penal. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-anis-instituto-de-bioetica/o-caso-do-onibus-exige-mais-que-o-direito-penal-04092017/ Acesso em: 20 d agosto de 2018; BOITEUX, Luciana. Análise de Luciana Boiteux sobre violência contra mulher. Disponível em: https://sxpolitics.org/ptbr/e-ou-nao-e-estupro-analise-feminista-por-luciana-boiteux/7633. Acesso em: 20 de agosto de 2018; MELINO, Heloisa. Análise de Heloisa Melino sobre violência contra a mulher. Disponível em: https://sxpolitics.org/ptbr/7631-2/7631. Acesso em: 20 de agosto de 2018; ; PRANDO, Camila Cardoso de Mello. O caso do ônibus e a seletividade dos penalistas. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-caso-do-onibus-e-a-seletividade-dos-penalistas/ Acesso em: 20 de agosto de 2018; ZAPATER, Maíra. Maíra Zapater comenta o caso da ejaculação no ônibus. Disponível em: https://blog.mettzer.com/referencia-de-sites-e-artigos-online/ Acesso em: 20 de agosto de 2018; MAZZINI, Mariana. Entre o estupro e a ejaculação... Existe o vão? Disponível: https://www.huffpostbrasil.com/mariana-mazzini/entre-o-estupro-e-a-ejaculacao-existe-o-vao_a_23194973/?utm_hp_ref=br-mulheres&_guc_consent_skip=1559487595/ Acesso em: 20 de agosto de 2018; STRECK, Lenio. Caso do ejaculador: de como o Direito nos funda e a moral nos afunda. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-set-07/senso-incomum-ejaculador-direito-funda-moral-afunda. Acesso em: 20 de agosto de 2018; BASTOS, Barbara, YAROCHEVSKY, Leonardo Isaac. Aspectos dogmáticos, sociológicos e a objetificação feminina no crime de estupro. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/09/04/aspectos-dogmaticos-sociologicos-e-objetificacao-feminina-no-crime-de-estupro/. Acesso em: 20 de agosto de 2018; SADA, Lucas, ARAUJO, Roberta Moreira de, ARAUJO, Thiago. O perigoso esforço criminalizador: ainda sobre o caso do estupro. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/09/11/o-perigoso-esforco-criminalizador-ainda-sobre-o-caso-do-estupro/. Acesso em: 20 de agosto de 2018; GUIMARÃES, Katia. Como a esquerda se perdeu no debate sobre o “tarado” da Paulista. Disponível em: http://www.socialistamorena.com.br/como-esquerda-se-perdeu-no-debate-sobre-o-tarado-da-paulista-e-o-juiz-que-o-libertou/. Acesso em: 20 de agosto de 2018.

Nessas manifestações, os juristas reuniram, apressadamente, na mesma crítica, os pedidos por prisão ao homem do caso do ônibus e as disputas sobre os sentidos de violência e grave ameaça contidos no tipo penal de estupro, além de pressuporem que tais sentidos produzidos pela doutrina e jurisprudência, e não previstos nos dispositivos legais, são a-históricos, desconectados das relações desiguais de poder e livres de disputas. Isto me provocou a pensar e produzir sobre dois eixos. Um mais específico, que visa compreender os sentidos de violência e grave ameaça produzidos e naturalizados pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras3 3 Esta indagação gerou pesquisa coletiva, já finalizada, e ainda não publicada, sobre o sentido de violência contido nos manuais de Direito Penal. . E outro, de fundo, sobre o qual tratarei neste texto, que indaga quais premissas ocultas os discursos dos juristas sustentam quando desqualificam as demandas direcionadas à política da justiça criminal por parte de movimentos feministas e de movimentos sociais em geral.

Para empreender essa pergunta investigo a relação contemporânea entre os juristas e a esfera pública no campo das políticas de justiça criminal. Esse recorte me incumbiu de duas tarefas preliminares: a primeira, compreender o eixo argumentativo que trata sobre as teses do punitivismo e da “esquerda punitiva” adotado por parte dos juristas do campo crítico; a segunda, aproximar-me do conceito de esfera pública proposto por teorias críticas da democracia, tarefa que fiz por meio da tese de Nancy Fraser, apresentada adiante. Por meio desses campos, lancei a hipótese de que as ordens de raça, gênero, classe e sexualidade condicionam a lente dos juristas na compreensão sobre as articulações dos movimentos sociais na política da justiça criminal.

No texto, apresentarei, na sequência, a) a construção da etiqueta da “esquerda punitiva”, num campo de crítica ao punitivismo, bem como suas limitações de compreensão sobre o fenômeno dos movimentos sociais em relação à questão criminal; b) a presença dos contrapúblicos subalternos na esfera pública no Brasil; c) a posição dos juristas na esfera pública e na produção da política da justiça criminal.

1. A tese do giro punitivo e os movimentos de vítimas nas Ciências Criminais no Brasil

Nas Ciências Criminais, em especial no campo da Crítica Criminológica, vem se sustentando que a relação entre o público e o sistema de justiça criminal está organizada em torno de uma cultura punitiva. Tal premissa conta com um acúmulo teórico da Sociologia da Punição que relaciona o aumento da punitividade a partir das décadas de 1970 e 1980 com a produção de uma cultura do controle, com arranjos de punição centrados na figura da vítima (Garland, 1999GARLAND, David. As contradições da “sociedade punitiva”: o caso britânico. Revista de Sociologia e Política, [S.l.], n. 13, p. 59-80, nov. 1999.; 2008) e com a reestruturação do Estado em Estado Penal no neoliberalismo (Wacquant, 2001WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001., 2009). A crise de legitimidade das democracias ocidentais bem como a produção de insegurança social, articulada a uma demanda por um Estado forte via sistema penal, são identificadas como pano de fundo da virada punitiva.

Embora sejam variados os autores que abordaram esse tema sob perspectivas distintas, foram as teses de Garland (que circula especialmente no campo do que se denomina no Brasil de Sociologia da Violência) e de Wacquant (que circula predominantemente no campo das Ciências Criminais e da Criminologia Crítica) as que mais foram apropriadas pela academia que se dedica a compreender a questão criminal no Brasil. Suas teses fundadas em estudos empíricos realizados no Norte têm sido reproduzidas em pesquisas no Brasil como premissas inquestionáveis. Apenas recentemente alguns estudos vêm perguntando pelo uso indiscriminado da categoria neoliberalismo, cultura punitiva ou Estado Penal, largamente usadas nas hipóteses explicativas para os fenômenos político criminais do Sul (Carrington, Hogg, Sozzo, 2017; Brandariz-García, Sozzo, 2014; Koch, 2017KOCH, Insa. Moving beyond punitivism: punishment, State Failure and democracy at the margins. Punishment and Society, vol 19 (2), 2017.).

Uma das teses sobre a virada punitiva dedica-se a compreender a emergência da vítima no cenário do aumento da punitividade e das demandas por punição (Garland, 1999GARLAND, David. As contradições da “sociedade punitiva”: o caso britânico. Revista de Sociologia e Política, [S.l.], n. 13, p. 59-80, nov. 1999.). Mas como nos noticia Koch (2017KOCH, Insa. Moving beyond punitivism: punishment, State Failure and democracy at the margins. Punishment and Society, vol 19 (2), 2017.), algumas pesquisas qualitativas têm demonstrado que há muitas nuances nas narrativas que tem sido lidas como punitivistas, pondo em xeque assim a ideia de uma demanda por punição generalizada e uniforme.

