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Otto Kirchheimer entre passado e presente

Otto Kirchheimer between past and present

Resumo

O presente trabalho pretende abordar de forma panorâmica o pensamento do jurista Otto Kirchheimer. Em um primeiro momento, busca-se relacionar o pensamento do jurista com a tradição da Teoria Crítica da Sociedade – conhecida também como “Escola de Frankfurt” -, cuja influência é marcante ao longo de toda sua produção acadêmica. Posteriormente, o foco residirá na crítica que Kirchheimer faz ao direito penal nacional-socialista enquanto instrumento de eliminação dos adversários políticos. Por fim, a partir da tipologia construída por Kirchheimer no texto “Justiça Política”, serão abordadas possíveis contribuições do pensamento do jurista alemão ao contexto jurídico atual.

Palavras-chaves:
Justiça política; Nacional-socialismo; Teoria crítica

Abstract

This work aims to provide an overview of the juristic thinking of Otto Kirchheimer. At first, will be tried to relate Kirchheimer’s thought with the tradition of Critical Theory of Society - known as “Frankfurt School” - whose influence is striking throughout his academic production. Later, the focus will lie in the critic that Kirchheimer made against the National Socialist and his criminal law as instrument related to the elimination of political opponents. Finally, considering the typology built by Kirchheimer in the text “Political Justice,” will be discussed the possible contributions of his thinking in the current legal context.

Keywords:
Critical theory; National-socialism; Political justice

1. Introdução

Otto Kirchheimer se notabilizou no âmbito do direito penal brasileiro pela publicação, juntamente com Georg Rusche, da obra Pena e Estrutura Social, onde ambos defendem a tese de que as diversas formas de reação punitiva do Estado ao longo da história possuem sua razão de ser nas variações ocorridas na estrutura social – tese esta que se vincula fortemente ao paradigma produtivista marxiano1 1 TIETZ, Udo. Die Gesellschaftsauffassung In: BLUHM, Harald (Hrsg.). Die deutsche Ideologie. Berlin: Akadernie Verlag, 2010, p. 61. , ou seja, que as formas de consciência possuem estreita relação com as condições materiais da sociedade2 2 ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 93. .

Pouco enfoque é dado, contudo, a obra de Kirchheimer como um todo, seja em relação aos textos que se remetem à situação do direito à época do nacional-socialismo ou a temática mais ampla da justiça política, quando formas jurídicas são utilizadas no sentido da neutralização do dissenso político. O presente trabalho tem como objetivo uma apresentação panorâmica do pensamento de Otto Kirchheimer, abordando tanto as críticas que Kirchheimer faz contemporaneamente ao regime hitlerista quanto as possíveis contribuições que a teoria do jurista frankfurtiano poderia fornecer ao debate sobre os crimes políticos no âmbito do direito penal contemporâneo – em especial o direito penal contemporâneo brasileiro.

O trabalho se divide, portanto em três partes. Em um primeiro momento, busca-se relacionar o pensamento de Otto Kirchheimer com a tradição da Teoria Crítica da Sociedade – conhecida também como “Escola de Frankfurt” -, cuja influência é marcante ao longo de toda sua produção acadêmica. Posteriormente, o foco residirá na crítica que Kirchheimer faz ao direito penal nacional-socialista. O direito penal foi um instrumento bastante utilizado pelo regime para fins persecutórios, o que ensejou por um lado, a construção de um aparato teórico legitimador da prática criminal dos nacional-socialistas e, por outro, o surgimento diversas críticas, que, independentemente da censura e dos riscos de tal atividade, ousavam em denunciar o retrocesso do regime no que diz respeito às garantias jurídicas típicas do Estado de Direito. Dois textos desse período merecem destaque: “Estrutura Estatal e o Direito no Terceiro Reich”, publicado sob o pseudônimo Dr. Hermann Seitz em 1935, e “Direito Penal na Alemanha nacional-socialista”, disponibilizado originalmente no ano de 1940 no periódico de língua inglesa Studies in Philosophy and Soical Science. Em ambos os textos, Kirchheimer se vale dos pressupostos da teoria crítica a fim de efetuar um diagnóstico da situação presente do direito penal da nova Alemanha que se constrói em torno da figura do Führer. Por fim, a partir da tipologia construída por Kirchheimer no texto “Justiça Política”, serão abordadas possíveis contribuições do pensamento do jurista alemão ao contexto jurídico atual.

2. Matrizes Fundamentais da Teoria Crítica

Com a expressão Teoria Crítica denotamos aqui a tradição filosófica que se inicia com a criação do Institut für Sozialforschung em 1922 e se estende até os dias atuais, com Jürgen Habermas, Axel Honneth e Rainer Forst. A utilização de tal alcunha em detrimento da famosa expressão “Escola de Frankfurt” se dá pelo fato de que tais autores possuem mais diferenças do que semelhanças entre si, não havendo um intuito de continuidade entre eles no interior da tradição. Contudo, duas características são marcantes no interior de tal corrente de pensamento. Vejamos detidamente cada um desses pontos:

  1. a

    Capitalismo enquanto causa patologizante: desde a criação do Institut für Sozialforschung em 1922 e, consequentemente, a consolidação daquilo que entendemos hoje como teoria crítica, tem-se que os esforços dos intelectuais que se filiaram a essa tradição se dirigiram no sentido de repensar a sociedade capitalista, seja no sentido da busca dos motivos do fracasso da revolução socialista em solo germânico ou de pensar as alternativas emancipatórias perante a um contexto marcado pela vitória do capitalismo pós-Guerra Fria e sua consequente transmutação, a partir da apropriação dos argumentos que se opunham a estes, para o chamado capitalismo em rede. Isso faz com que seja possível vislumbrar um elo que se inicia em Hegel – para quem a eticidade concebidada enquanto expressão das relações burguesas é marcada pelo estado de necessidade [Notstaat]3 3 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Grundlinen der Philosophie des Rechts. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, p. 96. , e vai até Honneth, passando por Marx, Horkheimer, Adorno, Marcuse e Habermas. Todos os autores mencionados tem em comum uma associação entre capitalismo – ou um de seus aspectos, como o chamado direito burguês – e patologia social, que, de certo modo, afeta o próprio processo de subjetivização. Expressões como “a busca da vida verdadeira no falso”, “homem unidimensional” ou “colonização do mundo da vida” remetem, em última análise, a impossibilidade dos indivíduos alcançarem o ideal de vida boa como resultado de processos extrínsecos à própria consciência4 4 ROSA, Hartmut. “Kritik der Zeitverhältnisse. Beschleunigung und Entfremdung als Schlüsselbegriffe der Sozialkritik” in JAEGGI, Rahel; WESCHE, Tilo (hrsg.). Was ist Kritik?. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2013, p. 26. .

  2. b

    Conhecimento e emancipação: a teoria crítica opera segundo a realização de um diagnóstico de época da sociedade presente, no sentido de apontar os déficits emancipatórios das práticas societárias atuais. Tal diagnóstico não se presta a uma análise meramente descritiva da sociedade, já que esta característica – a utilização de estratégias descontextualizadas de análise – seria o que diferenciaria, segundo Max Horkheimer, a teoria tradicional da chamada teoria crítica5 5 HORKHEIMER, Max. Teoría tradicional y teoría crítica In: ______. Teoría crítica. Buenos Aires: Amorrotu, 2003, p, 246-247. . O projeto teórico no seio do pensamento crítico se relacionaria, portanto, ao conceito marxiano de “práxis6 6 ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A ideologia alemã, op. cit., p. 535: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. ”.

Remonta ao pensamento hegeliano o reconhecimento de que o mundo objetivo, e, consequentemente, a divisão naturalizada entre sujeito-objeto se remete, em última instância, à própria subjetividade, uma vez que o percurso do espírito se dá no sentido do processo de formação da consciência em direção a este ponto no qual pensar e ser podem reconciliar-se; contudo, o reconhecimento do mundo objetivo como produto humano, apesar de um passo necessário, não é o suficiente para delegar um poder transformador à teoria. Foi graças a Marx, a partir da cunhagem do conceito de práxis revolucionária, que a teoria se empodera com a capacidade de transformar o mundo real, não se livrando, contudo, das influências conformativas oriundas da própria realidade que visa transformar7 7 Ibidem, p 534: “Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão dessa prática. . Caso o autor de O Capital buscasse apenas descrever o mundo como ele é, esta descrição consistiria apenas na narrativa acerca do funcionamento dos diversos processos que ocorrem no âmbito da sociedade civil. A teoria presume-se, então, como detentora de um caráter transformador e tal transformação tem como finalidade fazer do mundo algo mais próximo daquilo que seria o seu conceito, buscando realizar a emancipação possível, a partir do diagnóstico realizado em um primeiro momento, e se diferindo, nesse sentido, tanto do utopismo quanto do positivismo.

