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Microconcreto autoadensável em reforços estruturais: aplicação como ponte de aderência

Self-compacting micro concrete in structural strengthening: application as a bond bridge

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a eficiência de um microconcreto para reforços estruturais, como ponte de aderência entre concreto velho e concreto novo. Foi avaliada a substituição da areia por um fíler, subproduto de britagem, a partir de um traço de referência. Os ligantes utilizados foram cimento Portland (85%) e sílica ativa (15%). A relação água/ligante e proporção entre cimento e sílica ativa foram obtidas de forma experimental, maximizando-se a utilização do aditivo superplastificante e obtendo-se condições aceitáveis de autoadensabilidade das misturas. Foram avaliadas as propriedades no estado fresco e endurecido, aderência do microconcreto em dois substratos e como ponte de aderência, simulando uma situação de reforço estrutural. Obtiveram-se boas propriedades de autoadensabilidade do MC, com aumento de 26% no espalhamento e 5% no tempo de escoamento do MC com 15% de substituição em relação ao MC de referência. Para 15% de substituição, observou-se aumento de 18% no módulo de elasticidade e redução de quase 9% na absorção total de água. Também se obtiveram bons resultados de aderência em substrato de concreto, demonstrados pela ruptura coesiva observada no ensaio de aderência. Em situação de reparo estrutural, o material mostrou-se satisfatório como ponte de aderência entre concretos.

Palavras-chave
Reforço estrutural; sustentabilidade; microconcreto; teste de cisalhamento oblíquo

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate the efficiency of a micro concrete for structural strengthening, as an adhesion bridge between old and new concrete. Contributing to environmental preservation, the replacement of sand with a filler, a by-product of crushing stones, was evaluated based on a reference mixture. The binders used were Portland cement (85%) and silica fume (15%). The water/binder ratio and the proportion between cement and silica fume were obtained experimentally, maximizing the use of the superplasticizer additive, and obtaining acceptable conditions of self-compacting of the mixtures. The properties of micro concrete in the fresh and hardened state were evaluated, in addition to the adhesion provided by the micro concrete on concrete substrates and as an adherent material between old and new concrete, simulating a situation of structural reinforcement. As a result, good MC self-compacting properties were obtained, with an increase of 26% in scattering and 5% in MC flow time with 15% replacement in relation to the reference MC. There was also considerable gain in the physical properties of the mixtures. Still, for 15% replacement, there was an increase of 18% in the modulus of elasticity and a reduction of almost 9% in the total water absorption. Good adhesion results were also obtained on concrete substrates, demonstrated by the cohesive failure observed in the adhesion test. In addition, in a situation of structural repair, the material proved to be satisfactory for use as an adhesion bridge between old and new concrete.

Keywords
Structural strengthening; Sustainability; micro concrete; slant shear test

1. INTRODUÇÃO

Na reabilitação ou reforço estrutural com a utilização de concretos ou compósitos cimentícios, um aspecto fundamental na ligação entre concreto velho e concreto novo é que ela deve garantir um bom desempenho sob várias cargas aplicadas e condições em serviço ao longo de sua vida útil. Danos precoces e severos de estruturas de concreto armado sob condições ambientais agressivas e altas solicitações mecânicas são um problema mundial, que podem afetar a segurança, aumentar o custo de reparo e reduzir a vida útil das estruturas [1[1] ZHANG, Y., ZHU, P., LIAO, Z., et al., “Interfacial bond properties between normal strength concrete substrate and ultra-high performance concrete as a repair material”, Construction & Building Materials, v. 235, pp. 117431, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2019.117431.
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]. Assim, dada a importância do tema, novos materiais de reparo para estruturas de concreto têm sido desenvolvidos e estudados. Especial atenção tem sido dada à análise da interface entre concreto velho e concreto novo [1[1] ZHANG, Y., ZHU, P., LIAO, Z., et al., “Interfacial bond properties between normal strength concrete substrate and ultra-high performance concrete as a repair material”, Construction & Building Materials, v. 235, pp. 117431, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2019.117431.
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,2[2] CARBONELL MUÑOZ, M.A., HARRIS, D.K., AHLBORN, T.M., et al., “Bond performance between ultra-high performance concrete and normal-strength concrete”, Journal of Materials in Civil Engineering, v. 26, n. 8, pp. 04014031, 2014. doi: http://dx.doi.org/10.1061/(ASCE)MT.1943-5533.0000890.
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,3[3] HARRIS, D.K., CARBONELL MUÑOZ, M.A., GHEITASI, A., et al., “The challenges related to interface bond characterization of ultra-high-performance concrete with implications for bridge rehabilitation practices”, Advances in Civil Engineering Materials, v. 4, n. 2, pp. 75–101, 2014. doi: http://dx.doi.org/10.1520/ACEM20140034.
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,4[4] TAYEH, B.A., BAKAR, B.H.A., JOHARI, M.A.M., et al., “Evaluation of bond strength between normal concrete substrate and ultra high performance fiber concrete as a repair material”, Procedia Engineering, v. 54, pp. 554–563, 2013. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.proeng.2013.03.050.
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,5[5] TAYEH, B.A., ABU BAKAR, B.H., JOHARI, M.A.M., et al., “Microstructural analysis of the adhesion mechanism between old concrete substrate and UHPFC”, Journal of Adhesion Science and Technology, v. 28, n. 18, pp. 1846–1864, 2014. doi: http://dx.doi.org/10.1080/01694243.2014.925386.
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]. Nesses trabalhos foram utilizados, como materiais de reforço, microconcretos com fibras. Outros aspectos relevantes e que pesquisadores chamam à atenção é quanto ao custo dos materiais de reparo [6[6] GANESH, P., RAMACHANDRA MURTHY, A., “Simulation of surface preparations to predict the bond behaviour between normal strength concrete and ultra-high performance concrete”, Construction & Building Materials, v. 250, pp. 118871, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2020.118871.
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,7[7] GOMAA, E., GHENI, A., ELGAWADY, M.A. “Repair of ordinary Portland cement concrete using ambient-cured alkali-activated concrete: Interfacial behavior”, Cement and Concrete Research, v. 129, p. 105968, 2020.,8[8] FENG, S., XIAO, H., LIU, R., et al., “The influence of different bond primers on the bond strength of concrete overlays and the microstructure of the overlays transition zone”, Cement and Concrete Composites, v. 119, pp. 104023, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2021.104023.
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] e à necessidade de preservação ambiental quanto aos materiais a serem empregados [6[6] GANESH, P., RAMACHANDRA MURTHY, A., “Simulation of surface preparations to predict the bond behaviour between normal strength concrete and ultra-high performance concrete”, Construction & Building Materials, v. 250, pp. 118871, 2020. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2020.118871.
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].