1.1 As três dimensões de vítimas nas teses sobre o giro punitivo

A vítima como categoria associada ao giro punitivo surge ambiguamente, ora como aquela que produz novas demandas ao sistema de justiça criminal, ora como aquela em nome da qual se realiza o aumento da punitividade. No primeiro caso, Walklate reúne literatura empiricamente referenciada em países do Norte, na qual sublinha características específicas surgidas com os movimentos de vítimas nos anos 1960 e 1970, inspirados em políticas identitárias, que passaram a interpelar as políticas públicas desde uma narrativa da dor e do trauma (Walklate et al, 2018). Na tese de Garland (1999GARLAND, David. As contradições da “sociedade punitiva”: o caso britânico. Revista de Sociologia e Política, [S.l.], n. 13, p. 59-80, nov. 1999.), a emergência da vítima está mais estritamente vinculada à cultura do controle e às situações nas quais os poderes legislativos e executivos a utilizam como dispositivo retórico para justificar uma política de expansão penal. O que nos sugere que a vítima na literatura criminológica e na sociologia da punição deve ser tratada como uma categoria nativa, mas também explicativa, que possui camadas distintas. O uso sobreacoplado dessas camadas compromete o olhar analítico sobre o fenômeno dos movimentos sociais nas demandas por políticas de justiça criminal.

Em primeiro lugar estão as vítimas entendidas como dispositivos retóricos em nome da quais se promovem políticas no sistema criminal. Em geral, elas surgem no discurso político e jurídico, buscando produzir ressonâncias de empatia com uma vítima não necessariamente concreta. Koch (2017KOCH, Insa. Moving beyond punitivism: punishment, State Failure and democracy at the margins. Punishment and Society, vol 19 (2), 2017.) nos lembra, por exemplo, que a emergência da vítima no cenário político se realiza com a ascensão do Partido dos Trabalhadores na Inglaterra, o qual passa a promover o discurso de que é preciso pensar nas vítimas dos crimes para promover políticas penais e não apenas produzir críticas ao controle penal. Eleitoralmente o Partido dos Trabalhadores mobilizava a ideia de que as vítimas ainda não haviam sido foco de políticas de controle da criminalidade porque essas políticas eram produzidas por grupos de elite que não estavam afetados pelo crime e pela violência. No campo acadêmico, o realismo criminológico foi uma das vertentes deste momento na Inglaterra, e produziu pesquisas sobre políticas de prevenção e de controle da criminalidade.

No discurso jurídico, essa vítima também emerge rearticulando as funções da pena, que passariam não mais a convocar a ideia de um indivíduo perigoso a ser corrigido, mas sim a ideia de uma vítima que necessita da resposta punitiva para ser protegida (Simon, 2009SIMON, Jonathan. Governing Through Crime: How the War on Crime Transformed American Democracy and Created a Culture of Fear. EUA: Oxford University Press, 2009.). Não se trata de uma vítima concreta, individualizada, mas da apresentação de um grupo de sujeitos representados homogeneamente como “crianças”, “idosos”, “proprietários”, racializados como brancos, a partir dos quais Judiciário, Executivo e Legislativo se manifestam para legitimar suas políticas de expansão penal.4 4 Em estudo que produzi recentemente, em um dos votos prolatados em decisão no plenário no STF, para decidir se a reincidência era um elemento impeditivo da análise insignificância da lesão do tipo penal, o Ministro Edson Fachin invocou, em seu conjunto de argumentos, a existência de vítimas, os mais pobres, que seriam os mais afetados pelos crimes. Tal afirmação servia para fundamentar a necessidade de punição e proteção das vítimas. Mesmo que o caso gerador do julgamento tenha sido o furto de um par de sandálias no valor de 16,00 (dezesseis reais). Fachin se referia a uma vítima genérica e uniformatada e não à vitima da sandália de 16,00 (Ribeiro, Prando, 2017).

Em segundo lugar estão as vítimas figuradas como dispositivos legais no processo penal e as vítimas em carne e osso que experimentam o processo criminal. Neste caso, defender a tese do aumento da punitividade associado ao aumento de dispositivos processuais penais que trazem a vítima para o sistema de justiça criminal depende de produções sistemáticas de pesquisa. Alguns estudos empíricos no campo da violência doméstica tem aberto caminhos para pensar sob diversas dimensões. As pesquisas sobre a dimensão de como as vítimas vêem o sistema de justiça criminal e o que esperam dele têm revelado que as mulheres expressam prevalentemente desejo de que ameaça e a violência cessem, sem demandas punitivas acopladas. Há também pesquisas sobre a representação que os atores do sistema de justiça têm das vítimas, e análises sobre como os atores do sistema de justiça criminal articulam tais representações para teses de arquivamento, denúncia, absolvição e condenação. Em um dos estudos (Prando, Costa, 2018PRANDO, Camila Cardoso de Mello, COSTA, Renata Cristina de Farias Gonçalves Costa. A emergência da vítima na violência doméstica. Uma etnografia sobre o sujeito, o conflito e o gênero. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Dossiê Gênero e Sistema Punitivo, 146, 2018.) observa-se que as teses e representações compartilhadas pelos atores do sistema de justiça levam a um número muito maior de arquivamentos do que de denúncias, desfazendo-se assim a ideia não complexificada do aumento de punitividade com a emergência da vítima no processo penal.5 5 Ver, dentre outras:; Mello et al. 2018; Pasinato, 2015; Vasconcellos, 2013; Prando, Costa, 2018; CNJ, 2018; BRASIL, 2015.

Em terceiro lugar, enfim, temos a emergência da vítima articulada pelos discursos de violação, dor e trauma de alguns movimentos sociais contemporâneos, que se organizam em torno da produção de identidades, de demandas por acesso a políticas, reconhecimento e igualdade. E é desde esta dimensão da vítima que a literatura criminológica tem articulado sua crítica às demandas por políticas da justiça criminal. É, mais especificamente, no Brasil, a partir da tese da “esquerda punitiva”, publicada em texto pela primeira vez em 1996, da autoria de Maria Lucia Karam(1996KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. Revista Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade v. 1, n. 1, p. 79-92 , 1996.), que se ganha projeção no campo da Criminologia e das Ciências Criminais a articulação crítica que atribui toxicidade e retrocesso à atuação de movimentos sociais na esfera pública quando dirigidas ao sistema de justiça criminal. Segundo essas teses o grande erro dos movimentos sociais é rearticular a demanda por punição (lida pelas pesquisas criminológicas como demanda por castigo) e com isto reinscrever paradoxalmente a violência e a desigualdade num projeto de democracia.

1.2 A tese da “esquerda punitiva” no Brasil

O termo “esquerda punitiva” foi cunhado por Maria Lucia Karam em artigo com título homônimo publicado em 1996KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. Revista Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade v. 1, n. 1, p. 79-92 , 1996. na Revista Discursos Sediciosos. Dentro de uma conjuntura específica, sobre a qual falarei mais adiante, a leitura de Karam parece também ser tributária de uma perspectiva de supressão de direitos na articulação entre demandas da esfera pública e a política da justiça criminal.

