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‘Economia da natureza’, ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’ na escrita de naturalistas luso-americanos (1786-1815)

‘Economy of nature’, ‘animal economy’, and ‘vegetal economy’ in the writing of Luso-American naturalists (1786-1815)

Resumo

No vocabulário das Luzes, ‘economia da natureza’ se relacionava à ideia da existência de um ‘equilíbrio’ entre as diversas partes que compõem o mundo natural. Por sua vez, ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’ tinham seus significados ligados ao ‘organismo’ de animais e plantas, respectivamente. Este artigo tem como objetivo analisar como naturalistas luso-americanos (Alexandre Rodrigues Ferreira, José Bonifácio de Andrada e Silva, Manuel Galvão da Silva e João da Silva Feijó) mobilizaram esses conceitos no exame de aspectos relacionados a realidades locais de diferentes partes do Império português (Reino e colônias) de finais do século XVIII e início do XIX.

Palavras-chave
Economia da natureza; Economia animal; Economia vegetal; Naturalistas luso-americanos

Abstract

In the vocabulary of the Enlightenment, ‘economy of nature’ was related to the idea of the existence of a ‘balance’ between the different parts that make up the natural world. In turn, ‘animal economy’ and ‘vegetal economy’ had their meanings linked to the ‘organism’ of animals and plants, respectively. This article aims to analyze how Luso-American naturalists (Alexandre Rodrigues Ferreira, José Bonifácio de Andrada e Silva, Manuel Galvão da Silva, and João da Silva Feijó) mobilized these concepts in examining aspects related to local realities of different parts of the Portuguese Empire (Kingdom and colonies) at the end of the 18th century and the beginning of the 19th.

Keywords
Economy of nature; Animal economy; Vegetal economy; Luso-American naturalists

INTRODUÇÃO: ‘ECONOMIA DA NATUREZA’, ‘ECONOMIA ANIMAL’ E ‘ECONOMIA VEGETAL’

As ideias de ‘economia da natureza’, ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’ são uma constante nos textos escritos por naturalistas luso-americanos do final do século XVIII e início do XIX, no âmbito do Império português. Os conceitos foram mobilizados para a compreensão da natureza e de diferentes aspectos econômicos e sociais das realidades que observaram pessoalmente, assim como para a proposição de soluções para problemas encontrados.

A proposta deste artigo é analisar de que forma essas concepções aparecem em discursos de naturalistas luso-americanos. São autores cujas pesquisas foram motivadas por um projeto econômico do Estado português, que, de alguma forma, se amparava também nas ideias provindas da economia política. Aliás, uma questão bastante interessante é que a existência de noções provindas da história natural, como a de uma ordem natural sustentada em ideias como as de equilíbrio, estabilidade e harmonia, propiciou as condições necessárias para o desenvolvimento do discurso da economia política (tanto da fisiocracia quanto da economia clássica), na segunda metade do século XVIII, também ela pensada de acordo com essas noções (Cardoso, 2006Cardoso, J. L. (2006). Natural law, natural history and the foundations of political economy. In J. B. Davies, A. Marciano & J. Rundle (Ed.), The Elgar Companion to economics and philosophy (Chapter 1). Edward Elgar Publishing., pp. 3-23).

Os trabalhos de José Augusto Pádua já haviam mostrado como a concepção de ‘economia da natureza’ estava na base de reflexões de naturalistas luso-americanos das últimas décadas do século XVIII. O historiador se referiu àquela geração de naturalistas formados em Coimbra como os iniciadores de uma ‘tradição intelectual esquecida’, que teria incorporado um debate mais amplo do Iluminismo ligado ao chamado ‘conservacionismo ambiental’ (Pádua, 2004Pádua, J. A. (2004). Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Jorge Zahar Editor.), tema do qual havia tratado outro historiador, Richard H. Grove (Grove, 1995Grove, R. H. (1995). Green Imperialism: colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism, 1600-1860. Cambridge University Press.). Segundo Grove, o pensamento relacionado a este conservacionismo ambiental se desenvolveu a partir de meados do século XVII, com a emergência do capitalismo e a expansão colonial, atingindo um escopo mais global a partir das últimas décadas do século XVIII (Grove, 1995Grove, R. H. (1995). Green Imperialism: colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism, 1600-1860. Cambridge University Press., pp. 6 e 309).A partir da observação de processos ambientais relacionados à devastação da natureza por parte de agentes coloniais, o que fizeram também impulsionados por novas teorias climáticas da época, adveio-se, segundo ele, uma “ideologia conservacionista [conservationist ideology]” (Grove, 1995Grove, R. H. (1995). Green Imperialism: colonial expansion, tropical island Edens and the origins of environmentalism, 1600-1860. Cambridge University Press., p. 6).

No presente artigo, retomaremos o debate sobre a ‘economia da natureza’ (relacionada ao conservacionismo ambiental), expandindo-o para outros naturalistas luso-americanos. Procuraremos mostrar, ainda, como os naturalistas faziam também uso de ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’, concepções também derivadas da literatura científica europeia da época, particularmente referente a discussões médicas.

Uma série de iniciativas atesta como a História Natural, na segunda metade do século XVIII em Portugal, começou a ser vista como campo de estudos necessário para o desenvolvimento econômico do Estado. Já os novos “Estatutos da Universidade de Coimbra de 1772” determinavam que, nas aulas de História Natural, o lente deveria privilegiar o ensino das utilidades que os produtos naturais, nos seus três reinos (vegetal, mineral e animal), poderiam prover aos homens, especialmente econômicas (“Estatutos da Universidade de Coimbra...”, 1773Estatutos da Universidade de Coimbra do anno de MDCCLXXII. (1773). Livro III. Na Regia Officina Typografica., pp. 351-359). Entre finais da década de 1770 e o início da de 1780, o Estado português idealizou e começou a pôr em prática um projeto de inventariação da natureza do mundo colonial conhecido como História Natural das Colônias. Tratava-se de, entre outros aspectos, conhecer todos os potenciais econômicos que os produtos naturais do Império português pudessem oferecer. Nesse âmbito, o ministro da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, Martinho de Melo e Castro (1777-1795), organizou as chamadas viagens filosóficas, excursões científicas realizadas por diversas regiões do Império, com a finalidade de efetivar tal inventariação. Foram também criadas instituições que tinham entre os seus objetivos promover e divulgar pesquisas relacionadas à História Natural, como a Academia Real das Ciências de Lisboa, fundada em 1779. Esses três acontecimentos (ensino de História Natural em Coimbra, promoção das viagens filosóficas e atividades da Academia) estiveram diretamente relacionados à atuação do naturalista de origem italiana Domenico Vandelli (Pádua-1735 – Lisboa-1816), pois ele foi professor de História Natural em Coimbra (nomeado a partir da reforma universitária), idealizador do projeto História Natural das Colônias e primeiro diretor da classe de ciências naturais da Academia (eleito em 1780), com diversas memórias publicadas nos volumes acadêmicos denominados Memórias Econômicas (Carvalho, 1978Carvalho, L. R. (1978). As reformas pombalinas da instrução pública. EDUSP/Saraiva., pp. 141-187; Simon, 1983Simon, W. J. (1983). Scientific Expeditions in the Portuguese Overseas Territories (1783-1808) and the role of Lisbon in the Intellectual-Scientific Community of the late Eighteenth Century. Instituto de Investigação Científica Tropical.; Cardoso, 1989Cardoso, J. L. (1989). Um caso exemplar: Domingos Vandelli. In Autor. O pensamento económico em Portugal nos finais do século XVIII (1780-1808) (pp. 57-65). Editorial Estampa., pp. 57-79, “1997Cardoso, J. L. (1997). Viagens filosóficas e mapas económicos: a redescoberta do espaço social nos finais do século XVIII. In Autor. Pensar a economia em Portugal – digressões históricas (pp. 101-118). Difel., pp. 101-118; Raminelli, 2008Raminelli, R. J. (2008). Viagens ultramarinas: monarquias, vassalos e governo à distância. Alameda.; Pataca, 2006Pataca, E. M. (2006). Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas (1755-1808) [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas].; J. Silva, 2018Silva, J. A. (2018). A Academia Real das Ciências de Lisboa (1779-1834). Ciências e hibridismo numa periferia europeia. Edições Colibri.).

