Objetivos
Cumpre destacar dois objetivos precípuos da Residência Médica:
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- Preparar o especialista, tanto nas cinco áreas fundamentais da Medicina, (Clínica Médica, Pediatria, Cirurgia, Tocoginecologia, Medicina Preventiva e Social), como nas especialidades clínicas e cirúrgicas, que totalizam atualmente 26, se considerarmos aquelas reconhecidas pela Comissão Nacional de Residência Médica (Resolução 01/81). Para este fim, há consenso em que a Residência é o instrumento pedagógico ideal, já universalmente consagrado.
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- Constituir-se em núcleo fundamental para o Mestrado e o Doutorado, que objetivam formar o docente-pesquisador. Para tal, deverá a Residência, sob a forma de curso de especialização, oferecer todo o conjunto de conhecimentos, habilidades e técnicas da área específica, o que implica a existência de nível inquestionavelmente elevado do processo ensino-aprendizagem. Parcela ponderável de educadores médicos preconiza uma modalidade de pós-graduação stricto sensu distinta para a área profissional da Medicina, na qual a Residência Médica, além de ser pré-requisito, se credencia à obtenção de créditos adicionais para o Mestrado. Este se completaria com as disciplinas de Pedagogia Médica, Didática Especial, Estudo dos Problemas Brasileiros e Metodologia Científica, com a realização de pesquisa e elaboração de uma dissertação, ou tese.
Características pedagógicas
Forçoso é reconhecer a expansão desordenada da Residência Médica no final dos anos 60 e na década de 70, erroneamente assimilada e eivada de vícios. Foi o sistema freqüentemente desvirtuado e desfigurado, até mesmo na rede oficial do ensino, mercê da inobservância das características pedagógicas fundamentais e das normas legais, capazes de assegurar o alto padrão técnico-científico dos programas. Por isso, vale relembrá-la aqui:
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Residência é treinamento-em-serviço, e não simples prestação de serviços. O Residente trabalha, porque é trabalhando que vai realizar o seu aprendizado, adquirindo aptidões e o domínio de técnicas específicas, de forma quase sempre artesanal, em situações reais;
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Dedicação exclusiva, que comporta uma interpretação única e inquestionável, a de vedar o exercício de outra atividade (art. 1.o do Decreto 80.281/77). Convém lembrar aqui a Lei 6.932/81), relacionada particularmente aos aspectos trabalhistas da Residência Médica, que ao estabelecer o máximo de 60 horas semanais de atividades do Residente, repete dispositivo constitucional, que impede o acúmulo de quaisquer funções além dessa carga horária;
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Duração mínima de 2 anos. Em muitas especialidades, há programas de Residência com 3 e 4 anos (Resoluções 01/81 e 17/81 da CNRM);
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Supervisão qualificada, por docente, ou profissional, de capacitação comprovada, experiência amadurecida e conceito ético indiscutível. Essa supervisão deve ser feita por um médico do corpo clínico, em regime de tempo integral, para seis Residentes; ou por dois médicos do corpo clínico, em tempo parcial, para três Residentes (Resolução 04/79 da CNRM);
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O Residente deverá ser um membro natural das equipes hospitalares, ambulatoriais, ou laboratoriais. Na atividade assistencial nada deve ser planejado especificamente para o Residente. Ele deve integrar-se nos trabalhos de rotina, mantendo contato permanente com todos os membros de cada equipe, em estágios vivenciais e na execção de tarefas contingenciais. Assim, o Residente não deve ligar-se exclusivamente ao Preceptor, cujas reais funções tem sido, freqüentemente, mal interpretadas;
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Programação científica aprofundada em cada área específica, que inclua a realização semanal de seminários, sessões de atualização, clubes de revista, reuniões clínicas, clínico-radiológicas e clínico-patológicas, inclusive de revisão de óbitos, além de outras, ditadas pela característica de cada área;
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Participação do Residente nos trabalhos de pesquisa, ainda que não se pretenda dedicar ao magistério. A pesquisa ajudará a criar o hábito do raciocínio científico e a desenvolver o senso crítico;
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É recomendável a participação do Residente em atividades didáticas de graduação, que propiciem a revelação de vocações docentes.
Distorções
Dos objetivos:
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“Residência supletiva”, para sanar o ensino de graduação deficiente, decorrente da proliferação de escolas médicas, que não têm condições de assegurar um padrão mínimo indispensável. A qualificação inadequada do corpo docente e a precariedade das instalações e recursos materiais geram a graduação deficiente e, conseqüentemente, a “Residência Supletiva”;
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Residência Médica como solução para o mercado-de-trabalho. A tendência crescente à especialização, que oferece maior lucratividade e possibilidade de emprego, incentivada inclusive pelo grande empregador da categoria médica, o INAMPS, gerou o surgimento de “pseudo-residências” e “residências fantasmas”, com o objetivo de explorar o trabalho médico de baixo custo;
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A falta de cumprimento, por muitas Residências Médicas, até de instituições oficiais de ensino, das diretrizes fundamentais que caracterizam a filosofia pedagógica do sistema, tais como dedicação exclusiva, supervisão adequada, tanto qualificativa, como quantitativamente, e programação científica de elevado padrão.
