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Desvelando o conceito de transparência: seus limites, suas variedades e a criação de uma tipologia

Desvelando el concepto de transparencia: sus límites, sus variedades y la creación de una tipología

Resumo

Este artigo se propõe a desvelar o conceito de transparência levando em conta seus limites, suas variedades e suas formas de identificação. Parte-se da premissa de que o sigilo é vital na realização de algumas políticas públicas, o que faz com que a análise de transparência nesses contextos tenha parâmetros distintos de políticas que não necessitam de sigilo. Almeja-se preencher uma lacuna na literatura, que desconsidera os diferentes níveis de acesso à informação pelos cidadãos existentes nas organizações públicas. Por meio da aplicação do método de construção conceitual de Goertz (2006a) ao conceito de transparência de Michener e Bersch (2013), também considerando as variedades e os tipos de transparência abordados por Hood e Heald (2006), propõe-se uma tipologia que conta com quatro subtipos de transparência nas organizações: a (1) transparência plena; a (2) transparência nominal; a (3) transparência condicionada; e a (4) transparência na atribuição e gestão de informações sigilosas. A tipologia revela uma gama de diferentes níveis e formas de transparência nas organizações, não mutuamente excludentes e capazes de aferir com maior precisão a real transparência das instituições. Por fim, discutem-se as definições e as possibilidades analíticas de cada um dos subtipos.

Palavras-chave:
Transparência; Conceitualização; Adjetivação; Acesso à informação; Segredos de Estado

Resumen

Este artículo se propone desvelar el concepto de transparencia teniendo en cuenta sus límites, variedades y formas de identificación. Se parte de la premisa de que el secreto es vital en la conducción de algunas políticas públicas, lo que hace que el análisis de transparencia en estos contextos tenga parámetros distintos de las políticas que no necesitan sigilo. Se pretende colmar un vacío en la literatura, que desconsidera los diferentes niveles de acceso a la información existentes en las organizaciones públicas por parte de los ciudadanos. Al aplicar la literatura de formación conceptual de Goerz al concepto de transparencia de Michener y Bersch, también teniendo en cuenta las variedades y direcciones de transparencia trabajadas por Hood y Heald, se propone una tipología que cuenta con cuatro subtipos de transparencia no mutuamente excluyentes en las organizaciones: 1) la transparencia plena, 2) la transparencia nominal, 3) la transparencia condicionada; y 4) la transparencia en la asignación y gestión de información confidencial. La tipología revela diferentes niveles y maneras de transparencia en las organizaciones, no mutuamente excluyentes y capaces de evaluar con mayor precisión la verdadera transparencia de las instituciones. Por último, se discuten las definiciones y las posibilidades analíticas de cada uno de los subtipos.

Palabras clave:
Transparencia; Conceptualización; Adjetivación; Acceso a la información; Secretos de Estado

Abstract

This article aims to unveil the concept of transparency considering its limits, varieties and forms of identification. The premise is that secrecy is vital in the execution of some public policies, which brings different parameters to the analysis of transparency in these contexts if compared with policies that do not need secrecy. The purpose of this article is to fill a gap in the national and international literature, which disregards the different levels of access to information of public organizations citizens can have. Therefore, through the application of Goertz (2006a) model of concept formation on Michener and Bersch’s (2013) concept of transparency, and also considering the transparency varieties and directions mentioned by Hood and Heald (2006), the study proposes a typology with four non-mutually exclusive subtypes of transparency in organizations: the fuller transparency, the nominal transparency, the conditional transparency and the transparency in the allocation and management of sensitive information. The typology reveals a myriad of different layers of access to information and analysis that enable more precise transparency evaluations of public institutions. Finally, the definitions and the analytical possibilities of each of the subtypes are discussed.

Keywords:
Transparency; Conceptualization; Adjectivizing; Access to information; State secrecy

INTRODUÇÃO

A transparência está presente desde o âmbito internacional, com iniciativas globais como a Parceria pelo Governo Aberto, até o âmbito local, com leis de acesso à informação em nível nacional e até municipal. Desde metade do século XX, as assimetrias informacionais vêm chamando a atenção de economistas preocupados com a estabilidade dos mercados (FORSSBECK e OXELHEIM, 2014FORSSBECK, J.; OXELHEIM, L. The Oxford handbook of economic and institutional transparency. Oxford: Oxford University Press , 2014.; MICHENER e BERSCH, 2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.). Mais recentemente, os debates sobre governança e sobre eficiência no setor público reacenderam o debate, na medida em que adicionam atores externos ao Estado tanto como executores quanto como avaliadores de políticas públicas (BEVIR, 2010BEVIR, M. Democratic governance. Princeton: Princeton University Press, 2010.; DONAHUE, 2004DONAHUE, J. On collaborative governance. Cambridge: Harvard University, 2004. (Corporate Social Responsibility Initiative Working Paper, n. 2).; PETERS e PIERRE, 1998PETERS, B. G.; PIERRE, J. Governance without governing: rethinking public administration. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 8, n. 2, p. 223-243, 1998.; SHAH, 2006SHAH, A. Corruption and decentralized public governance. Washington, DC: World Bank, 2006. (Policy Research Working Paper, WPS3824).). Adiciona-se a isso o avanço das tecnologias de informação e o crescimento do debate sobre dados abertos, que vêm gerando um sem-número de informações e possibilidades de cruzamento de dados (IGLESIAS, 2017IGLESIAS, D. Open data and the fight against corruption in Brazil. Transparency International, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.transparency.org/whatwedo/publication/open_data_and_the_fight_against_corruption_in_brazil >. Acesso em:28 set. 2018.
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; JANSSEN, CHARALABIDIS e ZUIDERWIJK, 2012JANSSEN, M.; CHARALABIDIS, Y.; ZUIDERWIJK, A. Benefits, adoption barriers and myths of open data and open government. Information Systems Management, v. 29, n. 4, p. 258-268, 2012.; MOLLOY, 2011MOLLOY, J. C. The open knowledge foundation: open data means better science. PLoS Biology, v. 9, n. 12, p. 1-4, 2011.).

Do que se está falando, afinal? Será a transparência um mito, uma alegoria, algo factível e aplicável ou as três coisas ao mesmo tempo? Este artigo parte do pressuposto de que o conceito de transparência não vem sendo propriamente delimitado na literatura de avaliação de políticas públicas (ABDALA e TORRES, 2016ABDALA, P. R. Z.; TORRES, C. M. S. O. A Transparência como espetáculo: uma análise dos portais de transparência de estados brasileiros. Administração Pública e Gestão Social, v. 8, n. 3, p. 147-158, 2016.; BAIRRAL, COUTINHO e ALVES, 2015BAIRRAL, M. A. C.; COUTINHO, A. H.; ALVES, F. J. S. Transparência no setor público: uma análise dos relatórios de gestão anuais de entidades públicas federais no ano de 2010. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 643-675, 2015.; CRUZ, FERREIRA, SILVA et al., 2012CRUZ, C. F. et al. Transparência da gestão pública municipal: um estudo a partir dos portais eletrônicos dos maiores municípios brasileiros. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 46, n. 1, p. 153-176, 2012.; GRUMAN, 2012GRUMAN, M. Lei de Acesso à Informação: notas e um breve exemplo. Revista Debates, v. 6, n. 3, p. 97, 2012.; MONTEIRO, 2014MONTEIRO, A. Aferição do grau de cumprimento às obrigações de transparência ativa constantes da Lei de Acesso à Informação por universidades federais do Brasil. 2014. 68 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.; PRADO, 2006PRADO, O. Agências reguladoras e transparência: a disponibilização de informações pela Aneel. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 4, p. 631-646, 2006.), já que tende a considerar transparência apenas a divulgação máxima de dados governamentais (ARTICLE 19, 1999ARTICLE 19. The public’s right to know: principles on freedom of information legislation. 1999. Disponível em:<Disponível em:https://www.article19.org/data/files/pdfs/standards/righttoknow.pdf >. Acesso em:25 set. 2018.
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). Contudo, nenhuma organização pública nem o Estado pode ser completamente transparente: diversos processos e políticas públicas lidam com informações restritas que, se tornadas públicas no momento indevido, inviabilizam as ações.

Com isso, limites, variedades, direções e identificação da transparência ganham especial importância na tarefa de repensar as estruturas de controle vigentes na administração pública com vistas a transparências possíveis, que respeitem a natureza de cada tipo de informação. Por meio da aplicação da literatura de conceitualização como metodologia, propõem-se quatro subtipos de transparência que podem coexistir nas organizações públicas: a (1) transparência plena; a (2) transparência nominal; a (3) transparência condicionada; e a (4) transparência na atribuição e gestão de informações sigilosas.

Por conseguinte, este artigo se divide em quatro partes, além desta introdução. A segunda seção explora a literatura sobre transparência e sua conceitualização, tendo em vista seus elementos constituintes, suas dimensões, suas variedades e os conceitos que comumente se confundem com o termo. A terceira seção explora sua conceitualização nas ciências sociais e também como metodologia de análise, baseando-se nos estudos de Sartori (1970SARTORI, G. Concept misinformation in comparative politics. The American Political Science Review, v. 64, n. 4, p. 1033-1053, 1970.), Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.) e Collier, Hidalgo e Maciuceanu (2006COLLIER, D.; HIDALGO, F. D.; MACIUCEANU, A. O. Essentially contested concepts: debates and applications. Journal of Political Ideologies, v. 11, n. 3, p. 211-246, 2006.). A quarta seção explora os quatro subtipos de transparência, que vão do máximo ao mínimo de restrições de acesso. Por fim, a quinta seção apresenta considerações sobre o campo de estudo, limitações e possíveis aplicações da tipologia conceitual apresentada.