Quanto à interface entre o concreto velho e concreto novo, existem três métodos para melhorar o seu desempenho: (1) O tratamento da superfície do substrato, que normalmente envolve o uso de escovas com cerdas metálicas, jateamento com areia, jato de água e confecção de reentrâncias para promover o intertravamento e aumentar a resistência de união. (2) Materiais de reparo à base de cimento reforçados com fibras e, (3) A aplicação de pontes de aderência na superfície do substrato antes de aplicar os materiais de reparo propriamente dito [8[8] FENG, S., XIAO, H., LIU, R., et al., “The influence of different bond primers on the bond strength of concrete overlays and the microstructure of the overlays transition zone”, Cement and Concrete Composites, v. 119, pp. 104023, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.cemconcomp.2021.104023.
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]. Importante salientar que tais métodos podem ser ou não aplicados em conjunto. O intertravamento ocasionado pelo processo mecânico é o principal fator condicionante da aderência entre o substrato e a pasta ligante [9[9] NASCIMENTO, O.L., “Estudo do Comportamento de Aderência de Argamassas de Chapisco para Revestimentos sobre Superfícies de Concreto de Cimento Portland CPIII”, Tese de M.Sc., Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2005.], sendo que a condição de umidade e limpeza da superfície, adensamento da camada de reparo, emprego ou não de ponte de aderência, e a rugosidade da interface também são aspectos importantes a serem considerados [10[10] MADEIRO, F.I.A., “Estudo da aderência entre concreto e argamassas”, Tese de M.Sc., Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.]. A resistência de aderência também varia com a profundidade dos sulcos de intertravamento [11[11] DIAB, A.M., ABD ELMOATY, A.E.M., TAG ELDIN, M.R., “ Slant shear bond strength between self-compacting concrete and old concrete”, Construction & Building Materials, v. 130, pp. 73–82, 2017. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2016.11.023.
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].

Onde a interface entre o concreto velho e concreto novo está sujeita à tensão de cisalhamento ou à combinação de tensão de cisalhamento e forças de compressão, o teste de cisalhamento oblíquo (Slant Shear Test) é o teste mais apropriado para avaliação da aderência [10[10] MADEIRO, F.I.A., “Estudo da aderência entre concreto e argamassas”, Tese de M.Sc., Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019., 12[12] TAYEH, B.A., ABU BAKAR, B.H., MEGAT JOHARI, M.A., et al., “Evaluation of bond strength between normal concrete substrate and ultra high-performance fiber concrete as a repair material”, Procedia Engineering, v. 54, pp. 554–563, 2013. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.proeng.2013.03.050.
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]. Para a resistência de aderência obtida por meio do ensaio de cisalhamento oblíquo há uma faixa de valores aceitáveis especificada no guia de reparo em concreto armado do comitê do Instituto Americano de Concreto [13[13] VON FAY, K.F., Guide to concrete repair, Colorado, US Department of the Interior, 2015.]. Os valores estabelecidos por este indicam que a resistência de aderência do material de reparo deve estar entre 13,8 MPa e 20,7 MPa, quando testado aos 28 dias. O ACI 546R-04 [14[14] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE, Concrete Repair Guide: ACI 546R-04, Michigan, ACI, 2004.] também especifica que o valor mínimo para a resistência de aderência aos 28 dias seja de 13,8 MPa.

