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Cuidados Maternos Primários e Gênese dos Transtornos Alimentares na Perspectiva de Mães de Jovens com Anorexia e Bulimia

Primary maternal care and the genesis of eating disorders from the perspective of mothers of young people with anorexia and bulimia

Atención materna primaria y génesis de los trastornos alimentarios desde la perspectiva de madres de personas con anorexia y bulimia

Resumo

A teoria psicanalítica postula que as raízes emocionais dos transtornos alimentares (TAs) remontam à relação precoce mãe-filha. Este estudo qualitativo teve como objetivo investigar os significados atribuídos por mães de pacientes com anorexia e bulimia às experiências de gravidez, parto, puerpério e cuidados básicos oferecidos às filhas nos primeiros anos de vida. Participaram sete mães cujas filhas encontravam-se em seguimento em um serviço especializado para TAs. Os dados foram coletados por meio de entrevista aberta e organizados em categorias de acordo com a análise temática reflexiva. Os resultados foram discutidos à luz da Teoria do Amadurecimento Emocional de Winnicott. As experiências relacionadas à maternidade e aos cuidados maternos foram marcadas por frustrações e emoções negativas, com poucas recordações de vivências gratificantes advindas da assunção ao papel de mãe. São discutidas as repercussões emocionais da não elaboração de conflitos transgeracionais recebidos das gerações anteriores e transmitidos sem transformação pelas mães, o que contribui para inibir o amadurecimento emocional das filhas, guardando possível relação com a vulnerabilidade aos sintomas de TAs.

Palavras-chave:
distúrbios do ato de comer; maternidade; anorexia nervosa; psicanálise; Winnicott

Abstract

Psychoanalytic theory postulates that the emotional foundations of eating disorders (EDs) rest in the early mother-daughter relationship. This qualitative study aimed to investigate the meanings attributed by mothers of patients with anorexia and bulimia to the experiences of pregnancy, childbirth, puerperium, and basic care provided to their daughters in the first years of life. Participants included 7 mothers whose daughters were being treated in a specialized service for EDs. Data were collected by open interviews and organized into categories according to reflexive thematic analysis. Results were discussed in light of Winnicott’s Theory of Human Maturation. The experiences related to motherhood and maternal care were marked by frustrations and negative emotions, with few memories of rewarding experiences with the assumption of the maternal role. The potential repercussions arising from the non-elaboration of intergenerational conflicts inherited and transmitted without transformation by mothers were discussed. These implications could potentially hinder the emotional maturation of daughters, establishing a close relation with the symptoms of EDs.

Keywords:
eating disorders; motherhood; anorexia nervosa; psychoanalysis; Winnicott

Resumen

La teoría psicoanalítica postula que las bases emocionales de los trastornos alimentarios (TAs) descansan en la relación temprana madre-hija. Este estudio cualitativo tuvo como objetivo investigar los significados atribuidos por madres de pacientes con anorexia y bulimia a las vivencias del embarazo, parto, puerperio y cuidados básicos brindados a sus hijas en los primeros años de vida. Participaron siete madres cuyas hijas estaban siendo atendidas en un servicio especializado en TAs. Los datos fueron recolectados por entrevista abierta y organizados en categorías de acuerdo con el análisis temático reflexivo. Los resultados fueron discutidos a la luz de la Teoría del Desarrollo Emocional de Winnicott. Las experiencias relacionadas con la maternidad y el cuidado materno estuvieron marcadas por frustraciones y emociones negativas, con pocos recuerdos de experiencias gratificantes con la asunción del rol materno. Se discuten las posibles repercusiones de la no elaboración de conflictos transgeneracionales recibidos y transmitidos sin transformación por parte de las madres, lo que contribuye a inhibir la maduración emocional de las hijas, guardando una estrecha relación con los síntomas de los TAs.

Palabras clave:
trastornos de la conducta alimentaria; maternidad; anorexia nervosa; psicoanálisis; Winnicott

Introdução

Transtornos Alimentares (TAs) designam uma categoria diagnóstica caracterizada por grave comprometimento dos hábitos alimentares (American Psychiatric Association, 2013American Psychiatric Association [APA]. (2013). Diagnostic and statistical manual of eating disorders (5th ed.). Washington, DC: American Psychiatric Publishing.). Os sintomas alimentares, frequentemente excêntricos ou bizarros, expressam uma subjetividade aflita e solitária, e apesar de terem início em uma decisão do indivíduo aparentemente simples e superficial - o desejo de perder peso -, tal gatilho (fator desencadeante do transtorno) se articula com uma trama inconsciente (Leonidas & Santos, 2017Leonidas, C., & Santos, M. A. (2017). Emotional meanings assigned to eating disorders: Narratives of women with anorexia and bulimia nervosa. Universitas Psychologica, 16(4), 1-13. https://doi.org/10.1590/0102-37722015021711181191
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; Santos & Costa-Dalpino, 2019Santos, M. A., & Costa-Dalpino, L. R. D. S. (2019). Relação pai-filha e transtornos alimentares: Revisando a produção científica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 35(n.esp), e35nspe3. https://doi.org/10.1590/0102.3772e35nspe3
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; Simões & Santos, 2021Simões, M. M., & Santos, M. A. (2021). Paternity and parenting in the context of eating disorders: An integrative literature review. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 37, e37441. https://doi.org/10.1590/0102.3772e37441
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; Siqueira, Santos, & Leonidas, 2020Siqueira, A. B. R., Santos, M. A., & Leonidas, C. (2020). Confluências das relações familiares e transtornos alimentares: Revisão integrativa da literatura. Psicologia Clínica, 32(1), 123-149. https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0032n01A06
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).

A multifatorialidade etiológica envolvida na predisposição, precipitação e manutenção dos TAs combina fatores genéticos, aspectos constitucionais da personalidade, influências do ambiente sociocultural e padrões específicos de funcionamento familiar (Leonidas, Nazar, Munguía, & Santos, 2019Leonidas, C., Nazar, B. P., Munguía, L., & Santos, M. A. (2019). How do we target the factors that maintain anorexia nervosa? A behaviour change taxonomical analysis. International Review of Psychiatry, 31(4), 403-410. https://doi.org/10.1080/09540261.2019.1624509
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; Oliveira & Santos, 2022Oliveira, W. A., & Santos, M. A. (2022). Transtornos alimentares e transtornos por uso de substâncias em mulheres: Estado da arte. Em A. Diehl, R. Bosso, & S. Pillon (Orgs.), Mulheres e dependência química: A importância do olhar para o gênero nos transtornos por uso de substâncias (pp. 233-253). Curitiba: CRV.), principalmente no que concerne à relação estabelecida entre mãe e filha (Barajas-Iglesias et al., 2018Barajas-Iglesias, B., Jáuregui-Lobera, I., Laporta-Herrero, I., & Santed-Germán, M. A. (2018). The influence of the aesthetic body shape model on adolescents with eating disorders. Nutrición Hospitalaria, 35(5), 1131-1137. https://doi.org/10.20960/nh.1826
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; Leonidas & Santos, 2015aLeonidas, C., & Santos, M. A. (2015a). Family relations in eating disorders: The Genogram as instrument of assessment. Ciência & Saúde Coletiva, 20(5), 1435-1447. https://doi.org/10.1590/1413-81232015205.07802014
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, 2015bLeonidas, C., & Santos, M. A. (2015b). Relacionamentos afetivo-familiares em mulheres com anorexia e bulimia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(2), 181-191. https://doi.org/10.1590/0102-37722015021711181191
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, 2020aLeonidas, C., & Santos, M. A. (2020a). Eating disorders and female sexuality: Current evidence-base and future implications. Psico-USF, 25(1), 101-113. https://doi.org/10.1590/1413-82712020250109
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). A literatura científica propõe que a dinâmica das famílias com membros que desenvolvem um quadro de TA geralmente apresenta padrões convergentes no que concerne à configuração fusional da relação mãe-filha, controle obsessivo por parte das mães e fragilidade ou inconsistência afetiva (Ferreira et al., 2021Ferreira, I. M. S., Souza, A. P. L., Azevedo, L. D. S., Leonidas, C., Santos, M. A., & Pessa, R. P. (2021). The influence of mothers on the development of their daughter’s eating disorders: An integrative review. Archives of Clinical Psychiatry, 48(3), 168-177. https://doi.org/10.15761/0101-60830000000300
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; Leonidas & Santos, 2013Leonidas, C., & Santos, M. A. (2013). Redes sociais significativas de mulheres com transtornos alimentares. Psicologia: Reflexão e Crítica, 26(3), 561-571. https://doi.org/10.1590/S0102-79722013000300016
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, 2014Leonidas, C., & Santos, M. A. (2014). Social support networks and eating disorders: An integrative review of the literature. Neuropsychiatric Disease and Treatment, 10, 915-927. https://doi.org/10.2147/NDT.S60735
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, 2020bLeonidas, C., & Santos, M. A. (2020b). Symbiotic illusion and female identity construction in eating disorders: A psychoanalytical psychossomatics’ perspective. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 23(1), 84-93. https://doi.org/10.1590/1809-44142020001010.
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; Perkins et al., 2013Perkins, P. S., Slane, J. D., & Klump, K. L. (2013). Personality clusters and family relationships in women with disordered eating symptoms. Eating Behaviors, 14(3), 299-308. https://doi.org/10.1016/j.eatbeh.2013.05.007
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; Tuval-Mashiach, Hasson-Ohayon, & Ilan, 2014Tuval-Mashiach, R., Hasson-Ohayon, I., & Ilan, A. (2014). Attacks on linking: Stressors and identity challenges for mothers of daughters with long lasting anorexia nervosa. Psychology and Health, 29(6), 613-631. https://doi.org/10.1080/08870446.2013.879135
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; Valdanha-Ornelas & Santos, 2016Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016). Family psychic transmission and anorexia nervosa. Psico-USF, 21(3), 635-649. https://doi.org/10.1590/1413-82712016210316
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).