ORIGENS DO TERMO E CONCEPTUALIZAÇÕES EXISTENTES

O termo “transparência” só foi utilizado em sentido político-econômico em 1987 (MICHENER e BERSCH, 2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013., p. 235). Contudo, o conceito é bem mais antigo do que sua denominação: desde o século XIX, a publicidade dos atos do Estado já era tema de destaque, como nas obras de Jean-Jacques Rousseau e Jeremy Bentham, e nos debates sobre os benefícios do “mercado de ideias” na eficiência das decisões políticas (BENTHAM, 1843BENTHAM, J. The works of Jeremy Bentham - volume II. Edinburgh: W. Tait, 1843.; COLARESI, 2014COLARESI, M. P. Democracy declassified: the secrecy dilemma in national security. Oxford: Oxford University Press, 2014.; HOOD e HEALD, 2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.; INGBER, 1984INGBER, S. The marketplace of ideas: a legitimizing myth. Duke Law Journal, v. 1984, n. 1, p. 1-91, fev. 1984.; MICHENER e BERSCH, 2013)MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013..

No final do século XIX, o tema da publicidade dos atos de agentes do Estado foi tratado a fundo nos estudos de Bentham e é colocado como o antídoto da tentação ao abuso de poder. Para o autor, todo cargo governamental deveria imputar custos a qualquer tipo de abuso e, para isso, o público seria o mais poderoso dos tribunais. Além disso, a existência de pequenos grupos de pessoas em assembleias não seria suficiente para realizar tal monitoramento. Otimista, o autor previa que, com completa transparência, as trocas de ideias que ocorriam dentro de uma pequena assembleia poderiam ocorrer em escala nacional, restringindo cada vez mais atos ilegais de pessoas públicas (BENTHAM, 1843BENTHAM, J. The works of Jeremy Bentham - volume II. Edinburgh: W. Tait, 1843.; GAONKAR e MCCARTHY, 1994GAONKAR, D. P.; MCCARTHY, R. J. Panopticism and publicity: Bentham’s quest for transparency. Public Culture, v. 6, n. 3, p. 547-575, 1994.).

Um conceito moderno que segue a mesma linha de Bentham é o mercado de ideias. Esse termo aparece pela primeira vez nos debates sobre a primeira emenda constitucional dos Estados Unidos da América (EUA), a qual estabelecia os direitos de discurso livre. Esse conceito assume que, em uma sociedade em que todo cidadão tem livre acesso à informação, poderia existir uma real competição de ideias, assim como nos mercados econômicos, onde somente as melhores iniciativas ganhariam força. Tanto a ideia de publicidade de Bentham quanto o conceito de mercado de ideias negligenciam diversos aspectos e dificuldades da troca de informação e formação de opinião pública. Nelas se assume, equivocadamente, que todos têm a mesma capacidade de compreender todo tipo de informação e não se considera a existência de grupos ideológicos fechados que não acessam informações que não corroborem seu ponto de vista (BLOCHER, 2008BLOCHER, J. Institutions in the marketplace of ideas. Duke Law Journal, v. 57, n. 4, p. 821-889, 2008.; INGBER, 1984INGBER, S. The marketplace of ideas: a legitimizing myth. Duke Law Journal, v. 1984, n. 1, p. 1-91, fev. 1984.).

Para dar conta das imperfeições da difusão de informações, a assimetria informacional aparece com força nos estudos de vários economistas na segunda metade do século XX. Isso ocorre no mesmo frenesi das ondas de transição e consolidação da democracia ao redor do mundo, que colocaram em pauta a abertura política e a construção de novos mecanismos institucionais que lidassem com fraudes financeiras, tanto de Estados quanto de atores do próprio mercado financeiro (FORSSBECK e OXELHEIM, 2014FORSSBECK, J.; OXELHEIM, L. The Oxford handbook of economic and institutional transparency. Oxford: Oxford University Press , 2014.; MICHENER e BERSCH, 2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.).

A transparência também se tornou, além de ferramenta para o combate à corrupção, algo retoricamente moral. Pressupõe-se, portanto, que “quanto maior o envolvimento da sociedade nos atos de governança pública, mais se espera uma gestão focada na eficiência, eficácia e efetividade da utilização dos recursos públicos. E somente de posse dessas informações os cidadãos poderão escolher melhor seus representantes” (BAIRRAL, COUTINHO e ALVES, 2015BAIRRAL, M. A. C.; COUTINHO, A. H.; ALVES, F. J. S. Transparência no setor público: uma análise dos relatórios de gestão anuais de entidades públicas federais no ano de 2010. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 643-675, 2015., p. 646).

A partir dos anos 1990, a literatura de governança também ajudou a impulsionar a popularidade do termo transparência. A visão trazida por essa literatura muda a visão de como o Estado deve atuar: se antes deveria usar apenas recursos próprios, na perspectiva da governança ele vira um orquestrador de soluções, podendo utilizar atores e recursos diversos para oferecer soluções nas políticas públicas e tomar decisões conjuntas, incluindo o setor privado e a sociedade civil organizada (BEVIR, 2010; DONAHUE, 2004DONAHUE, J. On collaborative governance. Cambridge: Harvard University, 2004. (Corporate Social Responsibility Initiative Working Paper, n. 2).; PETERS e PIERRE, 1998PETERS, B. G.; PIERRE, J. Governance without governing: rethinking public administration. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 8, n. 2, p. 223-243, 1998.). Decidir conjuntamente, nesse caso, também significa terceirizar para a sociedade parte dos custos relacionados a atividades de controle, o que só pode ser feito com mecanismos de transparência (SHAH, 2006SHAH, A. Corruption and decentralized public governance. Washington, DC: World Bank, 2006. (Policy Research Working Paper, WPS3824).).

Com a popularização do tema também surge todo tipo de confusões e alongamentos conceituais a respeito da extensão necessária da transparência nos governos (MICHENER e BERSCH, 2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.; ZUCCOLOTTO, TEIXEIRA e RICCIO, 2015ZUCCOLOTTO, R.; TEIXEIRA, M. A. C.; RICCIO, E. L. Transparência: reposicionando o debate. Revista Contemporânea de Contabilidade, v. 12, n. 25, p. 137-158, 2015.), Muitos acadêmicos acabaram por negligenciar possíveis efeitos colaterais da transparência nas políticas públicas, principalmente em áreas que lidam com informações sensíveis, o que já vem sendo ponderado por alguns pesquisadores em tópicos como defesa nacional (POZEN, 2014POZEN, D. E. The mosaic theory, national security, and the Freedom of Information Act. The Yale Law Journal, v. 38, n. 2, p. 201-232, 2014.; THOMPSON, 1999THOMPSON, D. F. Democratic secrecy. Political Science Quarterly, v. 114, n. 2, p. 181-193, 1999.), relações internacionais (LORD, 2006LORD, K. M. The perils and promise of global transparency. New York: State University of New York Press, 2006.) e bancos centrais (MOORE, 2011MOORE, M. The limits of transparency. Political Quarterly, v. 82, n. 4, p. 506-508, 2011.). De acordo com Lord (2006LORD, K. M. The perils and promise of global transparency. New York: State University of New York Press, 2006.), maior transparência não leva, necessariamente, ao fortalecimento da democracia em um ambiente internacional: ao mesmo tempo que ajuda organizações não governamentais bem-intencionadas, pode proporcionar informações importantes para grupos armados paraestatais ou fundamentalistas.

Pozen (2014POZEN, D. E. The mosaic theory, national security, and the Freedom of Information Act. The Yale Law Journal, v. 38, n. 2, p. 201-232, 2014.) aborda esse debate por meio da recorrente justificativa do governo estadunidense em negar informações com base na “teoria do mosaico”. Essa teoria pressupõe que, com pequenas frações de informação, potenciais inimigos poderiam completar um mosaico de dados que prejudicaria o andamento de algumas políticas de segurança ou de defesa. Ao mesmo tempo que relevante, essa justificativa pode levar a um estado de sigilo, ferindo diversos preceitos democráticos de transparência. Os limites ainda não estão claros.

Como conceituar a transparência levando em conta a realidade de sua prática, os limites de seus benefícios e as informações de naturezas distintas? As próximas subseções exploram o estado da arte sobre transparência. Explorar-se-á como identificar a transparência nas organizações; as variações da transparência em relação ao momento de divulgação, como é direcionada e os contextos que facilitam ou dificultam o acesso; e, por fim, as diferenças entre transparência e conceitos correlatos, como accountability e democracia.

Definindo transparência por meio de seus elementos constitutivos

Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.) trazem um conceito de transparência baseado em seus elementos constitutivos, ou seja, por meio dos elementos que a identificam. Para tal, Michener e Bersch (2013) se inspiram no texto “Conceptualizing accountability”, de Schedler (1999SCHEDLER, A. Conceptualizing accountability. In: SCHEDLER, A.; DIAMOND, L.; PLATTNER, M. F. (Ed.). The self-restraining State: power and accountability in new democracies. Boulder: Lynne Rienner, 1999.), para construir um conceito que permite “identificar” transparência - que, de acordo com os autores, pode ser reconhecida por meio de dois elementos, ambos necessários e conjuntamente suficientes1 1 Destaca-se aqui o desafio de se traduzir para o português os termos usados por Michener e Bersch (2013), alguns dos quais são neologismos até mesmo na língua inglesa. O presente artigo não se propõe a problematizar a tradução destes termos, contudo, o debate sobre uma melhor adequação destas traduções é necessário e bem-vindo. : visibilidade (visibility) e inferabilidade (inferability).

A visibilidade seria composta pelos indicadores (1) completude (completeness) e (2) encontrabilidade (findibility), que seria a facilidade com a qual se pode encontrar esses dados. Se os dados não estiverem completos, é impossível criar o panorama completo sobre um assunto. A encontrabilidade, portanto, relaciona-se com a facilidade de obter a informação, seja por meio da transparência ativa (já disponível e publicada na internet e em outros meios) ou da transparência passiva (quando um órgão responde a um pedido de informação).