O núcleo central da tese da Esquerda Punitiva é a denúncia da agenda punitiva crescente por parte de movimentos sociais. E na circulação dos ambientes acadêmicos e políticos o termo “esquerda punitiva” tornou-se, pouco a pouco, uma etiqueta, mais do que um conceito, a ser atribuído às demandas por políticas de justiça criminal. O pano de fundo deste rótulo está conectado a um olhar que atribui toxicidade à relação entre esfera pública e sistema de justiça criminal, e que percebe nas demandas punitivas vindas da esfera pública um fator de correlação com o giro punitivo das décadas de 1970-1980.

A ampla divulgação da tese da esquerda punitiva, apresentada em conjunto com os acúmulos da sociologia da punição, e sua vulgarização, propagaram assertivas nos círculos críticos criminológicos tais como: os movimentos sociais que fazem demandas ao sistema de justiça criminal desconhecem o seu funcionamento; os movimentos não sabem quais são os efeitos nocivos deste mesmo sistema de justiça criminal; ou , no limite, são agrupamentos com demandas histéricas (sic) e conservadoras. Todos esses dogmas, repetidos com autoridade científica, produzem no campo das Ciências Criminais um interdito para que se discuta a sério os movimentos sociais, e os movimentos de vítimas em particular, e suas articulações com política da justiça criminal.

No modo como foi apropriado e disseminado, a tese da “esquerda punitiva” tornou-se um espaço propício para o interdito a este debate6 6 Alguns estudos têm promovido uma análise mais qualificada sobre as dimensões de vítimas e a esfera pública. Alvaro Pires (2004), por exemplo, oferece uma abertura para compreender esta relação, sem atribuir a todo o tipo de articulação entre vítima e sistema de justiça criminal uma relação pessimista, embora seus dados estejam também ancorados em dados empíricos do Norte. Partindo de outra questão, que ele chama de “juridicização da opinião pública e do público pelo sistema penal”, ele se perguntasobre os impactos da inclusão de um critério típico do sistema político no campo do sistema jurídico, que traz o público como “um critério na construção da justiça”, promovendo uma “desdiferenciação do sistema penal em relação ao sistema político no quadro da construção da noção de justiça”. Tal enquadramento da relação entre público e sistema de justiça é interessante na medida em que exige um esforço analítico para compreender os processos de construção e tradução entre estes dois sistemas, exigindo da análise um aporte fino de compreensão sobre o fenômeno. e converteu-se em uma bandeira nos círculos criminológicos, retomada sempre que diante de qualquer manifestação acadêmica ou política disposta a compreender ou a se articular de algum modo com o Sistema de Justiça Criminal. Esse interdito se dirige indistintamente a agrupamentos políticos e acadêmicos, sejam eles do campo progressista ou conservador, impedindo o campo criminológico de compreender as várias dimensões e nuances das demandas formuladas por grupos sociais distintos.

Segundo pesquisa de Gindri (2018GINDRI, Eduarda Toscani. As disputas dóxicas da Criminologia na Revista Discursos Sediciosos (1996-2016). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito, fevereiro de 2018.), as provocações de Karam no texto publicado em 1996KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. Revista Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade v. 1, n. 1, p. 79-92 , 1996. tinham como contexto um período político no governo do Rio de Janeiro em que o grupo ligado à autora fazia críticas à atuação de acadêmicos e burocratas no campo da segurança pública. Esse contexto não foi enunciando no texto seminal de Karam (1996). Nele, a autora se refere exemplificativamente aos movimentos ecológicos e feministas, apresenta suas críticas às demandas punitivas para os crimes de poder e econômicos, e organiza as características do que seria a esquerda punitiva a partir das posições políticas da esquerda em relação e aliança à ideologia de guerra às drogas.

Gindri (2018GINDRI, Eduarda Toscani. As disputas dóxicas da Criminologia na Revista Discursos Sediciosos (1996-2016). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito, fevereiro de 2018., p. 90) ressalta que as qualidades atribuídas por Karam aos movimentos que faziam demanda por punição se referiam a noções de “incapacidade, ingenuidade, incoerência, ignorância sobre a violência punitiva do Estado”. E apesar da amplitude de movimentos que estariam abarcados pela qualidade de “esquerda punitiva”, que vão desde movimentos anticorrupção até movimentos feministas, nos textos posteriores da autora, ela se centra principalmente na relação entre o movimento feminista e o sistema de justiça criminal (Karam, 2006,2016, 2018), e torna bastante ambíguo o lugar dos movimentos sociais para o campo da crítica criminológica, ora fonte de conhecimento e poder, ora ingênuo e nocivo (Gindri, 2018, p. 89).

A tese publicada inicialmente em 1996 dispõe conjuntamente de exemplos de movimentos como os movimentos contra a corrupção e os movimentos feministas, igualando “movimentos de vítimas diversamente informados” (Walklate et al., 2018). É um exercício retórico, mas que pode nos aguçar o espanto, pensar lado a lado, hoje, a operação Lava-Jato e os grupos dos panelaços, de um lado, e a Lei Maria da Penhas e os movimentos feministas, de outro. Os primeiros, não informados pelas condições estruturais da sociedade (como é o caso dos movimentos anticorrupção pautados em argumentos morais individualistas), os seguintes estruturalmente informados pela desigualdade e politicamente engajados em promoção de igualdade (como grande parte dos movimentos feministas).

Em texto publicado em 2004, Alvaro Pires fornece uma abertura para pensar a reemergência da vítima no contexto dos movimentos sociais, circulando-os especificamente no campo dos movimentos de direitos humanos. Ele enumera ao menos quatro articulações possíveis, nem todas abaixo do manto do que se vem chamando de punitivismo. Para ele, é possível observar: a) “demandas que privilegiam a interdição de [novos] comportamentos sem insistir na inflição de sofrimento”, que embora impliquem possibilidade de sanção, podem ser diversas da prisão e podem agregar garantias jurídicas; b) “demanda de deslegalização ou de descriminalização (do aborto por exemplo)”, c) “demandas para reduzir penas, abolir penas mínimas, criar sanções alternativas, aumentar garantias jurídicas (...), melhorar as condições das prisões (...)”; d) e por fim, a demanda “por menos garantias e sobretudo mais inflição de sofrimentos” (2004, p. 58-59), que não se confunde, segundo o autor, a demandas que pedem ao sistema que intervenham em campos em que ele se omite, como o caso da violência policial.

Se permanecermos, no entanto, no marco da “esquerda punitiva”, o risco é seguirmos no interdito. O que esse interdito nos abre é uma pergunta sobre a qual pretendo lançar uma hipótese: o que o interdito instalado no campo nos diz sobre a relação entre os juristas e a esfera pública? O que nos impede de escutar, analisar e compreender o que há nas articulações dos movimentos para “além do punitivismo” (Koch, 2017KOCH, Insa. Moving beyond punitivism: punishment, State Failure and democracy at the margins. Punishment and Society, vol 19 (2), 2017.)? Arrisco, neste ensaio, que as ordens raciais, de gênero, classe e sexualidade mobilizadas nos movimentos sociais produzem um interdito sobre as possibilidades de escuta e tradução das demandas da esfera pública sobre a política da justiça.