Sucessor de Melo e Castro, D. Rodrigo de Souza Coutinho (1796-1801) também se defrontou com as crescentes tensões externas (decorrentes especialmente da Revolução Francesa) e internas (movimentos de revolta, como a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana) que marcaram as décadas finais do século XVIII e início do XIX em Portugal. Para conservar a soberania do país e a manutenção dos domínios, era necessário buscar alternativas que contornassem o problema financeiro que o Império vivenciava. Ele defendeu um programa reformista, denominado por alguns historiadores como ‘mercantilismo ilustrado’ (por conciliar princípios do mercantilismo com outros provindos da nova ‘economia política’ que então se afirmava), que, por um lado, previa a manutenção do princípio da indissolubilidade do Império enquanto unidade política e, por outro, concedia alguma autonomia econômica às colônias. Coutinho prosseguiu com as políticas que visavam à obtenção de melhores conhecimento e exploração do território e dos produtos naturais coloniais: entre outros aspectos, ele deu prosseguimento ao fomento a viagens de investigação científica; instituiu projetos que visavam à diversificação da produção colonial; fomentou o desenvolvimento técnico a partir de novos métodos produtivos considerados mais modernos (Novais, 1984Novais, F. A. (1984). O reformismo ilustrado luso-brasileiro: alguns aspectos. Revista Brasileira de História, 7, 105-118.; Lyra, 1994Lyra, M. L. V. (1994). A utopia do poderoso Império. Portugal e Brasil: bastidores da política (1798-1822). Sette Letras.; Maxwell, 1999Maxwell, K. (1999). A geração de 1790 e a ideia do Império Luso-Brasileiro. In Autor. Chocolate, piratas e outros malandros. Ensaios tropicais (pp. 157-207). Paz e Terra.; Dias, 2005Dias, M. O. S. (2005). Aspectos da Ilustração no Brasil. In Autor. A interiorização da metrópole e outros estudos (pp. 100-170). Alameda.; A. Silva, 2006Silva, A. R. C. (2006). Inventando a nação: intelectuais ilustrados e estadistas luso-brasileiros na crise do antigo regime português (1755-1822). Hucitec-Fapesp.; Kantor, 2014Kantor, I. (2014). Ciência e Império: trajetórias de ilustrados luso-americanos na segunda metade do século XVIII. In Laboratório do mundo: ideias e saberes no século XVIII (Catálogo). Pinacoteca/Imprensa Oficial.; Pombo, 2015Pombo, N. (2015). D. Rodrigo de Sousa Coutinho: pensamentos e ação político-administrativa no Império português (1778-1812). Hucitec.).

Trataremos aqui de quatro naturalistas que integraram os projetos de inventariação da natureza e dos povos do Reino e do mundo colonial português colocados em prática entre as últimas décadas do século XVIII e início do XIX. Três deles foram enviados para diferentes partes do Império, a partir de 1783, para liderarem viagens filosóficas: Alexandre Rodrigues Ferreira (Salvador-1756 – Lisboa-1815), às capitanias do Grão-Pará, Rio Negro e Mato Grosso, na América portuguesa (1783-1792); Manuel Galvão da Silva (Bahia-1750 – Moçambique-1793?)1 1 Sobre as trajetórias de Alexandre Rodrigues Ferreira e Manuel Galvão da Silva, ver Simon (1983, pp. 23-78). Não trataremos do quarto naturalista envolvido nas viagens filosóficas de 1783, Joaquim José da Silva, enviado a Angola, pois não encontramos em seus textos as concepções de ‘economia da natureza’, ‘economia animal’ ou ‘economia vegetal’. , a Bahia, Goa e Moçambique (onde provavelmente faleceu); e João da Silva Feijó (Rio de Janeiro-1760 – Rio de Janeiro-1824), a Cabo Verde e, anos depois (1799), Ceará. Eles haviam anteriormente se formado naturalistas na Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra2 2 Existem muitas dúvidas sobre a vida de Feijó, inclusive sobre ter se formado na Faculdade de Filosofia de Coimbra, porém é praticamente certo que sua formação se deu ali (Pereira, 2012, pp. 33-41). , onde tiveram como professor de História Natural e Química, Domenico Vandelli (Padua-1735 – Lisboa-1816). O quarto naturalista cujos escritos aqui analisaremos é José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos-1763 – Niterói-1838), que fora também aluno de Vandelli, em Coimbra. Bonifácio exerceu importantes cargos administrativos em Portugal, inclusive alguns para cujo exercício precisou se valer de seus conhecimentos como naturalista para o exame direto da natureza de Portugal, como o de superintendente das Obras de Reflorestamento nos Areais das Costas. Esses naturalistas mobilizaram os conceitos de ‘economia da natureza’, ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’ nos seus exames da natureza, em discussões nas quais, por vezes, repercutiram também concepções relacionadas ao ‘conservacionismo ambiental’.

Nas últimas décadas, muito se debateu sobre a possibilidade de ‘economia da natureza’ poder ser, de alguma forma, associada a ‘ecologia’. Donald Worster pensa que é possível fazer essa conexão: para ele, embora a palavra ecologia date apenas de 1866, seu significado já estaria expresso nos séculos XVII e XVIII, justamente por ‘economia da natureza’ (Worster, 1977Worster, D. (1977). Nature’s economy: the roots of ecology. Sierra Club Books., p. VIII). Contudo, outros autores entendem que somente a partir das concepções darwinistas é que se poderia falar de ecologia. Camille Limoges (1972, p. 18)Limoges, C. (1972). Introduction. In C. Linné. L’équilibre de la nature (pp. 7-22). Librairie Philosophique J. Vrin. considera que até o século XVIII inexistia a noção de adaptação, essencial para as teorias de Wallace e Darwin. Já Canguilhem (n.d., p. 82) avalia que a noção de equilíbrio presente em ‘economia na natureza’ é diferente da noção de equilíbrio ecológico, que teria significado apenas após a teoria da distribuição geográfica dos organismos, posterior a Darwin.

Um autor tem especial papel na argumentação de todos esses estudiosos: Carl von Linné (1707-1778), mais conhecido como Lineu, no mundo lusófono. Todo o debate centra-se principalmente em textos produzidos por ele e seus alunos (Lindroth, 1994Lindroth, S. (1994). The two faces of Linnaeus. In T. Frängsmyr (Ed.), Linnaeus: the man and his work (pp. 1-62). Science History Publications., pp. 16-19; Vaz, 2002Vaz, F. A. L. (2002). Instrução e economia: as ideias económicas no discurso da Ilustração portuguesa (1746-1820). Edições Colibri., pp. 377-379), como a “Oratio de Telluris habitabilis incremento” (1744), do próprio autor, “Oeconomia naturae” (1749), de seu aluno J. B. Biberg, e “Politia naturae” (1760), de H. C. D. Wilcke, também discípulo seu (obras citadas em Linné, 1972Linné, C. (1972). L’équilibre de la nature. Introduits et annotés para Camille Limoges. Librairie Philosophique J. Vrin.). Particularmente no segundo, que denomina justamente ‘economia da natureza’, a natureza é apresentada como a criação de uma “sabedoria divina”, que dispôs os “seres naturais” de fins comuns e funções recíprocas (Biberg citado em Linné, 1972Linné, C. (1972). L’équilibre de la nature. Introduits et annotés para Camille Limoges. Librairie Philosophique J. Vrin., pp. 57-58). A partir do vínculo entre os produtos naturais dos três reinos (animais, vegetais e minerais), forma-se uma ordem marcada pela existência de equilíbrio entre os produtos naturais. Segundo o autor, os produtos passam por um ciclo em que inicialmente se propagam, depois se conservam e, por fim, destroem-se (Biberg, citado em Linné, 1972Linné, C. (1972). L’équilibre de la nature. Introduits et annotés para Camille Limoges. Librairie Philosophique J. Vrin., p. 58). Biberg (citado em Linné, 1972Linné, C. (1972). L’équilibre de la nature. Introduits et annotés para Camille Limoges. Librairie Philosophique J. Vrin.) desenvolve uma reflexão sobre como se dá a geração, a multiplicação e a alimentação de animais e plantas. Em relação a esse último aspecto, por exemplo, afirma que o Criador definiu os alimentos de cada um deles, estabelecendo limites ao seu crescimento (Biberg citado em Linné, 1972Linné, C. (1972). L’équilibre de la nature. Introduits et annotés para Camille Limoges. Librairie Philosophique J. Vrin., p. 86).

Worster assinala que, por volta de 1530, a palavra ‘oeconomy’ era usada ainda no sentido de arte da administração doméstica, como entre os gregos antigos, mas que eventualmente se estendia para significar a administração dos recursos de uma comunidade ou estado para produção ordenada. Paralelamente, teólogos começaram a empregá-la para designar o governo divino do mundo natural (Worster, 1977Worster, D. (1977). Nature’s economy: the roots of ecology. Sierra Club Books., p. 37). Esse é o sentido de ‘oeconomia’ para Lineu e seus discípulos. A reflexão do famoso naturalista sueco se assentava na chamada teologia natural – ou físico-teologia –, entendimento segundo o qual o ordenamento da natureza constituía-se como prova da existência de um Criador (Lindroth, 1994Lindroth, S. (1994). The two faces of Linnaeus. In T. Frängsmyr (Ed.), Linnaeus: the man and his work (pp. 1-62). Science History Publications., pp. 11-14). A ‘economia da natureza’ fazia parte da sua concepção de ‘cadeia do ser’, na qual os diversos produtos naturais tinham lugar fixo numa hierarquia que ligava desde os minerais até o homem – o topo da cadeia (Lindroth, 1994Lindroth, S. (1994). The two faces of Linnaeus. In T. Frängsmyr (Ed.), Linnaeus: the man and his work (pp. 1-62). Science History Publications., pp. 16-17)3 3 O Conde de Buffon também concebeu uma ideia de ‘economia da natureza’ que se sustentava numa noção de equilíbrio. Para ele, o “equilíbrio da vida” é formado pelo movimento de reprodução e destruição das “forças vivas” (Roger, 1989, p. 202). .