Além da viabilidade técnica que os materiais estruturais devem apresentar, deve-se atentar ainda ao aspecto da preservação ambiental. A necessidade de agregados graúdos para o concreto, de difícil obtenção no estado natural com as características e dimensões requisitadas, gera a necessidade de britagem das rochas. A quantidade de finos gerada durante a britagem pode chegar a até 15% do volume de brita [15[15] GALETAKIS, M., PIPERIDI, C., VASILIOU, A., et al., “Experimental Investigation of the utilization of quarry dust for the production of microcement-based building elements by self-flowing molding casting”, Construction & Building Materials, v. 107, pp. 247–254, 2016. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.conbuildmat.2016.01.014.
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]. Assim, com o intuito de contribuir com a aproximação da engenharia civil à sustentabilidade, analisa-se no presente trabalho a viabilidade técnica da introdução de resíduo de pedreira, o pó de britagem a ser utilizado como fíler, na composição de um microconcreto autoadensável para reforços estruturais, funcionando como ponte de aderência entre concreto velho e concreto novo. Com isso, o emprego destes materiais residuais tem dois benefícios: minimiza a extração de matéria prima natural, no caso a areia de rio, e dá uma destinação adequada aos produtos que permanecem estocados nos pátios de muitas empresas, como as pedreiras que fornecem britas para o mercado da construção civil. Diante disso, o presente trabalho se justifica tanto face à necessidade de materiais cimentícios com boas propriedades físicas, mecânicas, de aderência, de durabilidade e de baixo custo, como em face da proposta de contribuição com a sustentabilidade e a preservação ambiental pela incorporação de resíduos ao material proposto. Tal aspecto mostra também a relevância do presente estudo, uma vez que, para países em desenvolvimento, quaisquer reduções de custo somam, no momento da escolha dos materiais a serem empregados nos casos de reparo e reforço estrutural. Isso posto, o objetivo geral do presente trabalho foi produzir e caracterizar um microconcreto com potencial utilização como ponte de aderência entre concreto velho e concreto novo em reparos e reforços estruturais. Para tanto, utilizou-se, como fíler, um subproduto oriundo do processo de britagem de rocha de granito.

Como objetivos específicos, destacam-se:
  • Dosar um microconcreto com propriedades adequadas de autoadensabilidade;

  • Avaliar os efeitos da substituição da areia natural pelo fíler em diferentes teores nas propriedades físicas, mecânicas e de durabilidade do microconcreto;

  • Analisar o comportamento do microconcreto como ponte de aderência por meio do ensaio slant shear test e da tração por compressão diametral;

  • Propor uma destinação técnica e ambientalmente correta aos resíduos de pedreira.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Materiais

Para preparo do microconcreto foram utilizados cimento CP V, sílica ativa, fíler de granito e areia natural, conforme caracterização apresentada nas Tabelas 1, 2 e 3 e Figuras 1 a 4.

Figura 1.
Fíler de granito visualizado ao MEV.
Figura 2.
Distribuição granulométrica dos finos.
Figura 3.
Granulometria da areia de rio.
Figura 4.
Areia natural visualizada no MEV-SE.
Tabela 1.
Características do cimento.
Tabela 2.
Diâmetros d10, d50, d90 dos ligantes e finos.
Tabela 3.
Características da areia utilizada.
Tabela 4.
Traços unitários dos MCs produzidos em betoneira de 80 litros (em massa).

A sílica ativa caracterizada pelo fabricante apresentou densidade de 2280 kg/m3 e o fíler de granito, subproduto da britagem, apresentou densidade de 2735 kg/m3. Os finos presentes na areia natural apresentaram forma dos grãos cúbicas ou alongadas, além de serem angulosos.

Visando reduzir o teor de água nas misturas e promover boas condições de adensabilidade, foi utilizado um aditivo superplastificante (SP) à base de policarboxilato com teor de sólidos de 43%.

2.2. Métodos

2.2.1. Ajustes dos traços

Adotou-se, no presente trabalho, o traço unitário de 1:2 (ligante: agregado, em massa). Como ligantes, a fim de melhorar a resistência à compressão, reduzir a absorção de água e proporcionar uma boa aderência do microconcreto com um concreto velho, foram utilizados 0,85 de cimento e 0,15 de sílica ativa, relativos ao traço unitário.

A fim de garantir que o microconcreto a ser desenvolvido fosse capaz de penetrar os macros poros ou as ranhuras criadas para a execução de reforço, decidiu-se por limitar a granulometria da areia natural em 1,19 mm. Após o peneiramento, realizou-se o quarteamento do insumo, com vistas a garantir uma granulometria homogênea de toda a amostra global.

Foram produzidas quatro misturas de microconcreto, com substituições parciais de 0% (referência), 5%, 10% e 15% da areia pelo fíler. Estas misturas foram denominadas de MC1, MC2, MC3 e MC4, respectivamente, onde MC refere-se a MicroConcreto. Os traços obtidos são mostrados na Tabela 4, todos com a relação a/lig igual 0,55.

Para fixação da relação a/lig, constante para todos os MCs, partiu-se do MC4, com maior quantidade de materiais finos, demandando, portanto, maior quantidade de SP. Após fixada a relação a/lig, foram acrescentados pequenos incrementos de SP, até a obtenção de boas condições de autoadensabilidade. Ajustados o teor de água e de SP para este MC, prosseguiu-se com o MC3, e assim sucessivamente, até que todos os MCs tivessem semelhantes condições de autoadensabilidade. Os materiais foram misturados em argamassadeira com capacidade de 2 litros, na seguinte ordem: areia, fíler, cimento e sílica. Misturou-se o material seco por cerca de 30 segundos, adicionando-se a água e misturando-se por mais um minuto. A seguir, foi adicionado o SP e misturou-se por mais 12 minutos. Na sequência, realizou-se o teste de espalhamento do mini-slump.

Após isto, foram produzidos os MCs numa betoneira com capacidade de 120 litros, para realização dos ensaios no estado fresco e moldagem dos corpos de prova.

