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Conhecimento sobre cuidados paliativos entre médicos residentes de hospital universitário

Resumo

Embora possam ser aplicados em diversas situações além das neoplasias, os cuidados paliativos nem sempre encontram respaldo técnico e científico por parte dos médicos. Por meio de pesquisa exploratória, descritiva, transversal e de abordagem quantitativa, objetivou-se avaliar o conhecimento sobre cuidados paliativos entre médicos residentes do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe. Para isso, foi criado um questionário a partir dos instrumentos da literatura. O perfil da amostra foi composto predominantemente por mulheres (67%), profissionais com até 29 anos (59%) e até quatro anos de formados (60%). A maioria dos médicos (78%) afirmou não ter recebido informações suficientes sobre cuidados paliativos durante a graduação. Após análise de todas as questões, apenas 7% da amostra apresentou avaliação excelente (acerto em mais de 80% das questões).

Cuidados paliativos; Conhecimento; Educação médica; Autoavaliação

Abstract

Although palliative care can be applied in different situations besides neoplasias, it does not always find technical and scientific support from physicians. Thus, the objective was to evaluate the knowledge regarding palliative care among these professionals. Through an exploratory, descriptive, transversal and quantitative approach, the objective was to evaluate the knowledge about palliative care among physicians residing at the Federal University of Sergipe Hospital. For this, a questionnaire was created based on instruments from literature. The sample profile consisted predominantly of women (67%), professionals up to 29 years (59%), and up to four years since graduation (60%). Most physicians (78%) stated that they had not received enough information about palliative care during graduation. After analyzing all the questions, only 7% of the sample presented an excellent evaluation (accuracy in more than 80% of the questions).

Palliative care; Knowledge; Education, medical; Self-assessment

Resumen

Aunque puedan ser aplicados en diversas situaciones, además de las neoplasias, los cuidados paliativos no siempre encuentran respaldo técnico y científico por parte de los médicos. Por medio de una investigación exploratoria, descriptiva, transversal y de abordaje cuantitativo, se procuró evaluar el conocimiento sobre cuidados paliativos entre médicos residentes del Hospital Universitario de la Universidad Federal de Sergipe. Para ello, se creó un cuestionario a partir de los instrumentos de la bibliografía. El perfil de la muestra estuvo compuesto predominantemente por mujeres (67%), profesionales con hasta 29 años (59%), y con hasta cuatro años de graduados (60%). La mayoría de los médicos (78%) afirmaron que no recibieron información suficiente sobre los cuidados paliativos durante la formación de grado. Luego del análisis de todas las preguntas, sólo el 7% de la muestra presentó una evaluación excelente (con aciertos en más del 80% de las preguntas).

Cuidados paliativos; Conocimiento; Educación médica; Autoevaluación

A nova era tecnológica e científica que a medicina presencia está imersa no paradoxo entre vida e morte. De um lado, por meio do desenvolvimento de novas terapêuticas, a medicina curativa eleva a expectativa de vida e reduz as taxas de mortalidade. De outro, o aumento na prevalência do câncer e de doenças crônico-degenerativas exige uma medicina que, mesmo sem garantia de cura, melhore a qualidade de vida e garanta morte digna 11. Matsumoto DY. Cuidados paliativos: conceitos, fundamentos e princípios. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 23-30..

Diante desse desafio imposto pela sociedade contemporânea, destaca-se o conceito de cuidados paliativos, relacionado ao cuidado integral, definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma abordagem para melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares que enfrentam uma doença ameaçadora da vida com a prevenção e o alívio do sofrimento, por meio da identificação precoce, da avaliação minuciosa e do tratamento da dor e de outros problemas, físicos, psicossociais e espirituais22. World Health Organization, Worldwide Palliative Care Alliance. Global atlas of palliative care at the end of life [Internet]. London: WHO; 2014 [acesso 8 jun 2017]. p. 5. Disponível: https://bit.ly/VpiThu
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.

Até a década de 1980, os cuidados paliativos eram predominantemente voltados a pacientes com câncer. Entretanto, no cenário atual é notável a crescente necessidade desses cuidados em doenças como a síndrome da imunodeficiência adquirida e a insuficiência cardíaca congestiva, em doenças neurológicas, respiratórias e outras condições crônico-degenerativas. Em 2011, segundo a OMS, das 54,6 milhões de pessoas que morreram em todo o mundo, 29 milhões necessitaram de cuidados paliativos. Entre elas, 94% eram adultos, 69% com mais de 60 anos e 25% entre 15 e 59 anos 33. World Health Organization, Worldwide Palliative Care Alliance. Op. cit..

Nesta perspectiva, Arantes 44. Arantes ACQ. A morte é um dia que vale a pena viver. Rio de Janeiro: Casa da Palavra; 2016. p. 192. enfatiza a importância do conhecimento médico sobre cuidados paliativos dentro de hospitais. Nessas instituições, em momentos de sofrimento e medo, é o médico, junto com outros profissionais, que pode levar conforto ao paciente, seja por meio da palavra amiga ou da prescrição correta da dose de morfina. Ainda segundo a autora, embora na faculdade os alunos sejam orientados a nunca abandonar o paciente, o que vivenciam na prática é a atitude de não abandonar a doença, o que acaba por gerar a assistência inadequada, com abordagens desnecessárias, visto que muitas doenças não podem ser curadas, mas têm diversas possibilidades terapêuticas.

