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Investigação das falhas técnicas verificadas em próteses auditivas de usuários de um programa público de saúde auditiva

Resumos

Objetivo

analisar as falhas técnicas em próteses auditivas de um grupo de usuários do Programa de Saúde Auditiva de uma Universidade em Curitiba.

Métodos

analisou-se o relatório técnico de 104 próteses de usuários que compareceram ao serviço para a consulta de acompanhamento.

Resultados

o relatório apontou para defeitos em: 21% receptor; 15% caixa; 12% suspensão; 9% microfone; 2% amplificador. Com relação à causa provável do defeito: 58% desgaste em função do tempo de uso; 25% umidade; 23% mau uso. Quanto ao valor dos consertos: mínimo de R$44,00 para revisão e limpeza (36%) e máximo de R$900,00 para substituição de peças (9,6%); 21% da amostra teve o orçamento realizado entre R$100,00 e R$500,00; 37% dos aparelhos foram substituídos.

Conclusão

Os defeitos detectados deveram-se a problemas de manuseio entre os usuários recentes, e desgaste entre os usuários mais antigos.

Auxiliares de Audição; Percepção; Sistema Único de Saúde; Fonoaudiologia


Purpose

to analyze the technical problems in hearing aids for a user group Program Hearing Health at a university in Curitiba.

Methods

we analyzed the technical report of 104 implants users who attended the service for follow-up visit.

Results

the report pointed to defects: 21% receiver, 15% cash, 12% suspension; microphone 9%, 2% amplifier. With regard to the probable cause of the defect: 58% wear a function of time of use, 25% humidity, 23% misuse. As the value of repairs: minimum of R$ 44.00 for review and cleaning (36%) and maximum of R$ 900.00 for replacement parts (9.6%), 21% of the sample was held between the budget R$ 100, 00 and R$ 500.00, 37% of the devices were replaced.

Conclusion

the defects were due to handling problems among recent users, and burnout among older users.

Hearing Aids; Perception; Unified Health System; Speech, Language and Hearing Sciences


INTRODUÇÃO

A audição é considerada um dos sentidos essenciais ao desenvolvimento cognitivo, emocional e psicológico do ser humano. Segundo a Organização Mundial da Saúde1. Bento RF, Penteado SP. Designing of a digital behind-the-ear hearing aid to meet the World Health Organization Requirements. Trends Amplif. 2010;14(2):64-72. existem 42 milhões de pessoas no mundo, com mais de três anos de idade, com perda auditiva de grau moderado a profundo. Segundo dados da Academia Americana de Audiologia2. American Academy of Audiology. Disponível em www.audiology.org. Acessado em 7/5/2011.
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, 0,1% dos nascidos vivos por ano, no mundo, apresentam perda auditiva severa e profunda. A International of Oto-Rhino-Laryngological Societies3. International Federation of Oto-rhino-laryngological Societies. Disponível em www.ifosworld.org. Acessado em 5/5/2011.
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estima em 10% a incidência na população mundial de portadores de perdas auditivas.

No Brasil, 6,8% de portadores de perdas auditivas incapacitantes, ou seja, perdas moderadas, severas e profundas apresentam dificuldades ou impedimentos no desenvolvimento da linguagem oral sem a intervenção de um especialista ou uso de amplificação sonora4. Raymann BCW, Beria JU, Gigante LP, Figueiredo AL, Jotz GP, Roithmann R, et al. Perda auditiva incapacitante e fatores sócio-econômicos: um estudo de base populacional em Canoas. Rev Panam Salud Publica. 2007;21(6):381-7..

O Ministério da Saúde no Brasil, em consonância com a realidade mundial, instituiu em 2004 a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA)5. Brasil. Portaria GM nº 2.073 – Institui a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. considerando, entre outras questões, a necessidade do desenvolvimento de estratégias de promoção da qualidade de vida, educação, proteção e recuperação da saúde e prevenção de danos à audição no Sistema Único de Saúde (SUS).