Por sua vez, as origens de ‘economia animal’ remontam ao século XVI, com as discussões médicas que envolviam a escola hipocrática de Paris e os alunos de Paracelso (Balan, 1975Balan, B. (1975). Premières recherches sur l’origine et la formation du concept d’economie animale. Revue d’Histoire des Sciences, 28(4), 289-326.). De acordo com Canguilhem (n.d., p. 82)Canguilhem, G. (n.d.). Ideologia e racionalidade nas ciências da vida. Edições 70., tratava-se de uma concepção também baseada na existência de uma lei reguladora que envolvia compensação e conservação (assim como a ‘economia da natureza’), mas no âmbito de um organismo individual. Papel central em sua difusão teve o médico inglês Charles Charleton (1619-1707), com a obra (Charleton, 1659Charleton, Walter (1659). Natural history of nutrition, life and voluntary motion. Henry Herringman.). Nesta obra, a ‘economia animal’ estava associada à fisiologia e às discussões médicas (Canguilhem, n.d.Canguilhem, G. (n.d.). Ideologia e racionalidade nas ciências da vida. Edições 70., p. 78). No século XVIII, conforme analisa Philippe Huneman, tratou-se de uma expressão frequentemente utilizada também no âmbito da medicina: autores dos verbetes da “Encyclopédie” a utilizaram para fazer referência a algum organismo particular, em especial para a compreensão da origem das doenças ou mesmo do fenômeno da vida. ‘Economia animal’, sustenta o historiador, implicava a existência de uma ordem e remetia à ideia de trocas entre as partes do corpo do organismo de um animal (Huneman, 2007Huneman, P. (2007). Animal economy. Anthropology and the rise of psychiatry from the ‘Encyclopédie’ to the alienists. In L. Wolff & M. Cipolloni (Eds.), The anthropology of the enlightenment (pp. 262-276). Stanford University Press., pp. 262-264). Ménuret de Chambaud (1739-1815), na “Encyclopédie”, afirmava que a ‘economia animal’ era empregada por autores para designar ‘“o animal mesmo”, muito embora o mais correto seria o uso da expressão para se referir “. . . à ordem, ao mecanismo, ao conjunto das funções e movimentos que conservam a vida dos animais, e cujo exercício perfeito, universal, executado com constância, alacridade e desembaraço, constitui o estado mais florescente de saúde” (Chambaud, 2015Chambaud, M. (2015). Economia animal. In D. Diderot & J. R. D’Alembert, Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios (Vol. 3: Ciências da Natureza) (pp. 267-279). Editora Unesp., p. 267).

Já ‘economia vegetal’, embora menos referida pela historiografia, era expressão que também fazia parte do vocabulário dos estudos de botânica no século XVIII e estava igualmente associada à questão da saúde. Também na “Encyclopédie”, Louis-Jean-Marie Daubenton (1716-1799) associava a expressão a um sentido próximo de anatomia, ao determinar que, em História Natural, a atividade mais importante era “. . . observar a sua conformação [das plantas] e determinar as partes que concorrem para a economia vegetal” (Daubenton, 2015Daubenton, L. J. M. (2015). História natural. In D. Diderot & J. R. D’Alembert, Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios (Vol. 3: Ciências da Natureza) (pp. 218-230). Editora Unesp., p. 221). O conhecimento das ‘propriedades’ das plantas era necessário para que se conhecesse suas “virtudes medicinais” (Daubenton, 2015Daubenton, L. J. M. (2015). História natural. In D. Diderot & J. R. D’Alembert, Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios (Vol. 3: Ciências da Natureza) (pp. 218-230). Editora Unesp., p. 221). Outro exemplo é a obra “Le Physique des Arbres; où est traité de l’anatomie des plantes et de l’économie végétale” (1758), de Duhamel du Monceau (1700-1782), publicada em dois volumes. A última parte – “Livre Cinquième” – é particularmente dedicada à ‘economia vegetal’. Nela, trata da anatomia das plantas, da sua nutrição, do crescimento e das ‘doenças’ (maladies) – e maneiras de remediá-las. Como causas desses males, discute-se a seca, a umidade, a qualidade dos terrenos, as geadas e os insetos (Monceau, 1758Monceau, D. (1758). Le Physique des Arbres; où est traité de l’anatomie des plantes et de l’économie végétale. Seconde Partie. H. L. Guerin & L. F. Delatour., pp. 183-358).

À exceção do uso do termo economia para se referir particularmente a um animal ou a uma planta, nos demais casos se trata de afirmar a existência de uma ordem baseada no equilíbrio constituído na relação entre diversas ‘partes’: no caso de ‘economia da natureza’, as diversas ‘partes’ são os diferentes elementos da natureza, de seus três reinos, que mantêm entre si uma relação de interdependência. A natureza é, portanto, um ‘todo’ (ordem), que é o resultado dessa interação entre os vários produtos naturais; já em ‘economia animal’ ou ‘economia vegetal’, as ‘partes’ de animais e plantas são seus órgãos, que mantêm também uma relação de dependência entre si cujo resultado é um equilíbrio.

Na historiografia referente a Portugal e ao Brasil, Warren Dean procurou mostrar como, na segunda metade do século XVIII, as florestas brasileiras (em particular, a Mata Atlântica) deixaram de ser objeto de curiosidade para se tornarem alvo de interesse científico por parte da Coroa. A mudança, como afirma, deu-se em função de se procurarem novas fontes de receita, e acabou por ensejar o ‘começo do conservacionismo no Brasil’. Ele lembra da importância que teve, para aquele cenário, a nomeação de Vandelli como professor de História Natural em Coimbra, pelo marquês de Pombal, já que o naturalista acabou por se tornar responsável pela formação de uma geração de cientistas naturais que, de alguma maneira, se preocuparam com a questão ambiental, muitos dos quais nascidos no Brasil (Dean, 2020Dean, W. (2020). A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Companhia das Letras., pp. 134-135). Dean destaca particularmente as ordens do ministro Souza Coutinho, no final do século XVIII, para a criação de uma legislação que preservasse a madeira naval, produto econômico no qual estava particularmente interessado. Ele partia de um diagnóstico segundo o qual o modo de produção da agricultura era deficiente, justamente por permitir a destruição das florestas. A ‘crítica acadêmica’ promovida por naturalistas formados por Vandelli (José Vieira Couto e outros), conforme aponta, baseava-se na concepção de que aqueles métodos agrícolas (como as queimadas) eram fruto da ignorância (Dean, 2020Dean, W. (2020). A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Companhia das Letras., pp. 150-156).

Seguindo um entendimento próximo, José Augusto Pádua recordou uma série de textos em que Vandelli manifestou preocupação com a questão da destruição das matas, atentando para a importância que o naturalista teve na formação daquela que entendia ser a primeira geração de autores luso-brasileiros preocupados com a questão ambiental. Vandelli, como afirma, difundiu em suas obras e aulas a concepção de ‘economia da natureza’ (de Lineu, Buffon e outros), a qual “. . . ofereceu um importante instrumental teórico para embasar algumas das primeiras críticas modernas à destruição ambiental produzida pela ação humana” (Pádua, 2004Pádua, J. A. (2004). Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Jorge Zahar Editor., pp. 14-15). O autor alinha-se àqueles que respondem afirmativamente à possibilidade de se traçar uma continuidade entre as ideias setecentistas e o pensamento ecológico contemporâneo (Pádua, 2004Pádua, J. A. (2004). Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Jorge Zahar Editor., pp. 38-39).

O historiador atribui papel central a José Bonifácio de Andrada e Silva entre os autores que formaram essa primeira geração de críticos ambientais em Portugal e no Brasil. Suas concepções estão, muitas vezes, próximas às dos três naturalistas envolvidos nas ‘viagens filosóficas’ a partir de 1783, que aqui examinaremos. Nosso intuito é discutir não só a noção de ‘economia da natureza’, mas também as ideias de ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’ nos escritos dos naturalistas, bem como mostrar se e como estavam articuladas com o pensamento conservacionista. É necessário deixar claro que, a despeito da influência de Lineu nas concepções e nas pesquisas de História Natural em Portugal naquele contexto, os escritos dos naturalistas luso-americanos não se sustentavam na teologia natural, apresentando reflexões que pensavam a natureza de acordo com ‘leis’ próprias a ela – ainda que, em alguns casos (José Bonifácio), se relacione a natureza à ‘sabedoria do Criador’. Da mesma forma, é importante dizer também que os autores não apresentam a natureza como infinita, conforme a concepção bíblica. Pelo contrário, por vezes, enxergam que, em função da própria ação humana, alguns recursos naturais correm risco de se esgotarem. Por fim, devemos esclarecer também que, ao falarmos aqui de ‘conservacionismo ambiental’, entendemos que se tratava de um pensamento da época formulado apenas para que se continuasse e ampliasse a exploração desses mesmos recursos.

Todos os casos que analisaremos sustentaram-se na ideia de ‘economia da natureza’, tendo sido a expressão empregada ou não. Mostraremos também o uso que fizeram de ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’ (quando o fizeram). Primeiramente, trataremos de textos sobre a pesca na América portuguesa, de José Bonifácio e Alexandre Rodrigues Ferreira. Em seguida, argumentaremos que, embora partam de concepções semelhantes de ‘economia da natureza’, José Bonifácio e Manuel Galvão da Silva chegaram a conclusões opostas sobre a relação entre as matas e a proliferação de doenças. Por fim, trataremos do exame feito por João da Silva Feijó acerca da natureza do Ceará, mostrando semelhanças em relação às reflexões dos naturalistas anteriores (crítica à derrubada das matas, existência de secas e doenças), mas destacando como sua análise da natureza local se fundamenta numa concepção de ‘economia da natureza’ que propiciaria a implementação de um projeto de desenvolvimento da cultura do gado lanígero daquela capitania.