A visibilidade das informações vem sendo a pauta da maioria dos movimentos pró-transparência até o momento (ABDALA e TORRES, 2016ABDALA, P. R. Z.; TORRES, C. M. S. O. A Transparência como espetáculo: uma análise dos portais de transparência de estados brasileiros. Administração Pública e Gestão Social, v. 8, n. 3, p. 147-158, 2016.; BAIRRAL, COUTINHO e ALVES, 2015BAIRRAL, M. A. C.; COUTINHO, A. H.; ALVES, F. J. S. Transparência no setor público: uma análise dos relatórios de gestão anuais de entidades públicas federais no ano de 2010. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 643-675, 2015.; CRUZ, FERREIRA, SILVA et al., 2012CRUZ, C. F. et al. Transparência da gestão pública municipal: um estudo a partir dos portais eletrônicos dos maiores municípios brasileiros. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 46, n. 1, p. 153-176, 2012.; MONTEIRO, 2014MONTEIRO, A. Aferição do grau de cumprimento às obrigações de transparência ativa constantes da Lei de Acesso à Informação por universidades federais do Brasil. 2014. 68 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.; PRADO, 2006PRADO, O. Agências reguladoras e transparência: a disponibilização de informações pela Aneel. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 4, p. 631-646, 2006.), mas, de acordo com Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.), uma nova onda de estudos começou a colocar a questão da qualidade das informações como ponto principal a ser explorado, posto que a falta de inteligibilidade, a difícil visualização e o engessamento da manipulação de dados trazido com alguns formatos se mostrou uma realidade constante (BARROS e RODRIGUES, 2017BARROS, M.; RODRIGUES, K. F. Transparência em compras públicas no âmbito local no Brasill. In: MOHALLEM, M. F.; RAGAZZO, C. E. J. (Ed.). Diagnóstico institucional: primeiros passos para um plano nacional. Rio de Janeiro: FGV, 2017. p. 95-124.; MONCAU, MICHENER, BARROS et al., 2015MONCAU, L. F. M. et al. Avaliação de transparência do Ministério Público. Rio de Janeiro: FGV, 2015.).

Consequentemente, a capacidade de inferir conclusões a partir dos dados (que é o próprio significado de inferabilidade) passou a ser parte tão importante quanto a visibilidade para a transparência (MICHENER e BERSCH, 2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.). A inferabilidade pode ser composta por inúmeros elementos, já que a capacidade de inferir algo a partir de uma informação depende do requerente - se for um cidadão leigo no tema, dados agregados são suficientes; se for um pesquisador necessitando de uma base de dados completa para realizar testes estatísticos, o grau de complexidade das informações deverá ser maior. No conceito original de Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.), os autores citam como possíveis níveis conceituais a (1) desagregação (disaggregation), a (2) verificabilidade (verifiability) e a (3) simplificação (simplification).

Um dado desagregado (desagregação) é aquele que contém elevado nível de detalhamento, saciando as demandas de pesquisadores, acadêmicos e jornalistas em busca de análises pormenorizadas das ações do governo. A verificabilidade tem a ver com a existência de um terceiro ator ou instituição que verifica a veracidade dos dados. Já a simplificação faz menção a possibilidades de visualização dos dados que os tornem mais facilmente inteligíveis para um público maior.

Diversos aspectos da transparência ainda não são contemplados pelo conceito de Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.). Em seu livro Transparency: the key to better governance?, Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.) exploram diversas dimensões e variedades de transparência que podem auxiliar a compreensão desse conceito. A próxima seção explora isso.

Dimensões e variedades de transparência

Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.) afirmam que muitos conceitos de transparência apresentados pela literatura se tornam ambíguos por não levarem em consideração (1) as direções de transparência e (2) as variedades de transparência. Em relação às direções, os autores falam de transparência vertical e horizontal, interna e externa. Com isso, temos quatro direções, que podem ser combinadas entre si:

  1. Transparência em direção ascendente (vertical): é a transparência hierárquica, na qual o principal monitora o agente.

  2. Transparência em direção descendente (vertical): quando o agente acessa informações e monitora o principal.

  3. Transparência para o exterior (horizontal): o agente observa o exterior da organização.

  4. Transparência para o interior (horizontal): observadores podem visualizar o que ocorre dentro da organização.

A maioria das pesquisas sobre transparência enfoca a direção ascendente exterior da transparência, na qual o principal são os cidadãos e o governo é o agente (BIRKINSHAW, 2010BIRKINSHAW, P. Freedom of information and its impact in the United Kingdom. Government Information Quarterly, v. 27, n. 4, p. 312-321, 2010.; GRIMMELIKHUIJSEN e MEIJER, 2012GRIMMELIKHUIJSEN, S. G.; MEIJER, A. J. Effects of transparency on the perceived trustworthiness of a government organization: evidence from an online experiment. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 24, n. 1, p. 137-157, 2012.). Contudo, ter em conta apenas essa direção desconsidera, por exemplo, o papel ativo dos governos em monitorar seus cidadãos, seja por meio dos sistemas fiscais, seja por espionagem em massa - claros exemplos da transparência em direção descendente. As direções podem ter efeitos nos elementos visibilidade e inferabilidade de Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.). Ainda usando exemplo anterior da espionagem, dificilmente os cidadãos saberão com certeza se estão sendo espionados e em qual extensão. Esse tipo de informação só fica disponível quando há vazamentos de informação que, no Brasil, não contam com legislação específica para proteção de denunciantes.

Além das direções, Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.) identificam diversas variedades de transparência, que adicionam algum tipo de status à disponibilização de informação. As variedades são (1) a transparência de evento versus processual, (2) a transparência em tempo real versus a transparência em retrospecto, (3) a transparência nominal versus a transparência efetiva.

A transparência de evento versus a transparência processual dá conta do fato de que ter transparência em eventos é mais simples do que ter transparência em processos. De acordo com os autores, eventos são “pontos” ou “estados” de política pública facilmente mensuráveis. Já os processos se relacionam às diversas medidas tomadas no percurso da política, para implementá-la, ou, ainda, aos processos de modificação social e econômica em longo prazo, que são os mais difíceis de se medir (HOOD e HEALD, 2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.).

Bebendo da teoria de sistemas, os autores definem como processo: (1) o evento da definição de inputs, que são diretamente mensuráveis por meio de orçamentos, compras, dentre outros; (2) os processos de transformação, que são a própria execução das tarefas que farão a transformação dos inputs em outputs, razoavelmente mensuráveis; (3) o evento dos outputs, mensuráveis por meio de proxies2 2 Àqueles não familiarizados com o jargão da metodologia quantitativa, proxy é uma variável que não é relevante para a análise diretamente, mas serve como substituta para outra variável imensurável importante para a análise. Um exemplo comum é a mensuração de qualidade de vida. Como não é possível mensurar a qualidade de vida objetivamente, proxies como o produto interno bruto (PIB) são comumente utilizadas. ligadas às ações tomadas; (4) os processos de vinculação, que são processos pouco entendidos e mostram as conexões entre a ação e o resultado da política pública; e, por fim, (5) o resultado, de difícil mensuração e cuja compreensão depende de uma análise de longo prazo das consequências da política pública.

A partir disso, tem-se que eventos são mais fáceis de acessar em termos de transparência por serem mais facilmente mensuráveis. Quando se busca transparência de processos, por sua vez, entra-se na caixa-preta do funcionamento das organizações. As instituições até podem ser transparentes quanto as regras do jogo nos processos internos de execução das políticas, mas, ainda assim, há um grande nível de discricionariedade dos agentes que dificilmente se revela para observadores externos à organização. Nesses casos, é factível pensar em arranjos institucionais que lidem com a discricionariedade e com a geração de transparência para o interior (de instituições de monitoramento), como a literatura de burocracia de nível de rua (street-level bureaucracy) aborda (LIPSKY, 2010LIPSKY, M. Street level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. 30th Anniversary Expanded Edition. Nova Iorque: The Russell Sage Foundation, 2010.; THOMPSON, 1983THOMPSON, F. J. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. Journal of Health Politics, Policy and Law, v. 7, n. 4, p. 968-970, 1983.)3 3 A literatura de burocracia de nível de rua busca encontrar formatações institucionais que reduzam a discricionariedade daqueles burocratas cujo trabalho é lidar diretamente com os cidadãos ou com a esfera privada. Tais burocratas têm um poder de decisão impossível de ser constantemente monitorado por superiores, portanto, a formatação institucional surge como redução de custos de monitoramento na relação principal-agente (LIPSKY, 2010). Um clássico exemplo de burocracia da linha de frente é a polícia. Como controle institucional entra o trabalho em duplas e a rotação de parceiros de trabalho. .

A ideia de transparência em tempo real versus transparência em retrospecto adiciona ao conceito de transparência o aspecto temporal da informação (CLEARY e MCCONVILLE, 2006CLEARY, R.; MCCONVILLE, T. (Ed.). Managing defence in a democracy. New York: Routledge, 2006.; HOOD e HEALD, 2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.). Quando a transparência é em retrospecto, permite-se à organização liberar a informação dentro de determinado período, tanto para a sistematização da informação quanto para a proteção da condução da política pública. A transparência em retrospecto é elemento-chave para lidar com informações pessoais e que necessitam de sigilo, já que é por meio dessa noção que emergem regras para restringir o acesso a um documento, estabelecendo o limite do sigilo quando os riscos relacionados diminuem. Essa variedade de transparência afeta tanto a visibilidade quanto a inferabilidade da informação, o que será levado em consideração na construção de um novo modelo conceitual na seção 3.

A transparência em tempo real é o constante monitoramento de uma ação, que pode ocorrer em pontos isolados e inclusive em ações tradicionalmente sigilosas. Esse foi o caso da entrada da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro no complexo de favelas da Maré: para evitar derramamento de sangue, a incursão policial foi avisada em todos os meios de comunicação dias antes de ocorrer (G1, 2014G1. Conjunto de Favelas da Maré será ocupado neste domingo. G1, Rio de Janeiro, 28 mar. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/03/conjunto-de-favelas-da-mare-sera-ocupado-neste-domingo.html >. Acesso em:21 set. 2018.
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/notic...
). Outros exemplos de transparência em tempo real são as transmissões ao vivo de assembleias e votações e o uso de dados abertos em tempo real.