Uma vez que um dos recursos à disposição da comunidade que possui perdas auditivas é a prótese auditiva, a PNASA define critérios técnicos mínimos para o funcionamento e a avaliação dos serviços que realizam reabilitação auditiva, bem como os mecanismos de sua monitoração com vistas a potencializar os resultados da protetização. A questão da protetização no caso de surdez, no entanto, foi contemplada no Brasil quando o Ministério da Saúde instituiu a política de concessão de prótese auditiva aos pacientes do SUS6. Batista ACM, Sampaio FM. Nível de satisfação dos idosos usuários de próteses auditivas doadas pela APAC-NAMI-UNIFOR. Rev Bras em Promoção da Saúde. 2005;18(1):7-10..

A PNASA garante à população acesso às tecnologias que minimizam os efeitos da deficiência auditiva, prevendo, ainda, atuação em três níveis de atenção à saúde7. Brasil. Portaria MS nº 587 – Determina que as Secretarias de Estado da Saúde dos estados adotem as providências necessárias à organização e implantação das Redes Estaduais de Atenção à Saúde Auditiva. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.: 1) Atenção Básica: compreendem ações de promoção à saúde auditiva, de prevenção e identificação precoce de problemas auditivos junto à comunidade, assim como ações informativas, educativas, orientação familiar e encaminhamentos quando necessário para o serviço de atenção à saúde auditiva na média complexidade; 2) Média Complexidade: constitui-se na primeira referência para a atenção básica e contrareferência do serviço de atenção à saúde auditiva na alta complexidade. Tem como finalidade prestar assistência especializada às pessoas com doenças otológicas e em especial às pessoas com deficiência auditiva; e 3) Alta Complexidade: constitui-se na referência para o diagnóstico das perdas auditivas e sua reabilitação em crianças até três anos de idade e em pacientes com afecções associadas (neurológicas, psicológicas, síndromes genéticas, cegueira, visão subnormal), perdas unilaterais e daqueles que apresentarem dificuldade na realização da avaliação audiológica em serviço de menor complexidade. Neste sentido, deverá contar com equipamentos para realizar o diagnóstico diferencial das perdas auditivas.

Os serviços habilitados pelo Ministério da Saúde como média e alta complexidade, após o processo de avaliação do paciente, tendo constatado a perda auditiva, podem indicar e conceder próteses que reabilitam a audição. As portarias atualmente em vigor estabelecem a classificação dos aparelhos em classe A (R$525,00), classe B (R$700,00) e classe C (R$1100,00). De acordo com as mesmas portarias, depois da concessão da prótese auditiva, a manutenção é de responsabilidade dos usuários, que têm dispêndio com pilhas, troca de moldes auriculares, troca de cápsula e eventuais consertos. Quando a prótese apresenta falhas técnicas, muitos usuários abandonam o seu uso ou solicitam reposição por falta de condições financeiras para realizar o conserto. Nos últimos anos tem-se registrado no serviço um aumento considerável de reposição de próteses por diversos motivos: perda, roubo, desgaste pelo uso, alteração no quadro audiológico e falhas técnicas em geral.

Estudos vêm indicando as dificuldades de usuários de próteses auditivas com o manuseio o que é um dos fatores que podem levar ao mau funcionamento das próteses e sua deterioração, gerando gastos com a manutenção8. Ferreira, MIDC, Sant’anna LM. Conhecimento de usuários de aparelhos auditivos sobre o processo de adaptação. Arq. Int. Otorrinolaringologia. 2008;12(3):384-92.,9. Danieli F, Castiquini EAT, Zambonatto TCF, Bevilacqua MC. Avaliação do nível de satisfação de usuários de amplificação sonora individuais dispensados pelo Sistema Único de Saúde. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;16(2):152-9..

O objetivo deste trabalho foi verificar a ocorrência de falhas técnicas em próteses auditivas de um grupo de usuários do Programa de Saúde Auditiva de uma Universidade em Curitiba.

MÉTODOS

Esta pesquisa possui aprovação pelo Comitê de Ética CEP-UTP-027/2008.Todos os sujeitos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido de acordo com a Resolução MS/CNS/CNEP 196/96.