A PESCA DE TARTARUGAS, PEIXES-BOI E BALEIAS: ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA E JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA

Alexandre Rodrigues Ferreira também foi um dos autores em cuja escrita se despontam “fortes elementos de crítica” ambiental, como analisa Pádua (2004)Pádua, J. A. (2004). Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Jorge Zahar Editor.. Em textos escritos até mesmo anteriormente às memórias publicadas por Vandelli, em que este discutiu a questão, Ferreira, em memórias sobre a agricultura da América portuguesa, já reprovava o corte indiscriminado das matas e a prática das queimadas para a cultura da mandioca (Pádua, 2004Pádua, J. A. (2004). Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Jorge Zahar Editor., pp. 85-86). Porém, o historiador atenta, ainda, para o fato de que essa crítica ambiental foi manifestada também (e igualmente amparada na ideia de ‘economia da natureza’) nos seus escritos sobre as formas como era feita a pesca no Brasil (Pádua, 2004Pádua, J. A. (2004). Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Jorge Zahar Editor., p. 88). Trataremos neste item de duas memórias do naturalista em que essa questão aparece – “Memória sobre a Jurararetê” (A. Ferreira, 1972Ferreira, A. R. (1972). “Memória sobre a Jurararetê” e “Memória sobre o peixe-boi e uso que lhe dão no estado do Grão-Pará”. In Autor. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (Memórias de Zoologia e Botânica). Conselho Federal de Cultura.), assinada em Barcelos, a 3 de fevereiro de 1786, e “Memória sobre o peixe-boi e do uso que lhe dão no Estado do Grão-Pará” (A. Ferreira, 1972Ferreira, A. R. (1972). “Memória sobre a Jurararetê” e “Memória sobre o peixe-boi e uso que lhe dão no estado do Grão-Pará”. In Autor. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (Memórias de Zoologia e Botânica). Conselho Federal de Cultura.), também de Barcelos, a 2 de fevereiro de 1786 –, assim como da “Memória sobre a pesca das baleias” (1790), de José Bonifácio de Andrada e Silva – também discutida por Pádua (2004, pp. 134-135) –, cujo raciocínio é basicamente o mesmo de Ferreira.

Em texto de orientação aos viajantes, Vandelli havia indicado aspectos aos quais os naturalistas deveriam atentar no que dizia respeito a “mamaes aquáticos”, “anfíbios” e “peixes”, incluindo os métodos de pesca praticados (Vandelli, 2008Vandelli, D. (2008). Viagens filosóficas ou dissertação sobre as importantes regras que o filósofo naturalista, nas suas peregrinações, deve principalmente observar. In Autor. O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli (pp. 93-158). Dantes Editora.). Por exemplo, dever-se-ia observar, sobre as baleias, se “. . . é mais fácil fatigando-as pelo método de que usam no Brasil ou pondo por execução a fisga. . .” (Vandelli, 2008Vandelli, D. (2008). Viagens filosóficas ou dissertação sobre as importantes regras que o filósofo naturalista, nas suas peregrinações, deve principalmente observar. In Autor. O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli (pp. 93-158). Dantes Editora., p. 146). Já sobre as tartarugas, era importante que se anotassem detalhes sobre “diferentes espécies de tartarugas e, entre elas, notará as melhores para comércio e para as outras artes; como são as amarelas; o método de as pescar, e o tempo em que desovam” (Vandelli, 2008Vandelli, D. (2008). Viagens filosóficas ou dissertação sobre as importantes regras que o filósofo naturalista, nas suas peregrinações, deve principalmente observar. In Autor. O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli (pp. 93-158). Dantes Editora., p. 147).

No texto sobre a tartaruga jurararetê, Ferreira manifesta preocupação quanto à quantidade de exemplares existentes nos ‘currais’. Trata-se de “anfíbio tão útil ao Estado” que “. . . ainda não mereceu cuidados ou providências que são requeridas para evitar os abusos que se praticam contra ele” (A. Ferreira, 1972Ferreira, A. R. (1972). “Memória sobre a Jurararetê” e “Memória sobre o peixe-boi e uso que lhe dão no estado do Grão-Pará”. In Autor. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (Memórias de Zoologia e Botânica). Conselho Federal de Cultura., p. 41). Ele argumenta que as tartarugas “para chegar[em] ao seu devido crescimento levam alguns anos”, mas que

. . . anualmente são inúmeras as que se desperdiçam ao arbítrio absoluto dos índios; todas as ninhadas são descobertas, pisadas a eito e a maior parte das tartaruguinhas são comidas sem necessidade, o que em conjunto vem influir para sua raridade no decorrer do tempo

(A. Ferreira, 1972Ferreira, A. R. (1972). “Memória sobre a Jurararetê” e “Memória sobre o peixe-boi e uso que lhe dão no estado do Grão-Pará”. In Autor. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (Memórias de Zoologia e Botânica). Conselho Federal de Cultura., p. 41).

Alexandre Rodrigues Ferreira (1972, p. 42) fornece também dados sobre a grande “mortalidade” que houve em relação a esta espécie em determinado momento de 1785.

Com a pesca do peixe-boi, ocorre o mesmo problema. Sua crítica incidia no fato de que os animais eram arpoados indistintamente, sem que fossem levados em consideração o ‘tempo de criação’ (que desconheceriam) e sua idade. Não eram animais que se reproduziam rapidamente: as fêmeas não conseguiam parir “. . . mais de um[,] até dois filhos por ano”. E, mesmo assim, eram arpoados desde “filhotes”. Ele lamenta também que se arpoavam até mesmo as “fêmeas prenhas”, sendo que os “filhotes tirados do ventre das mães . . . . para nada servem”. Não havia nenhum “espanto”, portanto, para a sua “raridade em alguns lagos onde já não os encontramos há alguns anos”. A solução seria que fosse feito o “policiamento” da pesca (A. Ferreira, 1972Ferreira, A. R. (1972). “Memória sobre a Jurararetê” e “Memória sobre o peixe-boi e uso que lhe dão no estado do Grão-Pará”. In Autor. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (Memórias de Zoologia e Botânica). Conselho Federal de Cultura., p. 62). Dessa forma, poder-se-ia transformar tal atividade em algo lucrativo para o Estado.

Não está nomeada, mas a ideia de ‘economia da natureza’ subjaz à reflexão: a geração, o crescimento e a quantidade de peixes-boi (e também de tartarugas) são regulados pelas próprias ‘leis’ da natureza. Todavia, a interferência do homem de uma forma equivocada nessas ‘leis’ provoca um grande desequilíbrio, que coloca em risco a própria existência daqueles animais. Além disso, é interessante notar que Alexandre Ferreira (1972)Ferreira, A. R. (1972). “Memória sobre a Jurararetê” e “Memória sobre o peixe-boi e uso que lhe dão no estado do Grão-Pará”. In Autor. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (Memórias de Zoologia e Botânica). Conselho Federal de Cultura. emprega a expressão ‘economia animal’ para se referir ao organismo do animal: “A analogia que tem suas nadadeiras com as mãos dos quadrúpedes na economia animal do movimento progressivo lhe deu entre os espanhóis o nome de Manatus, como se dissessem peixe-com-mãos” (A. Ferreira, 1972Ferreira, A. R. (1972). “Memória sobre a Jurararetê” e “Memória sobre o peixe-boi e uso que lhe dão no estado do Grão-Pará”. In Autor. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (Memórias de Zoologia e Botânica). Conselho Federal de Cultura., p. 59).

Em “Memória sobre a pesca das baleias” (1790), o raciocínio é praticamente o mesmo. Não se trata de um texto resultante de uma viagem de investigação científica patrocinada pelo Estado, mas atende também às expectativas de Vandelli. José Bonifácio assinala escrever a partir do que “vi[u] e observ[ou] em algumas das armações de baleias no Brasil” (Varella, 2006Varella, A. G. (2006). “Juro-lhe pela honra de bom vassalo e bom português”: análise das memórias científicas de José Bonifácio de Andrada e Silva (1780-1819). Annablume., p. 87), afirmação que somente pode se referir ao momento anterior à sua ida a Portugal, em 1780. Foi neste ano que se matriculou nos cursos de Direito Canônico e Filosofia da Universidade de Coimbra (Varella, 2006Varella, A. G. (2006). “Juro-lhe pela honra de bom vassalo e bom português”: análise das memórias científicas de José Bonifácio de Andrada e Silva (1780-1819). Annablume., p. 87). Porém, o texto sobre baleias data de momento posterior à sua formação como naturalista. Ele mesmo registra que a escreveu com base no seu “estudo das Ciências Naturais” (Andrada e Silva, 1790Andrada e Silva, J. B. (1790). Memória sobre a pesca das baleias e extração de seu azeite; com algumas reflexões a respeito das nossas pescarias. In Memórias econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas (Tomo II). Na mesma oficina da Academia Real., p. 395).

Nele, o naturalista desfere diversas críticas ao método de pesca das baleias então praticado e propõe outros que viriam a gerar os lucros que aquela atividade poderia oferecer. Uma dessas críticas tem como base uma ideia de ‘economia da natureza’. Se Ferreira não havia utilizado a expressão, Bonifácio o fez: a reprodução das baleias é regulada pelas “sábias leis da economia geral da natureza”. Essas leis geram um equilíbrio na quantidade da espécie, que se altera com a pesca das fêmeas: a eliminação das “mães” deixa os “filhotes” subnutridos, e a consequência é a diminuição da “geração futura” (Andrada e Silva, 1790Andrada e Silva, J. B. (1790). Memória sobre a pesca das baleias e extração de seu azeite; com algumas reflexões a respeito das nossas pescarias. In Memórias econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas (Tomo II). Na mesma oficina da Academia Real., pp. 398-400). Aqui, portanto, a ideia de ‘economia da natureza’ não remete a uma relação de interdependência entre diferentes produtos naturais (de reinos diferentes), mas a um ‘equilíbrio’ interno à espécie, relativo à geração e à quantidade de baleias.