Antes, gostaria de descrever brevemente três casos exemplificativos de três países diferentes sobre atuação de movimentos sociais e de vítimas na esfera pública para, primeiro, apontar a diversidade de articulações, nuances e aberturas possíveis nas demandas por políticas da justiça.

1.3 Três articulações exemplificativas sobre movimentos de vítimas e sistema de justiça criminal

Em 2017 o Tribunal “A” de Mayor Riesgo de Guatemala condenou dois ex-oficiais militares a mais de 100 anos de pena de prisão, mas também determinou em sua sentença práticas reparatórias para as avós de Sepur Zarco e para suas comunidades, envolvidas até hoje em um processo de expropriação de suas terras. O tribunal determinou que o governo da Guatemala instalasse um centro de saúde e de educação em Sepur Zarco, oferecesse bolsas para mulheres da comunidade e reativasse os processos de restituição das terras ocupadas.

As 11 “avós” sobreviventes foram vítimas de escravidão doméstica e sexual pelos militares que ocuparam a região entre 1982 e 1988 após eles terem desaparecido e assassinado seus maridos, os quais haviam tentado impedir a expropriação de suas terras. Na sentença, uma das declarações importantes foi a de que a violência sexual sistemática havia sido uma estratégia de guerra.

As 11 avós aguardaram a sentença com as cabeças cobertas e as descobriram, emocionadas, depois da decisão final. Elas transgrediram um lugar que lhes era destinado, um lugar de não ter acesso ao Estado ou à uma perspectiva de justiça pública. Demandaram por verdade e por reparação. Uma das avós declarou “minha luta era contar minha história e ter reconhecida minha história (...) para que meu povo não volte a viver o que vivi (...), que não se repita o que vivi em carne própria”7 7 “Mi corazón está contento”. Documentário. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=r-pk9G6kFA8/Acesso em 20 de agosto de 2018 . Em peritagem antropológica realizada pela Professora Rita Segato, ela alega que as mulheres, por terem sido escravizadas sexualmente, passaram a ser estigmatizadas em suas próprias comunidades em virtudes dos laços morais do local. Quando demandaram uma declaração da justiça, afirmavam que queriam, apenas, que a justiça dissesse que “não eram elas as culpadas”.8 8 Rita Segato compartilhou este achado de sua perícia no caso Sepur Zarco na ocasião do Encontro “Judicialização dos Crimes Sexuais na América Latina”, em agosto de 2016, realizado na Faculdade de Direito e promovido pela Secretaria da Rede Latino-americana de Justiça de Transição (RLAJT).

Em 2018 se realizou no Brasil o III Encontro da Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado, da qual participa entre outros movimentos o grupo “Mães de Maio” organizado depois da chacina de meninos e meninas pelo Estado de São Paulo entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, em que pelo menos 564 pessoas foram mortas. A pauta da rede gira em torno dos assassinatos de jovens negros e periféricos no Brasil. A Rede se organiza em uma luta em memória dos filhos e busca por Justiça, reparação e responsabilização do Estado. Na última edição do encontro, realizado em Salvador, a busca pela responsabilização do Estado estava pluralmente marcada por um leque de políticas exigidas e debatidas: redes de cuidado e assistência aos familiares das vítimas, criação de um Fundo Estadual de Reparação Psíquica e Social aos familiares por parte do estado, criação de grupo de trabalho na Assembleia legislativa, projeto para tratar do funcionamento das perícias criminalísticas e médico-legais.

Em 26 de abril de 2018 se tornou pública a decisão da “Audiencia Provincial de Navarra” (Espanha) que condenou a nove anos de prisão cinco acusados por abuso sexual continuado contra uma jovem durante as festividades de São Firmino em 2016. Segundo os tipos penais do Código Penal espanhol, o abuso sexual não envolve violência ou intimidação, mas sim um consentimento viciado. Pelas circunstâncias e divulgação do caso, houve uma reação intensa nas ruas de algumas cidades da Espanha, desatando um debate público e também jurídico sobre as definições de violência, intimidação e consentimento. As bandeiras levantadas pelos movimentos feministas nas ruas eram um grito pelas mulheres vítimas de violência sexual e disputavam ossentidos de violência e agressão, contestando as versões das sentenças, disputando sentidos de políticas públicas e sentidos de justiça. Alguns de seus gritos eram “la manada somos nosotras”, “la calle, la noche también son nostras”, “solo, borracha, quiero llegar a casa”, “esta sentencia también es violencia”.9 9 Una ola de ira contra la condena “la manada”. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=BxSKnF7eay0/ Acesso em: 20 de agosto de 2018).

Para quem vê nessas articulações apenas um pedido de mais aflição e castigo, há algo que escapa e que é relevante entender como e por que escapa. Há outras demandas sendo formuladas, novos campos do proibido sendo imaginados e, inclusive, um desacoplamento da relação naturalizada entre crime e pena. Uma provocação que subverte um campo do direito penal que sempre subordinou a pena à teoria do crime, como consequência natural ou como expressão de autoidentidade da racionalidade penal moderna (Pires, 2004PIRES, Alvaro. A racionalidade penal moderna, o público e os direitos humanos. Novos Estudos, n. 68, março, 2004.).

2. Esfera pública e a política da justiça criminal: o que é possível ser escutado pelos juristas?

Marta Machado, Maíra Machado e Luisa Ferreira em “Nuremberg às avessas” (2016MACHADO, Marta R. A; MACHADO, Maira; FERREIRA, Luisa M. A. “Nuremberg às avessas”: o massacre do Carandiru e as decisões de responsabilização em casos de violações de direitos humanos. Revista Culturas Jurídicas, vol. 3, n. 5, 2016.) nos oferecem um caso exemplar de desnaturalização de categorias jurídico-dogmáticas, reconhecendo a esfera pública como um lugar de onde emergem contestações democraticamente relevantes para a produção das Ciências Criminais e das decisões judiciais. Elas propõem um exercício teórico-dogmático que busque alternativas possíveis para pensar a responsabilização das autoridades civis que, no caso do Massacre do Carandiru, não foram julgadas, seguindo uma tendência histórica no Brasil de não responsabilização de agentes no poder pela violação de direitos humanos.

As autoras explicitam que a escolha da imputação é um terreno de dissensos internos no campo jurídico e também um espaço fundado socialmente sobre quem são as pessoas e quais são os atos que serão definidos em um círculo de responsabilidade. Neste sentido, elas afirmam (2016, p. 128):

pretendemos chamar atenção para o fato de que a decisão de atribuir (ou não) a alguém a responsabilidade por um episódio é feita, como diz Klaus Günther, "sobre o pano de fundo das alternativas existentes para imputação a um agente" (Günther, 2009, p. 06) e que a consolidação e aplicação desses critérios devem ser discutidas na esfera pública.