O diagnóstico é elaborado, o prognóstico prescrito - mas a emancipação não se realiza. Isso torna a adoção de uma teoria do bloqueio um elemento central no âmbito da tradição crítica. A novidade do “bloqueio” na Teoria Crítica remonta aos escritos de Friedrich Pollock, ocasionando uma ruptura brusca no seio do projeto do chamado primeiro modelo daquela tradição. Pode-se dizer que tal empreendimento teórico, chamado de materialismo interdisciplinar, pretendia, em última instância, refletir acerca do fracasso da revolução socialista em solo alemão, a partir de uma perspectiva ao mesmo tempo marxista e multidisciplinar. A contribuição de Pollock se dá no sentido da apreensão da mudança estrutural ocorrida no capitalismo no qual Marx se baseia para afirmar o colapso do sistema de trocas da livre-concorrência: se, no âmbito da análise marxiana, o mercado exercia a função coordenativa da produção e distribuição, i.e., da alocação de bens de forma geral, na fase posterior – o capitalismo de Estado – a concorrência é diminuída a níveis drásticos, por meio de instrumentos regulativos que proporcionam um controle efetivo da economia por parte do Estado8 8 POLLOCK, Friedrich. Die gegenwartige Lage des Kapitalismus und die Aussichten einer planwirtschaftlichen Neuordnung In: ______. Stadien des Kapitalismus. Munique: Verlag C. H. Beck, 1975, p. 20-39. . A mudança estrutural do capitalismo exige o abandono do materialismo interdisciplinar e, nesse sentido, a estruturação de um novo diagnóstico de época. A teoria crítica, nesse sentido, se utiliza de critérios críticos imanentes à sociedade na medida em que as próprias práticas sociais são expressão de um processo de racionalização social e cultural. O sentido normativo deles é aberto e não se reduz ao mero existente - mas pode haver situações de inércia, bloqueio e retrocesso. Todavia, se acredita na possibilidade de resgate discursivo, aprendizado e autocorreção9 9 Cf. HONNETH, Axel. Pathologies of Reason: on the legacy of critical theory. New York: Columbia University Press, 2009, p. 43-53. .

3. Kirchheimer e o passado: nacional-socialismo e direito penal

São as várias mudanças operadas no âmbito da tradição crítica que conformam o pensamento de Otto Kirchheimer na década de 1930. Merece destaque o fato de que jurista deixa, já no ano de 1935, algumas pistas acerca da influência dos escritos de Pollock sobre a mudança estrutural do capitalismo – de concorrencial para monopolista:

Esse Estado Legiferante vazio [Dieser hohle Gesetzstaat], que reconhecia a existência de obrigações recíprocas entre cidadãos e o Estado, foi superado pela versão nacional-socialista do Estado de Direito [...]. A transição do capitalismo competitivo para a forma monopolista significa que a necessidade de tais regras jurídicas desaparece. Grandes firmas capitalistas – como bancos ou monopólios – já há muito tempo não dependem dos ritos dos tribunais no que diz respeito à condução de seus negócios com os membros de outros estratos sociais. Estas conseguiram dominar o governo, uma vez que podem anunciar simplesmente uma proibição no empréstimo ou argumentar que garantem o emprego de um exército de lacaios. Os governos então satisfazem as necessidades particulares dessas firmas por meio de regulamentações e decretos de emergência10 10 KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches In: ______. Von der Weimarer Republik zum Faschismus: Die Auflösung der demokratischen Rechtsordnung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976, p. 152-153 (tradução livre). .

O próprio Kirchheimer já havia notado, no ano de 1933, uma mudança da função da lei, à ocasião da discussão com Carl Schmitt sobre a questão da legalidade enquanto legitimidade. O que motivou o debate foi entrave criado por uma representação parlamentar pulverizada e, em parte, anti-sistêmica, no final da República de Weimar. Com isso, o chanceler Heinrich Brüning passou a efetuar suas ações de governo com base no artigo 48 da Constituição do Reich11 11 Em sua redação constava: Art. 48: (1) Quando um Estado não cumpre com deveres estabelecidos pela Constituição do Reich ou por Lei do Reich, pode o Presidente do Reich forçar tal cumprimento com auxílio das forças armadas; (2) Se a segurança publica e ordem se encontrem seriamente ameaçadas ou perturbadas no âmbito do Reich alemão, pode o Presidente do Reich tomar as medidas necessárias para a restauração destas, intervindo, se for o caso, com o auxílio das forças armadas. Para isso, pode ele suspender em todo ou em parte, os direitos fundamentais expressos nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153; (3) O presidente do Reich deve informar ao Reichstag sem delongas de todas as medidas tomadas com fundamento nos parágrafos 1 e 2 do presente artigo. As medidas podem ser revogadas a pedido do Reichstag; (4) Na eminência do perigo, pode o governo estadual, no que diz respeito ao seu próprio território, adotar as medidas expressas no parágrafo 2. Essas medidas podem ser revogadas a pedido do Presidente do Reich ou do Reichstag; (5) Lei do Reich regulará o presente artigo). - a decretação do estado de emergência. Interessante ressaltar que Brüning se vale do estado de exceção não para afastar uma situação emergencial que se apresenta de forma pontual perante a cena política da República, mas sim como técnica de governo, valendo-se de tal instituto por aproximadamente um ano e meio12 12 WEITZ, Eric. D.. Weimar Germany: Promise and Tragedy. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2007, p. 351. .

Com o fim da República de Weimar, contudo, Otto Kirchheimer percebe outro fenômeno que surge na nova Alemanha hitlerista: a utilização da forma do direito para a eliminação de adversários políticos, o que acarreta em uma profunda alteração do sistema de justiça criminal alemão13 13 KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 153. . Concomitante a esse processo, surgem diversos constructos teóricos que atuaram suporte legitimatório à práxis penal, como por exemplo, o chamado “Direito Penal Volitivo” [Willensstrafrecht], cujo principal expoente foi secretário de Estado Roland Freisler. A teoria de Fresiler, segundo Kirrcheimer, foi adotada de forma recorrente no início do regime nacional-socialista e se baseava na afirmação da vontade do indivíduo cometedor do ilícito em detrimento dos elementos objetivos da ação – o que tornou bastante tênue a distinção entre crime tentado e crime consumado14 14 KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland. In: ______. Von der Weimarer Republik zum Faschismus: Die Auflösung der demokratischen Rechtsordnung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976, p 186. .

Contudo, a teoria do “Direito Penal Volitivo” foi gradualmente abandonada, uma vez que o foco do regime passou a ser não a punição de atos consumados, mas sim as ações que supostamente colocariam em perigo a comunidade, demonstrara as legislações do ano de 1933 ligadas à criminalização de uma série de atos preparatórios independente do dano causado. Soma-se a isso o fato de que a doutrina, por acentuar o caráter volitivo do cometedor do injusto, encontrava severas dificuldades perante casos de negligência e de crimes praticados por parcial ou totalmente inimputáveis15 15 Ibidem, p. 197. . Dos escombros da teoria dominantes, duas correntes passam, então, a disputar o domínio da produção do saber penal chancelado ideologicamente: a Escola de Kiel (escola fenomenológica) e seus adversários, em especial os membros do Reichsgericht.

No que diz respeito a Georg Dahm e seus seguidores de Kiel, Otto Kirchheimer afirma que a corrente retira sua inspiração teórica no pensamento de Carl Schmitt, especificamente na sua crítica ao normativismo como faceta típica do fenômeno denotado de Liberalismo16 16 Sobre a questão do liberalismo em Carl Schmitt, ver FERREIRA, Bernardo. O risco do político. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. . Daí resulta que, para os membros da Escola de Kiel, as garantias penais típicas do Estado de Direito ocidental eram apenas fraseologias pertencentes a uma época marcada pelo capitalismo concorrencial, supostamente superada pela chegada de Hitler ao poder. Os termos “intuição” e “essência” são introduzidos como parte do método de desvelamento de uma verdade material. Tal concepção não seria um ideal abstrato, mas se identificaria com os interesses vitais do povo alemão, relacionados em última instância, a uma ordem concreta consistente em “certas instituições e organizações que transcendem a mera esfera pessoal17 17 SCHMITT, Carl. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 1993, p.8. ”. A persecução do injusto penal não deve se ater a meras classificações tipológicas, mas sim desvelar a contradição entre a essência do criminoso e o espírito do povo alemão: “Uma pessoa que toma para si objeto móvel de outrem não torna a si mesmo necessariamente um criminoso. Somente as especificidades da natureza de sua personalidade podem fazer dele isso [grifo nosso]18 18 DAHM, Georg. Verbrechen und Tatbestand apud KIRCHHEIMER, OTTO. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p. 188: “Eine Person, die eine bewigliche, ihr nicht gehörende Sache wegnehme, mache sich damit nicht unbedingt zum Dieb; nur das innere Wesen der Persönlichkeit könne sie dazu machen“. ”, dirá Dahm.

Certamente a mudança de foco da ação para a personalidade refletia a própria atividade do legislador penal ordinário, como se vê, por exemplo, na edição da Lei de Imunidade Penal [Straffreiheitsgesetz] de 07 de agosto de 1934, que previa em seu texto a não-incidência penal quando o ato praticado pelo agente indicar “um excesso de zelo na luta pelo movimento nacional-socialista19 19 KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 164: „sofern sie im Übereifer des Kampfes für die nationalsozialistische Bewegung begangen wurden“ ”. Como outro exemplo da influência mútua entre teoria e prática, tem-se a alteração no ano de 1935 do § 2 do Strafgesetzbuch (StGB), permitindo, em suma, a utilização da analogia para a penalização de condutas anteriormente não tipificadas:

Será apenado aquele que cometa uma ação que seja legalmente declarada ilícita ou que, segundo a ideia fundante da norma penal e o sentimento sadio do povo, mereça punição. Caso o ato não encontre correspondência imediata em uma norma penal, então a pena correspondente será aquela da norma cuja ideia fundante melhor corresponde à ação praticada20 20 § 2. do Strafgesetzbuch (StGB) alterado pela „Gesetz zur Änderung des Strafgesetzbuchs“ em 28 de junho de 1935: „Bestraft wird, wer eine Tat begeht, die das Gesetz für strafbar erklärt oder die nach dem Grundgedanken eines Strafgesetzes und nach gesundem Volksempfinden Bestrafung verdient. Findet auf die Tat kein bestimmtes Strafgesetz unmittelbar Anwendung, so wird die Tat nach dem Gesetz bestraft, dessen Grundgedanke auf sie am besten zutrifft“. (grifo nosso).