Todavia, essas possibilidades ainda não são a regra nos serviços do Brasil e de muitos países. Tratamentos fúteis e manejo incorreto de sintomas como dor e dispneia foram algumas das abordagens evidenciadas por diversos estudos 55. Eyigor S. Fifth-year medical students’ knowledge of palliative care and their views on the subject. J Palliat Med [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];16(8):941-6. DOI: 10.1089/jpm.2012.0627

6. Weber M, Schmiedel S, Nauck F, Alt-Epping B. Knowledge and attitude of final-year medical students in Germany towards palliative care: an interinstitutional questionnaire-based study. BMC Palliat Care [Internet]. 2011 [acesso 12 fev 2019];10:19. DOI: 10.1186/1472-684X-10-19
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7. Santos MFO, Teles NO, Oliveira HJ, Gomes NC, Tavares JCV, Nóbrega EC. Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 12 fev 2019];22(2):373-9. DOI: 10.1590/1983-80422014222019
-88. Korzeniewska-Eksterowicz A, Przysło Ł, Kędzierska B, Stolarska M, Młynarski W. The impact of pediatric palliative care education on medical students’ knowledge and attitudes. Scientific World Journal [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];2013:498082. DOI: 10.1155/2013/498082, o que demonstra a insuficiência dos conhecimentos sobre cuidados paliativos adquiridos durante a formação médica e o consequente despreparo profissional. Percebe-se ainda a fragilidade com que o tema é discutido, tanto entre profissionais da área da saúde como na sociedade em geral, pois muitos ainda temem falar sobre a morte, o morrer e os cuidados a serem prestados no final da vida 55. Eyigor S. Fifth-year medical students’ knowledge of palliative care and their views on the subject. J Palliat Med [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];16(8):941-6. DOI: 10.1089/jpm.2012.0627

6. Weber M, Schmiedel S, Nauck F, Alt-Epping B. Knowledge and attitude of final-year medical students in Germany towards palliative care: an interinstitutional questionnaire-based study. BMC Palliat Care [Internet]. 2011 [acesso 12 fev 2019];10:19. DOI: 10.1186/1472-684X-10-19
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7. Santos MFO, Teles NO, Oliveira HJ, Gomes NC, Tavares JCV, Nóbrega EC. Avaliação do conhecimento dos anestesiologistas sobre cuidados paliativos. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 12 fev 2019];22(2):373-9. DOI: 10.1590/1983-80422014222019
-88. Korzeniewska-Eksterowicz A, Przysło Ł, Kędzierska B, Stolarska M, Młynarski W. The impact of pediatric palliative care education on medical students’ knowledge and attitudes. Scientific World Journal [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];2013:498082. DOI: 10.1155/2013/498082.

Nesse cenário, justifica-se a necessidade de avaliar o conhecimento sobre cuidados paliativos de médicos residentes de um hospital universitário, visto que a aquisição de competências e habilidades nessa área depende de um aparato teórico-prático adquirido ao longo da formação acadêmica e por meio das experiências dos referidos sujeitos.

Método

Este estudo é parte de um projeto intitulado “Conhecimento sobre cuidados paliativos entre internos de medicina e médicos residentes de um Hospital Universitário em uma capital do Nordeste”, que tem como população-alvo médicos residentes do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe (HU-UFS), no campus da saúde Prof. João Cardoso Nascimento Júnior. Trata-se de pesquisa exploratória, descritiva, transversal e de abordagem quantitativa. A coleta dos dados aconteceu entre junho e julho de 2017, após aprovação do estudo pelo Comitê de Ética da UFS.

Os residentes que aceitaram participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, que garante o total anonimato para os integrantes da pesquisa, conforme previsto na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/2012. Foram excluídos os residentes sem vínculos com o HU-UFS, mesmo que estivessem exercendo, na ocasião da pesquisa, atividades no hospital por conta de parcerias entre instituições.

Não foi possível ter acesso a todos os médicos residentes do HU-UFS, visto que muitos trabalham em outros hospitais e fazem estágio opcional em outros estados. Por isso, foi feito cálculo amostral que definiu uma amostra não probabilística acidental de 96 indivíduos entre a população de 136 médicos residentes. Para a coleta de dados, foi elaborado, a partir de instrumentos da literatura, questionário dividido em duas partes: a primeira com as características sociodemográficas dos participantes; a segunda com quesitos que analisaram a autoavaliação geral sobre cuidados paliativos. Nessa última etapa, seis domínios foram analisados: filosofia, dor, dispneia, problemas psiquiátricos, problemas gastrointestinais e comunicação de más notícias.