Os TAs colocam em relevo questões relacionadas aos períodos iniciais do desenvolvimento psíquico, na qual mãe e filha parecem ter se mantido ainda absorvidas, o que compromete o amadurecimento emocional, o processo de individuação e a aquisição gradual da autonomia da filha (Moura et al., 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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). A transição para a maternidade é uma experiência emocional complexa, que marca o percurso de desenvolvimento emocional da mulher e tem o potencial de projetá-la para uma outra “etapa” rumo ao amadurecimento. As mudanças exigidas podem acarretar dificuldades de vivenciar a maternidade como uma experiência satisfatória e integrada ao seu processo de amadurecimento.

O modo como a mãe vivenciou os períodos de dependência absoluta, dependência relativa e rumo à independência durante o seu desenvolvimento emocional pode ter ressonâncias na maneira singular como ela vai se apropriar de sua experiência materna. Neste estudo partimos do pressuposto de que o vínculo estabelecido com a criança pode conservar as ressonâncias emocionais das primeiras experiências relacionais, incluindo a relação que a mãe (na posição de filha) estabeleceu com sua figura materna (Guirado & Motta 2020Guirado, R. M. B., & Motta, I. F. (2020). Influências da transgeracionalidade em gestantes primigestas. Pensando Famílias, 24(2), 46-60. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000200005&lng=pt&tlng=pt
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).

Com base nessa premissa pode-se pensar que a maternidade pode ser vivida como uma experiência gratificante e prazerosa se a relação com a figura materna tiver sido suficientemente boa (Winnicott, 1956/2021Winnicott, D. W. (2021/2000). Preocupação materna primária. Em D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise (D. Bogomoletz, Trad. pp. 491-498). Ubu, Francisco Alves. (Original publicado em 1956).). O inverso também é válido: quando a mulher estabeleceu um vínculo predominantemente negativo com a mãe, poderá encontrar maiores desafios no exercício da maternidade, e isto pode repercutir na fragilização das funções parentais (Guirado & Motta, 2020Guirado, R. M. B., & Motta, I. F. (2020). Influências da transgeracionalidade em gestantes primigestas. Pensando Famílias, 24(2), 46-60. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000200005&lng=pt&tlng=pt
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; Leonidas, Crepaldi, & Santos, 2013Leonidas, C., Crepaldi, M. A., & Santos, M. A. (2013). Bulimia nervosa: Uma articulação entre aspectos emocionais e rede de apoio social. Psicologia: Teoria e Prática, 15(2), 62-75.; Moura et al., 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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; Silva, 2003Silva, M. C. P. (2003). A herança psíquica na clínica psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo.).

O exercício da maternidade consiste em uma tarefa singular para cada mulher, na medida em que a experiência envolve reorganizar prioridades, rotinas e tarefas e, principalmente, lidar com sentimentos ambivalentes. Se, por um lado, ela vivencia as gratificações e alegrias decorrentes do tornar-se mãe, por outro, pode ficar exposta a angústias e conflitos ativados pelos desafios do papel materno, que podem resultar em dificuldades para prover as exigências de cuidados básicos ao bebê (De Felice, 2006De Felice, E. M. (2006). Vivências da maternidade e suas consequências para o desenvolvimento psicológico do filho. São Paulo: Vetor.; Guirado & Motta 2020Guirado, R. M. B., & Motta, I. F. (2020). Influências da transgeracionalidade em gestantes primigestas. Pensando Famílias, 24(2), 46-60. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000200005&lng=pt&tlng=pt
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). Tais conflitos podem ser suscitados por experiências diversas, tais como as atribulações para conciliar papéis e a qualidade do relacionamento conjugal e do apoio recebido do parceiro íntimo (Wagner et al., 2019Wagner, A., Mosmann, C. P., Scheeren, P., & Levandowski, D. C. (2019). Conflict, conflict resolution and marital quality. Paidéia (Ribeirão Preto), 29, e2919. https://doi.org/10.1590/1982-4327e2919
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), rede de apoio disponível para auxiliar nos cuidados ao bebê e à mãe, expectativas alimentadas em relação à maternidade e à criança e, principalmente, a qualidade da maternagem que a própria mãe recebeu enquanto filha. Para De Felice (2006)De Felice, E. M. (2006). Vivências da maternidade e suas consequências para o desenvolvimento psicológico do filho. São Paulo: Vetor., quando há predomínio de sentimentos de hostilidade e desconfiança em relação à mãe internalizada, a vivência da função materna será provavelmente mais suscetível à angústia e ao sentimento de culpa do que mobilizadora de gratificações e júbilo.

Ao investigar as vicissitudes do desejo feminino de ter um filho, Ribeiro (2011Ribeiro, M. (2011). De mãe em filha: A transmissão da feminilidade. Escuta.) constatou que a maternidade produz mudanças nos processos identificatórios da mulher com a figura materna. Essas identificações se inscrevem no psiquismo feminino ao longo de toda a vida e são periodicamente reeditadas. Moura et al. (2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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) propõe que, para se tornar mãe, a mulher necessita passar por intenso processo de adaptação, que pode ocasionar ampliação das possibilidades de realização do self, o que inclui não apenas a reconfiguração da própria feminilidade, mas também a responsabilidade de prover cuidados a uma criança em estado de absoluto desamparo, dando sustentação para que a criança possa se desenvolver emocionalmente em um ambiente seguro e protetor.

O lugar reservado ao bebê no psiquismo materno influencia diretamente o tipo e a qualidade do vínculo que será estabelecido pela díade e, consequentemente, molda o desenvolvimento da criança, que crescerá sob a regência das vicissitudes do amor e do ódio, das fantasias inconscientes e das expectativas depositadas pelos pais. A relação mãe-filha, foco do presente estudo, tem sido destacada como uma das dimensões fundamentais para a expansão do conhecimento sobre os aspectos psicológicos envolvidos nos TAs, uma vez que o vínculo materno se mostra reiteradamente conflituoso na dinâmica familiar das pacientes. As observações clínicas e descrições extraídas da experiência de tratamento indicam que as constelações maternas nessas famílias são marcadas pelo medo de abandono e por falhas na constituição da autonomia, o que leva a díade a vivenciar dificuldades nos processos de separação e diferenciação (Leonidas & Santos, 2020bLeonidas, C., & Santos, M. A. (2020b). Symbiotic illusion and female identity construction in eating disorders: A psychoanalytical psychossomatics’ perspective. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 23(1), 84-93. https://doi.org/10.1590/1809-44142020001010.
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; Moura et al., 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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).