Da instrumentação legal:
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Inexistência de meios legais que exijam a qualificação do especialista para o exercício profissional. A Lei 3.268/57 confere ao médico diplomado habilitação ao exercício profissional, não apenas em Clínica Geral, como em qualquer especialidade;
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Descumprimento da parte de muitas Residências da exigência de se estruturarem como curso de especialização, conforme estabelecem explicitamente o Decreto 80.281/77 e a Lei 6.932/81;
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Inobservância do dispositivo legal que estabelece, para o credenciamento de Residência não vinculada ao sistema de ensino, a realização de convênio com Escola Médica ou Universidade (art. 3.o do Decreto 80.281/77). Na falta de regulamentação e fiscalização pela Comisssão Nacional de Residência Médica, esse pré-requisito torna-se inoperante;
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Ausência de critérios mínimos na avaliação da qualificação do Residente e da outorga do título de especialista, feitas pelas Sociedades Médicas Especializadas, ou pelas próprias Residências credenciadas;
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Conflitos de competência entre o Conselho Federal d Educação, o Conselho Federal de Medicina e a Comissão Nacional de Residência Médica, que têm propiciado o surgimento de formas alternativas para a preparação do especialista, com conseqüente enfraquecimento e desprestígio do sistema oficial.
Assim, têm sido criados Cursos de Especialização e de Aperfeiçoamento com o objetivo de formar especialistas, que oferecem programas de nível geralmente inferior à Residência. Alguns modelos com essas denominações, embora muito próximos, ou idênticos, à Residência, cobram anuidades muitas vezes elevadas, ao invés de concederem bolsa de estudos. O que se procura nesses casos é escamotear a Lei 6.932/81, que dispõe sobre conquistas trabalhistas e veda a utilização do nome de Residência Médica sem o atendimento das exigências programáticas estabelecidas pela Comissão Nacional de Residência Médica. Por outro lado, muitos hospitais e instituições de ensino, privados e públicos, tem oferecido estágios de pós-graduação, infringindo a Lei 3.999/61, que permite o estágio não remunerado até o máximo de 6 meses.
A Resolução 1.082/82 do Conselho Federal de Medicina, ao dispor sobre normas de registro, nesse órgão, de certificados de conclusão dos cursos de especialização, fixa a carga horária em 1.800 horas, distribuída em quatro semestres, bem como estabelece a duração do ensino teórico em 50% do total. Já a Comissão Nacional de Residência Médica regulamenta a carga horária da Residência Médica (Curso de Especialização) em 5.600 a 11.200 horas (2 a 4 anos), através das Resoluções 05/79, 01/81 e 17/81. O aprendizado teórico é limitado em 10 a 20% do total (Resolução 05/79 da CNRM e Lei 6.932/81).
As divergências e conflitos se acentuam, quando a Resolução 12/83 do Conselho Federal de Educação, ao dispor sobre as condições da validade dos certificados de Cursos de Aperfeiçoamento e Especialização para o Magistério Superior no Sistema Federal, fixa a carga horária mínima de 360 horas, das quais 60 horas devem ser dedicadas à formação didático-pedagógica, não excedendo de 2 anos a duração dos cursos. A interpretação da Resolução tem gerado controvérsias.
Na verdade, a questão não se restringe à terminologia, mas implica definições conceituais e fixação da competência dos diferentes órgãos envolvidos.
Como conclusão, sugerimos, entre outras, a adoção das seguintes medidas:
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A Residência Médica seria reconhecida, pelo Conselho Federal de Educação, como única modalidade válida de Curso de Especialização, nas especialidades definidas pela Comissão Nacional de Residência Médica;
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Atribuir-se-ia ao Conselho Federal de Medicina, exclusivamente, o registro final do título de especialista, para efeito de controle do exercício profissional;
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A atual estrutura da Comissão Nacional de Residência Médica seria alterada pela Secretaria da Educação Superior do Ministério da Educação, que alocaria recursos materiais e humanos suficientes para o efetivo exercício das atribuições de regulamentação, supervisão, orientação e fiscalização das Residências Médicas do País;
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Seriam fixados pelo Conselho Federal de Educação os critérios de regulamentação do Mestrado no campo profissional da Medicina, no sentido de considerar a Residência Médica credenciada e oferecida pelas Instituições de Ensino Superior, além de pré-requisito, como núcleo fundamental na área específica do conhecimento, o que implicaria a convalidação de créditos para a obtenção daquele grau acadêmico. As disciplinas de Pedagogia Médica, Didática Especial, Estudo dos Problemas Brasileiros, Metodologia Científica e a elaboração de uma dissertação, ou tese, seriam requisitos adicionais.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Jul 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 1985