Por fim, a transparência nominal versus a transparência efetiva mostra a diferença entre a simples divulgação dos dados e a transparência que é de fato processada, digerida e útil. Ou seja, pode-se ter uma grande quantidade de dados disponíveis, que são inúteis para o escrutínio e a análise pública ou complexos demais para a compreensão (HOOD e HEALD, 2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.). Comparando essas variedades com o conceito de transparência baseado em visibilidade e inferabilidade, pode-se traçar o paralelo de transparência nominal com visibilidade e transparência efetiva com inferabilidade como sinônimos.

O que transparência não é: diferenças entre transparência, accountability e democracia

Para definir bem um conceito, também é necessário estabelecer o que essa definição não abrangerá. Portanto, esta seção explora duas confusões na literatura: entre transparência e accountability e entre transparência e democracia. No que se refere à superposição conceitual com accountability, de fato, as diferenças entre os dois conceitos são sutis e diversas vezes a realização de um depende da realização do outro. De acordo com Hood (2010, p. 989, tradução nossa):

Accountability se refere, em geral, ao dever de um indivíduo ou organização de responder de alguma maneira pela forma com que conduziu suas ações. Transparência se refere, de modo geral, a agir de tal forma que decisões, regras e outras informações sobre a ação estejam visíveis a outras pessoas e instituições.

A visão de transparência e accountability como intrinsecamente inseparáveis é bastante comum na literatura e pressupõe que um conceito não poderia existir sem o outro. Contudo, ao definir transparência como disponibilização de informações para os cidadãos, essa perspectiva ignora que a direção da accountability pode não se voltar ao público, mas sim a órgãos de controle como tribunais de contas, Ministério Público ou corregedorias: o público, em geral, pode não saber os detalhes das ações dos agentes, porém, ainda assim ele responde por seus atos diante desses controladores (HOOD, 2010HOOD, C. Accountability and transparency: siamese twins, matching parts, awkward couple? West European Politics, v. 33, n. 5, p. 989-1009, 2010.). Segundo a visão institucionalista dos pesos e contrapesos, para haver accountability deve haver transparência em alguma direção - não necessariamente em todas elas.

Os dois conceitos também podem ser vistos como dissociáveis que se fortalecem mutuamente, gerando boa governança. Contudo, o bom resultado advindo dessa combinação não é uma verdade absoluta, dado que Hood (2010) salienta que transparência em excesso pode criar respostas defensivas e automáticas dos agentes, criando uma ilusão de inclusão que não passa de uma comunicação de via única. Além disso, a determinação de um grau elevado de transparência pode levar políticos e burocratas a, por exemplo, classificar informações desnecessariamente com maior nível de sigilo.

Para ajudar nessa diferenciação, Schedler (1999SCHEDLER, A. Conceptualizing accountability. In: SCHEDLER, A.; DIAMOND, L.; PLATTNER, M. F. (Ed.). The self-restraining State: power and accountability in new democracies. Boulder: Lynne Rienner, 1999.) identifica como constituintes de accountability (1) a responsividade (answerability) e (2) o cumprimento/reforço (enforcement). A responsividade envolve a noção de que o agente é obrigado a informar suas ações a outra parte, mesmo que não seja algo confortável para ele. Isso envolve não somente informar sobre suas ações - ou seja, fazer a criação e manutenção fidedigna de registros, mas também explicá-los ao principal. Já o cumprimento/reforço tem a ver com fazer valer as regras estipuladas por meio de dois mecanismos, o incentivo ao bom comportamento e a punição aos desvios. O autor dá a entender que esses dois indicadores são necessários e conjuntamente suficientes para o indicador cumprimento/reforço.

Por conseguinte, os conceitos de transparência (MICHENER e BERSCH, 2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.) e accountability (SCHEDLER, 1999SCHEDLER, A. Conceptualizing accountability. In: SCHEDLER, A.; DIAMOND, L.; PLATTNER, M. F. (Ed.). The self-restraining State: power and accountability in new democracies. Boulder: Lynne Rienner, 1999.) colocam a transparência como um dos indicadores do elemento de segundo nível “responsividade” da accountability. No contexto dos governos estaduais, por exemplo, governadores devem prestar contas tanto para os cidadãos em geral quanto para o tribunal de contas do estado (BARROS e RODRIGUES, 2017RODRIGUES, K. F. Democratic transparency pacts on defense: assessing change in civilian access to military information in Brazil and Mexico. 2017. 216 f. Tese (Doutorado em Administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2017.). Em termos de teoria da agência, o governo é agente e os cidadãos e o tribunal de contas são principais. Contudo, total transparência é “mais obrigatória” quando direcionada aos tribunais de contas pelo poder de sanção que possuem, ficando os cidadãos em segundo lugar de importância na hierarquia institucional dos atores. Nesse sentido, e tomada a perspectiva do cidadão, há sim accountability sem completa transparência - desde que haja transparência em relação à atuação do outro principal, que, no exemplo dado, seria o tribunal de contas.

Partindo para a sobreposição conceitual entre transparência e democracia, a pergunta mais comum é: será possível conceber o conceito de democracia sem transparência? Alguns autores vêm relacionando os dois conceitos como indissociáveis (HOLLYER, ROSENDORFF e VREELAND, 2011HOLLYER, J. R.; ROSENDORFF, B. P.; VREELAND, J. R. Democracy and transparency. The Journal of Politics, v. 73, n. 4, p. 1191-1205, 2011.). Com a crise da democracia representativa, cada vez mais se fala que o monitoramento direto do governo por grupos da sociedade civil pode fomentar boa governança, o que alguns autores denominam democracia monitorial (KEANE, 2009KEANE, J. Monitory democracy and media-saturated societies. Griffith Review, n. 24, 2009., 2011 KEANE, J. Monitory democracy? In: ALONSO, S; KEANE, J.; MERKEL, W. (Ed.). The future of representative democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.; RODRIGUES, 2013RODRIGUES, K. F. Relações civis-militares e as leis de acesso à informação na América Latina e no Brasil. 2013. 107 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2013.).

As vantagens da transparência para a democracia são amplamente difundidas, seja pelo auxílio no combate à corrupção, pelo reforço à accountability ou pela oportunidade para os cidadãos contestarem decisões e procedimentos tomados pelo governo. Não há dúvidas de que, historicamente, a transparência foi deixada de lado e que precisa ser construída com esforços constantes da sociedade civil e de setores do governo.

Entretanto, a pergunta que permanece é outra: será possível conceber democracia sem opacidade? No artigo “Democratic secrecy”, Thompson (1999THOMPSON, D. F. Democratic secrecy. Political Science Quarterly, v. 114, n. 2, p. 181-193, 1999.) explora diversas situações em que os estados democráticos abrem mão da transparência sem necessariamente abrir mão da democracia. São muitos os exemplos dessa necessidade “democrática” de opacidade nos setores de defesa nacional e segurança pública, os quais não conseguiriam conduzir suas atividades se não houvesse algum tipo de retenção da informação. Schoenfeld (2010)SCHOENFELD, G. Necessary secrets: national security, the media, and the rule of law. New York: W. W. Norton & Company, 2010. chega a afirmar que se accountability - no sentido de responsabilização - é tão importante para a democracia quanto a transparência, jornais que divulgam estratégias secretas do governo deveriam ser responsabilizados por prejudicar o andamento dessas políticas.

É inegável que certas políticas necessitam de sigilo e igualmente inegável é o fato de que há abuso do direito de manter segredos por parte dos governos. No caso brasileiro, por exemplo, foram recorrentes as notícias sobre documentos militares e de inteligência civil escondidos, destruídos ou não publicitados (LEALI, 2015LEALI, F. Lei de acesso é desrespeitada por órgãos do governo. O Globo, 10 maio2015.; LOPES e KONRAD, 2013LOPES, J. V.; KONRAD, G. V. R. Arquivos da repressão e leis de acesso à informação: os casos brasileiro e argentino na construção do direito à memória e à verdade. Aedos, v. 5, n. 13, p. 6-23, 2013.; RODRIGUES, 2017RODRIGUES, K. F. Democratic transparency pacts on defense: assessing change in civilian access to military information in Brazil and Mexico. 2017. 216 f. Tese (Doutorado em Administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2017.). Internacionalmente, a opacidade dos programas de espionagem em massa e tortura em prisões também é alvo de críticas (SAGAR, 2013SAGAR, R. Secrets and leaks: the dilemma of State secrecy. Woodstock: Princeton University Press, 2013.). Fato é que as democracias lidam tanto com a transparência quanto com o sigilo de informações. A grande diferença reside no fato de que, em democracias, até os segredos devem ser resultado de consenso.

Tendo isso em mente, a próxima seção apresenta a literatura sobre conceitualização nas ciências sociais, como método de análise e construção de um conceito de transparência mais abrangente, levando em conta seus elementos constitutivos, suas dimensões e suas variedades.

UM MÉTODO DE CONCEITUALIZAÇÃO

Sartori (1970SARTORI, G. Concept misinformation in comparative politics. The American Political Science Review, v. 64, n. 4, p. 1033-1053, 1970.) já havia identificado a falta de rigor na construção dos conceitos nas ciências sociais quando publicou o artigo “Concept misinformation in comparative politics”. Para o autor, o amplo acesso a ferramentas de análise estatística ainda fascina as ciências sociais por todas as suas possibilidades, mas também vem causando um distanciamento da avaliação criteriosa dos conceitos utilizados.