As variáveis categóricas foram descritas por frequência absoluta e percentagem. Para comparar características das variáveis categóricas entre os grupos, utilizou-se o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, quando mais adequado. As variáveis contínuas foram representadas por média e desvio padrão. Foram considerados significativos os resultados com nível descritivo para o valor de p inferior a 5% (p<0,05). As análises estatísticas foram processadas pelo programa Statistical Package for the Social Sciences versão 22.0.

Resultado

O perfil predominante da amostra foi de profissionais entre 20 e 29 anos (59%), do sexo feminino (67%), e entre um a quatro anos de formado (60%). Grande parte (46%) teve formação acadêmica na própria UFS, mas percentual significativo (44%) se formou em outros estados brasileiros.

Mais de 80% da amostra pesquisada professa alguma religião, com destaque para o catolicismo (61,5%), o espiritismo (13,5%) e o protestantismo (12,5%). Pessoas de outras denominações religiosas, ateístas, ou que não responderam/religião ignorada somaram 12,5%. Quanto às especialidades médicas, 39 pesquisados (40%) cursavam residência em diversas especialidades, como pediatria, radiologia, pneumologia, ortopedia, endocrinologia e neurologia. Os que cursavam cirurgia geral somaram um total de 18 médicos (19%), clínica médica, 16 (17%), e ginecologistas, infectologistas e anestesiologistas totalizaram 23 profissionais (24%).

Quanto à autoavaliação sobre cuidados paliativos (Tabela 1), 75 médicos (78%) afirmaram não ter recebido informações suficientes sobre pacientes em situação terminal enquanto cursavam a graduação. Em relação ao manejo adequado de enfermos com dor, 62 profissionais (65%) admitiram não ter conhecimentos suficientes. No entanto, quando perguntados sobre técnicas de comunicação e postura médica para dar más notícias, 70 médicos (73%) afirmaram ter aprendido tais competências.

Tabela 1
Autoavaliação sobre cuidados paliativos (n=96)

Nas questões específicas (Tabela 2), os profissionais apresentaram alta porcentagem de acertos no domínio “filosofia”. A primeira afirmação, de que os cuidados paliativos deveriam ser prestados somente aos doentes sem possibilidade de cura, foi considerada falsa por 77 médicos (80%). No segundo item, que questionava a concomitância de tratamento para neoplasias e tratamento paliativo, a porcentagem de acertos foi ainda maior: 90 médicos (94%) concordaram que pode haver simultaneidade entre os dois tipos de tratamento.

Tabela 2
Itens analisados com a resposta correta (n=96)

Todavia, quanto ao domínio “dor”, a maior parte dos médicos residentes ainda reproduz a cultura médica de que opioides podem induzir a dependência: apenas 12 médicos (12,5%) acertaram a questão relativa a esse tipo de medicamento. Ainda sobre esse tema, muitos residentes mostraram-se reticentes em aumentar a dosagem dos opioides, devido à probabilidade de depressão respiratória: 63 médicos (66%) temem a insuficiência respiratória como efeito colateral, preferindo não aumentar a dose da morfina e, portanto, não aliviando a dor.

Esses fármacos foram também analisados nos casos de dispneia. Além de serem analgésicos potentes, aliviam o desconforto respiratório experimentado por muitos pacientes sob cuidados paliativos. Nesse domínio, pouco mais da metade (54%) da amostra afirmou que a morfina deve ser usada para aliviar a dificuldade de respirar. Acertadamente, proporção idêntica de residentes (54%) não correlacionou os níveis de saturação de oxigênio (observados pelo aparelho denominado oxímetro de pulso) à dispneia.

Em relação a problemas psiquiátricos, a maioria dos médicos (93%) tinha conhecimento de que alguns pacientes terminais necessitam de sedação contínua para aliviar o sofrimento. Entretanto, equivocadamente, 59 médicos (62,5%) consideraram a morfina como causa de delirium, e 39 médicos (40,5%) afirmaram que os benzodiazepínicos são eficazes para combatê-lo.

Na questão relativa a “problemas gastrointestinais”, os dois primeiros itens tiveram proporção de acertos semelhante: 33 médicos (34%) afirmaram que nos estádios terminais de câncer não é necessária maior ingestão calórica, e 32 médicos (33%) concordaram que os esteroides melhoram o apetite de enfermos com neoplasias avançadas.

No domínio “comunicação”, quase todos os participantes da pesquisa (99%) afirmaram que habilidades de comunicação podem ser aprendidas. Grande parte (91%) dos médicos também toma como verdadeiro que o grau de participação dos pacientes e familiares nas decisões depende da evolução da doença. Já na questão sobre dar informações incertas aos pacientes ou familiares, houve baixa porcentagem de acerto: apenas 29 médicos (30%) comunicam informações mesmo que não tenham total certeza do caso.

Após a conferência dos itens que integravam os seis domínios, chegou-se ao resultado dos conhecimentos dos médicos residentes sobre cuidados paliativos: 23% tiveram resultado insatisfatório (menos de 50% de acertos); 54% apresentaram rendimento aceitável (50% a 70% de acertos); 16% obtiveram resultado desejável (71% a 80% de acertos) e 7% tiveram excelente avaliação (mais de 80% de acertos).