Nesse sentido, faz-se necessário compreender os significados que mães de filhas com TAs atribuem à maternidade, uma vez que essa construção se encontra intimamente relacionada com a disponibilidade emocional da mãe para estabelecer o vínculo com suas filhas, que pode facilitar ou não seu amadurecimento emocional. Segundo Winnicott (1956/2021Winnicott, D. W. (2021/2000). Preocupação materna primária. Em D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise (D. Bogomoletz, Trad. pp. 491-498). Ubu, Francisco Alves. (Original publicado em 1956).), todo ser humano tem uma tendência inata ao amadurecimento. Porém, este não vem com o mero decurso do tempo, como se fosse um movimento linear: o bebê necessita de um ambiente facilitador, que seja “suficientemente bom” na satisfação de suas necessidades de dependência, que de início são absolutas.

Winnicott (1956/2021Winnicott, D. W. (2021/2000). Preocupação materna primária. Em D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise (D. Bogomoletz, Trad. pp. 491-498). Ubu, Francisco Alves. (Original publicado em 1956).) propõe que, nos primeiros meses de vida, o bebê se encontra em um estado não integrado, ainda incapaz de estabelecer a diferenciação entre eu e não-eu (mundo compartilhado). Nesse estágio de dependência absoluta, mãe e bebê constituem uma unidade indissolúvel. A mãe vivencia o estado de preocupação materna primária (Granato & Aiello-Vaisberg, 2005Granato, T. M. M., & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2005). Prímula e Narciso a caminho da preocupação materna primária. Mudanças: Psicologia da Saúde, 13(2), 271-281. https://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v13n2p364-373
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).

Neste estudo, entende-se por maternagem o exercício de ir ao encontro das necessidades básicas do bebê, o que só se torna possível com o amor incondicional e a devoção da mãe, com sua sensibilidade especial para reconhecer tais necessidades e supri-las. Essa função está intimamente relacionada ao conceito winnicottiano de preocupação materna primária, que remete à sensibilidade da mãe para colocar-se no lugar do bebê e “sentir” suas necessidades, oferecendo à criança experiências de gratificação capazes de fortalecer o vínculo e contribuir para um ambiente seguro e confiável (Winnicott, 1956/2021Winnicott, D. W. (2021/2000). Preocupação materna primária. Em D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise (D. Bogomoletz, Trad. pp. 491-498). Ubu, Francisco Alves. (Original publicado em 1956).).

A preocupação materna primária é um estado de regressão importante e necessário à saúde psíquica do bebê. O amor da mãe pelo filho e sua empatia permite que ela desenvolva uma sensibilidade acurada em relação às necessidades da criança. Para tanto, é necessário que ela seja física e emocionalmente saudável, suficientemente boa e capaz de criar um ambiente facilitador para que o bebê possa continuar a ser e crescer (Winnicott, 1987/2020aWinnicott, D. W. (2020a). As origens do indivíduo. Em D. W. Winnicott, Os bebês e suas mães (B. Longhi, Trad. pp. 43-50). Ubu. (Original publicado em 1987).).

A preocupação materna primária é um estado de mente que possibilita ao bebê esboçar o prelúdio de sua existência. Se tudo corre bem, ele começa, aos poucos, a experimentar o ambiente, a dominar gradualmente suas moções instintuais, a constituir um ego pessoal e a enfrentar as dificuldades que encontra para manter a linha de continuidade de seu existir. É, portanto, o holding materno, o suporte ofertado pela mãe, que propicia o desenvolvimento emocional da criança.

Uma das tarefas básicas que o bebê necessita realizar é a personalização, que se refere ao alojamento da psique no corpo (Winnicott, 1964/1994Winnicott, D. W. (1994). Transtorno psicossomático. Em D. W. Winnicott, R. Shepherd & M. Davis (Orgs.), Explorações psicanalíticas: D. W. Winnicott (J. O. A. Abreu, Trad. pp. 82-93). Artes Médicas. (Original publicado em 1964).). A caracterização dos TAs como expressões de empobrecimento da integração psique-soma implica, na perspectiva da teoria winnicottiana, hipotetizar a ocorrência de falhas ambientais em um nível que não puderam ser toleradas pela criança devido ao seu caráter perturbador/disruptivo e por se darem em etapas muito precoces. As rupturas produzidas pelas experiências fragmentadoras originadas dessas falhas ambientais não puderam ser compensadas, ou sequer vividas como falhas quando ocorreram no período de dependência absoluta, antes que a psique tenha se alojado no corpo.

No início do desenvolvimento emocional, maternagem suficientemente boa corresponde à facilitação, pela mãe, da tarefa do bebê de realizar o alojamento da psique no corpo. A mãe oferece holding e handling ao bebê, o que inclui segurar, abraçar, sustentar, envolver o bebê de maneira que ele se sinta seguro e não solto no espaço. Não se limita a um cuidado apenas físico, mas de um cuidar, banhar, aquecer, alimentar, afagar olhando para o bebê e interagindo com ele como pessoa inteira (Winnicott, 1956/2021Winnicott, D. W. (2021/2000). Preocupação materna primária. Em D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise (D. Bogomoletz, Trad. pp. 491-498). Ubu, Francisco Alves. (Original publicado em 1956).).

Um dos momentos críticos no qual a falha ambiental pode ter impacto devastador ocorre após ter se consumado a adaptação absoluta da mãe-ambiente ao bebê. É quando começa a ocorrer a gradativa e necessária desadaptação da mãe (Dias, 2008Dias, E. O. (2008). A teoria winnicottiana do amadurecimento como guia da prática clínica. Natureza Humana, 10(1), 29-46. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-24302008000100002&lng=pt&tlng=pt
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). Nessa etapa espera-se que a confiabilidade ambiental já tenha se estabelecido anteriormente, no estágio de dependência absoluta. Pode ocorrer que, quando tem início a separação da unidade fusional mãe-bebê, momento no qual se abre a primeira brecha entre ambos, que a confiabilidade ambiental falhe, justamente quando se espera que se instaure o espaço potencial a ser preenchido pelos objetos transicionais.

Se esse espaço é preenchido com aquilo que nele é injetado a partir de outro que não o bebê, então tudo o que provenha de outrem constituirá elemento persecutório. A vivência será de submissão e rendição aos objetos perseguidores, pois nessa etapa o bebê não dispõe de meios para rejeitar os elementos intrusivos (Winnicott, 2019/1967Winnicott, D. W. (2019). A localização da experiência cultural. Em D. W. Winnicott, O brincar e a realidade. Ubu. (Original publicado em 1967).). A cristalização de um padrão ambiental invasivo persistente resulta em problemas na constituição do espaço potencial e, consequentemente, na instauração da separação psíquica entre filha e mãe (Leonidas & Santos, 2017Leonidas, C., & Santos, M. A. (2017). Emotional meanings assigned to eating disorders: Narratives of women with anorexia and bulimia nervosa. Universitas Psychologica, 16(4), 1-13. https://doi.org/10.1590/0102-37722015021711181191
https://doi.org/10.1590/0102-37722015021...
, 2020bLeonidas, C., & Santos, M. A. (2020b). Symbiotic illusion and female identity construction in eating disorders: A psychoanalytical psychossomatics’ perspective. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 23(1), 84-93. https://doi.org/10.1590/1809-44142020001010.
https://doi.org/10.1590/1809-44142020001...
; Moura et al., 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000...
; Valdanha-Ornelas & Santos, 2016Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016). Family psychic transmission and anorexia nervosa. Psico-USF, 21(3), 635-649. https://doi.org/10.1590/1413-82712016210316
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).