Tal perspectiva reaviva a importância e a contribuição da esfera pública no processo de construção do campo da justiça criminal10 10 Reconhecer a importância da esfera pública não significa idealizá-la. A interlocução entre esfera pública e o campo dogmático, criminológico e das políticas penais podem conter inflexões conservadoras, como costuma ser todo o movimento que contém em si suas contradições. Tal inflexão também pode ser acentuada se levamos em consideração a formação da “opinião pública” em sentido fraco, em um contexto de capitalismo tardio como o nosso, cuja concentração de propriedade dos meios de produção podem fabricar consensos que reforçam hierarquias sociais e exclusões. O que talvez possa coincidir com o que Pires trata das decisões de tribunais que produzem efeitos de penas mais agravadas em nome do “clamor público” ou associando às vítimas um desejo de punição, apesar das vítimas (Pires, 2004, p.58). , o que não nos remete a uma desconsideração dos critérios diferenciados de justiça e validade dos campos do direito e dos processos de deliberação e contestação da esfera pública, em suas autonomias relativas.11 11 Este enquadramento também nos abre um campo para compreender o direito a partir da comunicação entre esferas sociais em um processo que produz uma gramática pública de transformação do “caso” em “causa” e uma gramática do direito que universaliza e despersonaliza “a causa” (VIANNA, 2013). Da perspectiva da antropologia do Estado, é possível observar a relação entre as esferas sociais de um modo mais fluido, o que permite elaborar perguntas potentes para entender as articulações dos movimentos de vítima e os efeitos de Estado.Apesar de reconhecer a potencialidade da compreensão sobre direitos desde a proposta de Adriana Vianna, neste texto não explorarei a pesquisa por esta via, mas percorrerei a discussão da teoria política em uma concepção crítica da esfera pública.

O realinhamento da esfera pública como fator relevante no processo de desnaturalização e de definições no sistema de justiça se choca com a tese de que as articulações entre movimentos sociais e sistema de justiça criminal são predominantemente punitivistas e, portanto, paradoxalmente contrárias aos direitos humanos.

2.1 Contrapúblicos subalternos e a política da justiça criminal

A fim de propor uma concepção alternativa e pós-burguesa de esfera pública, Fraser parte da seguinte consideração sobre a teoria crítica de Habermas, a qual analisa as transformações estruturais de esfera pública12 12 Para Habermas, esfera pública é um “cenário institucionalizado de interação discursiva” (Fraser, 1999, p. 141), composto por “um grupo de indivíduos reunidos para discutir questões de preocupação pública ou de interesse comum” (Fraser, 1999 p. 142), cujo resultado seria “uma opinião pública no sentido forte de um consenso em relação ao bem comum”. . Ela afirma (1999, p. 146):

ainda que Habermas reconheça que havia esferas públicas alternativas, ele supõe que é possível entender o caráter do público burguês examinando-o isolado de suas relações com outros públicos competidores. (...) um exame das relações do público burguês com públicos alternativos desafia a concepção burguesa de esfera pública.

A esfera pública, analisada por Fraser, assim como para Habermas, compõe o espaço do discurso público que se distingue do Estado e da Economia oficial (onde Fraser inclui o trabalho assalariado da esfera doméstica). Na sua proposta crítica, Fraser amplia a compreensão sobre esfera pública incluindo a análise dos contrapúblicos subalternos13 13 Para Fraser contrapúblicos subalternos são aqueles que compõem “cenários discursivos paralelos nos quais membros de grupos sociais subordinados criam e circulam contradiscursos para formular interpretações oposicionais de suas identidades, interesses e necessidades “(1999, 156-157). em relação com a esfera pública oficial. E ao invés de se fixar na dualidade que vê na esfera pública ora um ideal emancipatório, ora um instrumento de dominação, a autora se propõe a compreender quais as nuances e as premissas ocultas que organizam a concepção burguesa e masculina de esfera pública. Isto lhe permite propor uma teoria crítica da esfera pública que amplia os horizontes de potencialidade teórica e política da democracia.

Perlatto (2015PERLATTO, Fernando. Seletividade da esfera pública e esferas públicas subalternas: disputas e possibilidades na modernização brasileira. Revista de Sociologia Política, v. 23, n.53, março 2015., p. 122), em discussão com as teses sociológicas predominantes que consideram a esfera pública no Brasil historicamente inexistente ou desorganizada até os idos de 1980, defende a existência de uma esfera pública historicamente constituída no Brasil, ainda que marcada pela seletividade tanto de “seus personagens capazes de nela operar, quanto em relação aos temas a serem debatidos em seu âmbito”. Uma esfera pública que coexistiu com “esferas públicas subalternas14 14 O autor faz uso do termo de Nancy Fraser mas não o utiliza no mesmo sentido da autora, admitindo que as esferas públicas subalternas além de contestatórias são também deliberativas. Para pensar nestas esferas públicas não hegemônicas ele também faz uso da categoria “publicdiasporic” de Paul Gilroy. As pesquisas do campo historiográfico no Brasil também têm avançado muito nas escavações que permitem conhecer e compreender articulações da esfera pública (ainda que não desenvolvam esta categoria) que foraminvisibilizadas por uma história hegemônica da branquidade. Ver, por exemplo, Pinto (2018). ”, formada por públicos cujas performances nem sempre se organizavam como aquilo que hegemonicamente se valida como público15 15 Diferentemente das percepções de racionalidade e virilidade associadas às normas da esfera pública, os contra-públicos “elaboraram outros estilos de comportamento político e normas alternativas de discurso público” (Fraser, 1999. p. 147). .

A chegada e organização de contrapúblicos subalternos na esfera pública possui, por um lado, um potencial emancipatório, descrito por Fraser, e por outro, uma possível reação de fechamento. Fraser contesta uma premissa oculta na concepção hegemônica de esfera pública, na qual “a proliferação de uma multiplicidade de públicos competidores é necessariamente um afastamento [...] de uma maior democracia”. Ao contrário, a autora entende que a existência de uma única esfera pública compreensiva agrava os efeitos da desigualdade nas sociedades estratificadas. Neste caso, os membros dos grupos subordinados

não teriam cenários para deliberação entre eles em relação a suas necessidades, objetivos e estratégias. Não teriam lugares de encontro para empreender processos comunicativos fora da supervisão dos grupos dominantes. (...) seria menos provável que pudessem ‘encontrar a voz correta ou as palavras para expressar seus pensamentos’ e mais provável que ‘mantenham suas necessidades inarticuladas’. (1999, p.156).

O potencial emancipatório do contrapúblico subalterno, reside, segundo Fraser (1999FRASER, Nancy. Repensando la esfera publica: una contribuición a la critica de la democracia actualmente existente. Equador Debate, n. 46, abril 1999., p. 158) na dualidade dialética das funções de “retiro e reagrupamento” de um determinado público e formação de bases para construção de um discurso que dialogue com públicos mais amplos.

A maior permeabilidade de contrapúblicos subalternos na esfera pública promove a formulação de novas agendas, a contestação de premissas antes isentas de discussão, e desta forma, a ampliação do espaço público contestatório. Fraser exemplifica este processo tratando da produção de contrapúblico subalterno pelos movimentos feministas do século XX e da formulação que dele resultou de novos termos para descrição social da realidade. Para autora, com os termos “sexismo, dupla jornada, estupro matrimonial”, tem sido possível redefinir necessidades e identidades e reduzir, ainda que não eliminar, “desvantagens nas esferas públicas oficiais” (1999,p.157).