Discussão

O conhecimento médico vem enfrentando processo de fragmentação: especialidades e subespecialidades subdividem o corpo humano em partes cada vez menores e as tornam objeto de estudo de inúmeras áreas médicas. Muitas vezes, em meio a essa subdivisão crescente, com todo o arsenal tecnológico oferecido, o médico presume que tem poder sobre a doença e a morte. Entretanto, quando a enfermidade não cede ao tratamento preconizado, e o paciente caminha para a morte, surge a figura do médico despreparado, que não sabe lidar com questões essenciais ao cuidado do paciente sem possibilidade de cura 99. Figueiredo MGMCA, Stano RCMT. O estudo da morte e dos cuidados paliativos: uma experiência didática no currículo de medicina. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2013 [acesso 9 ago 2017];37(2):298-307. Disponível: https://bit.ly/2AdsnTk
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.

Confirmando a fragmentação e serviços cada vez mais específicos, a amostra deste estudo foi formada por médicos de diversas especialidades. No programa de residência médica do HU não há a especialidade medicina intensiva, tampouco residência em oncologia, o que pode ter modificado o resultado final, pois se sabe que nessas categorias o tema dos cuidados paliativos é bastante discutido. Além disso, nessas áreas, curar nem sempre é o objetivo final do tratamento, mas sim proporcionar melhor qualidade de vida.

Mesmo assim, os cuidados paliativos ainda são pouco abordados nas escolas médicas. Vários estudos enfatizam que tanto estudantes de medicina como médicos já formados não recebem orientações sobre cuidados paliativos. Foi o que demonstrou inquérito feito em São Paulo com alunos de medicina do quinto e sexto anos, entre os quais 83% não receberam informação satisfatória sobre pacientes em situação terminal durante a graduação 1010. Pinheiro TRSP. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. O Mundo da Saúde [Internet]. 2010 [acesso 12 fev 2019];34(3):320-6. Disponível: https://bit.ly/2SJux8J
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. Outra pesquisa, feita na Colúmbia Britânica (Canadá), indicou que 75% dos médicos da amostra não receberam educação adequada sobre cuidados paliativos, acrescentando ainda que a maioria dos residentes desejava que o próprio programa de residência fornecesse base teórica e prática mais sólida em assistência paliativa 1111. Spicer D, Paul S, Tang T, Chen C, Chase J. Canadian Medical Education Journal Survey evaluations of University of British Columbia residents’ education and attitudes regarding palliative care and physician assisted death. Can Med Educ J [Internet]. 2017 [acesso 12 fev 2019];8(1):e6-21. Disponível: https://bit.ly/2Gniwjs
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Com resultados semelhantes, em nossa pesquisa 78% dos médicos residentes disseram não ter recebido informação sobre o tema, demonstrando que o assunto muitas vezes não é abordado nas escolas médicas. Os próprios futuros médicos e médicos residentes indicam que os cuidados paliativos foram pouco discutidos em sala de aula. Seja em São Paulo 1010. Pinheiro TRSP. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. O Mundo da Saúde [Internet]. 2010 [acesso 12 fev 2019];34(3):320-6. Disponível: https://bit.ly/2SJux8J
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, na Colúmbia Britânica 1111. Spicer D, Paul S, Tang T, Chen C, Chase J. Canadian Medical Education Journal Survey evaluations of University of British Columbia residents’ education and attitudes regarding palliative care and physician assisted death. Can Med Educ J [Internet]. 2017 [acesso 12 fev 2019];8(1):e6-21. Disponível: https://bit.ly/2Gniwjs
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ou em Aracaju, a maioria dos profissionais da área médica ainda vive em um limbo quando se trata do tema.

Entre os vários aspectos em que se pode subdividir cuidados paliativos, a dor é sem dúvida um dos mais complexos. Na prática, muitos pacientes com sintomas álgicos podem precisar de atendimento médico não apenas em hospitais de referência, mas em qualquer instituição de saúde com portas abertas. Porém, médicos em geral possuem o mínimo de conhecimento sobre dor: em nossa pesquisa, mais da metade da amostra (65%) referiu não ter recebido informação suficiente para saber como manejá-la.

Confirmando esses dados, Pinheiro 1010. Pinheiro TRSP. Avaliação do grau de conhecimento sobre cuidados paliativos e dor dos estudantes de medicina do quinto e sexto anos. O Mundo da Saúde [Internet]. 2010 [acesso 12 fev 2019];34(3):320-6. Disponível: https://bit.ly/2SJux8J
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afirma que 58% dos futuros médicos não receberam informação apropriada para o controle da dor, e Santos 1212. Santos OM. Sofrimento e dor em cuidados paliativos: reflexões éticas. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 12 fev 2019];19(3):683-95. Disponível: https://bit.ly/2SrJH38
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também é enfático ao declarar que os vários aspectos da dor não são bem tratados pelo médico brasileiro. Treinamentos incompletos e dificuldades em prescrever drogas analgésicas têm impossibilitado o controle adequado do sofrimento e, consequentemente, a melhora física que daria a autonomia necessária ao paciente para deliberar sobre seu tratamento.