Entre os fatores que podem influenciar a maternagem pode-se pensar na gratificação auferida nas experiências emocionais vividas anteriormente com a própria mãe. O vínculo estabelecido com o bebê pode reproduzir falhas de cuidado materno experimentadas no passado remoto pela mãe enquanto estava na posição de filha. Isso permite pensar na pertinência de estabelecer relações entre as vivências maternas remotas e as configurações de sintomas atuais que caracterizam o quadro psicopatológico das filhas, ampliando assim a compreensão psicodinâmica dos sintomas. Para explorar tal premissa, este estudo teve como objetivo investigar os significados atribuídos por mães de pacientes com anorexia e bulimia às experiências de gravidez, parto, puerpério e cuidados básicos oferecidos às filhas nos primeiros anos de vida.

Método

Delineamento de Pesquisa

Trata-se de uma investigação exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa. Adotou-se um delineamento de estudo de casos múltiplos (Carneiro, 2018Carneiro, C. (2018). O estudo de casos múltiplos: Estratégia de pesquisa em psicanálise e educação. Psicologia USP, 29(2), 314-321. https://doi.org/10.1590/0103-656420170151
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), uma vez que o objetivo envolve a exploração e descrição psicanalítica das vivências de mulheres que pertencem a um grupo específico: são mães cujas filhas encontram-se em tratamento para TAs. O método de estudo de casos múltiplos envolve mais do que um único caso e tem como vantagem proporcionar uma compreensão mais robusta e apurada do fenômeno investigado, permitindo reflexões alicerçadas com rigor no referencial teórico e que, consequentemente, contribuem para o avanço do conhecimento (Yin, 2015Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: Planejamento e métodos (D. Grassi, Trad. 5ª ed.). Porto Alegre, RS: Bookman.). Uma das limitações desse método é a impossibilidade de generalizar os resultados obtidos, uma vez que as conclusões são específicas para os casos estudados (Peres & Santos, 2005Peres, R. S., & Santos, M. A. (2005). Considerações gerais e orientações práticas acerca do emprego de estudos de caso na pesquisa científica em Psicologia. Interações, 10(20), 109-126.).

Participantes

A amostra intencional foi constituída por sete mães de adolescentes e/ou jovens adultas que se encontravam em tratamento para TAs junto a um hospital público universitário do interior do estado de São Paulo. A caracterização sociodemográfica da amostra e os dados clínicos das filhas com TA podem ser melhor visualizados a seguir na Tabela 1. Vale ressaltar que todas as filhas moravam com as mães.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica das participantes e dados clínicos das filhas

Critérios de inclusão: (1) Ser mãe de paciente atendida regularmente durante o período de 1º de março a 30 de junho de 2020; (2) Ter frequentado a no mínimo 50% das consultas e grupos voltados às famílias, considerando os últimos seis meses. Critérios de exclusão: indício de prejuízo grave na linguagem ou comunicação; déficit sensorial (audição) ou cognitivo.

A coleta de dados foi realizada um serviço especializado de referência, com longa tradição de atendimento multiprofissional a pessoas acometidas por TAs. Para delinear o número de pessoas que comporiam a amostra de conveniência foi adotado o critério de saturação teórica de informações, que consiste na suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar, na avaliação do pesquisador, redundância ou repetição (Fontanela, Ricas, & Turato, 2008)Fontanella, B. J. B., Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: Contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 17-27. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003
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.

Instrumentos

Para a coleta de dados foram utilizados os instrumentos:

  1. Formulário de dados sociodemográficos, como idade, escolaridade e número de pessoas que compõem a família.

  2. Entrevista aberta: utilizou-se a modalidade história de vida tópica, conforme descrita por Minayo (2013Minayo, M. C. (2013). O desafio do conhecimento científico: Pesquisa qualitativa em saúde (13ª ed.). São Paulo: Hucitec.), uma vez que foi delimitada uma etapa de vida específica, pois o interesse era investigar os cuidados básicos oferecidos às filhas nos primeiros anos de vida. As entrevistas seguiram um roteiro temático composto pela seguinte solicitação norteadora: Conte-me tudo o que você se lembra do período desde a sua gravidez até mais ou menos dois anos de idade de sua filha, com o objetivo de favorecer associações e lembranças das entrevistadas. A partir daí, investigaram-se temas específicos, na medida em que afloravam espontaneamente nas falas das participantes.

  3. Diário de campo: as atividades desenvolvidas no campo de pesquisa foram registradas, incluindo descrições de comportamentos não verbais da entrevistada e sentimentos suscitados na pesquisadora.

Procedimento

As mães de pacientes cadastradas no serviço com diagnóstico de TAs foram consecutivamente selecionadas para participarem da pesquisa, que ocorreu em encontros realizados no dia de retorno ambulatorial da filha. As entrevistas individuais foram audiogravadas e transcritas na íntegra e literalmente, respeitando a sequência e a forma como foram expressas as falas.

O material foi submetido à análise temática reflexiva (Braun & Clarke, 2019Braun, V., & Clarke, V. (2019). Reflecting on reflexive thematic analysis. Qualitative Research in Sport, Exercise and Health, 11(4), 589-597. https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1628806
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), que permitiu organizar em categorias temáticas e descrever os elementos de análise mediante um processo de codificação que é orientado pelos dados, levando-se em conta a variedade e regularidade das respostas e os padrões convergentes de conteúdo dos relatos.

Na última etapa da análise dos dados os excertos de fala que guardavam relação com a hipótese do estudo e com o objetivo foram considerados para discussão, guiando a seleção dos excertos e permitindo identificar os significados recorrentes que surgiram da análise, buscando assim colocar em relevo a densidade e riqueza do material coligido. Os temas extraídos das entrevistas foram complementados pelas descrições e impressões registradas no diário de campo.

O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição acadêmica dos pesquisadores sob parecer número 3.744.577 e CAAE 21789519.4.0000.5407. Os nomes próprios utilizados são fictícios.

Resultados e Discussão

Foram elaboradas três categorias temáticas: 1. Gravidez, 2. Pós-parto/Puerpério, 3. Amamentação. As categorias serão grafadas em negrito e os elementos de análise de cada categoria em itálico. A Figura 1 ilustra as categorias temáticas e os elementos de análise.

Figura 1
Síntese das categorias temáticas e elementos de análise.

No que diz respeito à gravidez, cinco participantes (Maria Sandra, Maria Elisa, Dalva, Mônica e Maria Magda) relataram que, durante toda a vida acalentaram o desejo de engravidar. Afirmaram que o anseio de ser mãe “sempre” as acompanhou, sem conseguirem precisar desde quando. As narrativas de três participantes (Dalva, Mônica e Maria Magda) apontam para a existência de elementos relacionados ao feminino e, possivelmente, à identificação com a função materna, nutrindo uma expectativa de proximidade afetiva entre mãe e filha durante a gravidez (Leonidas & Santos, 2020bLeonidas, C., & Santos, M. A. (2020b). Symbiotic illusion and female identity construction in eating disorders: A psychoanalytical psychossomatics’ perspective. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 23(1), 84-93. https://doi.org/10.1590/1809-44142020001010.
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; Moura et al., 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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; Valdanha-Ornelas & Santos, 2016Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016). Family psychic transmission and anorexia nervosa. Psico-USF, 21(3), 635-649. https://doi.org/10.1590/1413-82712016210316
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), uma vez que enfatizaram, especificamente, o desejo de terem uma filha.

Em contrapartida, Elizabete e Flávia se referiram à gravidez com marcada ambivalência afetiva, indicando que o desejo pela maternidade, se havia, não era algo de que facilmente se lembravam, revelando dificuldades em acessar esse conteúdo psíquico. Elizabete se descreveu como muito dedicada ao trabalho na época e recordou que tinha pouco tempo para pensar em outros interesses. Relatou, rindo, que o marido “a engravidou”, referindo-se ao fato de que o esposo conhecia seu ciclo menstrual melhor do que ela própria, e que ele planejou sozinho a concepção e “produziu” uma filha sem seu prévio consentimento.