‘Economia’ é também um termo empregado por ele para se referir ao organismo das baleias: com ele, descreve-se a “organização e funções internas”: “sangue abundoso e quente”, “o coração de dois ventrículos” e outras características. Essa ‘economia’ foi estabelecida pela ‘sabedoria do Criador’, que as dotou de “apropriada configuração” para que vivessem “no meio do Oceano”. Trata-se, portanto, de um uso no sentido de ‘economia animal’. No seu entender, tudo foi criado como parte de uma espécie de ordenamento maior, desde os órgãos da baleia até o lugar ocupado pela espécie no oceano. Além disso, note-se que outra expressão utilizada é “cadeia”, para se referir ao “nó que ata os quadrúpedes aos peixes” e com a qual alude à ideia de “Cadeia do Ser” (Andrada e Silva, 1790Andrada e Silva, J. B. (1790). Memória sobre a pesca das baleias e extração de seu azeite; com algumas reflexões a respeito das nossas pescarias. In Memórias econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas (Tomo II). Na mesma oficina da Academia Real., pp. 395-396).

AS FLORESTAS E AS DOENÇAS: JOSÉ BONIFÁCIO E MANUEL GALVÃO DA SILVA

No texto sobre a pesca das baleias, conforme afirma Pádua (2004, p. 134), já se encontravam os

. . . elementos teóricos que continuarão presentes ao longo de toda a obra de Bonifácio: a visão do mundo fundada na economia da natureza, a defesa do progresso econômico como instrumento civilizatório; a apologia da racionalização das técnicas produtivas através da aplicação pragmática do conhecimento científico; e a crítica da exploração destrutiva dos recursos naturais.

Esses elementos reaparecem com bastante clareza na “Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal” (escrita em 1812 e publicada em 1815) (Andrada e Silva, 1815Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências.). Trata-se de um texto escrito quando José Bonifácio exercia a função de superintendente das Obras de Reflorestamento nos Areais das Costas (nomeado em 1802). Nele, como analisou Pádua (2004)Pádua, J. A. (2004). Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Jorge Zahar Editor., o naturalista atentou para a possibilidade de a devastação dos ‘bosques’ da costa de Portugal (que ele credita parcialmente aos invasores franceses do período napoleônico) levar à desertificação de Portugal, a partir de exemplos do que teria ocorrido em outros países4 4 O naturalista Frei José Mariano da Conceição Veloso (São José del Rei-1742 – Rio de Janeiro-1812), em prefácio ao “Fazendeiro do Brasil” (Veloso, 1799), também estabeleceu uma relação entre o desmatamento provocado pela cultura da cana-de-açúcar (e outras práticas de produção econômicas, como as empregadas na agricultura e na mineração) e as secas vivenciadas em algumas regiões do Brasil (Pernambuco, em particular). Ele criticou métodos de produção utilizados à época (considerou-os atrasados) e propôs outros tidos como modernos. Na América portuguesa, Veloso realizou a chamada ‘viagem botânica’, iniciada em 1783, por diversas províncias brasileiras. Posteriormente (1790), dirigiu-se a Portugal e foi nomeado, por D. Rodrigo de Souza Coutinho, diretor da editora do Arco do Cego (1799-1801) (B. Ferreira, 2019a, pp. 15-30). . Nesta nova ‘economia geral da natureza’ (diferente daquela relacionada à geração das baleias) que ele concebe, a derrubada das florestas provocaria efeitos, inclusive, sobre a saúde dos homens, ponto o qual queremos destacar aqui.

Andrada e Silva partia do entendimento de que “as costas marítimas de Portugal”, com algumas exceções, “estão todas areadas”, correndo-se o risco de desertificação (Andrada e Silva, 1815Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências., p. 24). A solução passava pela introdução de novos bosques “. . . que melhorem o clima e as estações; que defendam nossos rios e barras de serem entupidos e arruinados; e que nos deem lenhas, madeiras, taboado, alcatrão, pez e outros artigos de que precisamos”, ou seja, que tornassem a terra produtiva (Andrada e Silva, 1815Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências., pp. 27-28). As propostas teriam como base, de acordo com Andrada e Silva (1815, p. 3)Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências.: “tudo o que vi praticado na Prússia e na Holanda, e li nas Obras Estrangeiras que dela tratam”; ou seja, da literatura que “há mais de meio século tem mostrado a este respeito as Nações cultas da Europa” (Andrada e Silva, 1815Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências., p. 10). Nas palavras de Andrada e Silva (1815, p. 10): “Todos os que conhecem por estudo a grande influência dos bosques e arvoredos na Economia geral da Natureza sabem que os países que perderam suas matas estão quase todos estéreis, e sem gente”, citando os casos da Síria, da Fenícia, da Palestina e de Chipre. Para ele, o receio era de que o mesmo se sucedesse em relação a Portugal, e a solução para isso passava pela necessidade de “melhoramento total do terrão e clima atual de Portugal” (Andrada e Silva, 1815Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências., p. 10).

É central em sua argumentação a forma como funciona aquela ‘economia geral da natureza’. Nela, “tudo [os elementos naturais] é ligado na imensa cadeia do Universo” (Andrada e Silva, 1815Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências., pp. 14-15). De acordo com Andrada e Silva (1815, pp. 12-13)Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências., a devastação das matas originais, em função do “aumento da povoação e Agricultura”, implicava uma desestruturação dessa “cadeia”:

Sem matas a humidade necessária para a vida das outras planas, e dos animais vai faltando entre nós; o terrão se fez árido e nu. . . . Diminuídos os orvalhos e chuveiros, diminuem os cabedais, certos e perenes, dos rios e das fontes; e só borrascas e trovoadas arrasam as ladeiras, areiam os vales e costas, e inundam e subterram as searas. O Suão abrasador apoderou-se das Províncias; e novo clima, e nova ordem de estações estragam campos outrora férteis e temperados. A Eletricidade que então circulava pacificamente da terra para o ar, e do ar para a terra, faz agora saltos e explosões terríveis, invertendo a série e força dos meteoros aquosos, que favorecem a vegetação, e com ela tornam sadias as Províncias. E donde vem tantas sezões e febres malignas nos campos abertos e calorosos de Portugal, senão da falta de bosques em paragens próprias, e das águas correntes, que alimentavam? Sem matas, quem absorverá os miasmas dos charcos? Quem espalhará pelo Estio a frescura do Inverno? Quem chupará dos mares, dos rios e lagoas os vapores, que em parte dissolvidos e sustentados na atmosfera caem em chuva, e em parte decompostos em gases, vão purificar o ar, e alimentar a respiração dos animais? Quem absorverá o gás ácido carbônico, que estes expiram, e soltará outra vez o oxigênio, que aviventa o sangue, e que sustenta a vida?

Em outras palavras, o desmatamento provoca uma série de efeitos: diminui as águas, altera o clima e a qualidade do ar, faz a ‘eletricidade’ causar ‘explosões’, afeta a vida de animais e outras plantas... Atentemos particularmente ao momento em que se refere às “. . . tantas sezões e febres malignas nos campos abertos e calorosos de Portugal. . .” (um problema social) (Andrada e Silva, 1815Andrada e Silva, J. B. (1815). Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal, particularmente de pinhais nos areais de beira-mar; seu método de sementeira, costeamento e administração. Na Tipografia da Academia Real das Ciências., pp. 12-13), como resultado do desequilíbrio causado pela derrubada dos bosques. Sobre essa mesma questão (relação entre as matas e a saúde dos homens), Manuel Galvão da Silva oferece uma reflexão na qual chega a conclusões opostas, na sua “Memória sobre as viagens filosóficas” (sem data, mas provavelmente dos anos 1790) (documento publicado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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). Vejamos o porquê.

Nos demais textos produzidos no âmbito das suas viagens filosóficas por Goa e Moçambique (incluindo cartas redigidas a autoridades portuguesas), Galvão da Silva trata recorrentemente do tema das doenças. Em diversos momentos, o naturalista narra ou se refere a episódios cujas enfermidades afligiram a ele ou a sua equipe (o ‘riscador’ incumbido de o acompanhar nas pesquisas, António Gomes, inclusive padeceu de doença). O estado de constantes problemas de saúde é a justificativa para sua dificuldade em cumprir os objetivos das peregrinações científicas, para as quais havia sido incumbido, isto é, de descrever aspectos culturais e físicos dos povos locais e inventariar os produtos naturais das regiões excursionadas (B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, pp. 138-145).

No texto, ele procura mostrar como as autoridades poderiam agir para evitar as doenças e, assim, propiciar condições adequadas de trabalho para os naturalistas. Sua reflexão estabelece um forte vínculo entre as enfermidades e a questão do clima. Galvão da Silva assinala ser necessária a

. . . averiguação de certas enfermidades endêmicas próprias a certos países; das epidemias mais ordinárias em umas, que em outras terras; do modo de remediá-las, as ser possível; e enfim, de que modo debaixo de um clima nocivo se pode fazer uma habitação saudável

(Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147).

A preocupação é com a saúde dos homens, ou, como diz, com a sua ‘conservação’. Entre os elementos que devem ser estudados pelo naturalista, entre os quais se encontrariam a ‘causa’ das doenças, estão os ‘ares’, o ‘clima’, a ‘água’ e os alimentos consumidos. Assim, seria necessário o naturalista começar pelo exame dos ‘ares’ e do ‘clima’ da região visitada, passando depois à ‘água’ e aos alimentos consumidos (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147). Depois de conhecida a natureza, dever-se-ia “indicar os meios de fazer mais puro [o ar] e de remediar os males, que se seguem à economia animal da sua impureza” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 148). Ou seja, a ‘impureza’ do ar causa ‘males’ (doenças) à ‘economia animal’, isto é, aos próprios organismos animais, como era o caso dele próprio, Galvão da Silva.