Este estudo é do tipo descritivo de corte transversal e foi desenvolvido ao longo de seis meses, durante as consultas de acompanhamento anual realizadas em 515 usuários do serviço. Foram analisadas 895 próteses auditivas. Dentre os sujeitos analisados, 239 (46,40%) pertenciam ao gênero masculino e 276 (53,60%) ao feminino. A maioria da população atendida tinha entre 50 e 69 anos (57%).

O Programa de Saúde Auditiva da Clínica Escola de Fonoaudiologia da Universidade pesquisada realiza avaliação otorrinolaringológica e auditiva, seleção, indicação e adaptação de próteses auditivas, bem como acompanhamento audiológico dos usuários de próteses auditivas ao longo de suas vidas. Além da primeira concessão de próteses, o paciente também tem direito à reposição de aparelhos. Foram concedidos em 2010, pelo SUS, por meio do programa de Saúde Auditiva da Universidade estudada, um total de 1.136 aparelhos, com custo de R$978.175,00.

Os critérios de inclusão na pesquisa foram: ser paciente da clínica de Fonoaudiologia da Universidade, ser usuário de prótese auditiva unilateral ou bilateral e ter comparecido à consulta de acompanhamento anual.

Para caracterização da amostra, foram analisados os prontuários dos 515 pacientes e suas condições auditivas. A seguintes variáveis foram consideradas: idade, gênero, perda auditiva, prótese auditiva utilizada (tipo e classificação) e o tempo de utilização.

No retorno dos sujeitos para a consulta de acompanhamento anual foram avaliadas as condições das próteses auditivas e investigadas as prováveis queixas dos usuários sobre o funcionamento das mesmas.

As próteses que apresentavam problemas de funcionamento foram então encaminhadas para avaliação em laboratório especializado. O laudo técnico do laboratório foi analisado nos seguintes aspectos: dados sobre as condições gerais do aparelho e de seus componentes (microfone, receptor, amplificador, suspensão, molde, caixa, e tubos conectivos), defeito apresentado, causa provável do defeito e valor em Reais para conserto.

Os dados foram digitados em planilha eletrônica, categorizados e tratados estatisticamente com testes paramétricos. Utilizou-se os testes Qui Quadrado e Diferença de Proporções, sendo que foram considerados significantes os valores inferiores a 0,05. Para as análises estatísticas foram consideradas as seguintes variáveis dependentes: causas dos defeitos das próteses auditivas, tipos de defeitos e tempo de uso, enquanto que as variáveis independentes foram: gênero e idade do usuário.

RESULTADOS

Durante o período considerado para este estudo (seis meses), compareceram para a consulta de acompanhamento anual 515 usuários de prótese auditiva, sendo que foram verificadas um total de 895 próteses auditivas (760 próteses adaptadas bilateralmente e 135 unilateralmente).

Dos 515 usuários, 323 faziam uso de próteses intra-auriculares e 192 utilizavam retroauriculares.

A maioria utilizava a prótese auditiva há mais de 37 meses, conforme Tabela 1.

Tabela 1
– Distribuição da amostra pelo tempo de uso em meses (N=515)

Dos 515 pacientes atendidos, 86 (16%) queixaram-se de problemas com o funcionamento de seus aparelhos. Assim sendo, das 895 próteses adaptadas e avaliadas na consulta de acompanhamento, 104 (11%) estavam com defeito.

As causas dos defeitos, após avaliação do técnico em prótese auditiva, em relação ao tempo de uso estão registradas na Tabela 2.

Tabela 2
– Causas do defeito em relação ao tempo de uso

A maioria dos casos de mau uso da prótese auditiva ocorreu até 24 meses, enquanto que o defeito por outras causas, desgaste de peças, por exemplo, ocorreu após 49 meses de uso da prótese auditiva.

Aplicou-se o teste Qui Quadrado e observou-se que ocorreu dependência significante entre as causas do defeito e tempo de uso da prótese auditiva (p = 0,0000).

Categorizaram-se os defeitos apresentados nas próteses, sendo o laudo técnico, pelo componente afetado na Tabela 3.