2.2.2. Ensaios no estado fresco

Após 12 minutos da adição do SP às misturas na betoneira, foram determinadas as massas específicas e teor de ar aprisionado dos MC a partir dos procedimentos descritos na NBR 16887 [16[16] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 16887: Concreto – Determinação do teor de ar em concreto fresco – Método pressométrico, Rio de Janeiro, ABNT, 2020.]. Ainda no estado fresco, com base na NBR 15823 [17[17] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 15823-5: Concreto autoadensável Parte 5: Determinação da viscosidade – Método do funil V, Rio de Janeiro, ABNT, 2017.], avaliou-se a viscosidade das pastas por meio do ensaio do funil V, a partir da obtenção do tempo de fluxo no funil até atingir o escoamento completo.

Realizou-se ainda, a moldagem dos corpos de prova para os ensaios do estado endurecido. Todos os ensaios descritos foram realizados no Laboratório de Materiais de Construção da UFG.

2.2.3. Ensaios no estado endurecido

Os ensaios no estado endurecido foram divididos em duas etapas. Na primeira etapa foram realizados os ensaios de caracterização do microconcreto e, na segunda etapa, utilizando apenas o traço de MC que obteve os melhores resultados, foram feitos os ensaios para verificar a viabilidade do seu uso em uma situação de reparo estrutural, avaliando principalmente a aderência.

As propriedades analisadas na primeira etapa para cada traço produzido estão resumidas na Tabela 5, tendo sido moldados 3 corpos de prova por situação.

Tabela 5.
Propriedades analisadas na primeira etapa do ensaio.

A avaliação da aderência foi realizada por dois métodos: resistência de aderência à tração, conforme a ASTM C1583 [22[22] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, ASTM C1583/C15583M: Standard test method for tensile strength of concrete surfaces and the bond strength or tensile strength of concrete repair and overlay materials by direct tension (Pull-of method), Pensilvânia, ASTM International, 2013.] e resistência de aderência de um corpo de prova submetido ao cisalhamento oblíquo conforme a ASTM C882 [23[23] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, ASTM C882/C882M: Standard test method. Bond strength of epoxy-resin systems used the concrete by slant shear, Pensilvânia, ASTM International, 2020.]. Para ambos os métodos foi produzido um concreto com resistência média de 30 MPa, que serviu de substrato para a aplicação do microconcreto. Suas características foram: relação a/lig = 0,56; relação lig: agregados totais secos: 1:4,5; traço unitário: 1:0,89:1,08:2,53 (lig: fíler: areia: brita) e teor de SP de 0,6% em relação à massa do ligante. Neste caso o material ligante foi composto de 95% de cimento CP V – ARI e 5% de sílica ativa; como fíler foi usado resíduo de britagem de granito; ademais, foram usadas areia média de rio e brita zero de granito.

Com base na ASTM C1583 [22[22] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, ASTM C1583/C15583M: Standard test method for tensile strength of concrete surfaces and the bond strength or tensile strength of concrete repair and overlay materials by direct tension (Pull-of method), Pensilvânia, ASTM International, 2013.], foram realizados a colagem e posterior arrancamento de pastilhas metálicas em dois substratos de concreto com diferentes rugosidades superficiais (lisa e rugosa, como mostra a Figura 5) com o intuito de simular a variação da aderência dos MC produzidos em diferentes situações de rugosidade superficial do concreto que receberia o revestimento em um reforço estrutural hipotético. A rugosidade lisa foi obtida desempenando o concreto de 30 MPa; e o substrato rugoso foi obtido apenas pelo lançamento desse concreto na forma.

Figure 5.
Ilustrações das rugosidades produzidas nos substratos de concreto.

Cada substrato foi dividido em quatro partes, cada uma delas sendo preenchida por uma camada de 2 cm de um dos traços produzidos (MC1, MC2, MC3 e MC4), de acordo com a Figura 6.

Figure 6.
Local de aplicação dos microconcretos.

A Figura 7 ilustra a realização do ensaio de aderência à tração, tendo sido realizado três arrancamentos para cada traço em cada substrato.

Figure 7.
Preparo do material para o ensaio de resistência de aderência.

Os resultados deste ensaio foram analisados não somente a partir dos valores de resistência à tração por arrancamento da pastilha, mas também avaliando o tipo de ruptura ocorrida, conforme a Figura 8.

Figure 8.
Tipos de arrancamento.

Quando a ruptura ocorre na interface dos materiais, como no exemplo o tipo A da Figura 8, os valores de tensão obtidos no arrancamento devem ser elevados, caso contrário, a aderência dos materiais é tida como fraca, podendo causar manifestações patológicas ou não atender a proposta do revestimento. Nos casos B e C, a ruptura ocorre na argamassa (microconcreto) e no substrato, respectivamente, o que mostra que a aderência na interface do material de revestimento (reforço) estudado com o substrato que recebe o revestimento foi superior à resistência à tração axial dos materiais isoladamente, sendo estes, portanto, resultados satisfatórios. A ruptura do tipo D indica que a camada superficial da argamassa de revestimento é a porção mais fraca, e se os valores obtidos forem baixos, conclui-se que não houve uma boa resistência superficial, provocada pela pulverulência da superfície. Os arrancamentos com ruptura do tipo E devem ser desprezados devido a defeitos de colagem [24[24] CARASEK, H., “Argamassas”, In: ISAIA, G.C. (eds.), Materiais de Construção Civil e Princípios de Ciência e Engenharia de Materiais, 3 ed., São Paulo, Ibracon, 2017.].