Ele me engravidou. [Risos]. Tanto é que uma vez uma psicóloga virou e falou assim para mim: “Mas você não se sentiu assim, traída?”. ... Foi numa época que, se a gente tivesse pensado antes, eu não teria feito. Porque eu estava com o [nome do primogênito] pequeno, trabalhava muito e... A minha vida financeira, com o nascimento da [filha], caiu totalmente, porque tive que abrir mão de muitas coisas (Elizabete).

Segundo o relato de Elizabete, as tarefas do trabalho somadas às atribulações do dia a dia ocupavam parte substancial de seu tempo. Badinter (2011Badinter, E. (2011). O conflito: A mulher e a mãe. (V. L. Reis, Trad.). Rio de Janeiro: Record.) enfatiza que, apesar da afetividade ser um dos fatores mais prevalentes na motivação das mulheres para se tornarem mães, pouco se fala sobre as pressões externas que influenciam tal decisão. Há naturalização da maternidade como evento inerente à vida do casal e, especialmente, da mulher. A pesquisadora registrou em seu diário de campo.

Quando Elizabete contou sobre o marido tê-la engravidado, fui invadida por uma sensação de revolta. Me perguntei como alguém poderia modificar tanto assim a vida de outra pessoa sem seu prévio consentimento? Quando me dei conta desses sentimentos, me perguntei se a revolta que eu estava sentindo era um fenômeno contratransferencial, provocado talvez por algo que Elizabete não pôde perceber que sentia, ou não pôde expressar em palavras. Seria uma naturalização da maternidade como algo com o qual ela já devia “se conformar” e que aconteceria à revelia de sua intenção consciente? Ou uma naturalização da invasão de seu espaço privado pela filha? (Diário de campo)

Flávia compartilhou seu histórico de perda gestacional anterior, segundo ela fonte de intenso sofrimento. Após oito anos de tentativas frustradas, sem causa biológica conhecida que explicasse a infertilidade, engravidou inesperadamente. Teve uma gravidez de alto risco, o que fez com que necessitasse passar quase todo o período gestacional em repouso absoluto, vivenciando medo da perda traumática de mais um bebê. Apesar do temor, a participante relatava: “Eu queria ter, mas não era aquela coisa de ficar assim muito em cima, querendo arrumar assim a todo custo não. Eu pensava: ‘se vier, veio, se não vier...’, foi assim”. Compreende-se a ambivalência afetiva dessa participante como uma defesa em relação a um desejo que oferecia forte potencial de sofrimento, caso viesse a ser frustrado mais uma vez. Ademais, nota-se uma dificuldade de se aproximar de seus sentimentos relativos à expectativa de efetivação da experiência de gestação.

Mônica contou ter sofrido a perda de uma bebê anteriormente ao nascimento da filha com TA. Tratava-se de uma gravidez de risco, e a bebê faleceu durante o parto. Após este acontecimento, sofreu outro baque traumático, quando os médicos informaram que ela não poderia mais ter filhos. No entanto, poucos meses depois, para sua surpresa, engravidou novamente, e mais uma vez teve uma gravidez de alto risco, permeada pelo perigo iminente de perda gestacional. Felizmente a gravidez vingou e a filha foi batizada com o nome da irmã natimorta. A mãe conta que passou a vida toda acalentando o desejo de atribuir esse nome a uma filha.

Até o médico falou: “Mas, como isso aconteceu? Isso não poderia acontecer. Você está tendo um processo de cicatrização. O seu abdômen ia voltar daqui uns seis, oito meses. Meu Deus, agora você vai ter uma gravidez de alto risco”. E, realmente, foi uma gravidez dificílima da [nome da filha], tive que ficar de repouso absoluto pra conseguir segurá-la. Meu útero se dilatava pra confortar um bebê, não crescia. E aí a junta médica fazia de tudo pra eu conseguir segurar a [filha], tanto que aí, com 32 semanas, ela nasceu. Tive que fazer um parto de emergência e aí ela nasceu com 1,5 kg, ficou na UTI neonatal (Mônica).

Para Elizabete, Flávia e Mônica, as gravidezes foram precedidas por histórias pessoais de traumas anteriores, com um sofrimento intenso a ponto de tornar algumas inscrições da experiência inacessíveis ao psiquismo e à comunicação verbal. Nota-se ambivalência afetiva, o que indica presença marcada de sentimentos amedrontadores que exerciam resistência ao desejo pela maternidade. No entanto, como mencionado anteriormente, o desejo pela gestação de uma menina mostrou-se pregnante nos relatos de cinco participantes.

No que diz respeito ao período de pós-parto e puerpério, chamou a atenção o fato de que não foram relatadas experiências positivas de envolvimento afetivo com a bebê recém-nascida. As vivências narradas abarcavam, de forma proeminente, cansaço, depressão e inapetência decorrentes das tarefas de cuidado das bebês. Além disso, as participantes percebiam suas filhas como muito dispendiosas e exigentes, bebês inquietas que choravam o tempo todo e que exigiam cuidados especiais, tais como a suplementação alimentar com vitaminas, leites especiais, inúmeras consultas médicas e exames, entre outros cuidados descritos como recorrentes e extenuantes, que sobrecarregavam as mães nesse início de vida das filhas.

Aí foi muito difícil, o pós-parto... Eu tive uma depressão pós-parto terrível. Porque a [nome da filha] inspirava uns certos cuidados. Por ser prematura, ela não podia receber visita. Tinha que tomar umas vitaminas dela, tinha que ir em médico constantemente... Pra mim era tudo muito novo, eu era uma pessoa muito ativa até então, eu trabalhava... Tudo pra mim parado era extremamente complicado, eu entrei numa paranoia... Eu... por duas vezes tentei... Eu morava num sobrado, por duas vezes tentei jogar a [filha] pela janela.... Meu estresse foi extremo... Foi extremo. Eu falava assim: “Mas eu queria tanto uma filha, e agora que eu tenho, eu não sei lidar com isso. Eu não sei”. Eu me senti... impotente, sabe? Era um desespero” (Mônica)

Esqueci de mim, né [risos]. Aí eu só ficava mais com ela. Mas, assim, fora isso, era bem normal. Aí teve esse surto lá... que aí eu fiquei surtada também. Fiquei birola, que nem diz meu marido... Tudo a gente ia com ela, tudo era pra ela (Maria Sandra).

De maneira geral, os relatos das participantes revelaram uma sensação persistente de sobrecarga e sufocamento durante os primeiros meses de vida das filhas, que exigiam atenção em demasia. Tais exigências englobavam: choro excessivo e contínuo, irritabilidade, desagrado, enfado, dificuldade de aceitar a alimentação, o que levou à perda de peso durante os primeiros meses. As participantes sentiam que tudo o que tinham para oferecer não era suficiente, precisavam sempre fazer mais, e mais, e mais. Além disso, duas participantes (Dalva e Elizabete) fizeram uso de adjetivos tais como “caveirinha”, “engraçadinha”, “feinha”, para se referirem às filhas. Esses termos têm conotação depreciativa, a despeito das mães racionalizarem afirmando que se tratam de expressões “afetivas”, justificadas pelo uso do diminutivo.

Uma mãe que chama a própria filha recém-nascida de “caveirinha” pode ter sentimentos de ódio e expressar sua destrutividade em ataques desferidos contra a bebê. Por meio dos termos pejorativos, a hostilidade materna consegue driblar a censura do superego e obter alguma forma de gratificação. Isso pode estar relacionado a uma fantasia mortificante, como se, em vez de ter gerado vida do interior de seu corpo, produziu uma criatura esquelética, desvitalizada e desencarnada, personificada no corpo frágil da bebê. Essa fantasia pode estar relacionada ao vínculo estabelecido pela entrevistada com sua própria mãe, que por sua vez pode repercutir na transmissão da feminilidade para a filha (Ribeiro, 2011Ribeiro, M. (2011). De mãe em filha: A transmissão da feminilidade. Escuta.).