É preciso salientar que, na atual pesquisa, não houve diferença significativa na autoavaliação em relação à especialidade médica, ao local e tempo de formação. A não correlação entre tempo de formação e autoavaliação pode ser explicada pelo fato de que ter experiências clínicas nem sempre significa vivência com pacientes sob cuidados paliativos; afinal, um médico pode ter 10 anos de graduado e pouco contato com tais pacientes.

Todavia, essa realidade não é estanque, e muitos médicos com mais tempo de graduação podem ter melhor autopercepção quanto aos cuidados paliativos, como mostra o estudo com 74 residentes da Universidade de Washington e da Universidade Médica da Carolina do Sul 1313. Billing ME, Curtis JR, Engelberg RA. Medicine residents’ self-perceived competence in end-of-life care. Acad Med [Internet]. 2009 [acesso 12 fev 2019];84(11):1533-9. DOI: 10.1097/ACM.0b013e3181bbb490. Segundo a pesquisa, quanto mais experiências vividas, melhor a autoavaliação por parte dos médicos, o que corrobora a importância de aproveitar as oportunidades de vivência a fim de melhorar as habilidades em cuidados paliativos, não somente depois de formado, mas desde as aulas da faculdade.

Também é preciso salientar que as instituições de ensino não vivem somente de percalços e falhas: no presente inquérito, 70% dos médicos residentes aprenderam técnicas de comunicação e postura médica para dar más notícias. Tal proporção foi semelhante à do estudo realizado por Lech, Destefani e Bonamigo 1414. Lech SS, Destefani AS, Bonamigo EL. Percepção dos médicos sobre comunicação de más notícias ao paciente. Unoesc & Ciência ACBS [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];4(1):69-78. Disponível: https://bit.ly/2tl2fTA
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, em que 77,5% do corpo clínico de um hospital universitário considerou sua capacidade de transmitir más notícias ao enfermo como boa/muito boa.

Outro estudo, feito na Índia por Mohamed e colaboradores 1515. Mohamed ZU, Muhammed F, Singh C, Sudhakar A. Experiences in end-of-life care in the intensive care unit: a survey of resident physicians. Indian J Crit Care Med [Internet]. 2016 [acesso 12 fev 2019];20(8):459-64. DOI: 10.4103/0972-5229.188196, evidenciou que a maioria de uma amostra de 120 médicos residentes se sente confortável para discutir prognósticos e metas de tratamento com pacientes e familiares. Entretanto, a mesma pesquisa demonstrou que, quando a comunicação envolvia assuntos delicados, mais da metade (75%) dos médicos nunca participava de reuniões com familiares. Essa contradição foi explicada pelo fato de a pesquisa ser autoavaliativa, ou seja, os médicos podiam até afirmar que se sentiam seguros para dar más notícias, mas, na realidade, quando a informação a ser dada era mais delicada, grande parte não a transmitia.

Neste artigo, 77 médicos (80%) afirmaram que cuidados paliativos não devem ser oferecidos apenas a pacientes sem possibilidade de cura. Proporção semelhante foi encontrada em pesquisa com estudantes de medicina, na qual 79% da amostra também referiu que cuidados paliativos podem ser fornecidos concomitantemente a outros tratamentos 55. Eyigor S. Fifth-year medical students’ knowledge of palliative care and their views on the subject. J Palliat Med [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];16(8):941-6. DOI: 10.1089/jpm.2012.0627. Essa constatação se embasa na premissa do “Manual de cuidados paliativos da Agência Nacional de Cuidados Paliativos” 1616. Arantes ACLQ. Indicações de cuidados paliativos. In: Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP. 2ª ed. São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012. p. 56-74., que deixa claro que tal prática não significa deixar as terapias de lado , mas sim dar dignidade e qualidade de vida ao paciente em sua terminalidade, uma vez que o conforto também é medida terapêutica.

Em relação aos opioides, 85% dos residentes consideraram que o prescritor não deve recomendá-los, ou deve fazê-lo com parcimônia, por conta do risco de dependência. Essa situação também foi evidenciada por Roy e colaboradores 1717. Roy É, Côté RJ, Hamel D, Dubé P-A, Langlois É, Labesse ME et al. Opioid prescribing practices and training needs of Québec family physicians for chronic noncancer pain. Pain Res Manag [Internet]. 2017 [acesso 12 fev 2019];2017:1365910. DOI: 10.1155/2017/1365910
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em Québec, a partir de pesquisa que avaliou a prática de prescrição de opioides para pacientes com dor não neoplásica. Nessa província canadense, 73,2% dos médicos avaliados não se sentiam seguros para prescrever opioides, principalmente pela preocupação com o abuso e a dependência farmacológica. Neste mesmo estudo, 43,1% dos médicos sugeriram mais treinamentos sobre indicações e uso desses fármacos.

Em nossa investigação, a associação entre as respostas sobre dependência de opioides e o local de formação do médico residente ficou muito próxima de ser significativa (p=0,05). Verificou-se leve predominância nesse resultado, pois os poucos médicos que acertaram o item cursaram medicina na Universidade Federal de Sergipe. Todavia, como p não foi menor que 0,05, não se pode afirmar que o fato seja estatisticamente significante.

