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LUGAR DE MULHER É NA CIÊNCIA: ANÁLISE DISCURSIVA DE TIRAS CÔMICAS SOBRE AS CIENTISTAS

Woman’s Place is in Science: A Discursive Analysis of Comic Strips about Female Scientists

El lugar de las mujeres está en la ciencia: un análisis discursivo de las tiras cómicas sobre mujeres científicas

Resumo

Por muito tempo, as mulheres foram excluídas do saber formal e impedidas de exercer profissões, como a de cientista. Hoje, mesmo com avanços, ainda enfrentam preconceitos quanto a sua capacidade para a ciência. Este artigo tem dois objetivos: discutir a formação histórica de estereótipos sobre a relação entre mulheres e conhecimento e analisar três tiras cômicas que tratam da mulher na ciência, produzidas pelos sites Quadrinhorama e Dragões da Garagem. A análise fundamenta-se nas noções de memória discursiva, de Courtine (2009), e de estereótipos, de Amossy e Pierrot (2001), Burke (2017) e Allport (1979). Mobiliza também a discussão de Ramos (2017) sobre o gênero tira cômica e as considerações de Perrot (2017) e Tosi (1998) sobre a história das mulheres. Os resultados mostram que as tiras retomam e refutam estereótipos acerca das mulheres fundamentados em um discurso sobre o feminino como menos apto para a ciência, em contrapartida a uma suposta habilidade masculina para o raciocínio lógico.

Palavras-chave:
Estereótipo; História das mulheres; Memória discursiva; Tira cômica

Abstract

For a long time, women were excluded from formal knowledge and prevented from exercising professions, such as scientists. Today, even with advances, they still face prejudices regarding their ability for science. This article has two objectives: it discusses the historical formation of stereotypes of the relationship between women and knowledge and it analyzes three comic strips dealing with women in science produced by the websites Quadrinhorama and Dragões da Garagem. The analysis is based on notions of discursive memory by Courtine (2009) and stereotypes by Amossy and Pierrot (2001), Burke (2017), and Allport (1979). It also mobilizes the discussion about the comic strip genre by Ramos (2017), and the discussion about the history of women by Perrot (2017) and Tosi (1998). The results show that the strips retake and refute stereotypes about femininity based on a discourse that women are less apt for science than men, in contrast to an alleged male ability for logical reasoning.

Keywords:
Stereotype; History of women; Discursive memory; Comic strip

Resumen

Durante mucho tiempo, las mujeres fueron excluidas del conocimiento formal e impedidas de ejercer profesiones, como la científica. Hoy, aún con los avances, las mujeres aún enfrentan prejuicios en cuanto a su capacidad para la ciencia. Este artículo tiene dos objetivos: discutir la formación histórica de los estereotipos sobre la relación entre las mujeres y el saber, y analizar tres tiras cómicas que tratan de mujeres en la ciencia, producidas por los sitios Quadrinhorama y Dragões da Garagem. El análisis se basa en las nociones de memoria discursiva, de Courtine (2009), y estereotipos, de Amossy y Pierrot (2001), Burke (2017) y Allport (1979). También moviliza la discusión de Ramos (2017) sobre el género de la tira cómica y las consideraciones de Perrot (2017) y Tosi (1998) sobre la historia de las mujeres. Los resultados muestran que las tiras retoman y refutan estereotipos sobre la mujer a partir de un discurso sobre lo femenino como menos apto para la ciencia, en contraposición a una supuesta capacidad masculina para el razonamiento lógico.

Palabras clave:
Estereotipo; Historia de las mujeres; Memoria discursiva; Tira cómica

1 INTRODUÇÃO

Embora no início do século XXI, no Brasil, as mulheres sejam maioria ingressante no ensino superior e maioria a obter o título de doutor, ainda há percalços e preconceitos sobre a mulher no campo da ciência, principalmente no das ciências exatas. Historicamente, a inserção das mulheres na ciência tem sido polêmica e tardia em relação à dos homens. Por exemplo, na Idade Média, as que se interessassem pelo saber podiam ser acusadas de bruxaria, enquanto, no Iluminismo, o filósofo Rousseau defendia que a educação feminina deveria ter como fim agradar aos homens. Assim, ao longo de séculos, foi construído e reforçado um ideal de feminilidade fundamentado em um estereótipo preconceituoso que defende que as mulheres são mais emocionais, enquanto os homens são mais racionais. Logo, eles são vistos como melhores quando se trata de raciocínio lógico, pensamento abstrato e cálculo.

Tendo isso em vista, o objetivo deste artigo é, primeiramente, investigar como os estereótipos sobre a relação entre mulher e saber foram constituídos historicamente, a fim de analisar três tiras cômicas produzidas pelo cartunista Marco Merlin, do site Quadrinhorama, em parceria com o portal Dragões de Garagem, que se propõe a divulgar a ciência na internet. As tiras escolhidas para análise versam sobre o papel da mulher na ciência. A análise fundamenta-se nos postulados teóricos da Análise do Discurso (AD), mais especificamente na noção de memória discursiva, de Courtine (2009COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Paulo: Edufscar, 2009.), bem como na discussão da noção de estereótipos, empreendida por Amossy e Pierrot (2001AMOSSY, R.; PIERROT, A. H. Estereotipos y clichés. Buenos Aires: Eudeba, 2001.), Allport (1979ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Nova York: Basic Books, 1979.) e Burke (2017BURKE, P. Testemunha ocular: o uso de imagens como evidência histórica. São Paulo: Unesp, 2017.). Além disso, o artigo mobiliza a discussão de Ramos (2017RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.) a respeito da composição das tiras cômicas e as considerações de Perrot (2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.) e Tosi (1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998.) sobre a história das mulheres.

O presente artigo constitui-se do seguinte modo: primeiramente, são apresentadas as considerações acerca das noções de tira cômica, estereótipos e memória discursiva, que fundamentam esta pesquisa. A seguir, são apresentadas, historicamente, as condições de produção do discurso de estereótipos sobre a relação entre mulher e ciência em uma história de longa duração. Por fim, procede-se à análise das tiras e apresentam-se as conclusões do estudo.

2 O GÊNERO TIRA CÔMICA

De acordo com Ramos (2017RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.), enquanto, no século XX, os jornais e as revistas foram os principais meios de divulgação das tiras, hoje elas têm circulado, com muita força, nas mídias virtuais, que abrem maior espaço para a variação dos formatos, uma vez que, na rede, elas não dependem de aspectos restritivos da diagramação pré-formatada dos jornais. Segundo o autor, até o início do século XXI, o termo “tira” era mais comum, porém, com a popularização do gênero na internet, o termo “tirinha” tem sido cada vez mais usado. Ramos ressalta que o sufixo -inho confere ao termo diferentes sentidos, como o de ser uma história contada em pequenas proporções, ou seja, em um espaço curto; ou ainda o de ser uma história contada com um conteúdo mais inofensivo e mais infantil, o que não é, necessariamente, verdade. Conforme ele explica, antes da popularização do termo na internet, o termo “tirinha” circulava mais relacionado às tiras direcionadas ao público infantil. Entretanto, nem todas as tirinhas são direcionadas às crianças. Por esses diferentes sentidos, o autor recomenda o uso do termo “tira”, posição de que compartilhamos neste artigo.