As mães continuavam recorrendo a essas palavras (“de brincadeira”) para caracterizarem as filhas: “Porque a [nome da filha], de tão feia, ela era engraçadinha, porque ela tinha dois dentinhos, ela não tinha cabelo e ela andava. Ela era muito engraçadinha. Não que ela era... Ela era feinha. Eu falo para ela: “Você era tão feinha, mas você era tão engraçadinha” (Elizabete). “Quando ela nasceu, eu disse: “Doutor, o que que eu faço com essa caveirinha aqui?” (Dalva)

E ela foi um bebê que deu muito trabalho [ênfase nesta última palavra], deu todos os problemas possíveis, ela era alérgica à fralda, a tudo, a remédio, à vacina, a tudo. Então ela tinha que tomar uma vacina que vinha do hospital Até hoje ela não pode tomar vacina, ela tem uma doença autoimune, então, assim... Foi uma coisa sufocante, porque eu tinha que ter muitos cuidados com ela, mais do que com um bebê normal. Ela tinha intolerância à lactose, então eu tinha que comprar leites especiais para ela, mas aí esses leites especiais não davam certo, aí eu tinha que comprar de um produtor específico, tinha que ir em outra cidade buscar esse leite pra ela. Então, assim... Eu tinha medo que minha filha morresse (Mônica).

A ambivalência se evidencia na relação entre o desejo de se libertar da sobrecarga extrema e o temor de que a filha pudesse desaparecer a qualquer momento, o que está vinculado a uma fantasia aterrorizante que confirmaria as projeções mortíferas da mãe. Esses achados são consistentes com a literatura (Moura et al., 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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; Siqueira et al., 2020Siqueira, A. B. R., Santos, M. A., & Leonidas, C. (2020). Confluências das relações familiares e transtornos alimentares: Revisão integrativa da literatura. Psicologia Clínica, 32(1), 123-149. https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0032n01A06
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).

Mônica parece ter vivenciado a maternidade como um fardo pesado, vendo-se às voltas com uma filha extremamente exigente e insatisfeita com a alimentação oferecida. Além da dificuldade de integrar a maternidade, também foi relatado o sentimento de perder-se de si mesma. Dar-se conta da perda da autonomia e dos limites impostos pelos cuidados despendidos a uma bebê recém-nascida emergiu como fonte de estado confusional: “Aí o médico examinou, ele é um médico muito bom na região, aí ele falou assim, exatamente essas palavras: “A criança está excelente, não tem nada, mas a mãe... não está bem, não”. Eu estava um trapo” (Maria Magda).

À luz de sua teoria do amadurecimento emocional, Winnicott (1987/2021b) considera que a agressividade que alguns bebês manifestam mais francamente surge não apenas em consequência de aspectos destrutivos constitucionais (como proposto pela teoria kleiniana) ou de frustrações provocadas pela instalação do princípio do prazer (como proposto por Freud), mas decorre, principalmente, da dependência absoluta do bebê, que reage ao tipo de cuidado que recebe. A maneira como o ambiente - em especial a figura materna - responde à agressividade do bebê influencia diretamente na maneira como ele irá reagir às frustrações que fazem parte da existência.

Porém, a condição emocional que a mãe tem para responder suficientemente bem às demandas do bebê está diretamente associada à sua disponibilidade para tolerar o turbilhão de vivências que o puerpério desperta e atender às necessidades físicas e afetivas do bebê (De Felice, 2006De Felice, E. M. (2006). Vivências da maternidade e suas consequências para o desenvolvimento psicológico do filho. São Paulo: Vetor.; Guirado & Motta 2020Guirado, R. M. B., & Motta, I. F. (2020). Influências da transgeracionalidade em gestantes primigestas. Pensando Famílias, 24(2), 46-60. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000200005&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Nas narrativas colhidas no presente estudo foi possível reconstituir infâncias povoadas por experiências de sofrimento e privação afetiva na relação estabelecida pelas entrevistadas com suas próprias mães, o que pode ter influenciado a disponibilidade emocional para cuidar da filha.

A minha mãe acabava comigo porque eu tinha um peito enorme. Ela ia fazer roupa para mim e me xingava: “Ai, esse peito horroroso, desse tamanho”. Eu sempre tive um trauma muito grande de peito, muito grande. [...] Eu sei que eu vivi durante os 25 anos dela [filha] só reclamando. Ela só brigava. Só brigava. Se trancava dentro do guarda-roupa e chorava, sabe? (Elizabete).

Tudo era pra minha irmã ou era pro meu irmão. [...] Tanto é que era a roupa da minha irmã pra mim, ele ganhava bicicleta nova e eu tinha que pegar a da minha irmã, porque eu era menina. [...] Mas minha mãe nunca foi tão protetora comigo não. Tanto é que eu acho que eu sou assim por isso. Tanto é que eu toco nesse assunto, eu choro. [...] Meu pai nunca foi assim. Mas minha mãe [ênfase] fazia muita festa pro meu irmão e pra minha irmã, e eu... (Maria Sandra).

A disponibilidade materna muitas vezes estava empobrecida - no sentido de que as participantes sentiram que não eram capazes de fornecer a provisão ambiental suficiente para satisfazer as demandas singulares das filhas. Em outros momentos, a disponibilidade materna foi descrita como excessiva - no sentido de ir além do que se espera de um cuidado na medida do razoável, tendendo à superproteção que, muitas vezes, sobrecarregava as filhas com o desejo inconsciente de formar uma unidade indiferenciada com elas. Estes resultados são congruentes com a literatura (Leonidas & Santos, 2015aLeonidas, C., & Santos, M. A. (2015a). Family relations in eating disorders: The Genogram as instrument of assessment. Ciência & Saúde Coletiva, 20(5), 1435-1447. https://doi.org/10.1590/1413-81232015205.07802014
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, 2015bLeonidas, C., & Santos, M. A. (2015b). Relacionamentos afetivo-familiares em mulheres com anorexia e bulimia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(2), 181-191. https://doi.org/10.1590/0102-37722015021711181191
https://doi.org/10.1590/0102-37722015021...
; Moura et al., 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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; Valdanha-Ornelas, Squires, Barbieri, & Santos, 2021Valdanha-Ornelas, E., Squires, C., Barbieri, V., & Santos, M. A. (2021). Family relationships in bulimia nervosa. Psicologia em Estudo (Maringá), 26, e17361. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v26i0.47361
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).

Escassez de presença versus excesso de presença, duas disposições igualmente traumáticas, que marcaram o início do vínculo materno, e que iriam acompanhar o funcionamento psíquico de filhas, como se depreende nas particularidades do modo anoréxico e do modo bulímico. No primeiro caso, predomina a dinâmica da ausência-abandono-desamparo. No segundo caso, prevalece a patologia dos excessos, marcando a compulsão por comida-drogas-sexo, que poderia estar relacionada a tentativas maníacas de preencher um vazio interno (Oliveira-Cardoso & Santos, 2019Oliveira-Cardoso, É. A., & Santos, M. A. (2019). Avaliação psicológica no contexto dos transtornos alimentares. Em S. M. Barroso, F. Scorsolini-Comin & E. Nascimento (Orgs.), Avaliação psicológica: contextos de atuação, teoria e modos de fazer (pp. 165-186). Sinopsys.; Santos, Valdanha-Ornelas, Leonidas, & Oliveira-Cardoso, 2020Santos, M. A., Valdanha-Ornelas, E. D., Leonidas, C., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Adolescentes intransigentes: Revisitando as psicoterapias no contexto da anorexia e bulimia. Em D. M. Amparo, R. A. O. Morais, K. T. Brasil & E. R. Lazzarini (Orgs.), Adolescência: psicoterapias e mediações terapêuticas na clínica dos extremos (pp. 51-74). TechnoPolitik.).

No que concerne à função da amamentação, todas as participantes relataram que não puderam amamentar pelo fato de que seu leite era insuficiente, e que foi necessário fazer a complementação com fórmula infantil. No entanto, os relatos remetem não apenas à amamentação como insuficiente para suprir as necessidades nutricionais do bebê, mas também como aludindo à qualidade do vínculo mãe-bebê. Foram referidas vivências emocionais negativas, permeadas por sentimentos como vergonha (por parte da mãe) e reações como nervosismo (por parte da filha): “Não conseguia, não dava certo. Parece que ela não ficava alimentada, sabe? Não tinha muito, muito prazer em alimen... Em amamentar mesmo, não. Não conseguia, tinha um pouco de vergonha (Maria Elisa).