Ainda em relação aos opioides, 62,5% dos residentes consideraram verdadeira a afirmação de que o aumento da dosagem leva à depressão respiratória. Esse mito, bastante difundido entre leigos e profissionais, acaba por limitar ainda mais o uso da morfina, pois os médicos ainda temem que o paciente tenha diminuição do nível de consciência e, por conseguinte, parada respiratória.

A possibilidade dessa emergência médica foi pesquisada por Quintero e colaboradores 1818. Quintero OTH, Figueredo MA, Mendes MCR, González CIM, Reyes EJC. Nivel de información sobre cuidados paliativos en médicos residentes. Educ Méd Super [Internet]. 2015 [acesso 12 fev 2019];29(1):14-27. Disponível: https://bit.ly/2SJ0pua
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, que avaliaram o nível de informação sobre cuidados paliativos de 46 médicos residentes da cidade de Havana (Cuba), com enfoque nas características do tratamento para a dor. Dos médicos com mais de 10 anos de clínica, 87,5% afirmaram que a morfina sempre causa depressão respiratória, o que mostra que, mesmo com experiência, o mito da parada respiratória ainda está presente entre muitos médicos. Os autores do “Manual de cuidados paliativos em pacientes com câncer” 1919. Unidade de Cuidados. Manual de cuidados paliativos em pacientes com câncer. Rio de Janeiro: Unati; 2009. confirmam que opioides são a droga de escolha para tratar a dispneia em pacientes terminais, enfatizando que se deve primeiro identificar a causa da dispneia e adotar ações como manter o ambiente tranquilo e a cabeceira do leito elevada.

No caso da dispneia, pouco mais da metade dos participantes (54%) considerou que a morfina devia ser utilizada para aliviar essa condição em pacientes com câncer, o que denota conhecimento da abrangência do medicamento para além do alívio da dor. Esse dado também é confirmado por pesquisa de Yamamoto e colaboradores 2020. Yamamoto R, Kizawa Y, Nakazawa Y, Morita T. The palliative care knowledge questionnaire for PEACE: reliability and validity of an instrument to measure palliative care knowledge among physicians. J Palliat Med [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];16(11):1423-8. DOI: 10.1089/jpm.2013.0112, em que 67% de uma amostra de 434 médicos referiu que a morfina era efetiva para aliviar a dispneia dos pacientes em cuidados paliativos. Em revisão sistemática, Rema 2121. Rema JM. Opioides no tratamento da dispneia: uma revisão sistemática da literatura [dissertação] [Internet]. Porto: Universidade do Porto; 2013 [acesso 23 set 2017]. Disponível: https://bit.ly/2r0LtYV
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também confirma os opioides, desde que adequadamente administrados, como fármacos seguros para aliviar a dispneia de pacientes com doenças oncológicas e outras afecções, como doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência cardíaca.

Entretanto, é importante salientar que ao tratar a dor não é necessário que opioides sejam prontamente prescritos, afinal existem outros fármacos, como os analgésicos simples ou anti-inflamatórios não hormonais (AINH), que podem servir como primeiras medicações de escolha. Neste estudo, 83% dos médicos afirmaram que os anti-inflamatórios não esteroides (Aine) poderiam ser administrados quando os opioides já estivessem sendo utilizados, o que nos leva a inferir que os residentes do HU-UFS têm bons conhecimentos farmacológicos. Já Eyigor 55. Eyigor S. Fifth-year medical students’ knowledge of palliative care and their views on the subject. J Palliat Med [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];16(8):941-6. DOI: 10.1089/jpm.2012.0627 encontrou proporção de acerto bem menor: apenas 14,9% dos estudantes de medicina permitiriam o uso de Aine e opioides.

Além das medicações mais tradicionais para tratar a dor, os fármacos chamados de “moduladores”, como anticonvulsivantes e antidepressivos, podem ser utilizados. Em nosso questionário, a maioria (97%) dos médicos concordou que tais medicamentos são indicados para aliviar o sofrimento dos pacientes. Tal constatação representa melhorias para o cuidado de pessoas que necessitam ter sua dor tratada e desconforto dirimido. Pesquisa quantitativa e de abordagem transversal, feita com o intuito de avaliar o tratamento farmacológico adjuvante com antidepressivos em hospital, verificou que 43% dos pacientes já usavam a amitriptilina em adição à terapia analgésica 2222. Morais FLL. Avaliação de antidepressivos como adjuvantes no tratamento da dor oncológica [trabalho de conclusão de curso] [Internet]. Campina Grande: Universidade Estadual da Paraíba; 2012 [acesso 15 ago 2017]. Disponível: https://bit.ly/2TuuRpz
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Na atual pesquisa, 93% dos residentes disseram que a sedação contínua pode aliviar o sofrimento dos pacientes em cuidados paliativos. A elevada porcentagem mostra que os participantes sabem que os desconfortos do enfermo não significam necessariamente dor, o que permite o tratamento não apenas com opioides, mas com agentes sedativos. Entretanto, na prática, muitos profissionais ainda temem usar esses medicamentos.