Está manifestada uma visão segundo a qual os elementos naturais mantinham uma relação de interdependência entre si, uma “. . . encadeação, que tem entre si todos os seres criados: da harmonia do sistema do mundo; e do seu influxo e aplicação ao gênero humano” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147). Ou seja, todos os “seres criados” estão ligados por um “encadeamento” existente na “harmonia do sistema do mundo” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147). Esta é uma noção que corresponde à de ‘economia da natureza’. O naturalista exploraria a ligação entre os elementos naturais para tratar da questão da saúde.

A ênfase principal é colocada na relação entre os climas e a circulação do ar. Segundo ele, “muitas são as causas que podem concorrer para inficionar-se o ar” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147). Os bosques, por exemplo, impedem a entrada de sol e, assim, a renovação do ar, fazendo com que este carregue-se de “partículas húmidas” das plantas (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147). Como consequência, morrem animais como insetos e pequenas plantas, criando-se uma “podridão” da qual o ar, “embebendo-se pouco a pouco destes corpúsculos, vem finalmente a tomar tal índole, que tudo destrói por onde passa” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147).

Este ar “podre”, ou “corrompido”, é a origem das epidemias, pois leva “consigo a mortandade, para dali bem longe, e faz aparecer em lugares bem sadios” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147). Além dos bosques, pode acontecer o mesmo com regiões de mares, rios, lagos, montes e charcos, nos quais há apodrecimento de “numeráveis animais, vegetais, que ali morrem” e, então, surge uma “imensidade de insetos, que pouco depois com a sua morte mais aumentam a podridão” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147). É este ar corrompido que provoca as “febres pestilentas, que o vulgo chama carneiradas” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 147). Percebe-se, então, como está aí presente a ideia de ‘economia da natureza’: interligados, diversos fatores naturais estão integrados e praticamente formam uma cadeia que influencia na saúde dos homens (e de outros animais e plantas).

E como o ar poderia se tornar “mais puro”? Primeiramente, diz ele, a própria ação da natureza “sempre o faz mandando-lhes violentos ventos, grandes trovoadas e chuvas abundantíssimas” (Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 148). Mas o próprio homem deve intervir para alcançar aquela finalidade: a “autoridade pública” pode

. . . desbastar os bosques, onde os há, para que, entrando o sol diariamente, volatilize aquelas partículas, que amontoadas causariam depois peste; fazendo cortar rios, abrir canais, e estancar lagoas: mandando edificar as povoações em lugares cômodos: regulando da mesma sorte a matéria, de que haviam de ser as casas, e como se haviam fazer

(Galvão da Silva citado em B. Ferreira, 2019bFerreira, B. F. L. (2019b). Memória sobre as Viagens Filosóficas: um manuscrito setecentista do naturalista Manuel Galvão da Silva. Revista Brasileira de História da Ciência, 12(1), 138-152. https://doi.org/10.53727/rbhc.v12i1.45
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, p. 148).

Percebe-se, portanto, como o raciocínio de Galvão da Silva é oposto ao de José Bonifácio. Ao invés de reflorestar tendo em vista o restabelecimento do equilíbrio dos diversos produtos naturais (diminuindo-se, assim, os problemas que causavam as doenças), as autoridades deveriam derrubar os bosques, já que estes criam dificuldades para a circulação do ar e, logo, seriam um dos elementos que facilitariam a disseminação de doenças. Para Galvão da Silva, a natureza tem, em si mesma, elementos nocivos.

O MEIO AMBIENTE E A CRIAÇÃO DE GADO LANÍGERO: JOÃO DA SILVA FEIJÓ

Grande parte da “Memória sobre a Capitania do Ceará” (c.1810)5 5 Provavelmente redigida no Rio de Janeiro, onde esteve em 1810. Ele afirma que o texto se refere a observações feitas “por espaço de onze anos sucessivos” no Ceará (Feijó, 1997, p. 3), aonde chegou em 1799. Somente foi publicada em 1889, na Revista do Instituto do Ceará. , de João da Silva Feijó, é uma reflexão sobre como diferentes elementos naturais encontram-se articulados (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara.). Feijó adota como premissa uma concepção da ‘economia da natureza’. Além disso, ele se interessa particularmente sobre os efeitos que os climas produzem na ‘economia animal’ e na ‘economia vegetal’ (vocabulário que ele utiliza). Sua proposta de desenvolvimento de uma cultura de criação lucrativa de gado lanígero – apresentada na “Memória econômica sobre o gado lanígero” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara.) – se assenta nessas concepções.

A natureza do Ceará é composta por diversos elementos, na sua avaliação, bons e ruins, mas que, no conjunto, formam um resultado positivo: um equilíbrio. Ele descreve duas estações do ano: verão (“estio”) e inverno. O verão se caracteriza pela falta de chuvas, o que prejudica vegetais (“reduzidos a pó”) e animais. Por outro lado, há uma compensação no período da noite: a “frescura” causada pelo orvalho “abundante”, principalmente nas “serras e montanhas”, faz com que se respire um “ar sereno e agradável”, mesmo nos “sertões”. Isso porque ali chega a “humidade da atmosfera da beira-mar, levada para moderar este rigor geral do clima, pelos ventos que então sopram regulares e rijos”. Outro fator que leva à essa “moderação” dos climas são as folhas das “matas”, que têm a “propriedade de absorver muitos efeitos” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., pp. 8-9).

Por sua vez, o inverno é, em geral, época chuvosa. Nessa estação, as nuvens fazem do sol “menos oblíquo”, tornando as temperaturas mais amenas. A falta de ventos, contudo, faz com que o calor, muitas vezes, cause “mais incômodo que no verão”. O resultado das altas temperaturas é a evaporação das plantas e, logo, o aumento da umidade, que, por sua vez, causa “mudanças notáveis na economia orgânica”, isto é, das plantas. Em outras palavras, a vegetação se torna “fraca e débil” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., pp. 8-10).

A “diferença a respeito dos graus de calor” (isto é, das temperaturas) poderia ter como causas também a “circulação livre que o ar ali tem” e a “irregularidade dos ventos que sopram despidos daqueles princípios salinos e gasosos, que embeberão e deixarão à beira-mar” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 11). O resultado é que “o clima do Ceará há de ser em muitas partes mais temperado e salutífero do que se supõe pela sua posição geográfica” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 11). Beneficiam-se disso a “economia animal e vegetal”, já que sobre estes acaba-se por produzir “menos acidentes e mudanças” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 11). Os animais (a sua ‘economia animal’) conseguem suportar essas mudanças de climas e temperaturas também por serem dotados de um ‘equilíbrio’, termo com o qual parece sugerir que são providos de grande capacidade para se adaptarem a diversas condições. E mais: aquele clima “não é dos mais contrários à saúde” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 8), no que vemos como a noção de ‘economia animal’ era também aqui associada à discussão sobre enfermidades.

Segundo ele, no caminho para o interior, o terreno é “coberto de infinitos vegetais, que servem de sustentar a milhares de animais de toda a espécie”. O conjunto das plantas é formado por “indivíduos infinitamente diferentes entre si”, que cobrem quase a totalidade das montanhas. Como há uma “uniformidade do clima e temperatura do país [Ceará], por quase todo o ano”, embora as “grandes secas do verão” façam perecer quase todas as “plantas herbáceas”, as “primeiras chuvas do inverno” fazem a natureza se “reanimar”, tomando-se de “novo vigor, cobrindo-se de verdura até os lugares mais áridos” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 17).

Feijó, portanto, toca também na questão das secas. Vimos que José Bonifácio estabeleceu uma relação entre as secas e a derrubada das florestas. Feijó também teceu comentários sobre o desmatamento. Ele denunciou que boa parte das “madeiras” (“o violete, Gonçalo-alves, o rabuge e outros semelhantes”), ao invés de serem aproveitadas para o comércio (“construção naval”), eram, em grande medida, consumidas pelo “fogo dos abusivos roçados anualmente” ou, por vezes, desperdiçadas (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 19). No seu entender, praticava-se na capitania do Ceará um “pernicioso abuso na destruição continuada das matas virgens”, e apelava para que se cuidasse “em conservar e melhorar as poucas, que ainda há perto do mar”, promovendo-se, ainda, “novas plantações das mais preciosas árvores perto do mar: o que decerto para o diante daria imenso interesse à Real Fazenda” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 27)6 6 Uma intensa discussão sobre a legislação referente à conservação das matas, instituída por D. Rodrigo de Souza Coutinho entre finais do século XVIII e início do XVIII (justamente pensando-se na utilidade de madeiras para a marinha naval e mercante, além da construção civil), se desenrolou no Ceará (Cavalcante, 2019, pp. 181-209). Esse comentário de Feijó (1997) fazia parte, portanto, de um debate mais amplo. . Porém, não há em seu discurso uma relação causal entre as secas e essa “destruição continuada das matas virgens” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 27). Ele parece concebê-las como parte inerente à natureza, sem vínculo com a derrubada das matas.

Também em comum com naturalistas discutidos anteriormente, Feijó tece uma relação entre a natureza local e as “doenças do país”. Ele afirma não pretender explicar exatamente a causa das “principais enfermidades” locais, “por não me fazer tão difuso”, mas deixa claro que elas se devem ao “calor”, à “excessiva humidade que se respira” e à “natureza particular dos alimentos” ingeridos na região (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 11). Todavia, deixa claro também que o clima local “não é dos mais contrários à saúde” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 8).