Da citação anterior merece destaque a menção a um “sentimento sadio do povo” [gesundes Volksempfinden]. Tal ideia possui íntima relação com a teoria schmittiana, especificamente no que diz respeito à ideia outrora mencionada de ordem concreta. Sobre a aplicação desse parágrafo, Kirchheimer afirma que a analogia em matéria penal era bastante difundida principalmente nas instâncias jurisdicionais inferiores, sendo que dois eram os parâmetros utilizados para a determinação do que seria tal “sentimento”: a) os pronunciamentos públicos dos líderes nacionais; b) os standards normativos envolvendo tanto a formação quanto o ambiente de trabalho dos funcionários do sistema de justiça. Conclui ele que, longe de representar a concretização do espírito do povo no mundo efetivo, tal constructo teórico se refere imediatamente a uma interpretação autêntica feita pela burocracia executiva e, de forma mediata, à interpretação efetuada pela burocracia judicante21 21 KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p 191. .

Nem todos os setores do regime demonstravam simpatia aos desenvolvimentos realizados pela Escola de Kiel. Como aponta Kirchheimer, a utilização do raciocínio analógico que menciona o § 2 do StGB encontrou pouco respaldo na prática judicante do Reichsgericht. No que diz respeito aos casos de falsas acusações anônimas, por exemplo, aquele tribunal se posicionou sempre contra a punição do imputado, na medida em que o legislador se posicionou expressamente de forma contrária à aplicação de sanção nestes casos. Em apenas duas situações significativas o tribunal deu aval à persecução envolvendo fato outrora não tipificado: a) nos casos de receptação de bens roubados, para englobar também a participação no roubo e o aferimento de lucro com os produtos do ilícito; b) no caso de peculato, de modo que os funcionários do partido ficam também sujeitos às punições previstas pela norma deste crime. Pensar-se-ia, em um primeiro momento, que a atuação dessa instância judicante superior se direcionaria a favor das garantias individuais estabelecidas pelo StGB desde a sua promulgação em 1871, uma vez que o tribunal primava por uma interpretação “tendente à manutenção da racionalidade no âmbito do direito penal”, relacionada, em última instância, à elevação do Código Criminal ao posto de fonte por excelência da jurisdição criminal. O que se viu foi uma campanha por parte do tribunal no sentido da ampliação da validade do texto do código penal para estrangeiros domiciliados fora do território alemão, principalmente no que se refere às legislações raciais elaboradas pelo regime. Importante registrar que a própria atuação do tribunal foi tolhida, tanto pelas leis de organização judiciária a partir do ano de 1937, quanto pela restrição acerca do direito de recorrer, o que impediria, certamente, uma hipotética atuação pro-garantias do Reichsgericht.

Nesse ponto, cabe-nos indagar o seguinte: como pode uma corrente penal-legalista desconsiderar elementos básicos da teoria criminal consagrada pelo pensamento ocidental desde os escritos de Montesquieu e Beccaria? A solução de tal questão parece se ligar à junção entre Direito e Moral – citada por Kirchheimer – no âmbito do nacional-socialismo e a consequente guinada de um Estado autoritário para uma comunidade racial22 22 Ibidem, p. 187. . Em relação ao primeiro ponto, Kirchheimer assevera que a manutenção da distinção entre a moralidade e o jurídico foi a principal bandeira do liberalismo político clássico. Isso se justifica na medida em que a ideia de liberdade no paradigma liberal de Estado compreende tanto um âmbito de ingerência do indivíduo perante o Estado e terceiros, quanto a possibilidade na participação do sistema de trocas mediado pela ideia de personalidade jurídica, como bem explicitou Marx em O capital23 23 MARX, Karl. O Capital, Volume I. Tradução por Regis Barbosa e Flávio R. Kothe São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 79. .

O nacional-socialismo se via como um movimento revolucionário e se opunha não somente aos comunistas, mas também ao liberalismo, especificamente na concepção da atomização do indivíduo e a consequente desvalorização da função da comunidade. A dissolução da racionalidade e da previsibilidade da norma jurídica enquanto condição de possibilidade de participação dos indivíduos no mercado se torna uma das bandeiras dos simpatizantes do regime. Cumpre ressaltar aqui, contudo, que tal dissolução não prescinde da forma jurídica e isso se exemplifica nas Leis de Nürnberg, elaboradas à época do 7º Encontro Anual do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães [7. Reichsparteistag der NSDAP], realizado no ano de 1935. Nosso interesse repousa especificamente na “Lei para a defesa do sangue e honra alemãs” [Gesetz zum Schutze des deutschen Blutes und der deutschen Ehre], também chamada de “Lei de proteção do sangue” [Blutschutzgesetz], que estabelecia a proibição, dentre outras coisas, de casamentos entre alemães e judeus e a consequente miscigenação do sangue ariano. A admissão de uma união matrimonial se dava a partir da observância da árvore genealógica dos indivíduos envolvidos e a classificação destes em uma das seguintes categorias: “alemão puro-sangue”, “mestiço de 1º grau”, “mestiço de 2º grau” e “judeu”. Direito e moral se fundem na comunidade racial alemã na medida em que a forma do direito não mais é pensada como garantia da quase máxima abstenção do indivíduo dos negócios públicos, mas como afirmação de uma forma determinada de homogeneidade sanguíneo-cultural. Àqueles que não se adequassem aos ideais do povo alemão, pensados em uma relação identitária com a ideologia do partido restava somente a exclusão sumária24 24 NEUMANN, Franz. Behemoth: The structure and practice of national socialism (1933-1944). Chicago: Ivan R. Dee, 2009, p. 98 et seq. .

O direito penal foi o ramo jurídico que mais sofreu influência do movimento nacional-socialista e, independentemente da corrente hermenêutica escolhida, o que se viu na prática foi um “abandono do postulado nulla poena sine lege e a substituição de um postulado de justiça material (legitimidade) por uma mera dedução formal a partir da lei (legalidade)25 25 KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p. 188. ”. Com base nesses pressupostos, o que se viu foi um sistema de justiça criminal marcado, de forma geral, pelas seguintes características:

  1. a

    Retroatividade da lei penal: a defesa da anterioridade da lei penal foi uma das principais bandeiras de Paul Johann Anselm Feuerbach à época da elaboração do Código Criminal da Baviera em 181326 26 VORMBAUM, Thomas (Hrsg.). Moderne deutsche Strafrechtsdenker. Heidelberg: Springer Verlag, 2011, p. 49. , o que o levou a cunhar a famosa expressão “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege poenali”. Importante é destacar o papel da anterioridade na formulação de Feuerbach, uma vez que a mera existência da lei penal incidente sobre fatos anteriores à sua edição não satisfaria, segundo ele, a necessidade levantada por Immanuel Kant acerca da tensão entre coação e liberdade no âmbito do direito moderno27 27 HABERMAS, Jürgen. El vínculo interno entre Estado de Derecho y Democracia. In: ______. La inclusión del otro: estudios de teoría política. Barcelona: Paidós, 1999, p. 249. . O regime nacional-socialista ignorou tal garantia e condenou, por exemplo, diversas pessoas já apenadas à morte28 28 KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 159-160. , incluindo o famoso caso envolvendo Marinus van der Lubbe, acusado de atear fogo no edifício sede do Reichstag na madrugada do dia 27 de fevereiro de 1933 – antes, portanto, da chegada definitiva dos nazistas ao poder.

  2. b

    Perda da autonomia judiciária: o conceito de constitucionalismo cunhado à época da Revolução Americana pressupunha uma estrita limitação dos poderes constituídos e a consequente existência de um âmbito de ingerência inerente a cada poder, fruto da influência direta da teoria de Montesquieu29 29 ARENDT, Hannah. Da revolução. Brasília e São Paulo: Universidade de Brasília e Ática, 1988, p. 19-20. e dos autores dos Federalist papers - James Madison, John Jay Alexander Hamilton. Em relação à independência do poder judiciário, este último chega a afirmar que “a independência rigorosa dos tribunais de justiça é particularmente essencial em uma Constituição [...] que limita a alguns respeitos a autoridade legislativa, proibindo-lhe, por exemplo, fazer passar bilis of attainder e decretos de prescrição, leis retroativas ou coisas semelhantes30 30 HAMILTON, A.; JAY, J.; MADISON, J.. O Federalista. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003, p. 459. ”. A independência dos poderes constituídos é, portanto, um pressuposto básico do constitucionalismo enquanto conceito.

A partir do ano 1937, o judiciário alemão foi perdendo sua autonomia, de modo que toda sua organização passa a depender das ordens do ministro da justiça, e não mais dos próprios juízes de forma colegiada, o que relegaria o poder judiciário à posição de mero agente administrativo. Soma-se a isso o fato de que foi concedido ao ministro da justiça o poder de modificar a organização jurisdicional e de extinguir a inamovibilidade dos magistrados. Por fim, com base principalmente no § 71 da Lei do Funcionalismo Público [Beamtengesetz], os juízes poderiam ser afastados compulsoriamente quando não demonstrassem aderência aos ideais do nacional-socialismo31 31 KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p. 196. .