Em pesquisa qualitativa feita por Leboul e colaboradores 2323. Leboul D, Aubry R, Peter JM, Royer V, Richard JF, Guirimand F. Palliative sedation challenging the professional competency of health care providers and staff: a qualitative focus group and personal written narrative study. BMC Palliat Care [Internet]. 2017 [acesso 12 fev 2019];16(1):25. DOI: 10.1186/s12904-017-0198-8, vários profissionais da área da saúde, inclusive médicos, demonstraram conhecer as indicações de quando administrar um agente sedativo, mas tiveram dificuldades em seguir os protocolos e definir o momento de iniciar a administração do midazolan, que é o grande exemplo de fármaco sedante. A fala de um dos médicos demonstra sua cautela em usar tais agentes, principalmente por relacionar os sedativos ao desconforto respiratório. Na visão desse profissional, há riscos de interpretação errada quanto ao momento ideal de utilizar esses medicamentos 2323. Leboul D, Aubry R, Peter JM, Royer V, Richard JF, Guirimand F. Palliative sedation challenging the professional competency of health care providers and staff: a qualitative focus group and personal written narrative study. BMC Palliat Care [Internet]. 2017 [acesso 12 fev 2019];16(1):25. DOI: 10.1186/s12904-017-0198-8.

Nesta pesquisa, resultado peculiar foi encontrado quando se indagou sobre o uso de corticoides com intuito de melhorar o apetite em estágios avançados de câncer: boa parte da amostra (40%) preferiu abster-se, desconhecendo a resposta para a questão ou não se sentindo segura para respondê-la. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de a base fisiopatológica dessa relação ainda não estar totalmente esclarecida, havendo a necessidade de novos estudos sobre o assunto.

O apelo pela realização de novas pesquisas foi feito em recente estudo com 114 pacientes de clínicas e hospitais do Texas (Estados Unidos), que buscou definir se haveria ou não melhora da fadiga, anorexia, caquexia, ansiedade, depressão e dor após o uso de glicocorticoide. Em um período de 8 a 15 dias depois do início da administração de dexametasona, houve redução da fadiga, anorexia e caquexia, não ocorrendo o mesmo com a dor, ansiedade e depressão. Esse fato mostra que corticoides são benéficos em pacientes com restrição nutritiva, reduzindo citocinas inflamatórias e aumentando significativamente o apetite 2424. Yennurajalingam S, Williams JL, Chisholm G, Bruera E. Effects of dexamethasone and placebo on symptom clusters in advanced cancer patients: a preliminary report. Oncologist [Internet]. 2016 [acesso 12 fev 2019];21(3):384-90. DOI: 10.1634/theoncologist.2014-0260.

A quase totalidade (99%) dos médicos residentes deste estudo confirmou que a habilidade de comunicação não é inata, podendo ser aprendida. Em artigo de revisão, Borges e Santos Junior 2525. Borges MM, Santos Junior R. A comunicação na transição para os cuidados paliativos: artigo de revisão. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2014 [acesso 12 fev 2019];38(2):275-82. DOI: 10.1590/S0100-55022014000200015 defendem que a comunicação deve ser meio para criar vínculos entre médico e paciente, assegurando a confiança no trabalho profissional e, por conseguinte, garantindo maior adesão às propostas terapêuticas. Assim, ainda que não haja mais possibilidade de cura, a relação adequada entre equipe de saúde, paciente e família favorecerá o tratamento com as amplas perspectivas terapêuticas no cuidado paliativo.

Ainda nesse assunto, Araújo e Silva 2626. Araújo MMT, Silva MJP. Estratégias de comunicação utilizadas por profissionais de saúde na atenção a pacientes sob cuidados paliativos. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2012 [acesso 12 fev 2019];46(3):626-32. DOI: 10.1590/S0080-62342012000300014, em publicação sobre estratégias de comunicação, citam algumas técnicas para lidar com pacientes sob assistência paliativa: perguntar o que o paciente sabe sobre sua condição; disponibilizar-se para ajudar/conversar; falar com clareza suficiente para ser entendido e adotar sinceridade prudente, expondo as informações de modo gradativo. Ao pesquisar a frequência dessas estratégias entre os participantes do estudo, os autores descobriram que eram pouco utilizadas, não ultrapassando a proporção de 22,7%.

Constatou-se diferença significativa entre os anos de formação e a concepção de como informar pacientes e familiares. Os médicos que mais acertaram o quesito “comunicar informações”, mesmo que indefinidas, tinham menos de um ano de formação, o que pode ser explicado pelo fato de haver, no final da graduação, abordagem das questões de ética médica, devido às práticas do internato.