Ramos (2017RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.) defende que as histórias em quadrinhos são um hipergênero, no sentido de Maingueneau. De acordo com o analista francês: “um ‘hipergênero’ não é um gênero de discurso, mas uma formatação com restrições fracas que pode recobrir muitos gêneros diferentes” (MAINGUENEAU, 2015MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. Trad. Sírio Possenti. São Paulo: Parábola, 2015., p. 130). Tendo isso em vista, Ramos (2017) descreve algumas regularidades do hipergênero história em quadrinhos. São elas: uso de linguagem própria com balões e onomatopeias, divisão por quadrinhos, uso de recursos verbais e não verbais, bem como composição narrativa, com passagem do tempo, composição do espaço e apresentação de personagens. Nas palavras do autor:

O hipergênero quadrinhos (ou histórias em quadrinhos, forma equivalente) seria algo como um grande guarda-chuva que abrigaria os variados gêneros autônomos das histórias em quadrinhos. Todos seriam distintos uns dos outros, mas teriam em comum a linguagem quadrinizada, os códigos verbo-visuais, a tendência de sequência narrativa, bem como a presença de representações da fala e dos elementos narrativos (RAMOS, 2017RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017., p. 63).

As tiras cômicas, assim, são uma possibilidade no gênero histórias em quadrinhos. Ramos (2017RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.) especifica que a característica central da tira cômica é o rompimento com a expectativa do leitor no final da história, levando ao humor. “É como nas piadas: há uma espécie de armadilha no final da narrativa, que apresenta uma situação até então imprevista, surpreendente, e que gera a comicidade” (RAMOS, 2017RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017., p. 64). De um modo geral, a narrativa das tiras cômicas seria composta pela sequência: apresentação da trama, construção da tensão e situação imprevista (quebra de expectativa). Na situação imprevista, há, como propõe Ramos (2017, p. 68), um termo gatilho que desencadeia o humor: os gatilhos “que levam à compreensão do sentido humorístico planejado pelo autor (e que devem ser desvendados pelo leitor) não precisam ser necessariamente verbais [...] podem ser também somente visuais ou então um misto dos dois”.

3 OS ESTEREÓTIPOS E A MEMÓRIA DISCURSIVA

Maingueneau (2015MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. Trad. Sírio Possenti. São Paulo: Parábola, 2015.) propõe que há dois tipos de unidades de análise em AD: as tópicas, que já são pré-recortadas pelas práticas sociais, e as não tópicas, que são construídas pelos analistas. As unidades tópicas articulam-se em torno de gêneros de discurso ligados a uma instituição, a uma esfera de atividade ou a um lugar de atividade. As unidades não tópicas, por sua vez, são construídas pelo pesquisador, que mobiliza tanto unidades tópicas quanto elementos que estão fora delas. Elas ultrapassam, portanto, as fronteiras de um discurso. Este é o caso do discurso sobre as mulheres, que não nasce ligado a uma instituição específica, mas circula por diferentes lugares, difundindo diferentes estereótipos de como supostamente são as mulheres.

Burke (2017BURKE, P. Testemunha ocular: o uso de imagens como evidência histórica. São Paulo: Unesp, 2017.) explica que o termo “estereótipo”, que originalmente se referia a uma placa na qual uma imagem pode ser impressa, ilustra a ligação entre imagens visuais e mentais. Amossy e Pierrot (2001AMOSSY, R.; PIERROT, A. H. Estereotipos y clichés. Buenos Aires: Eudeba, 2001.) inscrevem essa noção nos estudos da AD, defendendo que os estereótipos seriam um tipo de pré-construído, um elemento prévio ao discurso, cuja origem já está esquecida. Eles são constituídos em um processo de generalização, em que se atribuem determinadas características a todos os membros de um grupo ou a um indivíduo apenas por pertencer a esse grupo. Esse processo de generalização é inevitável para o funcionamento da mente humana, não sendo necessariamente negativo, bem como nem todo estereótipo tem um valor negativo. Por exemplo, Burke (2017) cita o estereótipo do “nobre selvagem”, produzido no século XVI, como um estereótipo positivo.

Allport (1979ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Nova York: Basic Books, 1979.) defende que os estereótipos são preconceituosos quando fundados em um julgamento prévio, produzido por uma sobrecategorização negativa, que atribui características negativas a um indivíduo apenas por pertencer a determinado grupo. O autor ressalta que, mesmo quando se é confrontado com um conhecimento que mostra a inadequação daquele julgamento, ainda se mantém uma posição contra aquele grupo, temos então um caso de preconceito. Sendo assim, temos um preconceito quando um equívoco resiste a uma evidência que o destitui.

De acordo com Allport (1979ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Nova York: Basic Books, 1979.), os estereótipos preconceituosos podem gerar sentimentos como medo, desprezo, antipatia, discriminação e violência. Além disso, o autor elabora uma hierarquia das ações preconceituosas: o primeiro nível é a antilocução, caracterizada por se falar mal de um certo grupo. Aqui, podemos pensar em piadas de cunho machista. Outro nível é a discriminação que cria modos de excluir aqueles que fazem parte de determinado grupo. Um exemplo é uma seleção de emprego em que as mulheres não são contratadas por serem mulheres. O próximo nível são os atos físicos, como casos de assédio. Por fim, há os extermínios, caracterizados por linchamentos, chacinas e massacres. A respeito do preconceito contra mulheres, podemos citar como exemplo o infanticídio feminino praticado na China, principalmente entre os anos de 1980 e 19901 1 O documentário “One child nation”, das cineastas chinesas Nanfu Wang e Jialing Zhang, produzido em 2019, mostra como a imposição da política do filho único na China provocou a morte milhares de bebês do sexo feminino. .

Como explicita Allport (1979ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Nova York: Basic Books, 1979.), os estereótipos circulam na nossa sociedade, são repetidos e debatidos nos meios de comunicação. Podemos afirmar que eles funcionam ligados à memória discursiva. A noção de memória discursiva foi formulada no domínio da Análise do Discurso por Jean-Jacques Courtine. Com base na noção de enunciado elaborada por Foucault, Courtine reelaborou a noção de interdiscurso proposta por Pêcheux, desenvolvendo as noções de formulação e enunciado.