  1. c

    Restrições à atuação do advogado: evidente é o fato de que a mera autonomia do judiciário não garante uma prática judicial cujo produto pode ser considerado racional na medida em expressa em si tanto a violência monopolizada do órgão estatal quanto a possibilidade de que os endereçados da decisão participem, em certa medida, do processo de materialização desta. Nesse sentido, o direito à defesa é um dos institutos mais importantes do Estado de Direito, o que confere ao advogado uma função importante na condução dos negócios da vida pública. A manutenção de uma esfera privada livre de interferências injustificadas por parte do órgão estatal requer que a atividade do advogado seja praticada de forma independente, orientada, imediatamente, pelo interesse do cliente e, de forma mediata, pelo bom funcionamento da administração da justiça.

Se os nacional-socialistas se valeram da restrição das diversas garantias fundamentais no âmbito penal para a construção do sistema de justiça criminal, obviamente a liberdade de atuação do advogado não foi garantida durante a vigência do regime. O advogado era livre para atuar na medida em que tal mister não conflitasse com os ideais nacional-socialistas. A defesa de não-simpatizantes do regime era uma atividade perigosa para o próprio advogado, pois este poderia ser punido com uma sanção disciplinar ou até mesmo com um mandado de prisão por tempo indeterminado. Emblemático é o caso do defensor de Ernst Thälmann, o advogado berlinense Dr. Rötter, que foi preso por defender seu cliente, outrora membro do Partido Comunista Alemão, e, com isso, atentar contra o nacional-socialismo32 32 KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 168. .

  1. d

    Redução da maioridade penal: o regime nazista transformou não somente o direito penal ordinário, mas também o chamado direito penal dos jovens [Jugendstrafrecht], principalmente com a edição do decreto de 11 de outubro de 1939. Tal decreto previa, além de um recrudescimento das penas, a possibilidade de que jovens entre 16 e 18 anos fossem julgados pela justiça comum, quando a ofensa praticada possuísse um grau de criminalidade elaborado ou se a proteção da comunidade justificasse tal fato33 33 KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p. 206. . Interessante ressaltar que na técnica judicante da qual se valiam os nazistas, a Bildtechnik, a figura do perigoso jovem delinquente era um dos três tipos puros de criminalidade que deveriam ser combatidos pelo regime, juntamente com as figuras do parasita de guerra e do criminoso brutal34 34 Ibidem, p. 207. .

  2. e

    Degradação da condição de vida do apenado: no âmbito da comunidade racial alemã, marcada pela dissolução da antiga fronteira entre jurídico e moral erguida pelos liberais, o prisioneiro não era visto como um indivíduo portador de direito, de modo que a pena terá como função primordial a sua ressocialização, mas sim como aquele sobre o qual recaem - no mínimo - ressalvas e indagações sobre a possibilidade de participação nesta mesma comunidade - quando não eram prontamente exterminados. Tal visão refletiu no modelo de gestão prisional do regime nazista, gerando uma diminuição substancial no padrão de vida dos detentos. Kirchheimer exemplifica tal situação por meio do custo diário da alimentação de cada detento: se à época da República de Weimar, o custo girava em torno de 50-60 pfennig35 35 Moeda utilizada na Alemanha entre 1924 a 1948, quando foi substituída pelo marco alemão. , em 1935 tal valor foi reduzido a aproximadamente 30 pfennig. E conclui da seguinte maneira:

É inconcebível que muitos autores acreditem que essa deterioração dramática das condições de vida dos prisioneiros não é uma simples e infortuna consequência das condições econômicas presentes e que a celebrem como um instrumento penal desenvolvido que deve ser permanentemente aplicado36 36 KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 169. .

Essas são as principais características apontadas por Otto Kirchheimer no que diz respeito à práxis e à teoria do direito penal da Alemanha nazista. A importância das críticas de Kirchheimer não pode ser obscurecida pelo fato de que atualmente não há nacional-socialismo enquanto governo e que, nesse sentido, ao final da guerra, todos os olhos do mundo se voltaram para os horrores praticados pelo regime hitlerista. Criticar o nacional-socialismo nos dias de hoje não é tarefa árdua, uma vez que aquele que se dispõe a tal exercício encontrará diante de si um vasto material: a história, como já ressaltou Benjamin, é a história dos vencedores37 37 BENJAMIN, Walter. Über den Begriff der Geschichte. In: ______. Gesammelte. Schriften I. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1972, p. 696. , que neste caso foram os Aliados e todo o conjunto de ideias que se transformaram na ideologia do mundo livre durante a guerra fria. Qual a importância das críticas de Kirchheimer, então?

4. Kirchheimer e o presente: a criminalização do dissenso político no âmbito do estado de direito

A descrição do sistema de justiça criminal nacional-socialista a partir dos escritos de Kirchheimer demonstra que a persecução penal tinha outro fim, que não a ressocialização do indivíduo ou a retribuição do injusto. A justiça criminal era utilizada com fins de eliminar o dissenso político por parte daqueles que dispunham do poder – em suma, a justiça criminal era uma justiça política. Em seu ensaio “Justiça Política”, Kirchheimer concebe ao leitor logo nas primeiras linhas uma primeira definição dessa expressão: “Falamos de justiça política quando procedimentos judiciais são utilizados para a consecução de fins políticos38 38 KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz. In: ______. Politik und Verfassung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1964, p. 96. ”. Em um primeiro momento, pensar-se-ia que a associação do termo “justiça” com o predicado “política” em nada acrescentaria aos debates contemporâneos, pois, como bem aponta Ronald Dworkin, há na atividade judicante um fundamento que, em última instância, se remete a princípios éticos que subjazem a uma determinada comunidade política39 39 Como vemos, por exemplo, em DWORKIN, Ronald. O fundamento político do Direito. In: ______. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p, 47. . Toda justiça seria, nesse sentido, justiça política e a afirmação de que seria possível a aplicação do direito de forma neutra perde todo sentido principalmente com o desenvolvimento da hermenêutica de matriz fenomenológica a partir da segunda metade do séc. XX. Kirchheimer certamente possuía consciência do aspecto político que envolve o direito como todo - inclusive sua aplicação. Em 1928, com um trabalho intitulado Sobre a Teoria do Estado do Socialismo e Bolchevismo40 40 HERZ, John H. Otto Kirchheimer, Leben und Werk. In LUTHARDT,Wolfgang; SOLLNER, Alfons (Hrsg.). Verfassungsstaat, Souveranitat, Pluralismus: Otto Kirchheimer zum Gedächtnis. Opladen: Westdeutscher Verlag 1989, p. 12. , o jurista alemão se doutorou sob a orientação de Carl Schmitt, que defendia, entre várias outras teses, a necessidade de um meio homogêneo para que possa existir a normalidade e calculabilidade das relações jurídicas, associadas, em última instância, ao pensamento liberal-burguês. Esse topos garantidor do funcionamento normal das instituições jurídicas é, no pensamento schmittiano, uma decisão política sobre o modo de vida coletivo de um determinado povo41 41 Cf. SCHMITT, Carl.Constitutional Theory. Durham and London: Duke University Press, 2008, p. 75. .

Kirchheimer pretende não tanto elucidar as conexões gerais entre direito e política, mas sim abordar o cerceamento da possibilidade do dissenso político, pois “a justiça política pretende eliminar os adversários políticos42 42 KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 99. ”. Está-se diante de uma perfeita descrição do sistema de justiça vigente nos regimes totalitários. Contudo, espanta-se quem busca no caráter político da justiça um fator distintivo entre o Estado de Direito e os diversos regimes totalitários. Segundo o autor, a justiça política estaria também presente nas sociedades democráticas, de forma que o aspecto diferenciador entre democracia e totalitarismo seria o aspecto da calculabilidade do desenrolar do julgamento43 43 Idem. . Como visto anteriormente, a partir do exemplo nacional-socialista, a ausência das diversas formalidades e garantias típicas do Estado de Direito conduzem o julgamento a um resultado preconcebido – a condenação do denunciado. Já no âmbito do Estado de Direito, como consequência da estrita separação entre os órgãos acusador e julgador, o resultado do trâmite se liga, em última instância, ao livre convencimento motivado do juiz e a capacidade probatória do Ministério Público. Mas como seria possível conciliar Estado de Direito e eliminação dos adversários políticos? Dito de outra forma: se o Estado de Direito é o regime da domesticação e racionalização da violência44 44 KRIELE, Martin. Introdução à teoria do Estado: os fundamentos históricos da legitimidade do Estado Constitucional Democrático. Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009, p. 146-168. , haveria, então, espaço naquela forma de organização política para a criminalização do dissenso político? Todo argumento de Kirchheimer se desenvolve no sentido afirmativo. Deve-se tomar, nesse caso específico, o termo eliminação em um sentido amplo. Desde a imposição de barreiras para o acesso ao poder até mesmo o extermínio físico – são inúmeras as formas de eliminação dos opositores políticos. Nesse sentido, parece-nos adequado a interpretação que Ulrich Preuß dá à conceituação de Kirchheimer, quando considera a justiça politica como o ato de “neutralização, por meio da normalidade típica do Estado de Direito, de um cidadão politicamente perigoso45 45 Cf. PREUß, Ulrich K. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat. In: LUTHARDT,Wolfgang; SOLLNER, Alfons (Hrsg.). Verfassungsstaat, Souveranitat, Pluralismus, op. cit., p. 135. ”. Digno de nota é o fato de que, no âmbito do Estado totalitário, os aparelhos estatais se orientam para construir o estereotipo vinculado ao inimigo da comunidade. Não é somente o Direito e suas formas que constroem essa imagem – ao mesmo tempo em que são moldados por ela -, mas também a escola, as associações civis, a mídia oficial, entre outros aparelhos. Especificamente em relação ao Estado de Direito, o mesmo não ocorre: faz-se necessário àquele que pretende neutralizar seu adversário político a criação de uma “realidade alternativa46 46 KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 108. ” concomitante ao processo judicial, o que garantiria, por um lado, uma suposta neutralização das lutas políticas do adversário, assim como a aceitação maciça por parte da população, que, como em um espetáculo, assiste desassombrada ao desenrolar do processo, como se aquilo fizesse parte do ethos democrático:

[com a eliminação dos adversários políticos] vem o efeito psicológico do processo político na população. Tenta-se sugerir à população uma imagem da realidade política que torna o denunciado a incorporação de tendências antissociais [gesellschaftfeindlichen Tendenzen]. Sobre condições totalitárias, o aparato de justiça se encontra totalmente à disposição do detentor do poder. Na vigência do Estado de Direito, o governo pode se valer do aparato de justiça para eliminar diretamente seus adversários, por meio da denúncia de traição-mor ou à pátria, distúrbio e, em certos casos, por perjúrio. Mas ele não pode evitar que outros grupos, mesmo que de forma limitada, se valham do aparato judicial. Eles podem dar causa a um processo envolvendo crimes contra a honra ou perjúrio. Desse modo, os grupos que se localizam fora do poder podem influenciar o imaginário de seus concidadãos e, com isso, tentar desbancar o atual mandatário do poder ou manter dele distante os rivais47 47 Ibidem, p. 99-100. .

A partir dessa perspectiva, Kirchheimer elabora uma espécie de categorização, que permitiria não somente elucidar a relação entre crimes políticos e Estado de Direito, mas também compreender as mudanças sofridas pela justiça política, tanto a partir da criminalização do risco, quanto pela tendência de administrativização do direito penal, com o consequente afrouxamento das garantias típicas do regime jurídico penal. Quatro seriam os planos48 48 KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 102. [Ebenen] – ou tipos49 49 PREUß, Ulrich K. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat, op. cit., p. 138. , como prefere Preuß - que compõe a categorização de Kirchheimer:

  1. a

    crimes comuns cujo cometimento se liga em última instância à orientação política do agente ou a motivo tido por este como politicamente relevante: Kirchheimer inicia a exposição por aqueles crimes políticos que se caracterizam pela semelhança com delitos comuns no cotidiano da justiça criminal. “Homicídio permanece homicídio50 50 KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 102. ”, assevera o autor, mesmo quando os motivos do agente se ligam a uma causa política maior, como, por exemplo, o assassinato de um líder autoritário com objetivo de promoção da democracia. Em relação à persecução criminal em tais fatos, o autor afirma que os esforços do órgão acusador se concentram em minimizar as causas políticas do ato, ressaltando assim a ocorrência dos elementos objetivos e subjetivos do tipo em questão51 51 Ibidem, p. 103. . Isso se aplica sem dificuldades às persecuções criminais no âmbito de Estados autoritários, onde os meios de publicidade ordinários passam pela chancela dos detentores do poder. Escapa a Kirchheimer, contudo, no âmbito de um Estado dito democrático, onde há efetivamente o exercício livre do direito de imprensa, não há como evitar a politização do debate no âmbito e em torno da persecução criminal - e suas consequências no equilíbrio das forças políticas que disputam o poder. O atentado ocorrido na rua Tonelero em 5 de agosto de 1954, que tinha como alvo o udenista Carlos Lacerda e acelerou a ruína do governo de Getúlio Vargas, exemplifica bem essa impossibilidade de despolitização do debate em torno de um ilícito criminal com fins políticos sob a égide de um regime democrático. Por mais que o governo tentasse interferir nas investigações por meio de seu ministro da Justiça, Tancredo Neves, no sentido de descontruir o nexo que conduzia os fatos ao Palácio do Catete, os meios de comunicação alimentavam a crise do governo, uma vez que havia uma clara ligação entre os parlamentares udenistas e a grande imprensa no sentido de desestabilização de Vargas52 52 FERREIRA, Jorge. A democracia no Brasil (1945-1964). São Paulo: Atual Editora, 2006, p. 39. . Entre os opositores, a figura de Carlos Lacerda se destacava no enfrentamento ao governo.

O político udenista, por meio de seu jornal A tribuna da imprensa, articulava no sentido de criar a realidade alternativa necessária para conferir contornos dramáticos aos atos praticados pelo governo varguista, mobilizando politicamente, assim, não somente a opinião pública, mas também os diversos segmentos sociais, alguns dos quais viriam a ter um papel decisivo na desintegração do governo – como as Forças Aéreas53 53 Ibidem, p. 40. . Pode-se dizer, então, que o episódio envolvendo Carlos Lacerda exemplificaria perfeitamente o primeiro caso típico do quadro esquemático proposto por Kirchheimer.

  1. b

    crimes cujo cometimento atenta diametralmente contra a ordem estatal: prosseguindo a apresentação de sua tipologia, Kirchheimer chega aos crimes de traição e distúrbio54 54 KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 103. . Quando se fala em justiça política no seio de um Estado Autoritário, o julgamento de um agente que representa uma ameaça real ao mandatário do poder não pode ser outra coisa senão um ritualismo em si vazio, haja vista que não é conferido à parte acusada o direito de influenciar naquela suposta prestação jurisdicional. Se por um lado a utilização da forma jurídica nos regimes autoritários na persecução criminal dos adversários políticos não gozava da devidas garantias processuais clássicas consagradas na doutrina penal do ocidente desde o século XVIII, deve-se ressaltar, por outro, que muitos não eram sequer julgados oficialmente, mas sim executados sumariamente ou torturados até a morte, como mostram as barbáries cometidas pelo regime ditatorial brasileiro55 55 Ver nesse sentido MEYER, Emilio Peluso Neder. Ditadura e Responsabilização: Elementos para uma Justiça de Transição no Brasil. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012. . O governo ditatorial brasileiro contava, apesar disso, com diversos diplomas legais que dispunham sobre os crimes contra a segurança nacional e as especificidades de sua persecução. Os decretos-lei nº 314/67 e nº 898/69, assim como as leis nº 6.620/78 e nº 7.170/1983 dispunham sobre os crimes que violavam a segurança nacional, que iam desde a negociação com governo estrangeiro ou seus agentes, visando provocar guerra ou atos de hostilidade contra o Brasil até a criminalização da tentativa de subversão da ordem ou estrutura político-social vigente no país, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de partido político, de grupo ou indivíduo, em clara referência às doutrinas marxistas e os movimentos de esquerda que atuavam no país. Fato digno de nota é a questão da competência da justiça militar para o julgamento dos crimes tipificados em todos os diplomas supracitados, sendo o rito determinado e condicionado pelos ditames do processo penal militar. O decreto-lei nº 898/69 chega inclusive a prever sanções e restrições adicionais, como a suspensão de direitos políticos, por dois a dez anos, quando a condenação superar dois anos, segundo o art. 74 daquele diploma ou a inadmissibilidade de suspensão condicional da pena, de acordo com o seu art. 75. Por fim, cumpre ressaltar que a lei nº 7.170/1983 foi recepcionada pela ordem constitucional vigente e as condutas tipificadas naquele diploma podem ser consideradas, portanto, exemplos dos crimes que atentam diretamente contra a ordem estatal no âmbito do ordenamento jurídico pátrio contemporâneo.

  2. c

    crimes cujo cometimento atenta indiretamente contra a ordem estatal: ao expor a terceira categoria de sua tipologia da justiça política, Kirchheimer busca abordar aquelas ações, que, quando consideradas de forma isolada, não possuem nenhum potencial lesivo direto à ordem estatal. Mais correto seria afirmar que sua execução tem como finalidade minar a ordem política estabelecida:

Entre um sem-número de formas individuais, elas [as condutas] todas trazem consigo a característica comum da ausência do caráter de traição ou distúrbio. As opiniões e propagandas nocivas, a elaboração conjunta de doutrinas revolucionárias e a consequente doutrinação de simpatizantes poderiam - se não fosse isso – transformar-se em ações concretas no sentido de subversão da ordem56 56 KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 104. .