No entanto, enfrentar essa problemática apenas nos últimos períodos não é a melhor maneira de solucionar a carência de discussões ao longo do curso, pois, conforme Pimentel, Oliveira e Vieira 2727. Pimentel D, Oliveira CB, Vieira MJ. Teaching of medical ethics: students’ perception in different periods of the course. Rev Méd Chil [Internet]. 2011 [acesso 12 fev 2019];139(1):36-44. DOI: /S0034-98872011000100005
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apontam, é preciso ensinar ética de forma transversal durante toda a graduação, melhorando as habilidades de comunicação e a capacidade de enfrentar momentos tão singulares na relação médico-paciente.

Como em outros estudos, os médicos desta amostra revelaram ter poucos conhecimentos sobre o tratamento paliativo. Apenas 7% dos residentes tiveram avaliação “excelente”, com mais de 80% de acertos nos domínios analisados. Dado ainda mais preocupante diz respeito à porcentagem de médicos que acertaram menos da metade dos itens pesquisados: 23% da amostra.

Essa realidade está presente em muitos centros de formação médica e hospitais. Em Catanduva (São Paulo), Brugugnolli, Gonsaga e Silva 2828. Brugugnolli ID, Gonsaga RAT, Silva EM. Ética e cuidados paliativos: o que os médicos sabem sobre o assunto? Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 12 fev 2019];21(3):477-85. Disponível: https://bit.ly/2le7CQA
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realizaram estudo com médicos e também verificaram a inconsistência do conhecimento sobre ética e assistência paliativa. Apenas 2,6% da amostra de 76 indivíduos responderam corretamente à questão sobre a definição de cuidados paliativos: a maioria (59,2%) associou o termo apenas ao alívio do sofrimento físico e à qualidade de vida.

Outro estudo, que também avaliou o conhecimento em cuidados paliativos, mas em estudantes de medicina de uma faculdade de Brasília, foi categórico em afirmar que o entendimento dos alunos sobre o tema não é bom. Nesse estudo, Lemos e colaboradores 2929. Lemos CFP, Barros GS, Melo NCV, Amorim FF, Santana ANC. Avaliação do conhecimento em cuidados paliativos em estudantes durante o curso de medicina. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2017 [acesso 12 fev 2019];41(2):278-82. DOI: 10.1590/1981-52712015v41n2rb20160087 afirmam que nem o internato (período em que os estudantes têm maior carga horária prática) foi suficiente para melhorar a aprendizagem nesse tópico, sendo estatisticamente significativa a ausência de ganho em conhecimentos. Todavia, Schmit e colaboradores 3030. Schmit JM, Meyer LE, Duff JM, Dai Y, Zou F, Close JL. Perspectives on death and dying: a study of resident comfort with end-of-life care. BMC Med Educ [Internet]. 2016 [acesso 12 fev 2019];16:297. DOI: 10.1186/s12909-016-0819
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, ao avaliarem a educação e a experiência entre residentes, afirmaram que médicos com maior contato com a prática de cuidados paliativos durante a faculdade se sentiram mais seguros nas atividades de residência. Apesar dessas discrepâncias, o que une as pesquisas citadas 2929. Lemos CFP, Barros GS, Melo NCV, Amorim FF, Santana ANC. Avaliação do conhecimento em cuidados paliativos em estudantes durante o curso de medicina. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2017 [acesso 12 fev 2019];41(2):278-82. DOI: 10.1590/1981-52712015v41n2rb20160087,3030. Schmit JM, Meyer LE, Duff JM, Dai Y, Zou F, Close JL. Perspectives on death and dying: a study of resident comfort with end-of-life care. BMC Med Educ [Internet]. 2016 [acesso 12 fev 2019];16:297. DOI: 10.1186/s12909-016-0819
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e esta investigação é a ausência ou pouco treinamento em cuidados paliativos.

É importante salientar a abrangência deste estudo, que adentrou vários campos, considerando desde questões filosóficas até as mais concretas, como o manejo da dor e outros sintomas, de forma a tentar diminuir vieses. Entretanto, existiram limitações, como questionamentos que avaliassem de forma mais completa cada domínio e a ausência de comparações entre os alunos do primeiro ano de residência com os que cursam outros semestres a fim de observar sua evolução.

Considerações finais

Grande parte dos médicos considerou não ter recebido, durante a graduação, informação suficiente sobre pacientes em situação terminal, e apenas uma parcela ínfima apresentou altos índices de acerto nos questionamentos específicos. Esses resultados sugerem quão falha é a formação médica em nosso país quanto aos cuidados paliativos, pois boas intenções não bastam: é preciso possuir noções mínimas e aplicá-las de forma correta.

Visto que a maioria dos residentes reconhece que durante a graduação não recebeu educação suficiente sobre assuntos fundamentais, como a dor, é necessário criar mecanismos para melhorar o ensino médico. Isso pode ser feito por meio de disciplinas que se voltem para essa temática ou pelo aprimoramento das disciplinas já existentes, com novos enfoques e até estágios durante a residência voltados a esse tipo de terapêutica. Diante das mazelas da realidade vivenciadas pelos profissionais de hospitais universitários, descortina-se a necessidade de o corpo docente debruçar-se ainda mais sobre a atual formação médica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    8 Out 2017
  • Revisado
    6 Abr 2018
  • Aceito
    2 Maio 2018
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