Em A Arqueologia do Saber, de 1969, Foucault (2013FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.) se opõe às categorias analíticas da chamada história tradicional, como tradição, causalidade e influência. Enquanto o método da história tradicional consiste em estabelecer a origem e a evolução do saber e organizar períodos e unidades, a chamada Nova História2 2 O paradigma da chamada Nova História começa a se firmar a partir do grupo Annales d’histoire économique et sociale, formado por historiadores, geógrafos e sociólogos na França no início do século XX. Diferentemente da história tradicional, que se interessa pelas camadas superiores da sociedade, a Nova História interessa-se pela massa da sociedade, pelos anônimos e pelo coletivo. Nesse contexto, surge o interesse pela história das mulheres. Enquanto, na história tradicional, pergunta-se o que mudou, o interesse da Nova História é pelo que se repete, pelo que permanece na longa duração. , de que Foucault faz parte, concebe o fazer história como a descrição de séries com base na descontinuidade, ruptura e dispersão. Para Foucault, fazer história é descrever as condições sócio-históricas que possibilitam a irrupção dos acontecimentos, descrevendo a irrupção histórica dos enunciados3 3 Para Foucault, o enunciado não deve ser entendido nem como frase (unidade da gramática), nem como proposição (unidade da lógica) nem como ato de fala (unidade da pragmática), mas é ele que possibilita a existência desses conceitos. O enunciado é, assim, uma função de existência pertencente a uma série de signos, verbais ou não, determinada por regras sócio-históricas. O filósofo estabelece que um enunciado atende a quatro condições de existência: possui um referencial, isto é, as leis de possibilidade que permitem a existência desse enunciado; possui uma posição de sujeito, isto é, uma função vazia e variável que pode ser ocupada por diferentes indivíduos a depender de certas condições; está em um domínio de memória, em relação de coexistência com outros enunciados; e tem uma materialidade repetível, isto é, obedece a um regime de repetição (mesmos que as palavras sejam outras) de acordo com um regime de instituições. . Nessa obra, Foucault explica que a formação discursiva é um sistema de dispersão de enunciados.

A partir dessa noção, Pêcheux propõe que a formação discursiva em AD não pode ser vista como um espaço estrutural fechado: ela é “constitutivamente ‘invadida’ por elementos que vêm de outro lugar (isto é, de outras FD) que se repetem nela” (PÊCHEUX, 2010aPÊCHEUX, M. A Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, Françoise; HAK, Tony. (Org.). Por uma análise automática do discurso. 4. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 2010a. p. 307-315., p. 310). Desse modo, o autor propõe o primado do interdiscurso sobre o discurso. De acordo com o autor, a evidência dos sentidos sustenta-se na dissimulação do interdiscurso: “‘algo fala’ (ça parle) sempre ‘antes, alhures e independentemente’” (PÊCHEUX, 2009, p. 149). Sobre esse primado, Maingueneau (2015MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. Trad. Sírio Possenti. São Paulo: Parábola, 2015., p. 18) explica: “o discurso só adquire sentido no interior de um imenso interdiscurso. Para interpretar o menor enunciado, é necessário relacioná-lo, conscientemente ou não, a todos os tipos de outros enunciados sobre os quais ele se apoia de múltiplas maneiras.”

Courtine (2009COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Paulo: Edufscar, 2009., p. 100) explica que “o interdiscurso de uma FD, como instância de formação/repetição/transformação dos elementos do saber dessa FD, pode ser apreendido como o que regula o deslocamento de suas fronteiras”. A partir da proposta de Foucault, propõe que o enunciado é “uma forma ou um esquema geral que governa a repetibilidade no seio de uma rede de formulações”. Por sua vez, a formulação é uma sequência linguística que reformula o enunciado. Dessa maneira, um conjunto de diferentes formulações (uma rede de formulações) pode repetir um mesmo enunciado. A formulação está no nível do intradiscurso (ou fio do discurso, no eixo horizontal), que é a linearização do interdiscurso (eixo vertical). Courtine e Marandin (2016, p. 45) afirmam que:

Os discursos se repetem: ‘sincronicamente’ no fio de seu desenrolar e ‘diacronicamente’ no fio do tempo: os mesmos temas, as mesmas formulações, as mesmas figuras retornam, reaparecem. É disso que a AD se ocupa, em que baseia suas práticas de descrição e que ela constitui seu objeto: ela persegue, na propagação dos discursos, zonas de imobilidade, pontos de identidade, em suma, fragmentos naturais.

Ou seja, a AD faz a descrição desse regime de repetibilidade que forma os discursos. Courtine (2009COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Paulo: Edufscar, 2009.) defende que uma formulação está em um domínio associado, no qual se relaciona com outras formulações “que ela repete, refuta, transforma, denega, isto é, em relação às quais ela produz efeitos de memória específicos” (COURTINE, 2009COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Paulo: Edufscar, 2009., p. 104). Além disso, ela coexiste com outras formulações em um campo de concomitância e ainda se relaciona com formulações que a sucedem em um campo de antecipação. As formulações estão relacionadas, portanto, no campo da memória discursiva.

Ainda sobre a memória, Pêcheux defende que esta não deve ser compreendida como um reservatório que acumula certa homogeneidade, mas é “necessariamente um espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização…Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos” (PÊCHEUX, 2010bPÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre et al. Papel da memória. 3. ed. Campinas: Ed. Pontes, 2010b. p. 49-57., p. 56).

Desse modo, defendemos que os estereótipos que aparecem nas formulações são sustentados em enunciados, logo são da ordem do repetível, e entram no jogo da memória em uma relação, ora de retomada ora de polêmica, com discursos sobre a mulher na ciência. Neste artigo, investigamos como os estereótipos funcionam em uma memória discursiva de enunciados sobre a mulher, construída em um processo de longa duração. Para entendermos esse processo, recuperaremos aspectos da história da mulher na chamada sociedade ocidental.

4 OS ESTEREÓTIPOS SOBRE A MULHER E O SABER NA SOCIEDADE OCIDENTAL

4.1 ESTEREÓTIPOS SOBRE A BELEZA, O RECATO E O ESPAÇO PRIVADO

A título de ilustração, para discutirmos os discursos e os estereótipos acerca da mulher na sociedade ocidental, retomaremos uma formulação que serviu de título para uma reportagem da revista Veja. Publicada em 2016, a reportagem intitulada “Bela, recatada e ‘do lar’”, que discorria sobre o perfil da ex-primeira-dama Marcela Temer e terminava com a observação: “Michel Temer é um homem de sorte”, causou enorme polêmica ao evocar um discurso conservador acerca do papel da mulher na sociedade. O título mobiliza três estereótipos típicos sobre a feminilidade: as mulheres preocupam-se com a beleza, devem ser recatadas (e submissas) e estão na esfera privada (do lar).

Quanto à beleza, Perrot (2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.) mostra que, ao longo da história ocidental, o primeiro mandamento para as mulheres tem sido: “sejam belas”. As obras do Renascimento, por exemplo, estabeleciam, para o feminino, um ideal de beleza, enquanto, para o masculino, um ideal de força. Embora com padrões variados - por exemplo, até o século XIX há uma grande ênfase no rosto feminino, ao passo que, no século XX, as peças publicitárias exaltavam as pernas longilíneas -, a imposição da beleza tem sido uma constante na história das mulheres. Segundo a historiadora, a beleza tem sido “um capital na troca amorosa ou na conquista matrimonial” (PERROT, 2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017., p. 50). Destarte, defende-se que a mulher, para alcançar uma posição na sociedade, deve ser bela. Assim, circula na sociedade o estereótipo de que as mulheres se preocupam excessivamente com a beleza, com a moda, com os cosméticos, não lhes restando tempo ou até interesse para outras questões, como os estudos.

