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O acesso ao ensino superior: será que vivemos, realmente, o processo de inclusão?

Access to higher education: do we really live the inclusion process?

El acceso a laenseñanza superior: ¿es que vivimos realmente elproceso de inclusión?

O artigo Art. 27 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, 2015Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (2015, 6 de julho). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Recuperado: 19 fev. 2018. Disponível: Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm .
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) afirma que todas as pessoas com deficiência devem ter assegurado o direito à educação, em todos os níveis de aprendizado, inclusive no Ensino Superior. No entanto, de acordo com o INEP (2016)Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Censo da Educação Superior {INEP} Sinopse Estatística da Educação Superior 2015. Brasília: INEP, 2017, no ano de 2016 havia 8.027.297 matrículas em cursos de graduação presenciais e à distância, 1.952.145 em instituições públicas e 6.075.152 em privadas. Destes, 37.927 eram pessoas com deficiência: 15,752% estavam no Ensino Público e 22,175% no Ensino Privado. Ou seja, somente 0,47% do total de acadêmicos tem alguma deficiência.

Sem deixar de levar em conta que ainda é muito pequeno o número de estudantes no Ensino Superior, em um país que nega o acesso da classe trabalhadora a esse nível de Ensino, podemos observar que a inclusão ainda não está efetivada nas universidades. Eínfimo também é o número de publicações que tratam da inclusão nesse âmbito. Isso pode ser evidenciado em estudo sobre as relações de inclusão-exclusão no ensino superior realizado por Simionato (2006Simionato, M.A.W. (2006). Sobre a inclusão-exclusão e as relações familiares de universitários com deficiência. Dissertação (Mestrado). Centro de Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR.). A autora analisa que a literatura que trata da inclusão de adultos deficientes no ensino superior ainda é bastante escassa. Desta forma,

pouco se sabe sobre as situações e os recursos que favorecem ou dificultam a inclusão do aluno com deficiência no ensino superior; quais as condições que propiciam a inclusão tanto na perspectiva educacional como social; como se sentem os alunos deficientes no âmbito do ensino superior no que diz respeito às relações interpessoais e às condições materiais encontradas frente às especificidades de suas deficiências; como percebem o processo de inclusão-exclusão na vida cotidiana e as suas repercussões na formação educacional. (Simionato, 2006Simionato, M.A.W. (2006). Sobre a inclusão-exclusão e as relações familiares de universitários com deficiência. Dissertação (Mestrado). Centro de Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR., pp. 25-26).

Neste aspecto se encontra um dos méritos deste Número Especial editado pela Revista Psicologia Escolar e Educacional. O objetivo desta edição é apresentar estudos que discutem as políticaspúblicas e ações afirmativas que orientam o acesso e a formação universitária de pessoas com deficiência na Educação Superior. Esta é composta de 13 textos de pesquisadores nacionais e internacionais, com renomado trânsito acadêmico nesse conteúdo. As pesquisas relatadas resultam, em grande parte, de investigações realizadas em instituições de ensino superior diversas, que participam da Pesquisa em Rede de abrangência internacional, “Acessibilidade no Ensino Superior”, veiculada ao Programa Observatório da Educação - Obeduc, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

O leitor poderá ter informações sobre a inclusão em universidades públicas como UNESP, UFSC, UFSCar, Universidade Federal de Juiz de Fora, Universidade Federal da Grande Dourados, Universidade no Estado do Paraná e UFRN. Também apresenta informações sobre a inclusão de alunos no Ensino Superior em Cuba e Uruguai. É preocupante perceber, pelos artigos que tratam da temática, que o número de matrículas ainda é tímido, necessitando de mais investimento em políticas de investimento na permanência dos alunos com deficiência. Não basta somente possibilitar o acesso, a questão é criar condições para que os estudantes tenham as mediações necessárias para que possam se apropriar dos conhecimentos científicos e culturais.

Estudos são apresentados pelos autores dos artigos mostrando que algumas universidades têm feito investimento nessa inclusão, mas sabemos o quanto que as universidades públicas estão pauperizadas, sucateadas e pouco podem oferecer aos alunos de forma geral, quiçá para aqueles que têm deficiência. Muito há de ser feito, nesse sentido, para que esses alunos possam participar do gênero humano, no sentido de pleno desenvolvimento das potencialidades.