Tabela 3
– Componentes com defeitos registrados nos laudos técnicos (n=104)

Registrou-se que 39% das próteses estavam apenas sujas e que 85% destas próteses pertenciam a usuários recentes com 12 a 24 meses de uso.

Investigou-se o defeito apresentado em relação ao tempo de uso da prótese, na Tabela 4; o defeito apresentado em relação à faixa etária do usuário, na Tabela 5; e o defeito apresentado em relação ao gênero, na Tabela 6.

Tabela 4
– Defeito por tempo de uso

Tabela 5
– Defeito por faixa etária
Tabela 6
– Defeito por gênero

Os defeitos no molde ou cápsula, caixa e tubos conectivos das próteses auditivas foram observados principalmente até 24 meses, enquanto que o defeito nos componentes internos foi mais encontrado com um maior tempo de uso.

Os usuários com mais de 50 anos de idade foram os que mais apresentaram queixas. Os problemas mais relevantes foram observados na caixa dos seus aparelhos.

Não foi observada dependência significante entre defeito e idade e entre defeito e gênero, por meio do Teste de Diferença de Proporções.

Com relação aos valores orçados para consertos, observou-se que o menor valor foi de R$44,00 para limpeza, em 39% das próteses analisadas; 38% tiveram orçamento entre R$51,00 e R$300,00; 19% tiveram orçamento entre R$301,00 e R$600,00; e 4% em mais de R$601,00.

Registrou-se que 23 próteses (37%) foram substituídas, pois os usuários não puderam arcar com as despesas do conserto. O SUS realizou a reposição de seis próteses classe A, cinco classe B e 12 classe C.

Em caso de conserto, o valor estimado neste evento seria R$7.589,00. Com as substituições o SUS despendeu R$19.250,00.

DISCUSSÃO

A Política de Saúde Auditiva prevê que depois de encerrado o processo de avaliação e adaptação da prótese, os usuários do programa recebam atenção continuada. Durante o período de coleta de dados, crianças com até três anos tinham direito a realizar quatro consultas de acompanhamento por ano; crianças até 12 anos podiam fazer duas consultas de acompanhamento anuais; e pacientes adultos, uma consulta de acompanhamento anual.

É nesta consulta que o fonoaudiólogo reavalia a audição dos usuários e verifica as condições de funcionamento dos aparelhos. As próteses auditivas têm por função melhorar a percepção auditiva com vistas às habilidades de comunicação, prevenindo o isolamento social e a depressão, porém, quando este dispositivo se torna desconfortável para o paciente é sinal de que algo não está funcionando bem. Nestes casos é importante reavaliar a audição do usuário, para se verificar mudanças significantes nos limiares auditivos, e também avaliar as condições de funcionamento da prótese 1010 . Farias RB, Russo ICP. Saúde auditiva: estudo do grau de satisfação de usuários de amplificação sonora individual. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2010;15(1):26-31..

Neste estudo foi possível constatar que 16% da amostra avaliada queixaram-se de problemas com a prótese e que o mau uso do aparelho auditivo foi determinante. Os usuários mais antigos tendem a ter menos problemas com o manuseio do aparelho, provavelmente porque estão habituados ao uso (vide Tabelas 1 e 2).

Trinta e nove por cento das próteses avaliadas apresentavam-se sujas e mal conservadas. A conservação e a limpeza da prótese são fundamentais para o bom funcionamento do dispositivo1111 . Rosa MRB, Dante G, Ribas A. Programa de orientação a usuários de prótese auditiva e questionários de auto-avaliação: importantes instrumentos para uma adaptação auditiva efetiva. Arq Int Otorrinolaringol. 2006;10(3):220-7.. Não é raro que o cerumem obstrua a saída do molde nos aparelhos retroauriculares, ou até mesmo, causar danos ao receptor nos intra-auriculares.