Acerca do estereótipo do recato, Perrot (2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.) afirma que, por muito tempo, houve uma invisibilidade feminina. As mulheres eram menos vistas no espaço público: “em muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio das mulheres fazem parte da ordem das coisas. É a garantia de uma cidade tranquila. [...] Sua fala em público é indecente” (PERROT, 2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017., p. 17). No discurso cristão, por exemplo, o apóstolo Paulo recomenda que as mulheres não falem em público. Essa ideia de recato e silêncio produz inversamente um estereótipo para aquelas que não se encaixam nesse modelo de discrição, qualificando-as, pejorativamente, de faladeiras e fofoqueiras. Ou seja, quando quebram as expectativas do recato, são malvistas.

Ademais, é preciso ressaltar que essa ideia de recato sustenta práticas como os chamados manterrupting4 4 Manterrupting é um termo inglês composto por man (homem) e interrupting (interrompendo), que se refere à prática masculina de interromper sistematicamente a fala de mulheres. Por exemplo, tem sido recorrente situações de debates políticos em que candidatos homens tentam interromper, sistematicamente, a fala de candidatas mulheres. e mansplaining5 5 Mansplaining é um termo inglês que se refere à prática masculina de explicar um tema para uma mulher de forma simplista e superficial. Destaca-se essa prática ainda quando um homem tenta explicar para uma mulher um tema que ela já domina ou, até mesmo, sabe mais do que ele. , ou mesmo o enfraquecimento da palavra da mulher perante a lei em casos de assédio6 6 Um exemplo recente na história brasileira é o caso do autointitulado médium João de Deus, que foi acusado de assédio sexual por mais de 300 mulheres, mas, mesmo assim, a palavra das vítimas ainda tem sido posta em dúvida. .

Por fim, a respeito do estereótipo “do lar”, Perrot (2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.) explica que, ao longo da história ocidental, estabeleceu-se uma divisão em que as mulheres deveriam ficar restritas à esfera privada. Assim, o trabalho delas era da ordem do doméstico, não remunerado nem valorizado. A esse respeito, a autora destaca:

O trabalho doméstico é fundamental na vida das sociedades, ao proporcionar seu funcionamento e reprodução, e na vida das mulheres. É um peso nos seus ombros, pois é responsabilidade delas. É um peso também na sua identidade: a dona de casa perfeita é o modelo sonhado da boa educação, e torna-se um objeto de desejo para os homens e uma obsessão para as mulheres (PERROT, 2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017., p. 114).

Ainda hoje, mesmo com as pautas pela busca de igualdade e suas conquistas, o trabalho doméstico é majoritariamente um trabalho feminino. Desse modo, as mulheres acumulam uma sobrecarga de funções entre o espaço público e o privado.

4.2 DE FEITICEIRAS A CIENTISTAS: O FEMININO E O SABER

Perrot (2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.) afirma que algumas mulheres, na Idade Média, participavam de movimentos de resistência contra o poder religioso constituído, o qual, por sua vez, as submetia a um poder masculino: “o poder dos clérigos e dos príncipes é um poder de homens, misóginos porque convencidos da impureza e da inferioridade da mulher, e até mesmo de sua ‘ruindade’” (PERROT, 2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017., p. 88). Conforme a historiadora, estima-se que quase cem mil mulheres tenham sido vítimas das prisões ou queimadas nas fogueiras da Inquisição. As chamadas feiticeiras eram acusadas de vários crimes:

Em primeiro lugar, elas ofendem a razão e a medicina moderna, por suas práticas mágicas. Têm a pretensão de curar os corpos, não somente com ervas, mas com elixires elaborados por elas e com fórmulas esotéricas. [...] Praticam uma sexualidade subversiva [...]. Enfim, elas têm contato com o diabo. O diabo cuja existência foi estabelecida e cuja teologia foi desenvolvida pelo Concílio de Latrão. A feiticeira é filha e irmã do diabo. Ela é o diabo, seu olhar mata: ela tem mau-olhado. Tem pretensão ao saber. Desafia todos os poderes: o dos sacerdotes, dos soberanos, dos homens, da razão (PERROT, 2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017., p. 90).

Tosi (1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998.) explica que, no século XV, o movimento de caça às bruxas coincide com a consolidação dos estados modernos, com os movimentos da Reforma e Contrarreforma e, principalmente, com a chamada Revolução Científica. A autora elucida que, até esse período, era comum a prática da chamada magia benéfica, exercida tanto por homens quanto por mulheres sábios, que ofereciam diversos serviços, tais como a adivinhação, “o achado de objetos perdidos, a identificação de ladrões, a prática da medicina popular, os encantamentos, a magia amorosa ou de proteção e, às vezes, quando o praticante era uma mulher, a obstetrícia” (TOSI, 1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998., p. 374). Assim, ao lado da medicina oficial (praticada por homens), a medicina popular era majoritariamente praticada por mulheres.

Ao longo do século XV, várias mulheres passaram a ser criminalizadas e a enfrentar processos em que eram acusadas da prática de bruxaria. Em especial, conforme salienta Tosi, “as velhas que habitavam a região rural, viúvas a maior parte das vezes, começam a se apresentar em massa, acusadas de bruxaria” (TOSI, 1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998., p. 373). Destarte, as mulheres sozinhas, isto é, não tuteladas por um homem, começaram a ser vistas como ameaças e suspeitas. A autora defende que, nesse contexto, o estereótipo da bruxa foi construído “por teólogos e magistrados. A bruxaria foi considerada uma prática demoníaca e a mulher o principal agente do demônio” (TOSI, 1998, p. 374). Esse estereótipo sustenta-se na ideia de que,

[...] dada sua fraqueza física e moral, sua limitada inteligência, sua carência de raciocínio, sua sexualidade incontrolável e sua lubricidade, a mulher era a vítima privilegiada de Satã. Seu saber e seus misteriosos poderes só podiam ter sido adquiridos por meios ilícitos, pactuando com o demônio. Foi essa a imagem da bruxa elaborada com amplos detalhes durante mais de um século por inquisidores católicos, padres protestantes e a elite burocrática criada pelos estados emergentes (TOSI, 1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998., p. 375).

Destacamos, nessa descrição da mulher, a referência à sua suposta limitada inteligência e carência de raciocínio, que se sustenta no enunciado de que o feminino é menos capaz intelectualmente. Ressaltamos ainda a associação do feminino ao demônio. Como discutimos em Oliveira Bitencourt (2021), no discurso cristão, a mulher é associada à figura de Eva - apresentada como a responsável pela queda da humanidade - , sendo vista como mais suscetível às paixões, logo precisaria ser contida e controlada. Desse modo, essa posição sustenta-se no enunciado de que as mulheres são mais emocionais, ao passo que os homens são mais racionais. Tratando da relação entre mulher e saber, Perrot (2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.) aponta que, ao longo da história ocidental, o saber foi visto como sendo da ordem do masculino e proveniente da parte de Deus, sendo, tanto na vertente judaico-cristã quanto na islâmica, o homem o responsável pela interpretação das Escrituras sagradas. Nesse contexto, as mulheres eram excluídas do universo da leitura. Somente com a Reforma Protestante, as mulheres passaram a ser instruídas cada vez mais, visto que, para os protestantes, a leitura da Bíblia é uma obrigação para cada cristão. A esse respeito, Perrot (2017, p. 91) salienta que a instrução protestante das meninas “teria consequências de longa duração sobre a condição das mulheres, seu acesso ao trabalho e à profissão, as relações entre os sexos e até sobre as formas do feminismo contemporâneo”.