Na segunda etapa, utilizando o microconcreto MC4, que atingiu o melhor resultado na Etapa 1 (inclusive quanto à sustentabilidade), foi estudada a viabilidade de utilização desse material como ponte de aderência entre dois concretos. Para tanto, a aderência entre esses materiais foi testada utilizando os ensaios de tração por compressão diametral e de cisalhamento oblíquo. As principais informações desses ensaios estão apresentadas na Tabela 6.

Tabela 6.
Propriedades analisadas na segunda etapa do ensaio – avaliação como ponte de aderência.

Pelo ensaio de cisalhamento oblíquo é possível obter o parâmetro de resistência à aderência em situação de reforço, sendo factível a análise entre concreto velho e novo unidos diretamente e entre concreto velho e novo com camada de ligação entre eles. Segundo a norma americana ASTM C882 [23[23] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, ASTM C882/C882M: Standard test method. Bond strength of epoxy-resin systems used the concrete by slant shear, Pensilvânia, ASTM International, 2020.], o ensaio é realizado aplicando-se uma força de compressão axial a um corpo de prova cilíndrico previamente preparado, dividido por meio de um corte a 30° com a vertical (Figura 9).

Figure 9.
Dimensões corpo de prova para ensaio de cisalhamento oblíquo.

A resistência de aderência é calculada através da Equação 1:

(1)fb=F9116

em que:

fb = Resistência de aderência em MPa;

F = Força de compressão aplicada ao corpo de prova em N; e,

o valor 9116, representa a área da superfície de contato entre as metades dos corpos de prova em mm2.

Para a realização dos ensaios, as moldagens foram feitas em dois momentos com o objetivo de simular a ligação entre um concreto velho e um concreto novo. No primeiro momento, foram moldadas metades dos corpos de prova e realizada sua cura por 28 dias. A Figura 10 ilustra as metades assim obtidas.

Figure 10.
Metades dos corpos de prova utilizadas nos ensaios.

Após a cura, estas metades foram imediatamente submetidas a um tratamento superficial que consistiu em fazer ranhuras em suas superfícies utilizando um equipamento de corte mecânico, visando melhorar a aderência entre o concreto velho e o concreto novo. A Figura 11 ilustra o procedimento realizado.

Figure 11.
Corpos de prova submetidos a tratamento superficial.

No segundo momento de moldagem, na qual os corpos de prova foram completados, as metades que tiveram suas superfícies tratadas, em ambos os ensaios, simularam o concreto velho; estas metades foram reinseridas em seus moldes onde receberam o concreto novo; para os CPs considerados de referência, não houve a aplicação do MC como ponte de aderência. Para tanto, após os 28 dias de cura, as metades que simularam o concreto velho receberam uma camada com aproximadamente três milímetros de espessura do MC4 e, então, foram reinseridas nos moldes onde receberam o concreto novo. Completada a concretagem, aguardaram-se 24 horas para a desmoldagem e após, os CPs foram reinseridos em água saturada com cal, onde permaneceram por mais 28 dias, até a realização dos ensaios. A sequência de moldagem dos corpos de prova com ponte de aderência é ilustrada na Figura 12.

Figure 12.
Sequência de moldagem dos corpos de prova com ponte de aderência.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Estado fresco

Na Figura 13 são mostrados os aspectos visuais de cada MC. Os valores dos espalhamentos, dados pela média entre dois diâmetros perpendiculares, são apresentados na Tabela 7.

Figure 13.
Aspecto visual dos MCs.
Tabela 7.
Espalhamento no Mini-Slump.

Observa-se um maior diâmetro de espalhamento à medida que o teor de fíler incorporado à mistura aumentou. Tal fato está relacionado com a redução do atrito entre os grãos de areia, à medida que se aumentou o teor de finos e com o maior teor de aditivo SP adicionado. Pode ser observado que, comparando-se o espalhamento do MC4 com o MC3, o aumento do espalhamento foi de cerca de 11%. Ademais, conforme a Tabela 4, o teor de SP permaneceu constante para estes dois MCs, mostrando o efeito da presença do fíler. Os resultados de massa específica e teor de ar aprisionado são apresentados nas Figuras 14 e 15.

Figure 14.
Teor de ar aprisionado. a) Gráfico de barras; b) Gráfico de correlação entre teor de ar e relação fíler/agregado.
Figure 15.
Massa específica. a) Gráfico de barras; b) Gráfico de correlação entre massa específica e relação teor de fíler/agregado.

O teor de ar aprisionado no MC4 foi o menor (8,7%). Valor ainda alto, considerando-se os teores considerados satisfatórios para os concretos, geralmente abaixo de 3,0%. Observa-se ainda, das Figuras 13b e 14b, uma redução linear do teor de ar aprisionado e um aumento também linear da massa específica, respectivamente, ao se aumentar o teor de fíler no traço; demonstrando o efeito benéfico do ganho de compacidade ao se substituir areia por fíler. Como este é um material mais fino que a areia, com o aumento de sua proporção no traço, os vazios tendem a ser preenchidos, diminuindo o teor de ar aprisionado e aumentando a massa específica. Foram obtidos os valores de tempo de escoamento completo da argamassa pelo Funil V, apresentados em forma de gráfico na Figura 16.