Essa compreensão da ‘economia da natureza’ é a base para o seu projeto, desenvolvido na “Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará” (1811)7 7 Publicada originalmente pela Imprensa Régia, aqui consultada em Feijó (1997). , de implementação de uma atividade pecuarista de gado lanígero por parte do Estado português. A ideia é mostrar as formas pelas quais “se melhora progressivamente” a “raça” do gado local, especialmente as ovelhas (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 282). Com isso, poder-se-ia obter produtos que gerassem lucros no comércio.

Já nas suas “importantes regras” dirigidas aos naturalistas viajantes, Vandelli atentava para o potencial lucrativo que o comércio da lã poderia oferecer, a exemplo do que já faziam Espanha, Inglaterra e Holanda. Ele conta que, na Espanha, após ter sido importada da Berbéria (norte da África) uma “raça” de carneiros, depois de duzentos anos, ela se viu “degenerada”, sendo, então, necessária uma “renovação dos carneiros” (Vandelli, 2008Vandelli, D. (2008). Viagens filosóficas ou dissertação sobre as importantes regras que o filósofo naturalista, nas suas peregrinações, deve principalmente observar. In Autor. O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli (pp. 93-158). Dantes Editora., p. 141). Feijó (1997, p. 378)Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara. também cogita a importação de “raças” de ovelhas e carneiros da “Barbária” (a Berbéria), mas afirma também ser possível desenvolver as já existentes na localidade.

A discussão feita por Feijó (1997)Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara. é marcada pela influência e pelo diálogo com as concepções de Buffon (1766)Buffon. (1766). De la dégénération des animaux. In Autor. Histoire Naturelle (Tome XIV). De l’Imprimerie Royale., autor o qual cita diversas vezes. O naturalista francês é conhecido por sua tese da “debilidade” ou “imaturidade” da natureza americana, uma natureza considerada inferior à europeia (mais fraca, menor e menos variada). No continente americano, os animais teriam se degenerado, tornando-se menores e menos vigorosos, em grande parte, em função da alimentação e do clima local (Gerbi, 1996Gerbi, A. (1996). O Novo Mundo: história de uma polêmica (1750-1900). Companhia das Letras., pp. 19-28). É possível ver em afirmações feitas ainda na “Memória sobre a Capitania do Ceará” o eco dessa tese, como na passagem em que afirma que a vegetação do Ceará do início do inverno não seria “tão vigorosa como na Europa” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 18). Já no escrito sobre o gado lanígero, a influência do autor da “Histoire Naturelle” (Buffon, 1766Buffon. (1766). De la dégénération des animaux. In Autor. Histoire Naturelle (Tome XIV). De l’Imprimerie Royale.) aparece de outras formas. Feijó (1997, p. 373)Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara. afirma, por exemplo, que a “fisionomia” das ovelhas, “caracteriza, como diz Mr. De Buffon, a sua mesma mansidão e estupidez”. A “apatia” desse animal – dotado de um temperamento “mais fraco e delicado” – acaba por torná-lo mais suscetível às “infinitas moléstias”, causadas pelo “excessivo calor, e intenso ardor do sol, grandes frios, demasiadas chuvas e muita humidade, más pastagens etc.”. As ovelhas acabam por dever “ao homem toda a sua existência”, pois dele recebem proteção e cuidados (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 373).

Em “De la dégénération des animaux” (1766) – texto ao qual Feijó parece ter tido acesso –, Buffon discorre sobre as condições que levam à variedade de “raças” de ovelhas, cabras e carneiros de diversas partes do mundo. Ele argumenta, por exemplo, que a “temperatura do clima” e a “qualidade da alimentação” (entre outros aspectos) são as causas de mudanças, alterações e degeneração dos animais. Comenta também sobre a importação feita pelos espanhóis e ingleses da “raça” de ovelhas da “Barberie” (Buffon, 1766Buffon. (1766). De la dégénération des animaux. In Autor. Histoire Naturelle (Tome XIV). De l’Imprimerie Royale., pp. 317-325).

Na memória, Feijó (1997)Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara. retoma o tema dos climas, o que o faz de maneira semelhante ao que realizara no texto anterior. Para ele, trata-se de região “muito apta para a próspera criação das ovelhas” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 367). Ele descreve um grande potencial para o desenvolvimento de uma lucrativa cultura de produção de lã: no Ceará, a lã das ovelhas “tem todos os caracteres de superior qualidade”, as ovelhas se reproduzem facilmente, sua carne é “saborosa” e seu leite é “nutrientíssimo”. Todavia, estão “quase entregues ao cuidado da Providência”, ou seja, “sem cultura”. As cabras e ovelhas – que ali têm “mediana grandeza” – poderiam ser aumentadas, tanto em seu tamanho individual quanto no tamanho dos rebanhos, e a própria qualidade do gado lanígero poderia ser melhorada (melhor qualidade das lãs). O clima e as pastagens seriam propícios, embora não perfeitos: afinal, a região era, muitas vezes, afetada por períodos de secas, tema ao qual retorna. Ele novamente afirma não pretender discutir seus “motivos” e assinala ser “este grande mal . . . . mais ou menos frequente, e por isso contrário à geral prosperidade dos entes orgânicos” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 367). Todavia,

. . . a experiência tem feito ver que é o gado miúdo o que menos padece então, por ser fácil de se transportar, ou para as montanhas, ou para aqueles lugares mais úmidos e frescos; e assim pois se costuma ali praticar sempre em tais ocasiões, e circunstâncias, inda mesmo com as outras espécies de animais domésticos, para salvá-los; o certo é que a pesar de todas as secas (não sendo contudo das extraordinárias de dois ou três anos sucessivos) sempre se vem bons rebanhos de ovelhas, e cabras por toda a Capitania; donde parece incontestável que, apesar dos obstáculos que se lhe atribuem, ela pode produzir imensos rebanhos, mais do que atualmente tem, dar consequentemente uma mui grande quantidade de excelente lã, que venha a ter uma igual concorrência, e consumo, nos mercados públicos da Europa com as de Inglaterra e Espanha, se com efeito o governo, como tenho dito, animar, e proteger a criação deste gado pelos princípios de tão importante arte rural, aproveitando-se das favoráveis vantagens físicas, que tão liberalmente lhe oferece a natureza na benignidade do clima, e conhecida bondade de suas pastagens

(Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., pp. 371-372).

Em outras palavras, o ‘clima’, apesar dos problemas, é adequado para a criação de gado. Ele aponta que já havia na região o costume de deslocar rebanhos de ovelhas e cabras de uma parte a outra, de acordo com as condições de momento (ambientais, climáticas, naturais). Na prática, dever-se-ia operar transportando-os

. . . de umas para outras partes, segundo as diversas estações, mais ou menos quentes, por exemplo, no verão para as serras e lugares frescos, e no inverno para os terrenos baixos, vargens sertões etc., e onde haja de que se nutrirem

(Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 387).

Essa maneira de se valer das “favoráveis vantagens físicas” da região faz parte de um conjunto de sugestões e propostas que compõem o seu programa para desenvolvimento de uma cultura de criação de gado lanígero que pudesse gerar lucros ao Estado, não só pela produção de lã, mas também pelo “uso das suas carnes, peles, leite, sebo, ossos etc.” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 372). As demais propostas compreendiam procedimentos para a “melhoria” de sua “raça”: os cuidados necessários a serem oferecidos às “mães” dos cordeiros, os tipos de pastagens, a alimentação, as formas de se fazer a limpeza, o tratamento de doenças, a castração e as maneiras de se realizar as tosquias (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., pp. 386-397).

Destaque-se particularmente os procedimentos sobre o cruzamento de animais com a finalidade de criar indivíduos de melhor ‘qualidade’. Esse é também um dos pontos em que repercutem ideias de Buffon, autor que havia sido um dos pioneiros daquilo que hoje chamaríamos de “genética”, a ciência da hereditariedade (Roger, 1989Roger, J. (1989). Buffon: um philosophe au Jardin du Roi. Librairie Arthème Fayard., p. 183). Feijó (1997, p. 375)Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara. assinala que a “grandeza”, a “corpulência e a “qualidade da raça”, como do “pelo, ou lã, de que são cobertos”, variam de acordo com o “país, o clima e as pastagens”, bem como com a forma como “se nutrem, o seu tratamento, ou educação”. Nesse sentido, afirma que, nos “países quentes, os carneiros têm comumente as pontas curtas e a cauda grossa, umas vezes cobertas de lã, e outras de pelo como de cabra, e outras enfim de ambas as espécies de pelo” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 374), apontando também haver

. . . países, em que o gado lanígero em lugar de lã só tem um cabelo comprido e grosso, como o da cabra, tais são as ovelhas de algumas partes não só de Europa, como de África, e de muitas deste nosso Brasil, cuja lã é incapaz para tecido e só apta para colchões

(Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 377).

Todavia, tratar-se ia de uma realidade passível de ser alterada: entre os rebanhos de “carneiros e ovelhas indígenas” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 379), poder-se-ia escolher

. . . com todo o cuidado e atenção, indivíduos que forem de bom talhe, vigorosos, e cobertos de lã da melhor qualidade possível, rejeitando-se todos quaisquer destes animais, que suposto tenham bons sinais de excelente lã, tiverem porém alguma pequena mancha, ou mescla de cor

(Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 379).