Neste estudo, a maioria da amostra (62%) faz uso de próteses intra-auriculares, pode-se inferir que cuidados redobrados devem ser adotados para prevenir danos ao receptor por acúmulo de cerumem no orifício de saída do som, que fica posicionado dentro do conduto auditivo do paciente. No momento da adaptação da prótese auditiva, o fonoaudiólogo deve explicar ao usuário a limpeza dos aparelhos, porém, como são muitas as informações, pode ser comum o esquecimento desse procedimento. Estudos1212 . Fialho IM, Bortoli D, Mendonça GG, Pagnosim DF, Scholze AS. Percepções de idosos sobre o uso de AASI concedido pelo Sistema Único de Saúde. Rev. CEFAC. 2009;11(2):338-44.,1313 . Veras RP, Mattos LC. Audiologia do envelhecimento: revisão da literatura e perspectivas atuais. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(1):128-34. mostram que é necessário o investimento em sessões de aconselhamento após o processo de adaptação, pois nestas sessões o fonoaudiólogo aborda a importância da comunicação para os idosos, os impactos da perda, seus efeitos emocionais, e inclusive, oportuniza e explica o uso da prótese. Atualmente a PNASA não prevê este tipo de atendimento pelo fonoaudiólogo. O serviço pesquisado realiza um trabalho em grupo, onde orientações e conselhos são ministrados ao usuário e a família logo que a prótese é fornecida.

Foi possível verificar que os aparelhos de usuários recentes apresentam problemas em moldes/cápsulas, caixa ou tubos conectivos. Os aparelhos de usuários mais antigos apresentam falhas de funcionamento em componentes internos, o que permite inferir que com o uso e a experiência os problemas de manuseio diminuem. Ressalta-se que, apesar da associação significante, não foi encontrado estudos com os quais pudessem estabelecer correlações.

A troca de moldes ou cápsulas deve ser realizada anualmente, no caso de usuários adultos, por questões de higiene e adaptação dos mesmos ao pavilhão auricular, que sofre modificações no decorrer do tempo1111 . Rosa MRB, Dante G, Ribas A. Programa de orientação a usuários de prótese auditiva e questionários de auto-avaliação: importantes instrumentos para uma adaptação auditiva efetiva. Arq Int Otorrinolaringol. 2006;10(3):220-7., assim, grande parte dos problemas aqui apresentados seriam eliminados com a possibilidade de uma maior frequência de acesso aos serviços técnicos.

Aparelhos com defeito em componentes internos não amplificam o som, ou podem resultar em energia amplificada distorcida (som abafado, intermitente, presença de chiado, de estalos, dentre outros). Estes defeitos podem ser causados por desgaste de peças, fato que acomete equipamentos eletrônicos em geral, ou por uso inadequado (quedas, batidas, exposição à água ou altas temperaturas, outros acidentes). Segundo os dados coletados, em 14 aparelhos (31%) foi constatada falha de componentes por desgaste de peças em decorrência do tempo de uso, porém, em 21 (46%), verificou-se que o tempo de utilização não foi relevante uma vez que estes problemas foram detectados em usuários recentes, o que permite inferir que a provável causa do defeito foi a falta de cuidado. Houve associação entre os defeitos apresentados e o tempo de uso da prótese auditiva. Porém, não houve relação estatisticamente significante entre a idade e o gênero com o defeito apresentado.

Outro fato relevante é que, 36% das próteses foram substituídas em função dos usuários não possuírem condições financeiras para arcar com o conserto. O serviço pesquisado atende, basicamente, classe social menos favorecida.

Tal dado nos permite comentar que as portarias precisam ser revistas para que a população tenha amparo no que se refere à manutenção e conserto das próteses, evitando-se assim, reposições que oneram o governo de forma indiscriminada.

Considerando os investimentos realizados pelo governo no fornecimento das próteses auditivas e que a prótese fornecida atualmente pelo programa de Saúde Auditiva do governo varia de R$525,00 a R$1.100,00, e que, neste estudo 34,9% dos consertos foram orçados em menos de R$500,00, é possível afirmar que, existe uma falha na política de manutenção destas próteses, ou seja, o governo gasta mais recursos repondo o aparelho auditivo danificado do que se houvesse uma política de reparos.