A penalização da doutrinação ou da disseminação de propaganda anti-regime inauguraria, segundo Preuß, uma nova fase do direito penal, a dos “crimes de perigo contra a ordem estatal57 57 PREUß, Ulrich K. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat, op. cit., p. 138. ” [Delikte der Staatsgefährdung]. Essa inovação se daria com o rompimento com a função clássica do bem jurídico, que cumpria o papel, a partir da publicação da obra Sobre a necessidade de uma lesão jurídica no conceito de crime em 1834 por Johann Michael Franz Birnbaum58 58 Nesse sentido, VORMBAUM, Thomas. Einführung in die moderne Strafrechtsgeschichte. Berlin e Heidelberg: Springer Verlag, 2011, p. 55. , de orientação ao legislador penal por parte da ciência do direito penal. Quando se compara a disseminação de uma doutrina anti-regime com a marcha de blindados com o objetivo de tomar o poder de forma ilegítima, tem-se a clara certeza de que somente a segunda ação constituí uma lesão substancial ao bem jurídico “ordem pública”, de forma que toda a criminalização da propaganda revolucionária pode ser considerada a expressão de uma “antecipação da tutela estatal no âmbito da luta política59 59 PREUß, Ulrich K. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat, op. cit., p. 138. ”. Nesse momento, a produção de uma realidade alternativa por parte do órgão de acusação assume um papel central na persecução criminal dos acusados, pois faz-se necessário a produção, de forma artificiosa, do liame entre a conduta do agente e o provável dano à ordem estatal. Mas como definir as condutas que são potencialmente lesivas à ordem estatal? Dito de outra forma: quais são os limites entre a legalidade e a ilegalidade da atividade de opor-se a um governo e suas instituições? A primeira forma de definição da legalidade da oposição deve ser a Constituição democraticamente promulgada, que, em última instância, constitui a condição de possibilidade da existência do dissenso político, a partir da proteção da liberdade de expressão, por um lado, e dos princípios políticos fundamentais estruturantes do projeto constitucional, por outro. Disso resulta a criminalização, por exemplo, da prática, indução ou incitação discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional pelo art. 20 da lei nº 7.716/89, como resposta do legislador penal à necessidade de proteção da diversidade social e dos princípios do pluralismo político e da dignidade da pessoa humana - ambos presentes no art. 1º da Constituição enquanto fundamentos da República Federativa do Brasil.

Função diferente parece assumir a lei nº 13.260/16, conhecida como Lei Antiterrorismo, na criminalização de condutas que eventualmente adentrem o campo da disputa política. Já no artigo segundo do referido diploma, o legislador penal apresenta a definição de terrorismo para fins penais:

Art. 2º. O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Mas o que seria a paz pública ou a incolumidade pública fica a cargo do parquet e da burocracia judicante definir. O legislador tentou, no § 2º do referido artigo, delimitar a extensão semântica das referidas expressões, ao afirmar que o disposto no art. 2º não se aplicaria à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas e sociais. Contudo, em última análise, quem define os limites entre movimento social e terrorismo são os órgãos oficiais, em situação semelhante a que Kirchheimer vislumbrara no fim da República de Weimar. Afirma Kirchheimer que a crença na suposta atuação sine ira et studio - como como característica essencial a uma formulação ideal de burocracia – não passa de mera ilusão. Ao interpretar cláusulas abertas, a burocracia interfere, por exemplo, na luta dos trabalhadores, provando que tal forma de racionalização política é reflexo das relações de classe. O autor lança mão do exemplo do julgamento de questões envolvendo a ruptura de convenções coletivas [Tarifvertrag] causada por trabalhadores a partir da adoção de medidas que escapam ao âmbito econômico – isto é, ilegítimas. Em decisão proferida em 1929, o Reichsarbeitsgericht apresentou o seguinte entendimento:

Uma das consequências do acordo coletivo é dever do abandono de distúrbios trabalhistas injustificáveis e se valer de ações hostis somente quando fins econômicos são perseguidos. Se tal medida se dá sem um fim econômico ou sem justificativa evidente em si mesma, isso significa que, mesmo quando não se refere a responsabilidade contratual específica, houve uma quebra no dever geral de manutenção da ordem pacífica, baseada no acordo coletivo60 60 KIRCHHEIMER, Otto. Legalität und Legitimität. In: ______. Politische Herrschaft: fünf Beiträge zur Lehre vom Staat. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1981, p. 25. .

A burocracia judicante decide se uma ação tomada pelo sindicato dos trabalhadores é legítima ou não, de forma que as ações tomadas tendo em vista a transição ao socialismo, por exemplo, eram tidas como não-econômicas e, nesse sentido, ilegítimas. Pensando em termos weberianos, Kirchheimer acredita que a patogênese institucional da República se relacionava ao desrespeito à lógica da legalidade como pensada quando do surgimento do Rechtsstaat. Este surge a partir da supressão do direito à resistência movida pela força absorvente da ideologia democrática assim como pela prática constitucional, sendo substituído pelo conceito racionalizado de lei [rationalisierte Gesetzbegriff]61 61 Ibidem, p. 9. , que pressupõe uma estrita atenção ao procedimento de sua gênese, sob pena da perda do caráter adstringente do comando legal. Assim como na República de Weimar, onde quem decidia o limite entre o legítimo e o ilegítimo na luta dos trabalhadores era o Reichsarbeitsgericht, a chamada Lei Antiterrorismo repete a mesma prática, relegando ao Judiciário e ao Ministério Público a função de decidir sobre a categorização de determinado movimento social e, consequentemente, acerca da criminalização dos seus participantes, já que o artigo 3º da referida lei prevê a reclusão de cinco a oito anos, somada a multa, para aqueles que promovem, constituem ou prestam auxílio, pessoalmente ou indiretamente, a organização terrorista. Nesse sentido, a lei nº 13.260/16 ilustra no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro atual o terceiro tipo da justiça política descrito por Otto Kirchheimer.

  1. d

    crime político fabricado [das politische Kunstdelikt]: o percurso até o momento trilhado, desde os delitos comuns orientados por motivações políticas – como homicídio, furto etc. – até as ações que afetam a ordem apenas em um sentido indireto, como a disseminação de propaganda revolucionária – ou terrorista, nos termos da lei nº 13.260/16 -, se orienta no sentido do aumento da necessidade de justificação por parte dos órgãos oficiais que tomam parte na persecução criminal no que tange à legitimidade de tal procedimento. Quando tal atuação no sentido de criação de uma realidade alternativa que permita o estabelecimento do nexo causal entre agente e ação é levada ao extremo, está-se diante, segundo Kirchheimer, de um crime político fabricado. Este não se origina “de uma verdadeira intenção do denunciado de ameaçar ou destruir a ordem, mas é apenas um artificio [Kunstprodukt]62 62 KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 112. ”, isto é, a construção de um evento politicamente relevante e passível de persecução criminal a partir de um sem-número de elementos, que, encaixados com maestria, deixariam transparecer a periculosidade do agente e de suas condutas. A participação do órgão acusatório no sentido de criação de uma realidade alternativa chega ao seu ponto máximo. No Estado de Direito, cuja principal característica é a vigência do principio da legalidade e seus corolários, é inconcebível, por violação ao princípio da taxatividade, a existência desse tipo de delito político, onde o que se busca é apenas a criminalização do dissenso político a partir de factoides, que, quando reunidos, comporiam a suposta conduta delinquente do acusado. Contudo, parece-nos que esse é o caso de determinada interpretação sobre os crimes de responsabilidade do Presidente da República previstos no art. 85 da Constituição da República – corrente interpretativa que encontrou sua máxima expressão no parecer redigido por Antônio Anastasia, Senador do PSDB/MG, no âmbito da Comissão Especial do processo de Impeachment da Presidente Dilma Rousseff, sob a função de relator63 63 ANASTASIA, Antônio. Da COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT, referente à admissibilidade da DEN nº 1, de 2016 [DCR no 1, de 2015, na origem] – Denúncia por crime de responsabilidade, em desfavor da Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, por suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei nº 1.079, de 1950, art.10, item 4 e art. 11, item 2); e da contratação ilegal de operações de crédito (Lei nº 1.079, de 1950, art. 11, item 3). 04/05/2016. Disponível em <http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia>. Acesso em 24 de julho de 2016. .

A construção do relatório parte de duas premissas. A primeira se liga ao fato de que os crimes de responsabilidade se difeririam dos crimes propriamente ditos, de forma que sua persecução seguiria princípios outros que não aqueles do Código Penal e do Código de Processo Penal64 64 Idem, p. 11-12: “Todavia, contraditoriamente, em diversas passagens, a defesa pretende aplicar normas do regime jurídico penal ao caso. Daí porque, faz-se necessário, desde já, apresentar os substratos doutrinários e jurisprudenciais que afastam a pretensão de equiparar os crimes de responsabilidade – e por conseguinte o regime jurídico próprio – aos crimes regidos pelo Código Penal e Processual Penal (este, como sabido, deve ser aplicado apenas subsidiariamente, por força do art. 38 da citada Lei nº 1.079, de 1950)”. . Daí extrai-se a segunda premissa: como os princípios seriam outros – e nesse caso, sem atenção ao princípio da taxatividade – seria possível incluir no rol dos crimes de responsabilidade condutas não tipificadas enquanto tal65 65 Idem, p. 51: “Além disso, a lista de ilícitos político-administrativos inscritos nas Constituições brasileiras sempre ostentou e ostenta caráter meramente exemplificativo”. pelo legislador no âmbito da Lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento, em consonância com os ditames do art. 85 da Constituição da República. Antônio Anastasia chega à conclusão que

essa parte doutrinária aponta para uma reserva constitucional estrita para os crimes de responsabilidade, o que é verdadeiro. Todavia, dessa premissa não decorre a conclusão de que o art. 11 não teria sido recepcionado. O crime previsto no art. 11, item 2, constitui conduta muito semelhante à do art. 10, item 6 – ambos capitulados na denúncia e constantes da autorização da Câmara dos Deputados. Ambos, na verdade, tratam do mesmo bem jurídico. Todos os crimes elencados no art. 11 poderiam estar perfeitamente elencados no art. 10, e vice-versa. Os dispositivos operam dentro de um mesmo campo axiológico-normativo. Não se pode negar, por outro lado, que o inciso VII do art. 85, da CR, prevê o descumprimento de lei como uma das hipóteses de crime de responsabilidade, que, conjugado com o art. 73, da LRF, afasta qualquer dificuldade, ao menos nessa fase preliminar, de subsunção dos fatos apontados na denúncia à capitulação dos crimes de responsabilidade66 66 Idem. .