Tosi (1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998.) chama a atenção para o livro La Cité des Dames, publicado por Christine de Pizan, ainda no século XV. No livro, Pizan defende, conforme explicita Tosi, que, se as meninas “recebessem a mesma educação que os meninos e se lhes ensinassem metodicamente as ciências, aprenderiam e compreenderiam as dificuldades de todas as artes e de todas as ciências tão bem quanto eles” (TOSI, 1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998., p. 377). O livro é importante porque iniciou toda uma discussão acerca da importância da educação feminina, colocando em questão a concepção de que os homens são naturalmente mais inteligentes que as mulheres. No entanto, ao longo da história ocidental, houve muita resistência à plena instrução das meninas. Por exemplo, o filósofo iluminista Rousseau, em sua obra Émile, defende que a educação feminina deveria ter como propósito agradar e servir aos homens. Nesse sentido, circulam teses em relação à mulher e à educação, como: um lar não pode ter harmonia se uma esposa quiser saber tanto quanto o marido; uma mulher culta não é uma boa esposa7 7 É interessante observar que esta posição que impõe à mulher saber menos que o homem é recorrente ainda na nossa sociedade; um exemplo disso foi a polêmica a respeito da fala do líder religioso Edir Macedo, que defendeu que as mulheres não devem saber mais do que os homens. De acordo com ele, as mulheres não deveriam cursar uma faculdade antes do casamento, para ter certeza de que não estudariam mais do que os futuros maridos. Para detalhes, consultar a notícia disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/09/24/interna-brasil,789307/bispo-edir-macedo-diz-que-mulher-nao-pode-ter-mais-estudo-que-o-marido.shtml. Acesso em: 10 nov. 2020. .

Com a chamada Revolução Científica, começaram a circular livros de vulgarização da ciência direcionados às mulheres. Contudo, como adverte Tosi (1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998.), tais materiais não traziam sistematização nem aprofundamento dos temas, apenas conhecimentos superficiais para que as moças pudessem acompanhar as conversas dos salões. Nesse contexto, os planos de educação feminina, nas palavras da autora:

continuaram confinando as mulheres ao saber doméstico que consistia na leitura e na escrita, algumas noções de cálculo necessárias ao bom funcionamento da economia familiar e, no caso das moças das classes mais ricas, na prática das artes recreativas, Música, Canto, Dança etc. (TOSI, 1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998., p. 379).

Tosi (1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998.) afirma que, entre os séculos XVII e XVIII, pouquíssimas mulheres conseguiram receber uma boa educação e adentrar o mundo da ciência, e as que alcançavam a formação mesmo assim não conseguiam ocupar cargos correspondentes ao saber que possuíam, sendo relegadas a posições subalternas, como a de assistente de cientista8 8 Um caso destacado por Tosi (1998) é o de Maria Winkelmann, que recebeu formação em Astronomia, sendo aprendiz de Christoph Arnold, um astrônomo reconhecido em sua época, e depois se casou com Gottfried Kirch, um dos principais astrônomos alemães, com quem trabalhou na função de assistente. Em 1700, Kirch foi admitido para trabalhar na recém-criada Academia de Berlim, e Maria Winkelmann passou a trabalhar como sua colaboradora. No ano de 1702, ela descobriu um cometa, porém a descoberta foi atribuída a seu marido, não obstante ele mesmo tenha confirmado que a descoberta foi dela. Além disso, com a morte de Kirch, Maria Winkelmann solicitou continuar trabalhando na Academia de Berlim, mas teve seu pedido negado, porque havia o medo de que a reputação da instituição fosse abalada com a nomeação de uma mulher. .

A partir dos séculos XVIII e XIX, o processo de industrialização nas sociedades ocidentais fez com que se começasse a questionar a importância de o trabalho feminino ser remunerado. Nesse contexto, aparece a figura da mulher operária, que é vista pelos homens operários como uma ameaça, produzindo a circulação de teses como: um homem digno deve ser capaz de sustentar sua família, logo sua esposa e filhas não devem ter que trabalhar; aos homens cabe o trabalho pesado com a madeira e o metal, às mulheres, o trabalho com a família e os tecidos; as operárias farão com que o salário dos operários diminua. Há, portanto, “uma grande divisão material e simbólica do mundo” (PERROT, 2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017., p. 118), que sustenta a criação e circulação de estereótipos sobre os papéis ditos femininos e os ditos masculinos.

Perrot (2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.) ressalta que, com a modernidade, muitas coisas mudaram, e o mercado de trabalho tem demandado cada vez mais mulheres qualificadas, embora ainda haja uma disparidade salarial entre os sexos. Como defende Tosi (1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998.), de certo modo, podemos afirmar que as fogueiras foram substituídas pelas credenciais exigidas para a prática da ciência moderna. As mulheres precisaram enfrentar novas formas de exclusão, como a falta de qualificação adequada, uma vez que a educação feminina, até pouco tempo, era voltada para os saberes domésticos e relacionados à satisfação das funções de mãe e esposa. Ademais, hoje se destacam também a dupla jornada de trabalho feminina e a conciliação da maternidade com as pesquisas. Por exemplo, no Brasil, a conquista da licença-maternidade para as bolsistas das agências de fomento é recente, apenas em 2011 o CNPq e a CAPES passaram a conceder esse benefício às bolsistas.

A respeito da participação feminina na ciência no Brasil contemporâneo, Marques (2020MARQUES, F. A desigualdade escondida no equilíbrio. Revista Fapesp, ed. 289, mar. 2020. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/manual-de-guerrilha-contra-a-desigualdade/. Acesso em: 8 nov. 2020.
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) afirma que dados do Ministério da Educação indicam que, em 2020, as mulheres são 55,2% dos alunos que ingressam no ensino superior e 61% dos que se graduam. Além disso, desde 2003, elas são a maioria em número de doutores. Inclusive, o autor apresenta um relatório, produzido pela editora Elsevier, que mostra que, no período entre 2014 e 2018, o Brasil está entre os países em que há mais igualdade entre os gêneros na ciência. Entretanto, é preciso observar que ainda há uma divisão dos campos, em que áreas como a matemática e as engenharias são dominadas por homens, enquanto a enfermagem é, por exemplo, uma área predominantemente feminina.

Desse modo, buscou-se, nesta seção, mostrar como diferentes estereótipos que circulam sobre a mulher são fundamentados no enunciado, no sentido de Courtine (2009COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Paulo: Edufscar, 2009.), que associa os homens à racionalidade. Este foi construído em uma longa duração, em que eles tiveram mais acesso à educação, enquanto as mulheres eram destinadas aos afazeres domésticos. Logo, essa pretensa aptidão masculina para as disciplinas de lógica e cálculo, que, muitas vezes, ainda é vista como uma característica inata, é uma construção social histórica, que circula como uma evidência produzindo efeitos, tais como o afastamento das meninas das ciências exatas desde o ensino básico. Tendo em vista esses estereótipos sobre a mulher, procederemos à análise das tiras.