O debate que Sartori (1970SARTORI, G. Concept misinformation in comparative politics. The American Political Science Review, v. 64, n. 4, p. 1033-1053, 1970.) levantou não morreu. Publicações importantes nas últimas duas décadas trouxeram nova energia a esses questionamentos, ampliando possibilidades de pesquisa, aproximando estudos qualitativos ao paradigma positivista, questionando a validade do foco exagerado na mensuração e criticando o alongamento dos conceitos (conceptual stretching) - processo de esvaziar um conceito de alguns elementos, possibilitando a comparação entre um maior número de casos. Na visão do autor, esse processo não gera pesquisas melhores, mas sim análises menos precisas sobre um grande número de casos (FALLETI e LYNCH, 2009FALLETI, T.; LYNCH, J. F. Context and causal mechanisms in political analysis. Comparative Political Studies, v. 42, n. 9, p. 1143-1166, 2009.; GOERTZ, 2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.; MAHONEY e VANDERPOEL, 2015MAHONEY, J.; VANDERPOEL, R. S. Set diagrams and qualitative research. Comparative Political Studies, v. 48, n. 1, p. 65-100, 2015.; SARTORI, 1970SARTORI, G. Concept misinformation in comparative politics. The American Political Science Review, v. 64, n. 4, p. 1033-1053, 1970.).

Para Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.), os conceitos podem ser vistos como recipientes de significado. Tal significado tem premissas teóricas e empíricas sobre o objeto muito além de uma avaliação semântica. Em última instância, “conceitos são teorias sobre ontologia: eles são teorias sobre os elementos constitutivos fundamentais de um fenômeno” (GOERTZ, 2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a., p. 5, tradução nossa), no sentido em que definem características centrais de um fenômeno e suas inter-relações. A visão ontológica dos conceitos faz a distinção entre sintomas e elementos constitutivos de um conceito. Um exemplo é o conceito de democracia: eleições livres não são um sintoma da democracia, mas sim o próprio processo que a define.

Uma dada ontologia sobre um conceito pode gerar, por conseguinte, concepções muito distintas dos elementos que o compõem e de como mensurá-los ou classificá-los. Para operacionalizar a construção de conceitos, Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.) os estrutura em três níveis. O primeiro nível conceitual é o básico, que consiste no conceito central utilizado nas proposições teóricas. O nível secundário do conceito é formado por todas as dimensões constitutivas do primeiro nível conceitual, que devem refletir a ontologia escolhida pelo autor. O terceiro é o nível dos indicadores, no qual os casos são mensurados ou classificados. Adcock e Collier (2001ADCOCK, R.; COLLIER, D. Measurement validity: a shared standard for qualitative and quantitative research. American Political Science Review, v. 95, n. 3, p. 529-546, 2001.) propõem que o pesquisador faça o “caminho contrário”, averiguando se os resultados dos indicadores corroboram a forma de mensuração, se a mensuração corrobora a presença e o formato dos elementos constitutivos do conceito e, finalmente, se os elementos constitutivos permanecem constituintes do conceito.

A forma mais comum de estruturar a relação entre elementos de um conceito é por meio de condições necessárias e suficientes (GOERTZ, 2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.) - trabalhadas com maestria por Wickham-Crowley (1991)WICKHAM-CROWLEY, T. P. A qualitative comparative approach to Latin American revolutions. International Journal of Comparative Sociology, v. 32, n. 1, p. 82-109, 1991., por exemplo. Um elemento é necessário quando não há ocorrências de um fenômeno sem a presença desse fator, mas esse fator sozinho não pode causar o fenômeno. Um elemento é suficiente quando a presença dele, sozinho, causa o fenômeno (AMORIM NETO e RODRIGUEZ, 2016AMORIM NETO , O.; RODRIGUEZ, J. C. C. O novo método histórico-comparativo e seus aportes à ciência política e à administração pública. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 50, n. 6, p. 1003-1027, 2016.; MAHONEY, KIMBALL e KOIVU, 2009MAHONEY, J.; KIMBALL, E.; KOIVU, K. L. The logic of historical explanation in social sciences. Comparative Political Studies, v. 42, n. 1, p. 114-146, 2009.).

Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.) também propõe que se leve em consideração a noção de semelhança familiar na formação de conceitos. A semelhança familiar (family resemblance) trabalha com a ideia de que alguns elementos (ou agrupamentos de elementos) de um conceito podem ser substituíveis, ou seja, podem não se enquadrar na condição de elementos necessários nem de elementos suficientes para uma causação. Construir um conceito utilizando semelhança familiar significa estabelecer que a presença de um “indicador A” ou a presença de um “indicador B” (e para sinalizar isso se utiliza o sinal de adição +) pode ser necessária ou suficiente para o nível secundário de um conceito.

Nem sempre é possível encontrar atributos substituíveis, contudo, até mesmo elementos necessários têm graus de importância distintos em um conceito. A partir disso vem a noção de que cada condição necessária tem um grau de substituibilidade (substitutability). A condição necessária mais substituível se aproxima da trivialidade e a menos substituível se aproximaria da suficiência (GOERTZ, 2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a., 2006bGOERTZ, G. Assessing the trivialness, relevance, and relative importance of necessary or sufficient conditions in social science. Studies in Comparative International Development, v. 41, n. 2, p. 88-109, 2006b.). No caso do conceito de transparência de Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.), há elementos substituíveis apenas no conceito de nível secundário “inferabilidade”.

Outra ferramenta proposta por Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.) é a adjetivação: adjetivar um conceito pode ajudar na compreensão de tópicos específicos que conceitos generalistas não captam. O autor afirma que, de modo geral, adicionar adjetivos a um conceito pode restringir ou aumentar o número de casos contemplados por determinada ontologia conceitual. Utilizando o conceito de democracia como exemplo, adicionar “presidencial” ou “corporativista” a “democracia” reduz o número de países passíveis de análise. Da mesma forma, um conceito mais amplo do que democracia seria regime eleitoral - que pode ocorrer tanto em democracias quanto em autocracias e, dependendo de onde o regime se encontra no espectro democracia-autocracia, diferentes adjetivos são adicionados. Essa relação pode ser visualizada na Figura 1.

Figura 1
Conceitos +/- adjetivos e o contínuo autocracia-democracia

Quando nenhum dos atributos democráticos está ausente, temos o conceito de democracia; quando liberdades civis são suprimidas, surge o conceito de democracia não liberal; quando liberdades civis e contestação são suprimidos, surge a “democracia não liberal e controlada”; e quando todos os tributos são ausentes, temos um regime eleitoral em uma autocracia. Cada um desses conceitos adjetivados reflete características não captadas pelo conceito macro “regime eleitoral”. Processo similar pode ser aplicado ao conceito de transparência, o qual se explora nas próximas seções.

APLICANDO O MÉTODO: OS QUATRO TIPOS DE TRANSPARÊNCIA

Esta seção se propõe a apresentar um modelo conceitual para avaliar transparência não como um valor absoluto, mas como um grau possível de provimento de informações de acordo com a realidade de cada instituição e tipo de política. A literatura sobre transparência é bastante vasta, mas a maioria dos autores não utiliza o debate de Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.), Sartori (1970SARTORI, G. Concept misinformation in comparative politics. The American Political Science Review, v. 64, n. 4, p. 1033-1053, 1970.) ou Adcock e Collier (2001ADCOCK, R.; COLLIER, D. Measurement validity: a shared standard for qualitative and quantitative research. American Political Science Review, v. 95, n. 3, p. 529-546, 2001.) para estruturar o conceito, o que diversas vezes leva a um alongamento conceitual.

A construção de conceitos em três níveis ajuda a visualizar a ontologia do que se quer pesquisar, não só pela necessidade do autor justificar a escolha dos elementos de segundo nível, mas também ao requisitar clareza na definição das relações entre as variáveis. Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.) trazem um conceito de transparência claro e facilmente aplicável a casos concretos da administração pública que, incorporando-se à discussão conceitual de Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.), pode ser representado pela Figura 2.

Figura 2
O conceito de transparência em três níveis

A forma de identificação de transparência apresentada na Figura 1 ainda não leva em conta as variedades de transparência e a necessidade de sigilo em algumas políticas. Uma instituição que classifica muitos documentos ou que lida com informações pessoais (que têm sigilo de 100 anos, de acordo com a atual legislação brasileira - Lei n. 12.527/2011), por exemplo, não cumpre o quesito de visibilidade. Esse tipo de informação se enquadra no que Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.) definem como “transparência em retrospecto”, já que a informação não pode ser disponibilizada temporalmente perto de sua produção. Documentos sigilosos têm tanto seu conteúdo como o motivo de sua classificação restritos, sendo que o que se sabe de um documento classificado, ao menos no Brasil (de acordo com o Decreto n. 7.845/2012), é seu código de classificação.

Avaliar a transparência de instituições que lidam com muitos documentos temporariamente inacessíveis exige, portanto, um olhar cuidadoso que deve levar em conta as restrições como parte da própria natureza daquelas atividades. Então, como dar conta da necessidade do sigilo dentro do debate conceitual de transparência? Poderia um código de classificação ser considerado informação suficiente para o elemento visibilidade ou para inferabilidade? As variedades de transparência apresentadas na segunda seção deste artigo oferecem alguns parâmetros de avaliação, como a transparência processual e a transparência em retrospecto, que estabelecem pesos e contrapesos ao lidar com o segredo.

Para construir um conceito de transparência que leve em conta esses aspectos das instituições, utilizou-se o processo de adjetivação (GOERTZ, 2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.). Com isso, diversas configurações (limitações) dos dois elementos de nível secundário de transparência geram diferentes tipos de transparência. Ao invés de basear a adjetivação na presença ou ausência de atributos, como exemplificado pela Figura 1, optou-se por adjetivar transparência a depender do grau de restrição que os elementos constitutivos de transparência (visibilidade e inferabilidade) podem assumir, de tal forma que a transparência ainda possa ser mensurada. A adjetivação por meio do nível de restrição dos elementos secundários é apresentada no Quadro 1.

Quadro 1
Restrições de visibilidade e inferabilidade

Nesse caso, a adjetivação resulta em quatro subtipos de transparência, compondo uma matriz 2x2 em que: a (1) transparência plena não possui restrições em visibilidade e inferabilidade; a (2) transparência nominal possui restrições apenas na inferabilidade; a (3) transparência condicionada à necessidade de saber possui restrições apenas na visibilidade; e a (4) transparência na atribuição e gestão do sigilo, que apresenta restrições em ambos os elementos. Utilizando a mesma apresentação da Figura 1, a adjetivação pode ser graficamente representada pela Figura 3.