O fenômeno da administrativização do direito penal é, sem sombra de dúvidas, um passo necessário à possibilidade de existência de delitos políticos pré-fabricados no seio do Estado de Direito. Ausente o princípio da taxatividade, toda imaginação é permitida ao órgão persecutório, ficando o réu a deriva da possível utilização ilegítima da maquinaria punitiva do Estado por parte de uma oposição política que busca neutralizá-lo. A criminalização ad hoc de uma conduta não se harmoniza com o princípio da legalidade e da taxatividade? Isso não seria um problema quando as garantias típicas do Estado de Direito são flexibilizadas, sob a invocação de um regime jurídico outro que permitisse tal conduta. Não somente inconstitucional é tal interpretação, em clara violação aos princípios supramencionados, mas representa também um perigoso caminho que se abre no sentido da criminalização travestida de legalidade do dissenso político na ordem jurídico-política brasileira67 67 Posicionamento semelhante é defendido em BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; STRECK, Lenio Luiz. Breve Nota Crítica ao Relatório Anastasia: contra a admissibilidade do processo de impeachment por crime de responsabilidade da Presidente da República. Disponível em < http://emporiododireito.com.br/breve-nota-critica-ao-relatorio>. Acesso em 24 de julho de 2016. .

O pensamento de Otto Kirchheimer se revela, portanto, bastante atual, para além dos campos de concentração ou “Lei de proteção do sangue” do período hitlerista, na medida em que o Estado de Direito convive a todo o momento com a tensão entre proteção da ordem institucional e a criminalização do dissenso político. Os exemplos mencionados anteriormente revelam ainda que este problema não se deixa limitar geográfica e temporalmente ao contexto vivido pelo autor, mas se relacionam ao projeto do Estado de Direito de uma forma geral. Devemos abandoná-lo? De forma alguma. A aposta no Direito e na sua legitimidade democrática, isto é, que não se baseie apenas em “um brilho emprestado de um passado idealizado68 68 KIRCHHEIMER, Otto. Legalität und Legitimität, op. cit., p. 27. ”, mas que seja fruto da efetiva participação popular no processo tanto de produção legislativa nos órgãos legiferantes, quanto no momento de efetivação da norma jurídica, principalmente nos processos envolvendo a justiça política, é algo tido como fundamental por Kirchheimer. Contra a utilização dos meios legais para a neutralização do dissenso político, ele ainda aposta no Direito. E mais ainda: nos processos democráticos de formação e efetivação deste.