5 TIRAS SOBRE A MULHER NA CIÊNCIA: A DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS

O site Quadrinhorama (https://www.quadrinhorama.com.br/), do cartunista Marco Merli, existe desde 2013 e publica tiras em parceria com o portal dos Dragões da Garagem. Este grupo, organizado por cientistas - homens e mulheres - brasileiros de diversas áreas, busca a popularização da ciência por meio da publicação de tiras, vídeos e podcasts, disponibilizados no site http://dragoesdegaragem.com/ e também em mídias sociais como o YouTube, o Facebook e o Instagram. O primeiro podcast de divulgação científica do grupo foi publicado em 2012. As tiras cômicas, publicadas por essa parceria, são intituladas “cientirinhas”, e abordam diferentes temas relacionados à ciência e ao comportamento dos cientistas. A finalidade dessas tiras é a popularização de aspectos da ciência a partir do humor.

As tiras escolhidas para análise neste artigo têm em comum o fato de que tematizam a mulher na ciência. Elas foram publicadas no mês de março de 2017, mês do Dia Internacional da Mulher, e problematizam estereótipos típicos sobre a feminilidade, defendendo que o lugar da mulher é na ciência.

A primeira tira a ser analisada (Figura 1), intitulada #62, foi publicada em 30 de março de 2017. Ela é uma tira dupla, conforme propõe Ramos (2017RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.), isto é, é formada por quatro quadros divididos em dois andares. No primeiro deles, aparecem duas mulheres conversando. A primeira diz “Menina, essa bolsa era meu sonho”, e a segunda responde: “Imagino!”. Ao fundo, é possível ver a sombra de duas pessoas. No segundo quadro, descobre-se que a sombra era de dois rapazes que se aproximam. Um deles grita: “lugar de mulher é onde ela quiser, tipo comprando bolsa”, o segundo rapaz ri e complementa: “Só pensam nisso”. No terceiro quadrinho, uma das moças, irritada com os comentários, responde: “A gente tava falando de bolsa de pesquisa! Vou lá mostrar para eles o nosso lugar”. A outra a segura e responde: “Calma, amiga... eu já mostrei”. Finalmente, no quarto quadro, ela explica: “Lembra quando te falei que deixei pra trás dois candidatos na disputa pela vaga do doutorado? Eram eles”. As duas sorriem.

Figura 1
Cientirinha #62

O desenvolvimento argumentativo ocorre pelos sentidos da palavra “bolsa”. Ao ouvir a conversa das moças a respeito de ter conseguido uma bolsa, os rapazes supõem que se trata do acessório bolsa e ridicularizam uma certa afeição feminina por acessórios. Chamamos a atenção para a formulação (1) “lugar de mulher é onde ela quiser”. Em uma rede de memória, essa formulação nasce em um jogo polêmico, em um campo de concomitância, como uma resposta à formulação (2) “lugar de mulher é na cozinha”, típica de um discurso machista, que se sustenta em um enunciado de que as mulheres devem se limitar ao âmbito privado. Em contrapartida, a formulação (1) tem circulado na sociedade como uma resposta fundamentada em uma posição de que a mulher pode exercer as mesmas funções que o homem, inclusive, no âmbito público. Na tira, a formulação (1) é retomada entre aspas marcando o discurso do outro (do discurso em defesa dos direitos femininos), porém é especificada por “tipo comprando bolsa”, o que a reinscreve, novamente, no discurso machista, na medida em que evoca um enunciado de que as mulheres são obcecadas por itens de beleza. Essa posição é reforçada pela fala do outro personagem, que ri e complementa: “só pensam nisso”, formulação que evoca esse discurso corrente sobre as mulheres como excessivamente preocupadas apenas com a aparência. Logo, menos racionais e mais emotivas.

O gatilho da tira é o sentido da palavra “bolsa”, que é precisado por uma das personagens como bolsa de pesquisa, e não um acessório de beleza. Assim, quebra-se a expectativa de que as duas jovens estivessem conversando sobre assuntos de beleza, inscrevendo a discussão no campo da ciência. As bolsas de fomento são fundamentais para o trabalho científico na medida em que permitem que o/a profissional se dedique exclusivamente a seus estudos. Dessarte, a resposta dada “a gente tava falando de bolsa de pesquisa! Vou lá mostrar para eles o nosso lugar” retoma a fala do rapaz acerca do lugar da mulher, mostrando que o lugar da mulher é na ciência, como cientista que recebe financiamento para pesquisas.

No quarto quadro, a ganhadora da bolsa indica que disputou com os rapazes uma vaga de doutorado e foi a contemplada, ou seja, em uma disputa intelectual, foi ela quem teve êxito sobre os concorrentes. Portanto, a tira contrapõe-se a um discurso machista de que os homens são mais inteligentes e mais racionais do que as mulheres, apresentando o sucesso de uma pesquisadora em disputa por uma vaga de doutorado.

A respeito da tira #62, destacamos também a prática de assédio realizada pelos rapazes. O fato de eles interromperem a conversa das jovens de modo sarcástico caracteriza uma prática comum de homens assediarem mulheres em espaços públicos. Esta tem sido uma pauta nos movimentos em favor dos direitos das mulheres, a fim de que elas possam ocupar espaços públicos sem medo de serem importunadas ou assediadas por homens. Nesse tipo de assédio, o agressor não espera que a vítima responda, sendo, portanto, uma forma de silenciá-la e constrangê-la. Essa expectativa de não resposta se sustenta no estereótipo preconceituoso de que as mulheres devem ser recatadas, o que as torna vulneráveis, assim, a um ato físico de assédio, como classifica Allport (1979ALLPORT, G. W. The nature of prejudice. Nova York: Basic Books, 1979.). Todavia, a atitude de resposta da jovem quebra a expectativa, uma vez que ela se impõe, em uma pose furiosa (balançando um dos braços e indo em direção aos rapazes), quebrando o estereótipo negativo das mulheres como recatadas e submissas.

Figura 2
Cientirinha #59

A segunda tira a ser analisada, publicada em 9 de março de 2017, é nomeada tira #59 (Figura 2). Ela é composta por três quadros. Aparecem, no primeiro e no segundo quadro, duas mulheres conversando, ambas de jaleco. O enquadramento é o meio plano, em que aparece a imagem de apenas meio corpo das personagens. A primeira mulher diz: “Sabe o que atrapalha a participação feminina nos cargos acadêmicos de chefia? A gente leva a pior nos números.”. A segunda responde: “Ai! Não vá me dizer que você acredita nesse mito de que mulheres são ruins em matemática?”. No terceiro e último quadro, abre-se o enquadramento e é possível ver que as mulheres estão em uma mesa com mais sete homens, todos vestidos de jaleco e olhando para elas. Nesse momento, a primeira mulher responde, de modo sussurrado, como indica a forma como posiciona uma das mãos próxima à boca: “Não.. eu estava me referindo a OUTROS números”.