Figure 16.
Tempo de escoamento Funil V. a) Gráfico de barras; b) Gráfico de correlação entre tempo de escoamento e relação teor de fíler/agregado.

Nota-se a existência de um tempo máximo de escoamento com o teor de fíler de 5%. Vale ressaltar que o ensaio utilizado é pensado para concretos com agregados graúdos e por isto, não é um parâmetro suficiente para avaliar a viscosidade do microconcreto. Na escala reduzida em que foram obtidos os valores de tempo (décimos de segundo), de difícil mensuração, existe a possibilidade de erros de cronometragem; assim, pode ter provocado o não alinhamento do traço de referência com a tendência apresentada pelo restante dos traços.

Contudo, as velocidades de escoamento das quatro argamassas são consideradas altas e satisfatórias em se tratando desse tipo de material. De acordo com DOMONE [26[26] DOMONE, P., “Mortar tests for self-consolidating concrete”, Concrete International, v. 28, n. 4, pp. 39–45, 2006.], o limite fixado do ensaio de funil V para argamassas varia de 1,5 s a 17 s, sendo que os quatro valores obtidos se aproximaram do limite mínimo do intervalo de tempo proposto.

3.2. Estado endurecido – primeira etapa

3.2.1. Resistência à compressão

Os valores médios das resistências à compressão aos 3, 7 e 28 dias com indicação dos desvios padrões e a correlação entre relação fíler/agregado para os resultados aos 28 dias são apresentados na Figura 17.

Figure 17.
Resistência à compressão aos 3, 7 e 28 dias. a) Gráfico de barras; b) Gráfico de correlação entre resistência à compressão e relação fíler/agregado.

Aos 3 dias de idade não se percebeu influência do teor de fíler. Aos 7 dias, o MC4 se sobressai com uma resistência 24% maior que o MC1, de referência. Já aos 28 dias de cura, ficam mais evidentes as diferenças entre o MC1 e os demais MCs, especialmente os MC3 e MC4. Nessa idade, os MC1 e MC2 atingiram resultados de resistência próximos a 30 MPa, enquanto os MC3 e MC4, com maior proporção de fíler em suas composições (10% e 15%, respectivamente), alcançaram valores próximos a 40 MPa, resultados cerca de 33% maiores que no MC1.

A presença de materiais finos como o fíler provoca dois efeitos: o preenchimento dos poros, tornando a argamassa mais densa e, por consequência, aumentando a resistência à compressão e o efeito de nucleação, gerando uma melhor hidratação do cimento, levando a uma mistura mais densa e promovendo também uma melhor distribuição dos poros [27[27] MORAES, R.C., “Efeitos físico e pozolânico das adições minerais sobre a resistência mecânica do concret”, Tese de M.Sc., Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, 2001.], efeito mais pronunciado ao longo do tempo (28 dias).

3.2.2. Resistência à tração por compressão diametral

Os resultados de resistência à tração por compressão diametral foram obtidos aos 28 dias (Figura 18).

Figure 18.
Resistência à tração por compressão diametral. a) Gráfico de barras; b) Gráfico de correlação entre a Resistência à tração e o teor de fíler dos microconcretos.

A tração por compressão diametral foi influenciada pela substituição da areia pelo fíler em todas as proporções de substituição, em relação ao MC de referência. Os aumentos verificados foram de cerca de 23%, 32% e 49%, para o MC2, MC3 e MC4, respectivamente. Assim, comparando-se estes aumentos com os aumentos verificados na resistência à compressão, verifica-se que a resistência à tração foi mais influenciada pelo teor de fíler do que a resistência à compressão.

3.2.3. Módulo de elasticidade

Os resultados de Módulo de Elasticidade determinados aos 28 dias estão apresentados na Figura 19.

Figure 19.
Módulo de Elasticidade. a) Gráfico de barras; b) Gráfico de correlação entre Módulo de Elasticidade e teor de fíler.

O módulo de elasticidade secante variou de forma semelhante à resistência à compressão, contudo, não nas mesmas proporções. Enquanto na resistência à compressão a variação foi de cerca de 33% dos MC3 e MC4 em relação ao MC1, aqui, a variação foi de cerca de 18%. Em outras palavras, a substituição parcial da areia pelo fíler promoveu um maior refinamento dos poros, o que tornou os MCs mais rígidos.

A diferença de variação entre módulo de elasticidade e resistência à compressão também se verifica nos concretos convencionais. A NBR 6118 [28[28] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, NBR 6118: Projeto e execução de obras de concreto armado e protendido, Rio de Janeiro, ABNT, 2014.], por exemplo, admite ser o módulo de elasticidade proporcional à uma constante e à raiz quadrada da resistência à compressão característica.

3.2.4. Absorção de água e Índice de vazios

Os resultados destas propriedades são apresentados nas Figuras 20 e 21.

Figure 20.
Absorção total de água aos 28 dias. a) Gráfico de barras; b) Gráfico de correlação entre absorção de água e teor de fíler.
Figure 21.
Índice de vazios aos 28 dias. a) Gráfico de barras; b) Gráfico de correlação entre índice de vazios e teor de fíler.