Figura 3
Adjetivação do conceito e os quatro subtipos de transparência

Ao analisar os quatro subtipos de transparência democrática possíveis, visibilidade e inferabilidade podem variar, mas nunca se extinguir. Isso ocorre porque, mesmo em nível bastante reduzido, esses elementos são, ontologicamente, os definidores da própria existência de transparência. Com isso, descarta-se a possibilidade de substitutabilidade desses elementos (GOERTZ, 2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.). Por conseguinte, nas próximas subseções se discute cada tipologia e como afetam futuras avaliações de transparência.

Transparência plena

A transparência plena ocorre quando a divulgação dos dados ocorre nos níveis mais altos de visibilidade e inferabilidade e corresponde ao modelo originalmente proposto por Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.). Em decorrência disso, não há modificação nas relações entre indicadores e nível secundário do conceito. Esse tipo de transparência ocorre quando há disponibilização ativa das informações, ou seja, quando elas se encontram disponíveis a priori para acesso do cidadão. Exemplos são as bases de dados de atividades do Poder Legislativo, com constante atualização e provimento de dados sobre votações, projetos de lei e andamento dos projetos; quando as respostas a pedidos de informação são publicitadas; ou quando os governos disponibilizam plataformas de dados abertos.

Em termos de inferabilidade, a transparência plena ocorre sempre que determinado público-alvo tem suas necessidades informacionais atendidas, seja de forma simplificada, seja de forma complexa. Vale ressaltar que os indicadores de inferabilidade podem variar, já que, como mostrado na Figura 2, seguem uma lógica de substitutabilidade. Isso significa que pode haver inferabilidade somente com o indicador simplificação, desagregação ou outros, sem que seja necessário tornar obrigatória a presença de determinado indicador.

A transparência plena pode ocorrer inclusive em ambientes que têm muitas informações restritas, uma vez que quando as informações são liberadas adequadamente, após os períodos pertinentes de restrição, viabiliza-se tanto visibilidade quanto inferabilidade. Esse seria o caso, por exemplo, de um acesso adequado ao arquivo histórico da diplomacia já desclassificado ou da preservação e divulgação de dados pessoais após os 100 anos de restrição.

Fazendo menção à dicotomia entre transparência processual versus transparência de evento, a transparência plena pode fornecer informações dos dois tipos. Plena transparência em compras públicas, por exemplo, significa fornecer dados tanto sobre o processo de tomada de decisão sobre um fornecedor quanto sobre os resultados e a execução do contrato firmado (BARROS e RODRIGUES, 2017RODRIGUES, K. F. Democratic transparency pacts on defense: assessing change in civilian access to military information in Brazil and Mexico. 2017. 216 f. Tese (Doutorado em Administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2017.; HOOD e HEALD, 2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.).

Adjetivar transparência dessa forma implica evidenciar que a disponibilização total de informações governamentais é apenas uma das camadas de acesso possíveis dentro de democracias. A maioria dos trabalhos de avaliação de transparência se enquadram nessa adjetivação (ABDALA e TORRES, 2016ABDALA, P. R. Z.; TORRES, C. M. S. O. A Transparência como espetáculo: uma análise dos portais de transparência de estados brasileiros. Administração Pública e Gestão Social, v. 8, n. 3, p. 147-158, 2016.; BAIRRAL, COUTINHO e ALVES, 2015BAIRRAL, M. A. C.; COUTINHO, A. H.; ALVES, F. J. S. Transparência no setor público: uma análise dos relatórios de gestão anuais de entidades públicas federais no ano de 2010. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 49, n. 3, p. 643-675, 2015.; BRUSTOLIN, 2009BRUSTOLIN, V. M. Abrindo a caixa preta: o desafio da transparência dos gastos militares no Brasil. 2009. 78 f. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento) - Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.; MICHENER, MONCAU e VELASCO, 2014MICHENER, R. G.; MONCAU, L. F. M.; VELASCO, R. B. Estado brasileiro e transparência: avaliando a aplicação da Lei de Acesso à Informação. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas e Open Society Foundations, 2014.; MONTEIRO, 2014MONTEIRO, A. Aferição do grau de cumprimento às obrigações de transparência ativa constantes da Lei de Acesso à Informação por universidades federais do Brasil. 2014. 68 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.; OHASHI, 2008OHASHI, H. Effects of transparency in procurement practices on government expenditure: a case study of municipal public works. Review of Industrial Organization, v. 34, n. 3, p. 267-285, 2008.), representando passos importantes para a avaliação das políticas de transparência, mesmo que de maneira parcial.

Transparência nominal

Quando se restringe a inferabilidade de uma informação, mantendo-se sua visibilidade, temos a transparência nominal - presente no arcabouço teórico de Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.). De acordo com esses autores, a transparência nominal ocorre quando os dados são disponibilizados sem a preocupação de como serão entendidos ou processados pelo receptor. Nela, a informação está visível (completa e encontrável), mas talvez não esteja desagregada, verificável ou simplificada. Esse tipo de transparência não constitui, por si, um não cumprimento da legislação vigente de cada país e pode ocorrer por diversas razões: má vontade da burocracia em responder, tentativa de esconder alguma informação que revele incompetência ou fraude, dentre outros.

Há, entretanto, três outras motivações recorrentes que não têm a ver com a má-fé da administração pública, que são: a (1) má qualidade e limitação dos sistemas de informação atuais; a (2) falta de recursos adicionais destinados ao acesso à informação; e a (3) ausência de definições claras sobre a responsabilidade da produção da informação.

A impossibilidade de enviar ao cidadão documentos em formato aberto pode dar-se por limitações dos sistemas de informação da máquina pública, gerando situações em que se tem todos os dados completos, visíveis, verificáveis, quiçá simplificados, mas de difícil manipulação como aqueles em portable document format (PDF), por exemplo. É comum que pesquisadores requeiram dados em formatos editáveis e que, por impossibilidade dos sistemas operantes, só seja possível fornecer dados em formatos não editáveis (MICHENER, 2011MICHENER, R. G. Liberdade de informação: uma síntese dos dilemas de conformidade e suas possíveis soluções. In: ARTICLE 19. Leis de acesso à informação: dilemas da implementação. London: Article 19, 2011. p. 7-24.).

Quanto ao item 3, sobre a responsabilidade da produção de informações, de acordo com diversos servidores públicos federais responsáveis por responder pedidos de informação (RODRIGUES, 2013RODRIGUES, K. F. Relações civis-militares e as leis de acesso à informação na América Latina e no Brasil. 2013. 107 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2013.), é recorrente o relato de que os pedidos envolvem a análise de uma grande quantidade de dados, o que se torna impossível em um contexto de acumulação de tarefas por parte da administração pública. Mesmo quando se trata de pedidos simples, se o conteúdo da resposta é uma simplificação de informações já públicas, muitos burocratas se sentem como “fazendo o trabalho dos outros”.

A lógica da terceirização de análises e simplificações para o público geral já se faz presente no movimento de dados abertos (uma forma de transparência ativa), cuja meta é disponibilizar dados brutos e editáveis. O tratamento e uso desses dados geralmente não são avaliados como deveres do Estado, geralmente essa responsabilidade fica a cargo dos usuários por meio da criação de aplicativos com interfaces amigáveis para utilização dos dados (APIs - Application Programming Interface) (BARROS e RODRIGUES, 2017RODRIGUES, K. F. Democratic transparency pacts on defense: assessing change in civilian access to military information in Brazil and Mexico. 2017. 216 f. Tese (Doutorado em Administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2017.; IGLESIAS, 2017IGLESIAS, D. Open data and the fight against corruption in Brazil. Transparency International, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.transparency.org/whatwedo/publication/open_data_and_the_fight_against_corruption_in_brazil >. Acesso em:28 set. 2018.
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). No entanto, isso ainda está ausente nos debates sobre transparência passiva.

Variáveis políticas e estruturais também entram em questão, como a necessidade de criação de áreas específicas na instituição dedicadas ao atendimento aos pedidos de informação. Muitas vezes, novas leis e direitos não acompanham expansões em estrutura e orçamento, o que gera sobrecarga de trabalho para alguns funcionários ou setores. Michener (2011MICHENER, R. G. Liberdade de informação: uma síntese dos dilemas de conformidade e suas possíveis soluções. In: ARTICLE 19. Leis de acesso à informação: dilemas da implementação. London: Article 19, 2011. p. 7-24.) enquadra esses problemas como dilemas administrativos das leis de acesso à informação. Contudo, há muitos procedimentos que podem ajudar a estabelecer um equilíbrio entre transparência e dificuldades tecnológicas e burocráticas. Nisso entra a importância do treinamento das burocracias, da familiarização com as leis de acesso às informações públicas, da inclusão da transparência como medidor de desempenho das organizações, dentre outros.

As implicações que esse tipo de transparência acarreta para as avaliações de políticas públicas são diversas, já que trazem, necessariamente, um aspecto qualitativo e institucional à avaliação do cumprimento das leis. Em outras palavras, a transparência nominal evidencia as falhas existentes nas instituições que podem impedir o exercício da transparência plena, sem deixar de atribuir o devido mérito às informações prestadas com as ferramentas disponíveis.

A partir desse enquadramento conceitual, é possível avaliar o quanto uma organização se esforça para forjar mudanças institucionais direcionadas à transparência: se ao longo do tempo uma avaliação mostra o aumento de transparência plena e o declínio da transparência nominal, provavelmente mudanças institucionais ocorreram, sejam elas culturais, nos sistemas de informação ou na delimitação da produção da informação pública.