Na apresentação da trama, à primeira vista, parece que a formulação “a gente leva a pior nos números” retoma um enunciado do discurso machista sobre a suposta inferioridade feminina em cálculos, atrelando o fato de as mulheres ocuparem poucos cargos de chefia na academia a não serem tão boas com os números e o raciocínio lógico quanto os homens. A tensão é criada com a crítica feita pela segunda pesquisadora, que acredita que a colega estivesse dando crédito a uma ideia que é apenas um mito. No Brasil, esse estereótipo de que as mulheres são mais emocionais, enquanto os homens são mais racionais, tem contribuído para afastá-las de algumas áreas da ciência, como a matemática, desde o ensino básico. Mello (2019) apresenta dados da UNESCO que mostram uma prevalência dos meninos nas áreas da ciência, tecnologia, engenharias e, principalmente, matemática. Por exemplo, em 2019, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) brasileiro tinha apenas uma mulher entre os 48 pesquisadores.

Finalmente, no terceiro quadro, é dada a situação imprevista, o termo “números”, gatilho para a quebra de expectativa, juntamente com a mudança de enquadramento, deve ser interpretado não como não saber matemática, mas que o número de pesquisadoras que ocupam cargos nas universidades ainda é menor do que o número de homens. Por conseguinte, são menos escolhidas para cargos de chefia. No Brasil, os cargos de chefia nas universidades e nas agências de fomento ainda são predominantemente ocupados por homens. De acordo com Marques (2020MARQUES, F. A desigualdade escondida no equilíbrio. Revista Fapesp, ed. 289, mar. 2020. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/manual-de-guerrilha-contra-a-desigualdade/. Acesso em: 8 nov. 2020.
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), um dos fatores que justifica essa disparidade, mais uma vez, é a concepção ainda corrente (o estereótipo) de que as mulheres não são tão competentes para atuarem em áreas experimentais e de caráter abstrato. Logo, há ainda uma exclusão das mulheres dessas áreas, por conta de estereótipos, construídos e repetidos em um processo de longa duração da formação de uma memória discursiva que restringe a inteligência da mulher.

Por fim, a trama apresentada na tira #58 (Figura 3), publicada em 2 de março de 2017, é um diálogo entre uma avó e uma neta acerca das profissões que seriam supostamente adequadas para as mulheres. A tira é composta em uma estrutura de tira dupla. No primeiro quadro, a senhora idosa, que faz tricô, diz à jovem neta: “Achei que mexer no computador era trabalho para homem.”. No segundo quadro, a jovem responde: “Ai vó, que bobagem! Essa divisão não faz o menor sentido. Tanto que eu trabalho com arquitetura de sistemas e meu namorado é engenheiro de software”. No terceiro quadro, aparece a senhora pensando. Finalmente, no quarto quadro, a avó conclui: “Isso mesmo, meu bem! Arquitetura é melhor para você. Engenharia é trabalho pesado para mulher”. A jovem aparece com uma feição de desapontamento e frustração.

Figura 3
Cientirinhas #58

A tira evoca um conflito de gerações sobre a separação entre as funções ditas femininas e masculinas na sociedade. A avó, que representaria o passado, retoma o estereótipo de que as mulheres devem evitar as áreas que demandam raciocínio lógico e que exijam mais força física. A neta, que representa o presente, nega esse posicionamento dizendo que a avó está falando uma bobagem e explica-lhe que trabalha na área da computação com o namorado, ela na parte de arquitetura e ele na parte de engenharia. A avó parece concordar com a neta, uma vez que as engrenagens de seu pensamento se encaixam no terceiro quadro. No entanto, as palavras “arquitetura” e “engenharia” funcionam como o gatilho que mostra o mal-entendido.

A avó se equivoca ao imaginar que os termos se referem à arquitetura e à engenharia no sentido corrente, não conseguindo entender que “arquitetura de sistemas” e “engenharia de software” se referem a áreas da computação e que ambas requerem os mesmos esforços físicos e intelectuais. A senhora retoma o estereótipo de que as mulheres devem seguir carreiras como a arquitetura que demandaria menos habilidades de raciocínio lógico do que a engenharia civil. Em relação às duas áreas, essa posição é um equívoco porque ambas demandam conhecimentos de cálculos aprofundados. Entretanto, historicamente, a engenharia tem sido uma área predominantemente masculina. Atualmente, por exemplo, de acordo com a página da Escola Politécnica da USP, a participação feminina nos cursos da escola está em torno de 20% e, entre os docentes, apenas 12% são mulheres9 9 Para detalhes consultar: https://www.poli.usp.br/mulheres-na-tecnologia/noticias-mulheres-na-tecnologia/10395-poli-usp-quer-discutir-acoes-para-atrair-meninas-para-engenharia.html. Acesso em: 08 ago. 2022. . Desse modo, é interessante observar que, embora a tira tematize um conflito de gerações, que pode levar a pensar que a avó tem ideias antigas, a realidade da formação de mulheres na área das ciências exatas, no Brasil, ainda é excludente e longe de uma equidade, pois ainda é afetada pelo discurso que restringe a inteligência feminina.

Em suma, as tiras apresentam formulações que materializam enunciados do discurso machista, como “lugar de mulher é onde ela quiser, tipo comprando bolsa”, as mulheres só pensam em acessórios; levam “a pior nos números”, não devem trabalhar na computação, não devem ser engenheiras; para então problematizar essas posições e mostrar a sua fragilidade. As tiras retomam, dessa maneira, enunciados de uma memória discursiva sobre as mulheres, construída em um processo de longa duração de exclusão delas do saber. Assim, as tiras analisadas são polêmicas a esse discurso, na medida que o retomam para refutá-lo, cumprindo, portanto, um papel importante na popularização da ciência, visto que contribuem para o enfraquecimento do discurso que diminui e limita a participação feminina na ciência.

6 CONCLUSÃO

O objetivo deste artigo foi, primeiramente, analisar o percurso de construção de estereótipos sobre a mulher, sustentados em um enunciado, no sentido de Courtine (2009COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Paulo: Edufscar, 2009.), de que as mulheres são mais emocionais e os homens mais racionais. A seguir, o artigo analisou discursivamente três tiras que tematizam o papel das mulheres na ciência. A análise mostra que as tiras são construídas a partir da problematização de alguns estereótipos típicos acerca do feminino: as mulheres preocupam-se apenas com a beleza, são menos inteligentes e mais fracas que os homens, devem ser recatadas e limitadas ao espaço privado. Esses estereótipos são sustentados em um enunciado de que as mulheres são mais emocionais, ao passo que os homens são mais racionais. Tal enunciado foi construído em um processo de longa duração em que as mulheres foram sistematicamente excluídas do saber e impedidas de dedicarem-se à ciência, como explicam Perrot (2017PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.) e Tosi (1998TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998.). Nas tiras, tenta-se desconstruir esses estereótipos defendendo o papel da mulher na ciência. Desse modo, as tiras, que fazem parte de um projeto de popularização da ciência, têm um papel importante ao problematizarem e refutarem esses estereótipos, contribuindo para o fortalecimento do discurso em favor à igualdade de gêneros.

Quanto à composição das tiras, observou-se que elas se enquadram na composição típica descrita por Ramos (2017RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.): apresentação da trama, construção da tensão e situação imprevista. Observa-se que a apresentação da trama se dá, geralmente, em um contexto que defende enunciados do discurso machista, em que a mulher é vista a partir dos estereótipos citados. Entretanto, tais estereótipos estão em uma tensão, considerando os avanços da luta pelos direitos femininos, entre os quais o direito à plena educação é um direito básico, e são refutados mostrando conquistas e desafios para a participação feminina na ciência.