No caso do Brasil, a disputa promovida por movimentos feministas em torno do que é violência e ameaça nos crimes sexuais são um exemplo de como a esfera pública pode expandir seu campo discursivo contestatório, retirando um conceito protegido pela retórica da autoridade técnica e o recolocando no campo do público, a fim de rediscutir seus consensos e suas premissas fundadas em ordens raciais, de gênero, classe e sexualidade. A disputa na esfera pública está além de uma mirada que só enxerga ali o punitivismo. Tal disputa busca contestar e redefinir uma política da vida, que afeta dimensões e sentidos de igualdade e repercute na promoção de políticas públicas, tais como políticas de saúde e de educação.

No mesmo sentido, o repertório contestatório dos movimentos de mães e familiares de vítimas do Estado põe em questão premissas usualmente não questionadas na esfera pública oficial. O funcionamento do Estado fundado em uma política racista, que alcança a gestão burocrática e os saberes reproduzidos nos laudos criminalísticos até as limitações das políticas de reparação levadas a cabo pela transição democrática, é posto em debate por contrapúblicos subalternos que têm historicamente constituído seus espaços de discurso público e disputado os limites da esfera pública oficial. Nessa disputa é possível também escutar sobre os dissensos e demandas em torno das políticas de imputação e responsabilização penal, promovendo a recolocação de tais regras, comumente não contestadas e protegidas por uma retórica da autoridade técnica. Tem sido assim, por exemplo, na reivindicação das mães de maio para que a responsabilização do Estado recaia sobre os “mandantes” (nas palavras de Dona Debora, uma das líderes do movimento) dos assassinatos de maio de 200616 16 Discurso de Dona Debora. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ei5iT4Y1ZGA. Acesso em: 20 de agosto de 2018. . Ao reivindicar e disputar as regras de imputação penal as mães de maio contestam um lugar consolidado historicamente no Brasil, no qual violadores de direitos humanos são mantidos e promovidos em cargos de poder.

Tal qual em outras disputas, os potenciais de dominação estão sempre latentes. Especialmente em tempos como os nossos em que a política hegemônica do Executivo, Legislativo e do Sistema Justiça autorizam e promovem discursos punitivos e de violação de direitos. A apropriação conservadora do discurso contestatório para a promoção de políticas de produção de aflição e violação de direitos é real. A produção da opinião pública em um sentido fraco, não contestatório, organizado no contexto de concentração de meios de comunicação nas sociedades de capitalismo tardio é um risco e uma realidade que não se pode perder de vista. Mas fixar a leitura nesse viés diz tanto sobre quem lê quanto sobre a contemporaneidade das disputas realizadas na esfera pública dirigidas às políticas da justiça criminal. Assim se perde a oportunidade de promover e potencializar as imaginações democráticas no campo das políticas de justiça.

2.2 Uma hipótese: gênero, raça, classe e sexualidade comoanteparos à escuta de formulações de políticas da justiça

Até aqui procurei demonstrar que a leitura nas Ciências Criminais que desqualifica a priori as críticas e demandas formuladas por movimentos sociais e de vítimas dirigidos à política de justiça está relacionada à uma ideia sobre a danosidade da esfera pública e sua contribuição para o giro punitivo e a uma forma de circulação da tese da esquerda punitiva nas Ciências Criminais. Arrisco agora a hipótese de que a cristalização da etiqueta da “esquerda punitiva”, que funciona em algumas ocasiões como anteparo a uma escuta mais qualificada, está relacionada ao contexto de maior porosidade e validação de contrapúblicos subalternos de inspirações políticas identitárias (como é caso das demandas formuladas por movimentos negros, feministas, LGBTQI) nos últimos 30 anos da história brasileira. Suas demandas impactaram o processo constitucional, a formulação de políticas públicas das mais variadas (assistência, saúde e outras), e também o sistema de justiça criminal, com a produção de leis (Lei de Racismo, Lei Maria da Penha e outras), novos arranjos processuais (como propõe a Lei Maria da Penha) e disputas jurisprudenciais.

As posições contestatórias destes movimentos não são obra dos últimos 30 anos e tampouco se tornaram hegemônicas, mas se apresentaram na esfera pública com mais visibilidade, ainda que sempre precária. A menor visibilidade na esfera pública garantiu, no passado, consensos entre a hegemonia de homens brancos e de elite em torno de concepções sobre crime, violência e responsabilidade.

Na década de 1930, por exemplo, o Estado brasileiro passou por um processo de burocratização e modernização, para o qual convocava a participação de homens públicos, intelectuais, brancos e de elite em sua maioria. Neste mesmo período se intensificaram os debates sobre a reforma do sistema de justiça criminal, que incluía a produção de um novo Código Penal promulgado em começo de 1940. Os principais debates sobre responsabilidade, inimputabilidade e crimes passionais foram dominados pelos homens juristas que transitavam entre a esfera pública e os aparatos burocráticos do Estado de modo bastante fluido (Prando, 2013PRANDO, Camila Cardoso de Mello. O saber dos juristas e o controle penal: o debate doutrinário na Revista de Direito Penal (1933-1940) e a construção da legitimidade pela defesa social. Rio de Janeiro: Revan, 2013.). Àquela época, os homens públicos já haviam constituído os Institutos profissionais, os clubes, as revistas de circulação regional e nacional. Tratavam-se de agrupamentos civis que são, segundo Fraser (1999FRASER, Nancy. Repensando la esfera publica: una contribuición a la critica de la democracia actualmente existente. Equador Debate, n. 46, abril 1999., p. 145), locais de: a) diferenciação, antes que de realização de “acessibilidade, racionalidade e suspensão de hierarquias e status”, e b) de formulação de uma ideia de universalidade, empreendida por homens que se vêem como universais.

A produção do Código Penal de 1940, ainda vigente, foi elaborado e debatido em Conferências Públicas, Revistas Especializadas e Comissões convocadas pelo Executivo e acessíveis a um público masculino e branco muito restrito. Nesse sentido, é possível afirmar que, com o reforço da tese de Frederico Almeida (Almeida, 2016______. Os juristas e a política no Brasil: permanências e reposicionamentos. Lua Nova, n. 97, 2016.)17 17 A pesquisa de Frederico Almeida aborda sob uma perspectiva teórico-metodológica bourdesiana a formação do campo jurídico e a produção das elites da política da justiça no Brasil, as quais disputam o controle do direito e da burocracia. Sua análise não se refere à relação entre esfera pública e sistema de justiça. O que seus trabalhos (2010, 2016) nos ajudam a pensar, no entanto, é sobre o acesso privilegiado e desigual ao campo jurídico e aos campos políticos burocráticos, bem como o acesso ainda mais restritos aos campos hegemônicos no interior do campo da política da justiça. a esfera pública, na forma de um público especializado, sempre esteve de algum modo intimamente conectada com as formulações político criminais e dogmáticas do sistema de justiça, seja na produção de agendas, seja na promoção de debates a partir de decisões judicias ou de produção de leis. Os debates em torno de conceitos de imputabilidade, violência, legalidade e direitos não foram promovidos como expressão autoevidente de uma técnica jurídica, mas foram disputadas, junto com as teses jurídicas de cada época e as compreensões e visões de mundo dos homens que tinham acesso privilegiado à formulação dessas políticas. E ainda o são, como demonstra o estudo de Almeida sobre a Reforma da Justiça de 2004. No entanto, a presença mais visível de pautas contestatórias na esfera pública, interpelando a política da justiça em seus sentidos de violência, responsabilidade e crime, perturba os consensos e põe à prova uma ideia de tecnicidade, que mesmo nos campos mais críticos das Ciências Criminais, por vezes é usado como anteparo às contestações de movimentos sociais e de vítimas.