Transparência condicionada

Quando a visibilidade de uma informação é restrita e sua inferabilidade permanece irrestrita, trata-se de uma informação da qual já se sabe o provável conteúdo e a forma, mas só se tem acesso a ela com uma condição. Considera-se esse tipo de informação aquela que é condicionada a um processo de pedido de informação. Não há, necessariamente, prejuízo para a inferabilidade neste tipo de transparência, já que se o processo de petição for justo e organizado, o requerente terá acesso à informação de maneira apropriada. Nisto se enquadram os portais de pedidos de informação, que devem ser construídos de modo a facilitar o acesso dos cidadãos, bem como o cumprimento dos prazos para resposta e completude do conteúdo fornecido.

Há, contudo, um subtipo de transparência condicionada que merece ser destacada: a da necessidade de saber. Sua lógica é bem simples: um documento de um setor de uma instituição não necessariamente tem de estar acessível a outro setor que não se relaciona com a atividade que originou o documento. Alguém do setor de recursos humanos (RH) provavelmente não tem necessidade de saber os trâmites da contratação de uma assessoria de marketing pelo setor comercial, assim como diversas operações de uma organização militar (OM) no sul do país não têm de estar disponíveis automaticamente para outra OM no norte do país. Esse tipo de distinção é de uso muito comum em documentos das Forças Armadas, sendo que quando um documento é de interesse da organização como um todo, a indicação é de “uso ostensivo”4 4 A exemplo do documento EMA-414 da Marinha (BRASIL, 2005). .

A necessidade de saber não constitui um empecilho por si para que uma pessoa de outra área veja ou tenha acesso ao documento. Ela tem mais um sentido de organização e de evitar que haja excesso de fluxo de informações dentro de uma instituição. Essa lógica faz sentido dentro das organizações, mas para que não seja uma barreira à transparência democrática, deve ser regulamentada de forma clara5 5 Considerações extraídas de entrevista conduzida pela autora à Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha em fevereiro de 2015. .

O aspecto organizacional do fluxo de informações vale para algumas direções específicas de transparência apresentadas por Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.), como na transparência horizontal, em especial a transparência horizontal para o interior (observadores podem visualizar o que ocorre dentro da organização). Contudo, essa forma de organização das informações não pode ser um impeditivo ao acesso dos cidadãos às informações governamentais (transparência vertical).

Os motivos para a restrição de informações com base na necessidade de saber devem ser claros e justificados (ARTICLE 19, 1999ARTICLE 19. The public’s right to know: principles on freedom of information legislation. 1999. Disponível em:<Disponível em:https://www.article19.org/data/files/pdfs/standards/righttoknow.pdf >. Acesso em:25 set. 2018.
https://www.article19.org/data/files/pdf...
), e um dos casos em que fica clara a motivação da restrição é a relativa à informação pessoal. Nesses casos, para respeitar a privacidade do cidadão, o acesso geralmente se restringe à própria pessoa, ao órgão que gerou ou guarda a informação e ao Poder Judiciário no caso de uma investigação em processo. Com isso, tem-se inferabilidade com visibilidade reduzida. Outro caso de restrição de transparência pela necessidade de saber é aquela relativa a documentos em elaboração ou de processos judiciais em andamento (DONEDA, 2011DONEDA, D. A proteção dos dados pessoais como um direito fundamental. Espaço Jurídico, v. 12, n. 2, p. 91-108, 2011.).

Por conseguinte, a transparência em retrospecto e a transparência processual ganham destaque nesse tipo de transparência, uma vez que o acesso à informação envolvido na transparência plena é impossibilitado. As implicações da utilização dessa tipologia para futuras avaliações de transparência se concentram eu duas ideias: na avaliação da implementação do processo de se pedir informações; e na ideia de que a transparência condicionada à necessidade de saber só pode ser avaliada por aqueles com direito de saber. Se um documento contém muitas informações pessoais e é liberado com diversas partes classificadas, não se pode dizer, necessariamente, que há falta de transparência. Nesse sentido, a lei de acesso à informação mexicana (MÉXICO, 2015MÉXICO. Ley General de Transparencia y Acceso a la Información Pública. México, DF: Poder Ejecutivo Federal, 2015.) tem um mecanismo que dá conta de melhor transparentar o conteúdo desse tipo de documento: é possível requerer que se elabore uma versão pública do documento contendo sua ideia geral, sem prejuízo de outras provisões legais de proteção a dados sensíveis.

Transparência na atribuição e gestão do sigilo

Quando tanto a visibilidade e a inferabilidade de uma informação são restritas, tem-se a transparência na atribuição e gestão do sigilo, esta que deve ocorrer sempre que políticas públicas democraticamente legítimas necessitem do segredo para acontecer. Aqui se enquadram diversas instâncias do Poder Executivo, como as instituições de defesa, diplomacia, segurança pública e aquelas que lidam com informações fiscais. Thompson (1999THOMPSON, D. F. Democratic secrecy. Political Science Quarterly, v. 114, n. 2, p. 181-193, 1999.) afirma que sempre haverá um conflito essencial entre sigilo e democracia:

O conflito não é primariamente entre sigilo e democracia, mas surge da própria ideia do processo democrático. Algumas das melhores razões para estabelecer um sigilo surgem dos mesmos valores democráticos que vão de encontro ao sigilo. A presunção democrática contra o segredo (e à favor da publicidade de dados) pode ser defendida, mas não de maneira tão simples quanto poderia se supor (THOMPSON, 1999THOMPSON, D. F. Democratic secrecy. Political Science Quarterly, v. 114, n. 2, p. 181-193, 1999., p. 182, tradução nossa).

A gestão do sigilo gera a necessidade de se criar uma diversidade de mecanismos para assegurar que os segredos sejam legitimados pelo processo democrático (COLARESI, 2014COLARESI, M. P. Democracy declassified: the secrecy dilemma in national security. Oxford: Oxford University Press, 2014.; SAGAR, 2013SAGAR, R. Secrets and leaks: the dilemma of State secrecy. Woodstock: Princeton University Press, 2013.). Esses mecanismos institucionais, por sua vez, tornam relevante a variedade de transparência denominada “transparência de processo”. Muito mais do que os inputs e outputs das classificações, os processos que as gerem e as mantém são o lastro da legitimidade do segredo.

Diversos organismos internacionais vêm traçando parâmetros para segredos democráticos, como os Tshwane Principles, que sugerem uma série de parâmetros de transparência para controle do sigilo. Dentre eles estão: a (1) publicação de lista com motivos pelos quais se pode classificar documentos; o (2) estabelecimento de testes de interesse público na informação; a (3) criação de órgãos autônomos de controle do acesso às informações públicas; e a (4) divulgação parcial da informação, quando apenas frações de um documento são sigilosas (ARTICLE 19, 2006ARTICLE 19. A model freedom of information law. 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.article19.org/resources.php/resource/1796/en/ >. Acesso em:05 abr. 2017.
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; OPEN SOCIETY JUSTICE INITIATIVE, 2013OPEN SOCIETY JUSTICE INITIATIVE. Tshwane Principles: global principles on national security and the right to information. New York: OSJI, 2013.). Rodrigues (2017RODRIGUES, K. F. Democratic transparency pacts on defense: assessing change in civilian access to military information in Brazil and Mexico. 2017. 216 f. Tese (Doutorado em Administração) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro, 2017.) também identifica outros fatores importantes relativos à transparência processual de documentos de acesso restrito como, por exemplo, a existência de fiscalização em arquivos militares, a correta implementação das tabelas de temporalidade arquivística e o controle dos processos de eliminação de documentos.

Outra importante variedade de transparência trabalhada por Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.) é a transparência em retrospecto, já que o limite temporal do sigilo acaba se tornando um dos aspectos mais importantes para o indicador completude e, por extensão, para a visibilidade. Nos termos do conceito de transparência da Figura 2, visibilidade continua com os indicadores completude e encontrabilidade, mas a forma de mensuração é bastante diferente dos outros subtipos, já que completude pode restringir-se a um código, e encontrabilidade pode limitar-se à disponibilidade de uma lista com códigos de documentos classificados. Percebe-se, aqui, que cada tipo de transparência mantém os mesmos elementos, mas varia em seus indicadores. No caso da inferabilidade, desagregação e simplificação não se aplicam, mas a verificabilidade ganha importância como formas de contestar as restrições de acesso e assegurar que são legítimas.

Ao avaliar a transparência de instituições que lidam com documentos classificados, portanto, assume-se um caráter processual forte, já que cidadãos não podem ter acesso direto a documentos. Um dos indicadores de inferabilidade mais importantes nesse tipo de transparência é o de “verificabilidade”, já que para uma avaliação criteriosa dos processos de sigilo se mostra necessário que terceiros possam ter acesso a esses documentos. Citando novamente a lei de acesso à informação mexicana, naquele país o Instituto Nacional de Informação Pública pode acessar documentos classificados e rever a temporalidade de algumas restrições. O Brasil, por sua vez, só tem mecanismos institucionais para exercer verificabilidade no que tange ao controle do Poder Legislativo sobre documentos de inteligência (via Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência - CCAI)6 6 Entrevista realizada com representante da CCAI em Brasília, em março de 2015. , faltando mecanismos mais amplos de verificação de restrições de acesso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As organizações públicas realizam uma ampla gama de ações, nem todas passíveis de escrutínio público direto e em tempo real. Nesse ensejo, se a transparência surge como imperativo democrático e de governança, a natureza das informações produzidas deve ser levada em conta ao avaliar o quão abertas as instituições são. O conceito de transparência não é novo e, desde Jean-Jacques Rousseau e Jeremy Bentham, passa pela discussão do mercado de ideias; até os debates de governança e eficácia na administração pública, diversos alongamentos conceituais ocorreram (BENTHAM, 1843BENTHAM, J. The works of Jeremy Bentham - volume II. Edinburgh: W. Tait, 1843.; BEVIR, 2010; BLOCHER, 2008BLOCHER, J. Institutions in the marketplace of ideas. Duke Law Journal, v. 57, n. 4, p. 821-889, 2008.; MARKS, 2001MARKS, J. Jean-Jacques Rousseau, Michael Sandel and the politics of transparency. Polity, v. 33, n. 4, p. 619-642, 2001.).