Verificou-se que, enquanto próteses são substituídas quando ainda há condições de reparos, pessoas que ainda não usam aparelho auditivo estão em fila de espera, aguardando vaga nos serviços de saúde auditiva. No caso de reposição o usuário não necessita voltar para a fila, o próprio serviço avalia o aparelho com defeito e oferece o encaminhamento necessário.

O Ministério da Saúde investe valores consideráveis em fornecimento de próteses auditivas. Dados publicados1. Bento RF, Penteado SP. Designing of a digital behind-the-ear hearing aid to meet the World Health Organization Requirements. Trends Amplif. 2010;14(2):64-72. relatam que em 2002 o Ministério da Saúde investiu R$47.081.886,75 no programa de fornecimento de 35.297 próteses auditivas, por intermédio de 84 Unidades Prestadoras de Serviço. Em 2004, quando passou a vigorar a portaria GM 2073/04 tais gastos atingiram a faixa de R$162.705.737,00. Em 2010 os gastos ultrapassaram os R$224.000.000,00, tendo sido concedidos mais de 170.000 aparelhos14.

Verificou-se, em um período de seis meses, o SUS despendeu R$19.250,00 com novos aparelhos para usuários da Clínica pesquisada, sendo que apenas 30% deste valor seriam necessários para efetuar o conserto das próteses com defeito.

A PNASA5. Brasil. Portaria GM nº 2.073 – Institui a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. permitiu que muitos cidadãos, em geral de classe socioeconômica menos privilegiada, tivessem acesso a próteses auditivas e reabilitação de qualidade. Porém, este estudo permitiu verificar que parte da verba que deveria beneficiar novos usuários tem sido destinada para repor próteses danificadas, pois os usuários não possuem condições financeiras para arcar com a manutenção após o período de garantia.

Por fim, julga-se que com um número maior de consultas, o paciente tem a oportunidade de sanar suas dúvidas quanto à manutenção e cuidados, aumentando assim a vida útil deste dispositivo, o que nem sempre é possível em apenas um retorno anual. Nota-se que esta clientela necessita de mais atenção uma vez que problemas técnicos geram o abandono do uso do aparelho, o que prejudica os benefícios da amplificação sob o ponto de vista social. Campanhas que promovam o esclarecimento e o entendimento sobre as próteses auditivas podem auxiliar na diminuição de gastos futuros, como por exemplo, com a reposição de próteses danificadas pela má informação que estão recebendo sobre este recurso.

Estes dados coletados destacam que se faz necessária uma cautelosa revisão de portarias referentes à saúde auditiva no Brasil, atitude que entende-se ser emergente para que haja previsão de destinação de verba para manutenção das próteses, o que geraria menor ônus ao governo e acarretaria em maior vida útil das próteses concedidas. Com esta redução de gastos é possível disponibilizar um número maior de próteses auditivas, beneficiando maior numero de pessoas que necessitam voltar a ouvir. Quanto maior o tempo de espera, maior a perda de contato do indivíduo com o som e maior a dificuldade de restabelecer este sentido.

Outro fator importante nos serviços de saúde auditiva é o investimento em orientações aos pacientes, materiais de apoio áudio visual, como folhetos e vídeos explicativos, com vistas a melhorar o conhecimento acerca do manuseio e cuidados com as próteses, aprimorando o entendimento da população.

Denota-se que os resultados sugerem a importância do acompanhamento de pacientes protetizados com vistas às orientações e prevenção de problemas técnicos advindos por falta de oportunidade de corrigi-los.

CONCLUSÃO

O estudo permitiu concluir que a maioria das falhas técnicas esteve relacionada ao molde ou cápsula do AASI e de problemas na caixa do AASI. A ocorrência de falhas técnicas surgiu predominantemente em até 24 meses de uso, e estava relacionada ao desgaste das peças. Os usuários recentes (com menos de 24 meses) apresentaram dificuldades no manuseio e os usuários mais antigos (mais de 24 meses) com problemas por desgaste de peças.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2012
  • Aceito
    17 Abr 2013
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