Considerações Finais

Neste texto, formulei uma hipótese sobre a premissa oculta que funda a tese sobre existência de uma relação danosa entre esfera público e sistema de justiça criminal. Arrisco que, em parte, tal tese, organizada no Brasil em torno da categoria “esquerda punitiva” e do pouco apuro analítico para compreender as articulações entre movimentos sociais e o sistema de justiça, tem relação com as transformações da esfera pública nos últimos 30 anos. Suponho que a maior permeabilidade da esfera pública à chegada de contrapúblicos subalternos passou a produzir e reforçar agendas contestatórias das definições de direito e de justiça no campo público. Provocando, deste modo, um contraste com a produção de definições políticas e jurídicas que costumam estar submetidas a um cenário discursivo extremamente seletivo em termos de agendas e agentes. No campo do sistema de justiça criminal, por exemplo, as definições de crime, violência, regras de responsabilização, tendem a estar protegidas em torno de uma pequena esfera pública especializada cujo acesso está definido por normas de classe, gênero, raça e sexualidade.

A exclusão apriorística da esfera pública do diálogo com a institucionalidade do sistema de justiça criminal sob a designação restritiva de punitivismo promove um movimento paradoxal por parte das teorias críticas. O medo da suposta danosidade da relação entre esfera pública e sistema de justiça criminal interpõe, não como mediadores, mas como autoridades, os técnicos da punição e os burocratas do Estado. E se realiza assim uma “profecia que se autocumpre” (categoria tão usada pelo campo crítico das Ciências Criminais), aprofundando-se uma razão técnica num campo antidemocrático, o qual afasta o sistema de justiça criminal do diálogo com um repertório de demandas que pouco tem a ver com a miséria do punitivismo, que - ironia - atinge as carnes dos que são colocados às margens das políticas.

O debate abre duas agendas de pesquisa. Uma, no campo criminológico, ao estender a compreensão sobre as demandas por políticas da justiça criminal para além do olhar sobre o punitivismo, e assim, explorar de maneira produtiva as demandas alternativas articuladas na esfera pública que desafiam a fórmula penal da associação naturalizada entre crime e punição. Outra, no campo teórico-dogmático das Ciências Criminais, ao abrir odiálogo com teorias do direito sobre modos de participação positiva, contestatória e democrática da esfera pública na desnaturalização de categorias jurídicas lidas como universais. Participação essa que pode impulsionar, contestatoriamente, a formulação de categorias e decisões que levam em conta valores de igualdade e diversidade.