As tiras analisadas inscrevem-se, portanto, em uma memória discursiva sobre a mulher na ciência, retomando e refutando, nas formulações, estereótipos fundamentados em um enunciado que limita a inteligência feminina. É preciso lembrar, por fim, que o tempo dos discursos não é o tempo linear e que a memória, como propõe Pêcheux (2007), é um espaço de conflito, assim estereótipos que hoje possam parecer absurdos ainda circulam com força na sociedade e produzem efeitos.

REFERÊNCIAS

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  • AMOSSY, R.; PIERROT, A. H. Estereotipos y clichés. Buenos Aires: Eudeba, 2001.
  • BURKE, P. Testemunha ocular: o uso de imagens como evidência histórica. São Paulo: Unesp, 2017.
  • COURTINE, J.-J. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Paulo: Edufscar, 2009.
  • COURTINE, J.-J.; MARANDIN, J.-M. Que objeto para a Análise do Discurso? In: CONEIN, B. et al. Materialidades discursivas: a espessura da linguagem. Campinas: Ed. Unicamp, 2016. p. 33-54.
  • FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
  • MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. Trad. Sírio Possenti. São Paulo: Parábola, 2015.
  • MARQUES, F. A desigualdade escondida no equilíbrio. Revista Fapesp, ed. 289, mar. 2020. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/manual-de-guerrilha-contra-a-desigualdade/. Acesso em: 8 nov. 2020.
    » https://revistapesquisa.fapesp.br/manual-de-guerrilha-contra-a-desigualdade
  • MELLO, O. de. Um lugar para as meninas na matemática. Revista Fapesp, ed. 282, ago. 2018. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/um-lugar-para-meninas-na-matematica/. Acesso em: 30 nov. 2020.
    » https://revistapesquisa.fapesp.br/um-lugar-para-meninas-na-matematica
  • OLIVEIRA BITENCOURT, D. R. de. A submissão da mulher no discurso cristão: o comentário de um discurso constituinte. In: OLIVEIRA, E. dos S. Estudos reunidos sobre a mulher: literatura, arte e cultura. Curitiba, PR: Editora Bagai, 2021. p. 36-47.
  • PÊCHEUX, M. A Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, Françoise; HAK, Tony. (Org.). Por uma análise automática do discurso. 4. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 2010a. p. 307-315.
  • PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre et al. Papel da memória. 3. ed. Campinas: Ed. Pontes, 2010b. p. 49-57.
  • PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 4. ed. Campinas: Ed. Unicamp, 2009.
  • PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2017.
  • RAMOS, P. Tiras no ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2017.
  • TOSI, L. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, p. 369-397, 1998.
  • 1
    O documentário “One child nation”, das cineastas chinesas Nanfu Wang e Jialing Zhang, produzido em 2019, mostra como a imposição da política do filho único na China provocou a morte milhares de bebês do sexo feminino.
  • 2
    O paradigma da chamada Nova História começa a se firmar a partir do grupo Annales d’histoire économique et sociale, formado por historiadores, geógrafos e sociólogos na França no início do século XX. Diferentemente da história tradicional, que se interessa pelas camadas superiores da sociedade, a Nova História interessa-se pela massa da sociedade, pelos anônimos e pelo coletivo. Nesse contexto, surge o interesse pela história das mulheres. Enquanto, na história tradicional, pergunta-se o que mudou, o interesse da Nova História é pelo que se repete, pelo que permanece na longa duração.
  • 3
    Para Foucault, o enunciado não deve ser entendido nem como frase (unidade da gramática), nem como proposição (unidade da lógica) nem como ato de fala (unidade da pragmática), mas é ele que possibilita a existência desses conceitos. O enunciado é, assim, uma função de existência pertencente a uma série de signos, verbais ou não, determinada por regras sócio-históricas. O filósofo estabelece que um enunciado atende a quatro condições de existência: possui um referencial, isto é, as leis de possibilidade que permitem a existência desse enunciado; possui uma posição de sujeito, isto é, uma função vazia e variável que pode ser ocupada por diferentes indivíduos a depender de certas condições; está em um domínio de memória, em relação de coexistência com outros enunciados; e tem uma materialidade repetível, isto é, obedece a um regime de repetição (mesmos que as palavras sejam outras) de acordo com um regime de instituições.
  • 4
    Manterrupting é um termo inglês composto por man (homem) e interrupting (interrompendo), que se refere à prática masculina de interromper sistematicamente a fala de mulheres. Por exemplo, tem sido recorrente situações de debates políticos em que candidatos homens tentam interromper, sistematicamente, a fala de candidatas mulheres.
  • 5
    Mansplaining é um termo inglês que se refere à prática masculina de explicar um tema para uma mulher de forma simplista e superficial. Destaca-se essa prática ainda quando um homem tenta explicar para uma mulher um tema que ela já domina ou, até mesmo, sabe mais do que ele.
  • 6
    Um exemplo recente na história brasileira é o caso do autointitulado médium João de Deus, que foi acusado de assédio sexual por mais de 300 mulheres, mas, mesmo assim, a palavra das vítimas ainda tem sido posta em dúvida.
  • 7
    É interessante observar que esta posição que impõe à mulher saber menos que o homem é recorrente ainda na nossa sociedade; um exemplo disso foi a polêmica a respeito da fala do líder religioso Edir Macedo, que defendeu que as mulheres não devem saber mais do que os homens. De acordo com ele, as mulheres não deveriam cursar uma faculdade antes do casamento, para ter certeza de que não estudariam mais do que os futuros maridos. Para detalhes, consultar a notícia disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/09/24/interna-brasil,789307/bispo-edir-macedo-diz-que-mulher-nao-pode-ter-mais-estudo-que-o-marido.shtml. Acesso em: 10 nov. 2020.
  • 8
    Um caso destacado por Tosi (1998) é o de Maria Winkelmann, que recebeu formação em Astronomia, sendo aprendiz de Christoph Arnold, um astrônomo reconhecido em sua época, e depois se casou com Gottfried Kirch, um dos principais astrônomos alemães, com quem trabalhou na função de assistente. Em 1700, Kirch foi admitido para trabalhar na recém-criada Academia de Berlim, e Maria Winkelmann passou a trabalhar como sua colaboradora. No ano de 1702, ela descobriu um cometa, porém a descoberta foi atribuída a seu marido, não obstante ele mesmo tenha confirmado que a descoberta foi dela. Além disso, com a morte de Kirch, Maria Winkelmann solicitou continuar trabalhando na Academia de Berlim, mas teve seu pedido negado, porque havia o medo de que a reputação da instituição fosse abalada com a nomeação de uma mulher.
  • 9
    Para detalhes consultar: https://www.poli.usp.br/mulheres-na-tecnologia/noticias-mulheres-na-tecnologia/10395-poli-usp-quer-discutir-acoes-para-atrair-meninas-para-engenharia.html. Acesso em: 08 ago. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2020
  • Aceito
    09 Fev 2022
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