Winnicott (1987/2020bWinnicott, D. W. (2020b). A amamentação como forma de comunicação. Em D. W. Winnicott, Os bebês e suas mães (B. Longhi, Trad. pp. 19-28). Ubu. (Original publicado em 1987).) compreende a amamentação como forma de comunicação inconsciente entre mãe e bebê. É um momento precursor da construção das relações de intimidade. Mônica descreve os esforços que envidou na tentativa de se ajustar à sua bebê “nervosa”, um verdadeiro périplo que, no final, não alcançou o resultado pretendido.

Amamentei muito pouco, enquanto ela estava na UTI. A gente tentava amamentar, mas ela perdia peso toda vez que se esforçava pra tentar amamentar. Eu até paguei uma fonoaudióloga especialista em amamentação, porque ela nasceu, ela não sabia sugar, ela não tinha esse estímulo de sugar, então teve que ensinar ela a sugar. [...] Quando ela teve alta, eu também coloquei ela (sic) em casa e tentei colocar ela no seio, mas nada. Ela ficava extremamente nervosa, nervosa, nervosa (Mônica).

Em sua extensa experiência como pediatra, Winnicott (1987/2020bWinnicott, D. W. (2020b). A amamentação como forma de comunicação. Em D. W. Winnicott, Os bebês e suas mães (B. Longhi, Trad. pp. 19-28). Ubu. (Original publicado em 1987).) reconheceu a existência de muitas mães com dificuldades pessoais com a amamentação, decorrentes de seus próprios conflitos internos e, possivelmente, de experiências que vivenciaram quando bebês. Nesses casos, o autor enfatiza os prejuízos decorrentes da tentativa de forçar essas mães a amamentarem, uma vez que o mais importante nos primeiros meses de vida do bebê é a intimidade que ele é capaz de estabelecer com sua mãe. Ou seja, ainda que haja o reconhecimento do valor positivo da amamentação, ainda é mais fundamental “pensar em termos da riqueza da experiência e do envolvimento total da personalidade” (Winnicott, 1987/2020bWinnicott, D. W. (2020b). A amamentação como forma de comunicação. Em D. W. Winnicott, Os bebês e suas mães (B. Longhi, Trad. pp. 19-28). Ubu. (Original publicado em 1987)., p. 24).

Tudo que a mãe sente e experimenta na relação com o bebê é de extremo valor e, em última instância, é necessário que ela possa sobreviver aos ataques agressivos do bebê para que se possa consolidar a base de um desenvolvimento saudável. Segundo Winnicott (1987/2020bWinnicott, D. W. (2020b). A amamentação como forma de comunicação. Em D. W. Winnicott, Os bebês e suas mães (B. Longhi, Trad. pp. 19-28). Ubu. (Original publicado em 1987).), é necessário que a mãe, em momentos críticos, não se torne vingativa e não parta para retaliações, especialmente quando a criança expressa sua agressividade - abocanhando com voracidade o mamilo, por exemplo. Ainda que a amamentação não seja possível, é necessário que a mãe atue como ego auxiliar nos estágios iniciais do desenvolvimento do bebê, quando ele ainda não pode contar com os recursos de um ego autônomo e, portanto, não pode lidar com as fortes angústias experimentadas após o nascimento (Winnicott, 2019/1967Winnicott, D. W. (2019). A localização da experiência cultural. Em D. W. Winnicott, O brincar e a realidade. Ubu. (Original publicado em 1967).).

Conforme registrado nas notas do diário de campo, as narrativas de todas as participantes acerca da gravidez, puerpério e amamentação foram marcadas por distanciamento afetivo, variando em intensidade a depender da entrevistada e do tema em questão.

As experiências precoces de envolvimento afetivo com a figura materna configuram a categoria: Repercussões de conteúdos transgeracionais. Essa categoria abrange experiências muitas vezes traumáticas, mas que são rememoradas com distanciamento emocional, nas quais predominam evocações de sentimentos de desamparo e desvalia, o que impossibilita o estabelecimento de intimidade e a expressão de afeto positivo. Abusos físicos e psíquicos foram referidos por quatro participantes (Maria Sandra, Maria Magda, Mônica, Elizabete): “Acho que foram muitos anos de amor negado. Não é amor negado, a gente não vivia o amor na minha casa, entendeu?” (Maria Magda). “Com 10 anos de idade eu já servia pinga em bar, já vendia salgado. Então eu tinha que me virar desde muito pequena” (Mônica).

Interessante notar que as falas entrelaçam afetos - vividos no registro da falta ou do excesso - com conteúdos orais (bolo, pinga, salgado). Os silêncios, o incômodo sentido com a proximidade física e as soluções peculiares adotadas para exercitar a comunicação nas famílias de origem das participantes marcavam a transmissão entre gerações com um modo singular de vivenciar e comunicar afetos (Ferreira et al., 2021Ferreira, I. M. S., Souza, A. P. L., Azevedo, L. D. S., Leonidas, C., Santos, M. A., & Pessa, R. P. (2021). The influence of mothers on the development of their daughter’s eating disorders: An integrative review. Archives of Clinical Psychiatry, 48(3), 168-177. https://doi.org/10.15761/0101-60830000000300
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; Guirado & Motta, 2020Guirado, R. M. B., & Motta, I. F. (2020). Influências da transgeracionalidade em gestantes primigestas. Pensando Famílias, 24(2), 46-60. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000200005&lng=pt&tlng=pt
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; Silva, 2003Silva, M. C. P. (2003). A herança psíquica na clínica psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo.; Valdanha-Ornelas & Santos, 2016Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016). Family psychic transmission and anorexia nervosa. Psico-USF, 21(3), 635-649. https://doi.org/10.1590/1413-82712016210316
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). Esse modo não abria espaço para que as filhas pudessem compartilhar seus aspectos mais íntimos com suas mães. As próprias participantes admitem que não ofereciam acolhimento como gostariam e que tinham dificuldades para sustentar uma preocupação materna genuína:

Minha mãe depois... claro que, com todas essas coisas que estavam acontecendo, a gente tinha mania de fazer diário, e eu falei que eu estava cansada, que eu não estava gostando mais deles, aquelas coisas de desabafo. E minha mãe viu. Ao invés de minha mãe ver e vir falar comigo, ela gravou uma fita” (Elizabete).

Eu via os pais deixarem as filhas na escola um ano, e a filha dava aquele beijinho: “Tchau pai, tchau mãe”. E eu comecei a fazer isso em casa. Quando eu saía da escola e ela saía: “Mãe, tchau, beijo”. Aí um dia ela falou assim pra mim: “Ai, chega de tanto beijo, para que tanto beijo?”. Aquilo me matou. Eu nunca mais fiz (Elizabete).

Juntamente com a percepção de distanciamento emocional, os relatos das participantes evidenciaram que elas se sentiam excluídas, sem lugar no desejo materno, uma vez que percebiam que este estava voltado exclusivamente para os filhos (homens), o que reforçava um sentimento de nulidade e inexistência:

Pra você ver, ela [mãe] teve duas meninas, eu acredito que se ela tivesse tido um menino antes, no meu lugar, teria parado. [...] Eu apanhei bastante, mas o que me marcou muito, que até hoje eu choro... Pra mim ela nunca fez um bolo de aniversário. Foi um bolo do tamanho dessa mesa, que ela fez pro meu irmão, que ela fazia pra minha irmã e não fazia pra mim, nos meus aniversários. [...] A gente sempre lembra disso. Sempre está na sua cabeça “Será que eu fiz alguma coisa? Será que ela não queria que eu tivesse nascido”. Fica sempre aquele: “Por quê? (Maria Sandra).

[...] A gente sempre lembra disso. Sempre está na sua cabeça: ‘Será que eu fiz alguma coisa? Será que ela não queria que eu tivesse nascido?’. Fica sempre aquele: ‘Por quê?’” (Maria Sandra).