Não obstante, por meio do debate sobre conceitualização iniciado por Sartori (1970SARTORI, G. Concept misinformation in comparative politics. The American Political Science Review, v. 64, n. 4, p. 1033-1053, 1970.) e estendido por Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.), Adcock e Collier (2001ADCOCK, R.; COLLIER, D. Measurement validity: a shared standard for qualitative and quantitative research. American Political Science Review, v. 95, n. 3, p. 529-546, 2001.), este artigo propõe uma reflexão sobre o conceito de transparência no âmbito de democracias, levando em conta as diferentes naturezas institucionais, as diferentes necessidades de transparência e sigilo e a fidedignidade democrática dos processos que a geram.

Na realização desta análise, levou-se em conta o conceito de transparência desenvolvido por Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.), composto de três níveis, como Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.) recomenda. Como elementos secundários e ontológicos figuram a visibilidade da informação e a inferabilidade - que é a capacidade de inferir algo a partir da informação. Nesse conceito, a visibilidade é composta pelos indicadores completude e verificabilidade; a inferabilidade, por sua vez, pode ser composta por distintos indicadores, desde que se assegure que o público ao qual a informação é direcionada possa compreender e fazer uso da informação.

Considerou-se também o efeito das variedades e direções de transparência trabalhadas por Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.), que envolvem a horizontalidade ou verticalidade do fluxo de informações, o momento de liberação das informações (tempo real ou em retrospecto), o objeto de onde se deriva a informação (evento ou processo), bem como a utilidade da informação (transparência nominal ou efetiva).

O conceito de Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.), bem como as considerações de Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.), fornecem peças de um quebra-cabeça de diversas formas pelas quais a transparência pode ocorrer e ser identificada. No entanto, não suprimem a necessidade de uma organização conceitual que vá além da visão de transparência apenas como divulgação máxima de informações, de modo a considerar, simultaneamente, os variados níveis de transparência que podem coexistir em determinada instituição.

Na tentativa de solucionar a questão, buscou-se adjetivar transparência de acordo com possíveis variações, ou seja, níveis máximos e mínimos cabíveis aos elementos secundários do conceito de Michener e Bersch (2013MICHENER, R. G.; BERSCH, K. Identifying transparency. Information Polity, v. 18, n. 3, p. 233-242, 2013.). De acordo com Goertz (2006aGOERTZ, G. Social science concepts: a user’s guide. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2006a.), adicionar adjetivos a um conceito pode ajudar a captar nuances da realidade das quais um conceito generalista é incapaz de dar conta. Por conseguinte, propôs-se uma tipologia com quatro subtipos de transparência que comportam os distintos contextos informacionais de democracias modernas, a saber: a (1) transparência plena; a (2) transparência nominal; a (3) transparência condicionada; e a (4) transparência na atribuição e gestão do sigilo.

A transparência plena é aquela que ocorre quando não há necessidade de restrições em visibilidade e inferabilidade, ou seja, tem-se acesso aos dados completos e de maneira facilitada. Essa transparência pode ser relacionada a todas as variedades de transparência debatidas por Hood e Heald (2006HOOD, C.; HEALD, D. (Ed.). Transparency: the key to better governance?Oxford: Oxford University Press, 2006.), inclusive aquelas que um dia já foram classificadas e, após o tempo de restrição, foram devidamente liberadas ao acesso público.

A transparência nominal lida com restrições na inferabilidade, ou seja, tem-se acesso às informações, mas seu uso ou capacidade de gerar inferências está comprometido(a). Isso pode ocorrer por simples má-fé dos entes públicos ao fornecer as informações, mas também pode ser sinal de questões institucionais mais complexas, como: a ausência de recursos, a falta de flexibilidade dos sistemas atuais de banco de dados e a sistematização de informações, ou até uma falta de compreensão dos limites da responsabilidade de produzir informações agregadas e análises. A transparência nominal evidencia as falhas existentes nas instituições que podem impedir o exercício da transparência plena, sem deixar de atribuir o devido mérito às informações prestadas com as ferramentas disponíveis. Longitudinalmente, também se torna possível avaliar esforço das organizações para se adaptar institucionalmente a um modus operandi mais transparente.

A transparência condicionada ocorre quando há restrições na visibilidade da informação, mas não necessariamente na inferabilidade. Isso ocorre quando a informação não está disponível a priori, e é necessário iniciar um processo de pedido a informação, que pode ser avaliada através do cumprimento da transparência passiva. Além disto, há também os casos em que é necessário provar a necessidade de saber, como para informações pessoais e processos na Justiça. Só é possível avaliar esse subtipo quando se tem o direito de saber e, no caso das informações pessoais, a legislação brasileira prevê até 100 anos de sigilo. Contudo, há mecanismos presentes em legislações internacionais que dariam conta de promover maior transparência nesses casos, quando se pode pedir que se elabore uma versão pública do documento em questão.

Já na transparência na atribuição e gestão do sigilo nem a justificativa de classificação é clara, sendo divulgado somente o tema que se enquadra. Nesses casos, mecanismos de transparência em retrospecto e de transparência de processos se mostram vitais para garantir a fidedignidade democrática dos segredos gerados pelo Estado, bem como mecanismos de contestação. Esses mecanismos de transparência processual são o lastro da legitimidade do segredo em democracias, devendo basear-se em parâmetros claros e, inclusive, já abundantes na literatura e na advocacy internacionais (OPEN SOCIETY JUSTICE INITIATIVE, 2013OPEN SOCIETY JUSTICE INITIATIVE. Tshwane Principles: global principles on national security and the right to information. New York: OSJI, 2013.).

Dentre as limitações do estudo está a análise superficial de como cada adjetivação pode afetar os indicadores de visibilidade e inferabilidade. O desenvolvimento desses indicadores não é objeto primário de estudo deste artigo, que opta por desenvolver primeiro uma noção ampla das implicações da tipologia nos atributos secundários do conceito. Além disso, fica pendente a aplicação da tipologia na avaliação da transparência de uma instituição, o que será resolvido em futuros estudos.

Almejou-se preencher a lacuna teórica acerca da conceitualização da transparência na literatura de políticas públicas, especialmente motivada por uma avaliação de transparência acurada das instituições cuja natureza do trabalho necessita de sigilo. Há mais nuances de acesso à informação nas instituições do que a dicotomia transparência/opacidade pode comportar. Este estudo abre portas para novas e mais completas avaliações da transparência das instituições públicas, levando em conta diversos tipos de informação, estágios de restrição, natureza das políticas públicas e, ainda, aspectos institucionais e processuais da gestão da informação.

Estudos comparativos e longitudinais que mostrem mudanças em cada um dos tipos de transparência nas organizações podem proporcionar um panorama robusto, não só do que é ofertado em termos de dados, mas também do desenvolvimento institucional dessas organizações públicas. Espera-se ter caminhado em direção à resolução desse quebra-cabeça conceitual que traz implicações diretas à avaliação de políticas públicas no tema. Por fim, vale ressaltar uma obviedade esquecida por considerável parte das ciências sociais (SARTORI, 1970SARTORI, G. Concept misinformation in comparative politics. The American Political Science Review, v. 64, n. 4, p. 1033-1053, 1970.), cujo exercício define a própria motivação deste artigo: retomemos os debates conceituais.

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  • 1
    Destaca-se aqui o desafio de se traduzir para o português os termos usados por Michener e Bersch (2013), alguns dos quais são neologismos até mesmo na língua inglesa. O presente artigo não se propõe a problematizar a tradução destes termos, contudo, o debate sobre uma melhor adequação destas traduções é necessário e bem-vindo.
  • 2
    Àqueles não familiarizados com o jargão da metodologia quantitativa, proxy é uma variável que não é relevante para a análise diretamente, mas serve como substituta para outra variável imensurável importante para a análise. Um exemplo comum é a mensuração de qualidade de vida. Como não é possível mensurar a qualidade de vida objetivamente, proxies como o produto interno bruto (PIB) são comumente utilizadas.
  • 3
    A literatura de burocracia de nível de rua busca encontrar formatações institucionais que reduzam a discricionariedade daqueles burocratas cujo trabalho é lidar diretamente com os cidadãos ou com a esfera privada. Tais burocratas têm um poder de decisão impossível de ser constantemente monitorado por superiores, portanto, a formatação institucional surge como redução de custos de monitoramento na relação principal-agente (LIPSKY, 2010). Um clássico exemplo de burocracia da linha de frente é a polícia. Como controle institucional entra o trabalho em duplas e a rotação de parceiros de trabalho.
  • 4
    A exemplo do documento EMA-414 da Marinha (BRASIL, 2005BRASIL. EMA-414: normas para a salvaguarda de materiais controlados, dados, informações, documentos e materiais sigilosos na Marinha. Brasília, DF: Marinha do Brasil, 2005. Disponível em:<Disponível em:https://www.marinha.mil.br/dphdm/sites/www.marinha.mil.br.dphdm/files/ema414.pdf >. Acesso em:25 set. 2018.
    https://www.marinha.mil.br/dphdm/sites/w...
    ).
  • 5
    Considerações extraídas de entrevista conduzida pela autora à Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha em fevereiro de 2015.
  • 6
    Entrevista realizada com representante da CCAI em Brasília, em março de 2015.
  • 8
    Este artigo é parte resultante de minha tese de Doutorado, portanto, gostaria de agradecer o apoio financeiro dado pelo Pró-Estratégia/CAPES por meio da bolsa de doutorado, bem como pelo Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES). Agradeço ainda a todos aqueles que contribuíram com a leitura e comentários salutares das diversas versões deste artigo: Prof. Octavio Amorim Neto (FGV EBAPE), Prof. Gregory Michener (FGV EBAPE), Prof. David Mares (CILAS/UCSD) e Prof. Angelo Brigato Ésther (FACC/UFJF).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2017
  • Aceito
    18 Set 2019
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