A absorção total de água no MC4, um parâmetro indireto para a verificação da durabilidade, foi reduzida em quase 9% em relação ao MC1 e o índice de vazios teve redução de cerca de 6% no MC4 em relação ao MC1. Tais resultados ocorrem devido ao refinamento dos poros, pelo efeito fíler e de nucleação ocorridos pela introdução do fíler no microconcreto. Assim, o efeito físico provocado pelo fíler contribuiu para a redução da porosidade do microconcreto, reduzindo a permeabilidade e melhorando suas propriedades de durabilidade.

3.2.5. Aderência

Os resultados de resistência de aderência estão apresentados na Tabela 8. Observaram-se: 4% de rupturas adesivas, ou seja, na interface entre microconcreto e concreto velho, 25% de rupturas na cola, demonstrando problemas de colagem ou na execução do ensaio de arrancamento e cerca de 71% de rupturas coesivas.

Tabela 8
Resultados do ensaio de aderência à tração.

Como se pode observar, dos 24 arrancamentos realizados no total, apenas um deles se deu por ruptura na interface microconcreto/substrato, ou seja, do tipo adesiva. O restante dos arrancamentos se deu por ruptura coesiva. Pode-se observar que a interface não se mostrou como um ponto de fragilidade no conjunto microconcreto/concreto velho, mas que varia com a rugosidade do substrato. Assim nos ensaios realizados não foi determinada a resistência de aderência e sim as resistências à tração dos materiais, mas sinalizando bons valores de aderência, em média superiores a 2 MPa. Apesar de poucos resultados e da variabilidade obtida, pode-se observar uma tendência de aumento das resistências nos microconcretos contendo fíler.

Na Figura 22 são ilustrados alguns dos tipos de ruptura obtidos. Os tipos B e C, rupturas coesivas, demonstram que a interface entre os materiais apresenta maior resistência que os materiais de forma isolada (microconcreto e substrato). Já as rupturas do tipo A e D, rupturas adesivas, demonstram que a interface age como um ponto frágil do conjunto.

Figure 22.
Tipos de rupturas de aderência. a – Ruptura na interface microconcreto/substrato; b – ruptura no interior do microconcreto; c – ruptura no substrato; d – ruptura na interface cola/microconcreto.

3.3. Estado endurecido – segunda etapa – avaliação como ponte de aderência

3.3.1. Resistência à tração por compressão diametral

Na Figura 23 são apresentados os valores médios dos resultados do ensaio de determinação da resistência à tração por compressão diametral.

Figure 23.
Tração por compressão diametral.

Como se vê, a tração por compressão diametral foi muito pouco influenciada pela inserção do microconcreto MC4 como ponte de aderência, apresentando uma tendência de aumento de apenas 6%.

De acordo com SPRINKEL e OZYILDIRIM [29[29] SPRINGKEL, M.M., OZYILDIRIM, C., Evaluation of high-performance concrete overlays placed on Route 60 over Lynnhaven Inlet in Virginia, Springfield, Virginia Transportation Research Council, 2000.] para o ensaio de tração por compressão diametral uma resistência de aderência de 2,1 MPa já é suficiente para classificar o material de ligação como excelente. Diante disso, é possível concluir que apesar dos valores de resistência à tração por compressão diametral serem muito próximos, ambos os concretos satisfazem tal exigência de aderência.

3.3.2. Slant Shear Test – Ensaio de cisalhamento oblíquo

Os resultados de cisalhamento oblíquo foram obtidos após 28 dias da aplicação do concreto novo. Os valores médios para o concreto sem ponte de aderência e empregando o MC4 como ponte, são apresentados a seguir na Figura 24.

Figure 24.
Cisalhamento oblíquo.

A resistência ao cisalhamento oblíquo apresentou média quase 4 MPa superior para os corpos de prova com ponte de aderência (MC4) em relação aos corpos de prova sem ponte de aderência. Este valor representa 30% de aumento e indica, pelos desvios padrões obtidos, que o cisalhamento oblíquo sofreu interferência em seus valores quando utilizado o microconcreto como ponte de aderência. Assim, de acordo com LOPES [30[30] LOPES, B.B., “Avaliação da aderência em sistemas de revestimento de argamassa sobre superfícies de concreto”, Tese de M.Sc., Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2013.], pode-se inferir que o MC penetrou entre as rugosidades e poros capilares do concreto velho e levou um maior intertravamento químico e mecânico, quando comparado com o concreto sem ponte de aderência. Nota-se ainda que a tensão de 15,6 MPa encontra-se dentro da faixa de valores aceitáveis especificada no guia de reparo em concreto armado do comitê do Instituto Americano de Concreto [13[13] VON FAY, K.F., Guide to concrete repair, Colorado, US Department of the Interior, 2015.], de 13,8 MPa e 20,7 MPa, e do valor mínimo especificado no guia de reparo em concreto [14[14] AMERICAN CONCRETE INSTITUTE, Concrete Repair Guide: ACI 546R-04, Michigan, ACI, 2004.]. Já a resistência ao cisalhamento oblíquo do concreto sem ponte de aderência ficou abaixo dessa faixa. Diante disso, é possível concluir que o material desenvolvido neste estudo atende aos critérios aqui estabelecidos. Para avaliações mais precisas, fez-se a análise estatística dos resultados mostrada no item seguinte.