Eu acho que, quando eu nasci, ela queria um menino. Porque acho que era da fazenda e os meninos eram mais bem vistos e iam estudar fora, e as meninas já ficavam mais para ajudar as mães. [...], mas, mesmo assim, ela tinha aquele orgulho maior de ser mãe do menino. Eu sentia isso francamente. Às vezes assim: “Ah, essa menina descabelada...” [...] Ela não é muito próxima assim de um contato físico, de uma palavra aconchegante, sabe? (Maria Elisa).

Para você ter uma ideia, ela pegava meu irmão, ela abraçava meu irmão, ela beijava meu irmão, e brincava com meu irmão. E eu queria aquilo para mim, só que eu ficava sempre de lado, olhando. Ela não fazia isso comigo (Elizabete).

Os excertos de fala aqui apresentados remetem às vivências das participantes com suas mães, que são descritas como mulheres com dificuldades de proporcionar experiências acolhedoras, que permitiriam uma adaptação sensível às necessidades afetivas e emocionais de suas filhas. Predominaram as vivências dilacerantes de exclusão e rejeição. Segundo Winnicott (1956/2021Winnicott, D. W. (2021/2000). Preocupação materna primária. Em D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise (D. Bogomoletz, Trad. pp. 491-498). Ubu, Francisco Alves. (Original publicado em 1956).), a sensibilidade faz parte da “preocupação materna primária”, que se observa nos primeiros meses de vida do bebê e que possibilita à mãe entrar em sintonia fina com as necessidades do recém-nascido. É possível conjecturar que, ao revelarem vivências que ocorreram mais tardiamente em suas vidas, as participantes estejam expressando a ressonância de experiências primitivas com potencial traumatogênico (Winnicott, 1956/2021Winnicott, D. W. (2021/2000). Preocupação materna primária. Em D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da pediatria à psicanálise (D. Bogomoletz, Trad. pp. 491-498). Ubu, Francisco Alves. (Original publicado em 1956).), que evocavam o vínculo inicial com suas mães. Esses elementos se atualizavam por meio de lembranças dolorosas, como a rejeição materna, a preferência da mãe por um filho homem (percebida também como certa depreciação do feminino), ausência de manifestações de afeto positivo, percepção da dificuldade da mãe de se envolver empaticamente com as necessidades afetivas e emocionais da filha e incapacidade de sustentar conversas sobre assuntos dessa ordem.

Por conseguinte, pode-se pensar em uma estreita relação entre indisponibilidade emocional das mães e o estado de distanciamento afetivo. Ao rememorarem suas experiências de gestação e maternidade, elas se descrevem como mães desprovidas de recursos suficientes para sustentarem a função materna e reescreverem suas próprias histórias, de modo que pudessem dar novo desfecho para as experiências infantis e transformar as heranças transgeracionais recebidas. Quando se tornam mães, elas experimentam uma abertura inconsciente às suas próprias vivências na condição de filhas e ficam permeáveis a angústias primitivas, que despertam emoções intensas e potencialmente disruptivas (Ferreira et al., 2021Ferreira, I. M. S., Souza, A. P. L., Azevedo, L. D. S., Leonidas, C., Santos, M. A., & Pessa, R. P. (2021). The influence of mothers on the development of their daughter’s eating disorders: An integrative review. Archives of Clinical Psychiatry, 48(3), 168-177. https://doi.org/10.15761/0101-60830000000300
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; Moura et al., 2015Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-247. https://doi.org/10.1590/0103-166X2015000200008
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; Oliveira & Santos, 2019Oliveira, W. A., & Santos, M. A. (2022). Transtornos alimentares e transtornos por uso de substâncias em mulheres: Estado da arte. Em A. Diehl, R. Bosso, & S. Pillon (Orgs.), Mulheres e dependência química: A importância do olhar para o gênero nos transtornos por uso de substâncias (pp. 233-253). Curitiba: CRV.; Valdanha-Ornelas et al., 2021Valdanha-Ornelas, E., Squires, C., Barbieri, V., & Santos, M. A. (2021). Family relationships in bulimia nervosa. Psicologia em Estudo (Maringá), 26, e17361. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v26i0.47361
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). Nesse cenário, o distanciamento afetivo parece emergir como defesa contra a emergência de angústias arcaicas reativadas e ameaças de aniquilamento, que remetem a estados psíquicos acompanhados de sofrimento na relação mãe-filha.

Retomando-se a concepção de Winnicott (1987/2020bWinnicott, D. W. (2020b). A amamentação como forma de comunicação. Em D. W. Winnicott, Os bebês e suas mães (B. Longhi, Trad. pp. 19-28). Ubu. (Original publicado em 1987).) a respeito da importância da experiência de intimidade entre mãe e bebê e da necessidade de a mãe atuar como ego auxiliar do filho nos estágios iniciais do desenvolvimento, os achados deste estudo remetem à reflexão: como mães que utilizam do distanciamento afetivo como defesa contra agonias despertadas pelo vínculo com uma figura materna devastadora podem exercer uma maternidade suficientemente boa? O desafio é poderem realizar as transformações psíquicas que lhes permitam elaborar situações traumatogênicas, de modo que se abra espaço para que possam se apropriar criativamente da maternidade inclusive para maternarem a si próprias.

Considerações Finais

Este estudo teve como objetivo investigar os significados atribuídos às experiências de gravidez, parto, puerpério e cuidados básicos oferecidos ao bebê nos primeiros anos de vida, com ênfase na amamentação, por mães cujas filhas receberam diagnóstico de TA. Os resultados fornecem subsídios para identificar relações entre os sentimentos angustiantes vivenciados pelas mães na relação com suas bebês e certas vulnerabilidades emocionais que podem estar (mas não necessariamente) na gênese precoce dos sintomas de TAs das filhas.

A teoria psicanalítica winnicottiana permite aproximar as raízes emocionais dos TAs à relação precoce mãe-filha. Esta pesquisa fornece apoio empírico qualitativo à conjectura de que o modo como as mães elaboram aspectos específicos de sua experiência da maternidade mobiliza fantasias relacionadas às suas vivências precoces de cuidados recebidos de suas próprias mães. Aspectos inconscientes e não elaborados do passado podem ser recebidos como heranças de vivências não simbolizadas (legados transgeracionais), reatualizadas na relação que elas estabelecem com suas filhas. Por conseguinte, esse vínculo pode ser marcado por experiências conflituosas e insatisfatórias, ambivalência afetiva e falhas ambientais prolongadas, levando à dificuldade de sustentar o amadurecimento emocional da criança.

O presente estudo apresenta limitações no que diz respeito à investigação de experiências pessoais de um número reduzido de mulheres. Em se tratando de um tema tão amplo e complexo, que engloba vastas possibilidades de vivências, há diversas lacunas a serem preenchidas por futuros estudos. Os dados aqui apresentados devem ser observados com parcimônia, de modo a não culpabilizar as mães pelo quadro psicopatológico de suas filhas. Este estudo apresenta subsídios para a compreensão de que as mães ofereceram aquilo que tinham disponível, a partir de experiências muitas vezes sofridas com suas famílias de origem. Ademais, há múltiplos fatores envolvidos na etiopatogenia dos TAs além da qualidade do vínculo mãe-filha.

Neste estudo, a psicanálise winnicottiana propiciou avanço do conhecimento sobre a contribuição da dimensão das experiências maternas nos sintomas alimentares das filhas. Os achados fornecem apoio para o planejamento de intervenções psicológicas nos TAs que incluam o cuidado à família.

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  • 1
    Nota dos autores: Agradecimento e apoio institucional: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, Bolsa de Produtividade em Pesquisa - Categoria 1A.
  • Errata

    No artigo “Cuidados Maternos Primários e Gênese dos Transtornos Alimentares na Perspectiva de Mães de Jovens com Anorexia e Bulimia”, com número de DOI: 10.1590/1413-82712023280302, publicado no periódico Psico-USF, 28(3): 435-448, na página 440:
    Onde se lia:
    Figura 1
    Síntese das categorias temáticas e elementos de análise.
    Leia-se:
    Figura 1
    Síntese das categorias temáticas e elementos de análise.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2021
  • Revisado
    04 Set 2022
  • Aceito
    22 Nov 2022
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