Além do mapeamento e informações sobre a inclusão no Ensino Superior, alguns autores voltam-se para a formação de professores para atender/acompanhar os alunos da Educação Especial. Neste aspecto temos dados que demonstram como as características das pessoas com deficiências e formas de ensinar, metodologias diferenciadas, não fazem parte da formação inicial da Educação Básica e muito menos do Ensino Superior. Professores mostram-se “perdidos”, muitas vezes, quando recebem alunos com deficiência. Neste sentido, faz-se necessário retomar esse aspecto na graduação e propor uma formação continuada na tentativa de instrumentalizar o docente acerca das possibilidades de trabalho com essa clientela. Autores de alguns artigos constataram que professores são favoráveis ao processo de inclusão, mas a formação que tiveram não os preparou para atender a esses alunos, causando-lhes insegurança. Sabemos que projetos estão ocorrendo na busca de formação do professor universitário, conforme relatado em um dos artigos, mas as propostas são muito isoladas, não fazendo parte do objetivo geral daqueles que poderiam oferecer recursos financeiros e pedagógicos para o sucesso do ensino.

Sem querer culpabilizar os docentes, considerando o quanto está difícil ensinar em um país que investe pouco em educação, não podemos deixar de incluir os professores na luta por condições adequadas de ensino, para todos os alunos. Uma pequena parcela de alunos com deficiência está chegando à universidade, esse vasto mundo, e precisam de uma comunidade acadêmica que os acolha, que lhes confira o direito de estudar, que garanta efetivas possibilidades de aprender. Sabemos que num país de exclusão, o fato deles entrarem na escola revela as batalhas cotidianas que tiveram que enfrentar para ter o que lhes é de direito.

Autores deste número especial da Revista reforçam a ideia da necessidade de apoio institucional para que realmente possamos falar de inclusão. O que está na lei tem que ser realizado para sujeitos reais, que chegam ávidos e com grande receio em relação ao que será sua vida nos próximos quatro-cinco anos e, de início, já encontram as “famosas” barreiras arquitetônicas que cerceiam a mobilidade dos alunos, obrigando-os, muitas vezes, a se recolherem em espaços restritos. Na história sabemos o quanto que pessoas com deficiência já estiveram confinadas em seus lares por conta da deficiência; no entanto, hoje, muitas vezes saem dos lares, mas ficam reclusas em determinados espaços nas universidades pela falta de uma estrutura física que lhes permita o livre trânsito pelos campi universitários.

Consideramos importante os avanços que vêm ocorrendo nas políticas públicas em relação à inclusão, mas não podemos fechar os olhos para a relação dialética exclusão-inclusão que permeia nossa sociedade. Será que há mesmo desejo de inclusão? Temos vivido a “exclusão dos incluídos” (Facci, Meira, Tuleski, &2011Facci, M. G. D.; Meira, M. E. M.; Tuleski, S. C. (Orgs.) A exclusão dos incluídos:uma crítica da psicologia da educação à patologização e medicalização dos processos educativos. Maringá: EDUEM, 2011.) na labuta por garantia de direitos a todos pela apropriação dos conhecimentos; contudo, as contradições estão postas, e a ideologia liberal teima em colocar nos indivíduos a culpa pelo sucesso ou fracasso. Com as péssimas condições que as universidades públicas vivem em função do descaso dos governantes com a educação, como falar de inclusão dos alunos quando os próprios professores estão sendo expulsos, retirados do ensino? Como falar de direitos se o próprio trabalhador está perdendo aquilo que conquistou em termos de direitos trabalhistas? Como falar de possibilidades de humanização em uma sociedade tão desumana? São contradições postas, que exigem enfrentamentos coletivos.

Apresentamos, por meios dos artigos, fundamentos teóricos e pesquisas empíricas que provocarão reflexão. O papel do leitor remete à necessidade de engrossar o rol daqueles que têm em mãos os conhecimentos da ciência, a prática desenvolvida e o desejo de transformação, para que todos possam lutar para ter acesso a um dos bens mais ricos produzidos pelos homens: o conhecimento científico.

O convite está feito. Desejamos que seja aceito e que possamos, juntos, lutar não somente pelo ingresso e permanência no Ensino Superior daqueles que têm deficiência, mas o acesso de todos os indivíduos ao patrimônio produzido pela humanidade.

Boa leitura.

Referências

  • Facci, M. G. D.; Meira, M. E. M.; Tuleski, S. C. (Orgs.) A exclusão dos incluídos:uma crítica da psicologia da educação à patologização e medicalização dos processos educativos Maringá: EDUEM, 2011.
  • Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Censo da Educação Superior {INEP} Sinopse Estatística da Educação Superior 2015 Brasília: INEP, 2017
  • Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (2015, 6 de julho). Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Recuperado: 19 fev. 2018. Disponível: Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm
  • Simionato, M.A.W. (2006). Sobre a inclusão-exclusão e as relações familiares de universitários com deficiência Dissertação (Mestrado). Centro de Ciências da Saúde. Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2018
  • Aceito
    14 Mar 2018
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