3.3.3. Análise estatística

A análise de variância (ANOVA), teve como objetivo comparar as médias amostrais, e assim identificar se essas médias diferiram significativamente entre si. Para a etapa 1 foi feita a comparação entre as médias dos microconcretos MC1, MC2, MC3 e MC4. Já para a etapa 2 foi feita a comparação entre os resultados do Concreto sem ponte de aderência e com MC4 como ponte de aderência. Na Tabela 9 são mostrados os resultados da ANOVA a um nível de confiança de 95%.

Tabela 9.
Análise de variância (ANOVA) dos resultados.

Relativo à primeira etapa, observa-se, pelo resultado da ANOVA, influência do teor de fíler em todas as propriedades analisadas aos 28 dias de idade. Ou seja, à medida que se aumenta o teor de fíler no MC ocorre uma melhoria de comportamento, aumentando a resistência à compressão aos 28 dias, a resistência à tração por compressão diametral e o módulo de elasticidade, e, por outro lado, reduzindo a absorção de água e o índice de vazios. Isto porque o fíler de granito apresenta o efeito físico; devido a sua alta finura, promove o refinamento na estrutura dos poros. Este efeito contribui para uma maior densificação da matriz cimentícia e, consequentemente, leva a um ganho de resistência à compressão. A distribuição das pequenas partículas em todo MC, associada à densificação da matriz cimentícia, leva ao preenchimento dos poros existentes e diminuição dos espaços disponíveis para a água. Desta forma, ocorre o aumento do contato entre os produtos hidratados e não hidratados da matriz, produzindo um maior empacotamento da matriz. Este maior contato leva a um somatório de pequenas forças resistentes que contribuem para o aumento da resistência à compressão. Por fim, a distribuição dos grãos de fíler também pode promover uma maior dispersão e aceleração da formação de produtos hidratados da matriz cimentícia, por atuarem como pontos de nucleação. A introdução de pequenas partículas na matriz cimentícia, mesmo não totalmente pozolânicas, provoca segmentação dos poros maiores e incrementa os locais de nucleação para precipitação dos produtos de hidratação, acelerando as reações e formando cristais de hidróxido de cálcio menores [31[31] GONÇALVES, J.P., MOURA, W.A., DAL MOLIN, D.C.C., “Avaliação da influência da utilização do resíduo de corte de granito (RCG), como adição, em propriedades mecânicas do concreto”, Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 2, n. 1, pp. 53–68, Jan/Mar. 2002.].

Na segunda etapa, observa-se que os resultados do Slant Shear Test foram significativos. Dessa forma, fica comprovado estatisticamente que o microconcreto utilizado, contendo 15% de fíler de granito (MC4) pode realmente melhorar a ligação entre o concreto velho e o novo, funcionando como uma ponte de aderência. Ademais, na tabela é possível observar que, quando significativos, os modelos adotados têm coeficiente de determinação (R2) variando de 0,76 a 0,91, isso significa que 76% a 91% da variação dos dados é explicada pelos modelos estatísticos adotados.

4. CONCLUSÕES

O presente estudo avaliou o efeito da substituição parcial da areia natural pelo fíler de granito, subproduto de britagem, para a obtenção de um microconcreto autoadensável com vistas à sua utilização como ponte de aderência em reforços estruturais. As principais conclusões observadas foram:
  • Todos os traços estudados apresentaram propriedades satisfatórias de autoadensabilidade, sem indícios de segregação e/ou exsudação que comprometesse a homogeneidade dos microconcretos;

  • À medida que se aumentou o teor de fíler houve redução no teor de ar aprisionado e aumento na massa específica dos MCs; e decréscimo do tempo de escoamento. Todos os traços apresentaram tempos adequados de escoamento.

  • A absorção de água e o índice de vazios se mostraram altos, podendo indicar uma baixa durabilidade do microconcreto se exposto a ambientes agressivos; porém, para o uso proposto, como ponte de aderência, o MC estaria envolvido pelo concreto de reforço, o que não inviabilizaria o seu uso.

  • Quanto à caracterização dos MCs, na primeira etapa, à medida que se aumentou o teor de fíler, observaram-se ganhos em todas as propriedades aos 28 dias;

  • A aderência promovida pelo MC em substrato de concreto foi considerada satisfatória, tendo em vista que, além de valores altos de tensão de arrancamento, as rupturas ocorreram de forma coesiva, sendo em sua maioria, ora no substrato, ora na camada de microconcreto.

  • Em face dos resultados obtidos, o MC4, microconcreto com maior teor de fíler, 15%, foi o que apresentou maior potencial para utilização como material de interface de reforço, compatível com os concretos estruturais utilizados cotidianamente com resistências próximas aos 40 MPa aos 28 dias.

  • Não se observou um ganho significativo na resistência à tração por compressão diametral quando se utilizou o microconcreto como ponte de aderência; por outro lado, o uso do MC4 como ponte de aderência levou a um aumento significativo da resistência ao cisalhamento oblíquo, de cerca de 30% quando comparado aos testes realizados sem ponte de aderência.

  • Observa-se em consequência, que a utilização do fíler coopera com o meio ambiente por dar uma destinação adequada ao resíduo e por possibilitar a redução da extração da areia natural de rio.

  • Por fim, os objetivos do presente trabalho foram alcançados, visto que a adição de fíler residual no microconcreto autoadensável, além de possibilitar uma destinação sustentável para este, compõe um material eficiente e que pode ser utilizado em situação de reparo estrutural, como ponte de aderência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2023
  • Aceito
    14 Mar 2023
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