Isso porque “se comunicam dos pais para os filhos as boas qualidades físicas da raça”, assim como os seus “defeitos” (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 382).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

José Augusto Pádua identificou uma primeira geração de naturalistas luso-americanos cujo pensamento se caracterizou, entre outros aspectos, por refletir sobre a necessidade de conservação do meio ambiente. Sua reflexão foi, em grande parte, influenciada pelo trabalho de Richard Grove, que argumentou ter se constituído, nas últimas décadas do século XVIII, uma ‘ideologia conservacionista’, em nível global, a partir da constatação de que agentes coloniais observaram processos de devastação ambiental. Domenico Vandelli teria sido um importante veículo de transmissão dessa ideologia em Portugal e, logo, da formação dessa geração ‘ambientalista’, dado ter sido professor deles na Faculdade de Filosofia, em Coimbra, e autor de memórias em que manifestou preocupações conservacionistas. Pádua sustentou também que a ideia de uma natureza formada por partes integradas (animais, vegetais e minerais), numa relação de interdependência que formava um equilíbrio – uma ‘economia da natureza’ –, embasou aquele pensamento ambiental.

Neste artigo, reexaminamos fontes já exploradas por Pádua e analisamos outras, também de naturalistas luso-americanos formados em Coimbra por Vandelli. Elas confirmam o fato de que a ‘economia da natureza’ foi base das reflexões daqueles autores – empregando a expressão ou não. Apesar da influência de Lineu, aquela ‘economia da natureza’ não se ancorava na perspectiva da teologia natural: entendia-se a natureza a partir de ‘leis’ que lhes seriam próprias. As fontes atestam também que muitos dos naturalistas teceram críticas ao modo como eram explorados alguns dos produtos naturais em Portugal e no mundo colonial, propondo maior intervenção do Estado para conservá-los e, assim, garantir que se tornassem ou continuassem a ser produtos economicamente lucrativos. Isso pode ser observado nas sugestões de mais ‘policiamento’ em relação à pesca do peixe-boi (Alexandre Rodrigues Ferreira) e de introdução de novos métodos de pesca das baleias (Andrada e Silva) – soluções que evitariam a diminuição das espécies (numa linguagem atual, sua extinção) –, no projeto de reflorestamento das costas portuguesas (Andrada e Silva), visando impedir a desertificação do país – proporcionando, assim, melhor aproveitamento das terras para a agricultura –, bem como na proposta de que se conservasse as ‘matas virgens’ vitimadas pelo fogo, que poderiam ser mais bem aproveitadas economicamente (Feijó).

A análise da memória de Manuel Galvão da Silva mostrou, por sua vez, que nem sempre uma preocupação com a ‘conservação ambiental’ esteve presente. A sua proposta foi no sentido contrário em relação aos demais naturalistas abordados, concluindo que a derrubada das matas permitiria uma melhor circulação de ar e, logo, geraria condições mais adequadas para a conservação da saúde dos homens.

As propostas de ‘conservação ambiental’, quando existentes, em sempre se apresentam como parte da ‘economia da natureza’. Não se trata de uma preocupação geral com a preservação da natureza, mas de preocupações específicas, concernentes à possibilidade de manutenção ou ampliação da exploração econômica.

Outra contribuição deste artigo foi atentar para a presença de outros usos de ‘economia’ nos discursos dos naturalistas luso-americanos: ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’ (ou ‘economia orgânica’). Vimos, por um lado, como tratavam-se termos utilizados para a designação de organismos de animais e plantas – nessa acepção, aparecem nos discursos dos naturalistas aqui analisados (Ferreira, Andrada e Silva, Galvão da Silva e Feijó) –; por outro lado, verificamos que faziam parte do vocabulário da literatura médica da época. Parece-nos, todavia, que não apenas ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’, mas também ‘economia da natureza’, eram conceitos mobilizados na discussão sobre a saúde de plantas e animais (seres humanos incluídos), a partir de uma reflexão sobre a interação dos organismos com o meio ambiente (climas e natureza) em que estavam inseridos, e que compreendia também o papel das práticas econômicas dos homens. As preocupações quanto à conservação das espécies (incluindo a referência de José Bonifácio à ‘desnutrição’ das baleias) e à saúde dos homens (Bonifácio e Galvão da Silva) devem ser compreendidas nessa chave. No projeto de Feijó de desenvolvimento da pecuária de gado lanígero no Ceará, isso se apresenta de forma bastante clara: por um lado, as diferenças naturais e climáticas da capitania, cujo resultado era um ‘equilíbrio’, poderiam ser aproveitadas pelo homem por meio do deslocamento de cabras e ovelhas em diferentes localidades, a depender das condições ambientais de momento; por outro, os próprios organismos (‘economias’) dos animais eram providos de algo como um ‘dispositivo’ de ‘equilíbrio’, que permitia sua adaptação a essas diferentes condições – trata-se de uma preocupação relativa à sua ‘saúde’. A implementação do projeto, que compreendia também outros métodos (alimentação, formas de tratamento e outras), permitiria a introdução de uma cultura lucrativa de criação de gado lanígero.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

  • 1
    Sobre as trajetórias de Alexandre Rodrigues Ferreira e Manuel Galvão da Silva, ver Simon (1983, pp. 23-78). Não trataremos do quarto naturalista envolvido nas viagens filosóficas de 1783, Joaquim José da Silva, enviado a Angola, pois não encontramos em seus textos as concepções de ‘economia da natureza’, ‘economia animal’ ou ‘economia vegetal’.
  • 2
    Existem muitas dúvidas sobre a vida de Feijó, inclusive sobre ter se formado na Faculdade de Filosofia de Coimbra, porém é praticamente certo que sua formação se deu ali (Pereira, 2012Pereira, M. R. M. (2012). João da Silva [Feijó?]: a trajetória de um homem de ciências luso-brasileiro. In M. R. M. Pereira & R. M. F. Santos (Eds.), João da Silva Feijó: um homem de ciência no Antigo Regime Português (pp. 19-109). Editora UFPR., pp. 33-41).
  • 3
    O Conde de Buffon também concebeu uma ideia de ‘economia da natureza’ que se sustentava numa noção de equilíbrio. Para ele, o “equilíbrio da vida” é formado pelo movimento de reprodução e destruição das “forças vivas” (Roger, 1989Roger, J. (1989). Buffon: um philosophe au Jardin du Roi. Librairie Arthème Fayard., p. 202).
  • 4
    O naturalista Frei José Mariano da Conceição Veloso (São José del Rei-1742 – Rio de Janeiro-1812), em prefácio ao “Fazendeiro do Brasil” (Veloso, 1799Veloso, J. M. C. (1799). O fazendeiro do Brasil (Tomo I, parte I). Na Régia Oficina Tipográfica.), também estabeleceu uma relação entre o desmatamento provocado pela cultura da cana-de-açúcar (e outras práticas de produção econômicas, como as empregadas na agricultura e na mineração) e as secas vivenciadas em algumas regiões do Brasil (Pernambuco, em particular). Ele criticou métodos de produção utilizados à época (considerou-os atrasados) e propôs outros tidos como modernos. Na América portuguesa, Veloso realizou a chamada ‘viagem botânica’, iniciada em 1783, por diversas províncias brasileiras. Posteriormente (1790), dirigiu-se a Portugal e foi nomeado, por D. Rodrigo de Souza Coutinho, diretor da editora do Arco do Cego (1799-1801) (B. Ferreira, 2019aFerreira, B. F. L. (2019a). Conservação da natureza e modernização agrícola nos prefácios de O Fazendeiro do Brasil, de Frei José Mariano da Conceição Veloso. Temporalidades, 11(2), 15-30., pp. 15-30).
  • 5
    Provavelmente redigida no Rio de Janeiro, onde esteve em 1810. Ele afirma que o texto se refere a observações feitas “por espaço de onze anos sucessivos” no Ceará (Feijó, 1997Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara., p. 3), aonde chegou em 1799. Somente foi publicada em 1889, na Revista do Instituto do Ceará.
  • 6
    Uma intensa discussão sobre a legislação referente à conservação das matas, instituída por D. Rodrigo de Souza Coutinho entre finais do século XVIII e início do XVIII (justamente pensando-se na utilidade de madeiras para a marinha naval e mercante, além da construção civil), se desenrolou no Ceará (Cavalcante, 2019Cavalcante, D. E. (2019). Derrubar ou conservar as matas reais: o debate sobre as políticas florestais na Capitania do Ceará (1797-1806). Historia Ambiental Latinoamericana Y Caribeña (HALAC), 9(2), 181-209. https://doi.org/10.32991/2237-2717.2019v9i2.p181-209
    https://doi.org/10.32991/2237-2717.2019v...
    , pp. 181-209). Esse comentário de Feijó (1997)Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara. fazia parte, portanto, de um debate mais amplo.
  • 7
    Publicada originalmente pela Imprensa Régia, aqui consultada em Feijó (1997)Feijó, J. S. (1997). Memória sobre a capitania do Ceará e Memória econômica sobre o gado lanígero do Ceará. In Autor. Memória sobre a capitania do Ceará e outros trabalhos (pp. 3-27 e 367-397) [Fac-Símile]. Fundação Waldemar Alcântara..
  • Ferreira, B. L. (2022). ‘Economia da natureza’, ‘economia animal’ e ‘economia vegetal’ na escrita de naturalistas luso-americanos (1786-1815). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 17(1), e20200138. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2020-0138

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Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Couto Henrique

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2020
  • Aceito
    26 Ago 2021
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