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  • STRECK, Lenio. Caso do ejaculador: de como o Direito nos funda e a moral nos afunda. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-set-07/senso-incomum-ejaculador-direito-funda-moral-afunda Acesso em: 20 de agosto de 2018.
    » https://www.conjur.com.br/2017-set-07/senso-incomum-ejaculador-direito-funda-moral-afunda
  • VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti. A família, a violência e a justiça: conflitos violentos familiares, Lei Maria da Penha e concepções jurídicas no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 13, p. 136-153, 2013.
  • VIANNA, Adriana. Introdução: fazendo e desfazendo inquietudes no mundo dos direitos. In: VIANNA, Adriana (org). O fazer e o desfazer dos direitos: experiências etnográficas sobre política, administração e moralidades. Rio de Janeiro: e-papers, 2013.
  • ZAPATER, Maíra. Maíra Zapater comenta o caso da ejaculação no ônibus. Disponível em: https://blog.mettzer.com/referencia-de-sites-e-artigos-online/ Acesso em: 20 de agosto de 2018.
    » https://blog.mettzer.com/referencia-de-sites-e-artigos-online
  • WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
  • WACQUANT, Loic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Revan, 2009.
  • WALKLATE, Sandra et al. Victim stories and victim policy. Is there a case for a narrative victimology? Crime, media and culture, 2018.
  • 1
    Em 2018, um ano após este caso, promulgou-se uma lei que tipifica a conduta de importunação sexual como crime no Código Penal (art. 215-A).
  • 2
    Alguns dos textos publicados à época por juristas ou textos de jornal em que houve consulta à opinião de juristas: MENDES, Soraia da Rosa. Foi constrangedor, foi violento, foi estupro. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/09/04/foi-constrangedor-foi-violento-e-foi-estupro/Acesso em: 20 de agosto de 2018; LIMA, Joana Domingos de. Ejacular em uma mulher sem consentimento é estupro? O que diz a lei. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/08/31/Ejacular-em-uma-mulher-sem-consentimento-%C3%A9-estupro-O-que-diz-a-lei/ Acesso em: 20 de agosto de 2018; SANZ, Beatriz. A perversa lógica que libertou um homem que ejaculou em uma passageira. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/01/politica/1504299619_341992.html/Acesso em: 20 de agosto de 2018; RONDON, Gabriela. O caso do ônibus que exige mais do que o direito penal. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-da-anis-instituto-de-bioetica/o-caso-do-onibus-exige-mais-que-o-direito-penal-04092017/ Acesso em: 20 d agosto de 2018; BOITEUX, Luciana. Análise de Luciana Boiteux sobre violência contra mulher. Disponível em: https://sxpolitics.org/ptbr/e-ou-nao-e-estupro-analise-feminista-por-luciana-boiteux/7633. Acesso em: 20 de agosto de 2018; MELINO, Heloisa. Análise de Heloisa Melino sobre violência contra a mulher. Disponível em: https://sxpolitics.org/ptbr/7631-2/7631. Acesso em: 20 de agosto de 2018; ; PRANDO, Camila Cardoso de Mello. O caso do ônibus e a seletividade dos penalistas. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-caso-do-onibus-e-a-seletividade-dos-penalistas/ Acesso em: 20 de agosto de 2018; ZAPATER, Maíra. Maíra Zapater comenta o caso da ejaculação no ônibus. Disponível em: https://blog.mettzer.com/referencia-de-sites-e-artigos-online/ Acesso em: 20 de agosto de 2018; MAZZINI, Mariana. Entre o estupro e a ejaculação... Existe o vão? Disponível: https://www.huffpostbrasil.com/mariana-mazzini/entre-o-estupro-e-a-ejaculacao-existe-o-vao_a_23194973/?utm_hp_ref=br-mulheres&_guc_consent_skip=1559487595/ Acesso em: 20 de agosto de 2018; STRECK, Lenio. Caso do ejaculador: de como o Direito nos funda e a moral nos afunda. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-set-07/senso-incomum-ejaculador-direito-funda-moral-afunda. Acesso em: 20 de agosto de 2018; BASTOS, Barbara, YAROCHEVSKY, Leonardo Isaac. Aspectos dogmáticos, sociológicos e a objetificação feminina no crime de estupro. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/09/04/aspectos-dogmaticos-sociologicos-e-objetificacao-feminina-no-crime-de-estupro/. Acesso em: 20 de agosto de 2018; SADA, Lucas, ARAUJO, Roberta Moreira de, ARAUJO, Thiago. O perigoso esforço criminalizador: ainda sobre o caso do estupro. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/09/11/o-perigoso-esforco-criminalizador-ainda-sobre-o-caso-do-estupro/. Acesso em: 20 de agosto de 2018; GUIMARÃES, Katia. Como a esquerda se perdeu no debate sobre o “tarado” da Paulista. Disponível em: http://www.socialistamorena.com.br/como-esquerda-se-perdeu-no-debate-sobre-o-tarado-da-paulista-e-o-juiz-que-o-libertou/. Acesso em: 20 de agosto de 2018.
  • 3
    Esta indagação gerou pesquisa coletiva, já finalizada, e ainda não publicada, sobre o sentido de violência contido nos manuais de Direito Penal.
  • 4
    Em estudo que produzi recentemente, em um dos votos prolatados em decisão no plenário no STF, para decidir se a reincidência era um elemento impeditivo da análise insignificância da lesão do tipo penal, o Ministro Edson Fachin invocou, em seu conjunto de argumentos, a existência de vítimas, os mais pobres, que seriam os mais afetados pelos crimes. Tal afirmação servia para fundamentar a necessidade de punição e proteção das vítimas. Mesmo que o caso gerador do julgamento tenha sido o furto de um par de sandálias no valor de 16,00 (dezesseis reais). Fachin se referia a uma vítima genérica e uniformatada e não à vitima da sandália de 16,00 (Ribeiro, Prando, 2017).
  • 5
    Ver, dentre outras:; Mello et al. 2018; Pasinato, 2015; Vasconcellos, 2013; Prando, Costa, 2018; CNJ, 2018; BRASIL, 2015.
  • 6
    Alguns estudos têm promovido uma análise mais qualificada sobre as dimensões de vítimas e a esfera pública. Alvaro Pires (2004), por exemplo, oferece uma abertura para compreender esta relação, sem atribuir a todo o tipo de articulação entre vítima e sistema de justiça criminal uma relação pessimista, embora seus dados estejam também ancorados em dados empíricos do Norte. Partindo de outra questão, que ele chama de “juridicização da opinião pública e do público pelo sistema penal”, ele se perguntasobre os impactos da inclusão de um critério típico do sistema político no campo do sistema jurídico, que traz o público como “um critério na construção da justiça”, promovendo uma “desdiferenciação do sistema penal em relação ao sistema político no quadro da construção da noção de justiça”. Tal enquadramento da relação entre público e sistema de justiça é interessante na medida em que exige um esforço analítico para compreender os processos de construção e tradução entre estes dois sistemas, exigindo da análise um aporte fino de compreensão sobre o fenômeno.
  • 7
    “Mi corazón está contento”. Documentário. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=r-pk9G6kFA8/Acesso em 20 de agosto de 2018
  • 8
    Rita Segato compartilhou este achado de sua perícia no caso Sepur Zarco na ocasião do Encontro “Judicialização dos Crimes Sexuais na América Latina”, em agosto de 2016, realizado na Faculdade de Direito e promovido pela Secretaria da Rede Latino-americana de Justiça de Transição (RLAJT).
  • 9
    Una ola de ira contra la condena “la manada”. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=BxSKnF7eay0/ Acesso em: 20 de agosto de 2018).
  • 10
    Reconhecer a importância da esfera pública não significa idealizá-la. A interlocução entre esfera pública e o campo dogmático, criminológico e das políticas penais podem conter inflexões conservadoras, como costuma ser todo o movimento que contém em si suas contradições. Tal inflexão também pode ser acentuada se levamos em consideração a formação da “opinião pública” em sentido fraco, em um contexto de capitalismo tardio como o nosso, cuja concentração de propriedade dos meios de produção podem fabricar consensos que reforçam hierarquias sociais e exclusões. O que talvez possa coincidir com o que Pires trata das decisões de tribunais que produzem efeitos de penas mais agravadas em nome do “clamor público” ou associando às vítimas um desejo de punição, apesar das vítimas (Pires, 2004, p.58).
  • 11
    Este enquadramento também nos abre um campo para compreender o direito a partir da comunicação entre esferas sociais em um processo que produz uma gramática pública de transformação do “caso” em “causa” e uma gramática do direito que universaliza e despersonaliza “a causa” (VIANNA, 2013). Da perspectiva da antropologia do Estado, é possível observar a relação entre as esferas sociais de um modo mais fluido, o que permite elaborar perguntas potentes para entender as articulações dos movimentos de vítima e os efeitos de Estado.Apesar de reconhecer a potencialidade da compreensão sobre direitos desde a proposta de Adriana Vianna, neste texto não explorarei a pesquisa por esta via, mas percorrerei a discussão da teoria política em uma concepção crítica da esfera pública.
  • 12
    Para Habermas, esfera pública é um “cenário institucionalizado de interação discursiva” (Fraser, 1999, p. 141), composto por “um grupo de indivíduos reunidos para discutir questões de preocupação pública ou de interesse comum” (Fraser, 1999 p. 142), cujo resultado seria “uma opinião pública no sentido forte de um consenso em relação ao bem comum”.
  • 13
    Para Fraser contrapúblicos subalternos são aqueles que compõem “cenários discursivos paralelos nos quais membros de grupos sociais subordinados criam e circulam contradiscursos para formular interpretações oposicionais de suas identidades, interesses e necessidades “(1999, 156-157).
  • 14
    O autor faz uso do termo de Nancy Fraser mas não o utiliza no mesmo sentido da autora, admitindo que as esferas públicas subalternas além de contestatórias são também deliberativas. Para pensar nestas esferas públicas não hegemônicas ele também faz uso da categoria “publicdiasporic” de Paul Gilroy. As pesquisas do campo historiográfico no Brasil também têm avançado muito nas escavações que permitem conhecer e compreender articulações da esfera pública (ainda que não desenvolvam esta categoria) que foraminvisibilizadas por uma história hegemônica da branquidade. Ver, por exemplo, Pinto (2018).
  • 15
    Diferentemente das percepções de racionalidade e virilidade associadas às normas da esfera pública, os contra-públicos “elaboraram outros estilos de comportamento político e normas alternativas de discurso público” (Fraser, 1999. p. 147).
  • 16
    Discurso de Dona Debora. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ei5iT4Y1ZGA. Acesso em: 20 de agosto de 2018.
  • 17
    A pesquisa de Frederico Almeida aborda sob uma perspectiva teórico-metodológica bourdesiana a formação do campo jurídico e a produção das elites da política da justiça no Brasil, as quais disputam o controle do direito e da burocracia. Sua análise não se refere à relação entre esfera pública e sistema de justiça. O que seus trabalhos (2010, 2016) nos ajudam a pensar, no entanto, é sobre o acesso privilegiado e desigual ao campo jurídico e aos campos políticos burocráticos, bem como o acesso ainda mais restritos aos campos hegemônicos no interior do campo da política da justiça.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2019
  • Aceito
    08 Dez 2019
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