  • 1
    TIETZ, Udo.TIETZ, Udo. Die Gesellschaftsauffassung In: BLUHM, Harald (Hrsg.). Die deutsche Ideologie. Berlin: Akadernie Verlag, 2010. Die Gesellschaftsauffassung In: BLUHM, Harald (Hrsg.). Die deutsche Ideologie. Berlin: Akadernie Verlag, 2010, p. 61.
  • 2
    ENGELS, Friedrich; MARX, Karl______.; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 93.
  • 3
    HEGEL, Georg Wilhelm FriedrichHEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Grundlinen der Philosophie des Rechts. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989.. Grundlinen der Philosophie des Rechts. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1989, p. 96.
  • 4
    ROSA, HartmutROSA, Hartmut. Kritik der Zeitverhältnisse. Beschleunigung und Entfremdung als Schlüsselbegriffe der Sozialkritik In: JAEGGI, Rahel; WESCHE, Tilo (hrsg.). Was ist Kritik?. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2013.. “Kritik der Zeitverhältnisse. Beschleunigung und Entfremdung als Schlüsselbegriffe der Sozialkritik” in JAEGGI, Rahel; WESCHE, Tilo (hrsg.). Was ist Kritik?. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2013, p. 26.
  • 5
    HORKHEIMER, MaxHORKHEIMER, Max. Teoría tradicional y teoría crítica In: ______. Teoría crítica. Buenos Aires: Amorrotu, 2003.. Teoría tradicional y teoría crítica In: ______. Teoría crítica. Buenos Aires: Amorrotu, 2003, p, 246-247.
  • 6
    ENGELS, Friedrich; MARX, Karl______.; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.. A ideologia alemã, op. cit., p. 535: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”.
  • 7
    Ibidem, p 534: “Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na compreensão dessa prática.
  • 8
    POLLOCK, FriedrichPOLLOCK, Friedrich. Die gegenwartige Lage des Kapitalismus und die Aussichten einer planwirtschaftlichen Neuordnung In: ______. Stadien des Kapitalismus. Munique: Verlag C. H. Beck, 1975.. Die gegenwartige Lage des Kapitalismus und die Aussichten einer planwirtschaftlichen Neuordnung In: ______. Stadien des Kapitalismus. Munique: Verlag C. H. Beck, 1975, p. 20-39.
  • 9
    Cf. HONNETH, AxelHONNETH, Axel. Pathologies of Reason: on the legacy of critical theory. New York: Columbia University Press, 2009.. Pathologies of Reason: on the legacy of critical theory. New York: Columbia University Press, 2009, p. 43-53.
  • 10
    KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches______. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches In: ______. Von der Weimarer Republik zum Faschismus: Die Auflösung der demokratischen Rechtsordnung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976. In: ______. Von der Weimarer Republik zum Faschismus: Die Auflösung der demokratischen Rechtsordnung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976, p. 152-153 (tradução livre).
  • 11
    Em sua redação constava: Art. 48: (1) Quando um Estado não cumpre com deveres estabelecidos pela Constituição do Reich ou por Lei do Reich, pode o Presidente do Reich forçar tal cumprimento com auxílio das forças armadas; (2) Se a segurança publica e ordem se encontrem seriamente ameaçadas ou perturbadas no âmbito do Reich alemão, pode o Presidente do Reich tomar as medidas necessárias para a restauração destas, intervindo, se for o caso, com o auxílio das forças armadas. Para isso, pode ele suspender em todo ou em parte, os direitos fundamentais expressos nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153; (3) O presidente do Reich deve informar ao Reichstag sem delongas de todas as medidas tomadas com fundamento nos parágrafos 1 e 2 do presente artigo. As medidas podem ser revogadas a pedido do Reichstag; (4) Na eminência do perigo, pode o governo estadual, no que diz respeito ao seu próprio território, adotar as medidas expressas no parágrafo 2. Essas medidas podem ser revogadas a pedido do Presidente do Reich ou do Reichstag; (5) Lei do Reich regulará o presente artigo).
  • 12
    WEITZ, Eric. D.WEITZ, Eric. D. Weimar Germany: Promise and Tragedy. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2007.. Weimar Germany: Promise and Tragedy. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2007, p. 351.
  • 13
    KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 153.
  • 14
    KIRCHHEIMER, OttoKIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland. In: ______. Von der Weimarer Republik zum Faschismus: Die Auflösung der demokratischen Rechtsordnung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976.. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland. In: ______. Von der Weimarer Republik zum Faschismus: Die Auflösung der demokratischen Rechtsordnung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1976, p 186.
  • 15
    Ibidem, p. 197.
  • 16
    Sobre a questão do liberalismo em Carl Schmitt, ver FERREIRA, BernardoFERREIRA, Bernardo. O risco do político. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.. O risco do político. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
  • 17
    SCHMITT, Carl______. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 1993.. Politische Theologie. Berlin: Duncker & Humblot, 1993, p.8.
  • 18
    DAHM, Georg. Verbrechen und Tatbestand apud KIRCHHEIMER, OTTO. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p. 188: “Eine Person, die eine bewigliche, ihr nicht gehörende Sache wegnehme, mache sich damit nicht unbedingt zum Dieb; nur das innere Wesen der Persönlichkeit könne sie dazu machen“.
  • 19
    KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 164: „sofern sie im Übereifer des Kampfes für die nationalsozialistische Bewegung begangen wurden“
  • 20
    § 2. do Strafgesetzbuch (StGB) alterado pela „Gesetz zur Änderung des Strafgesetzbuchs“ em 28 de junho de 1935: „Bestraft wird, wer eine Tat begeht, die das Gesetz für strafbar erklärt oder die nach dem Grundgedanken eines Strafgesetzes und nach gesundem Volksempfinden Bestrafung verdient. Findet auf die Tat kein bestimmtes Strafgesetz unmittelbar Anwendung, so wird die Tat nach dem Gesetz bestraft, dessen Grundgedanke auf sie am besten zutrifft“.
  • 21
    KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p 191.
  • 22
    Ibidem, p. 187.
  • 23
    MARX, KarlMARX, Karl. O Capital, Volume I. Tradução por Regis Barbosa e Flávio R. Kothe São Paulo: Nova Cultural, 1988.. O Capital, Volume I. Tradução por Regis Barbosa e Flávio R. Kothe São Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 79.
  • 24
    NEUMANN, FranzNEUMANN, Franz. Behemoth: The structure and practice of national socialism (1933-1944). Chicago: Ivan R. Dee, 2009.. Behemoth: The structure and practice of national socialism (1933-1944). Chicago: Ivan R. Dee, 2009, p. 98 et seq.
  • 25
    KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p. 188.
  • 26
    VORMBAUM, Thomas (Hrsg.). Moderne deutsche Strafrechtsdenker______. (Hrsg.). Moderne deutsche Strafrechtsdenker. Heidelberg: Springer Verlag, 2011.. Heidelberg: Springer Verlag, 2011, p. 49.
  • 27
    HABERMAS, JürgenHABERMAS, Jürgen. El vínculo interno entre Estado de Derecho y Democracia. In: ______. La inclusión del otro: estudios de teoría política. Barcelona: Paidós, 1999.. El vínculo interno entre Estado de Derecho y Democracia. In: ______. La inclusión del otro: estudios de teoría política. Barcelona: Paidós, 1999, p. 249.
  • 28
    KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 159-160.
  • 29
    ARENDT, HannahARENDT, Hannah. Da revolução. Brasília e São Paulo: Universidade de Brasília e Ática, 1988.. Da revolução. Brasília e São Paulo: Universidade de Brasília e Ática, 1988, p. 19-20.
  • 30
    HAMILTON, A.; JAY, J.; MADISON, J.HAMILTON, A.; JAY, J.; MADISON, J. O Federalista. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003.. O Federalista. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003, p. 459.
  • 31
    KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p. 196.
  • 32
    KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 168.
  • 33
    KIRCHHEIMER, Otto. Das Strafrecht im nationalsozialistischen Deutschland, op. cit., p. 206.
  • 34
    Ibidem, p. 207.
  • 35
    Moeda utilizada na Alemanha entre 1924 a 1948, quando foi substituída pelo marco alemão.
  • 36
    KIRCHHEIMER, Otto. Staatsgefüge und Recht des Dritten Reiches, op. cit, p. 169.
  • 37
    BENJAMIN, WalterBENJAMIN, Walter. Über den Begriff der Geschichte. In: ______. Gesammelte. Schriften I. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1972.. Über den Begriff der Geschichte. In: ______. Gesammelte. Schriften I. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1972, p. 696.
  • 38
    KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz______. Politische Justiz. In: ______. Politik und Verfassung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1964.. In: ______. Politik und Verfassung. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1964, p. 96.
  • 39
    Como vemos, por exemplo, em DWORKIN, RonaldDWORKIN, Ronald. O fundamento político do Direito. In: ______. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.. O fundamento político do Direito. In: ______. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p, 47.
  • 40
    HERZ, John H.HERZ, John H. Otto Kirchheimer, Leben und Werk. In LUTHARDT,Wolfgang; SOLLNER, Alfons (Hrsg.). Verfassungsstaat, Souveranitat, Pluralismus: Otto Kirchheimer zum Gedächtnis. Opladen: Westdeutscher Verlag 1989. Otto Kirchheimer, Leben und Werk. In LUTHARDT,Wolfgang; SOLLNER, Alfons (Hrsg.). Verfassungsstaat, Souveranitat, Pluralismus: Otto Kirchheimer zum Gedächtnis. Opladen: Westdeutscher Verlag 1989, p. 12.
  • 41
    Cf. SCHMITT, Carl.SCHMITT, Carl. Constitutional Theory. Durham and London: Duke University Press, 2008.Constitutional Theory. Durham and London: Duke University Press, 2008, p. 75.
  • 42
    KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 99.
  • 43
    Idem.
  • 44
    KRIELE, MartinKRIELE, Martin. Introdução à teoria do Estado: os fundamentos históricos da legitimidade do Estado Constitucional Democrático. Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009.. Introdução à teoria do Estado: os fundamentos históricos da legitimidade do Estado Constitucional Democrático. Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009, p. 146-168.
  • 45
    Cf. PREUß, Ulrich KPREUß, Ulrich K. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat. In: LUTHARDT,Wolfgang; SOLLNER, Alfons (Hrsg.). Verfassungsstaat, Souveranitat, Pluralismus: Otto Kirchheimer zum Gedächtnis. Opladen: Westdeutscher Verlag 1989.. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat. In: LUTHARDT,Wolfgang; SOLLNER, Alfons (Hrsg.). Verfassungsstaat, Souveranitat, Pluralismus, op. cit., p. 135.
  • 46
    KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 108.
  • 47
    Ibidem, p. 99-100.
  • 48
    KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 102.
  • 49
    PREUß, Ulrich K. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat, op. cit., p. 138.
  • 50
    KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 102.
  • 51
    Ibidem, p. 103.
  • 52
    FERREIRA, JorgeFERREIRA, Jorge. A democracia no Brasil (1945-1964). São Paulo: Atual Editora, 2006.. A democracia no Brasil (1945-1964). São Paulo: Atual Editora, 2006, p. 39.
  • 53
    Ibidem, p. 40.
  • 54
    KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 103.
  • 55
    Ver nesse sentido MEYER, Emilio Peluso NederMEYER, Emilio Peluso Neder. Ditadura e Responsabilização: Elementos para uma Justiça de Transição no Brasil. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.. Ditadura e Responsabilização: Elementos para uma Justiça de Transição no Brasil. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.
  • 56
    KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 104.
  • 57
    PREUß, Ulrich K. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat, op. cit., p. 138.
  • 58
    Nesse sentido, VORMBAUM, ThomasVORMBAUM, Thomas. Einführung in die moderne Strafrechtsgeschichte. Berlin e Heidelberg: Springer Verlag, 2011.. Einführung in die moderne Strafrechtsgeschichte. Berlin e Heidelberg: Springer Verlag, 2011, p. 55.
  • 59
    PREUß, Ulrich K. Politische Justiz im demokratischen Verfassungsstaat, op. cit., p. 138.
  • 60
    KIRCHHEIMER, Otto______. Legalität und Legitimität. In: ______. Politische Herrschaft: fünf Beiträge zur Lehre vom Staat. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1981.. Legalität und Legitimität. In: ______. Politische Herrschaft: fünf Beiträge zur Lehre vom Staat. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1981, p. 25.
  • 61
    Ibidem, p. 9.
  • 62
    KIRCHHEIMER, Otto. Politische Justiz , op. cit., p. 112.
  • 63
    ANASTASIA, AntônioANASTASIA, Antônio. Da COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT, referente à admissibilidade da DEN nº 1, de 2016 [DCR no 1, de 2015, na origem] – Denúncia por crime de responsabilidade, em desfavor da Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, por suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei nº 1.079, de 1950, art.10, item 4 e art. 11, item 2); e da contratação ilegal de operações de crédito (Lei nº 1.079, de 1950, art. 11, item 3). 04/05/2016. Disponível em <http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia>. Acesso em 24 de julho de 2016.
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    . Da COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT, referente à admissibilidade da DEN nº 1, de 2016 [DCR no 1, de 2015, na origem] – Denúncia por crime de responsabilidade, em desfavor da Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, por suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei nº 1.079, de 1950, art.10, item 4 e art. 11, item 2); e da contratação ilegal de operações de crédito (Lei nº 1.079, de 1950, art. 11, item 3). 04/05/2016. Disponível em <http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia>. Acesso em 24 de julho de 2016.
  • 64
    Idem, p. 11-12: “Todavia, contraditoriamente, em diversas passagens, a defesa pretende aplicar normas do regime jurídico penal ao caso. Daí porque, faz-se necessário, desde já, apresentar os substratos doutrinários e jurisprudenciais que afastam a pretensão de equiparar os crimes de responsabilidade – e por conseguinte o regime jurídico próprio – aos crimes regidos pelo Código Penal e Processual Penal (este, como sabido, deve ser aplicado apenas subsidiariamente, por força do art. 38 da citada Lei nº 1.079, de 1950)”.
  • 65
    Idem, p. 51: “Além disso, a lista de ilícitos político-administrativos inscritos nas Constituições brasileiras sempre ostentou e ostenta caráter meramente exemplificativo”.
  • 66
    Idem.
  • 67
    Posicionamento semelhante é defendido em BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de MoraesBAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; STRECK, Lenio Luiz. Breve Nota Crítica ao Relatório Anastasia: contra a admissibilidade do processo de impeachment por crime de responsabilidade da Presidente da República. Disponível em < http://emporiododireito.com.br/breve-nota-critica-ao-relatorio>. Acesso em 24 de julho de 2016.
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    ; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; STRECK, Lenio Luiz. Breve Nota Crítica ao Relatório Anastasia: contra a admissibilidade do processo de impeachment por crime de responsabilidade da Presidente da República. Disponível em < http://emporiododireito.com.br/breve-nota-critica-ao-relatorio>. Acesso em 24 de julho de 2016.
  • 68
    KIRCHHEIMER, Otto. Legalität und Legitimität, op. cit., p. 27.

Referência bibliográfica

  • ANASTASIA, Antônio. Da COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT, referente à admissibilidade da DEN nº 1, de 2016 [DCR no 1, de 2015, na origem] – Denúncia por crime de responsabilidade, em desfavor da Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, por suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei nº 1.079, de 1950, art.10, item 4 e art. 11, item 2); e da contratação ilegal de operações de crédito (Lei nº 1.079, de 1950, art. 11, item 3). 04/05/2016. Disponível em <http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia>. Acesso em 24 de julho de 2016.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2016
  • Aceito
    10 Fev 2017
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