Colocar na mão de dois portugueses escrever o editorial da revista Cerâmica é um desafio e uma responsabilidade de que o Editor Principal certamente se arrependerá. Com o antecipado pedido de desculpa a todos, aqui fica a nossa modesta contribuição para este número.

Celebramos este ano o 40º aniversário da criação do Departamento de Engenharia Cerâmica e do Vidro, da Universidade de Aveiro, Portugal (agora Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica, DEMaC). Poderia parecer tratar-se de algo sem grande relação com o Brasil mas na realidade tem muitas ligações em diversas dimensões. Este Departamento foi completamente inovador em Portugal como o foram o Programa e o Departamento de Engenharia de Materiais na UFSCar, no Brasil. Fruto da visão estratégica de algumas pessoas, fez-se em Portugal o que tantas outras instituições fizeram e fazem no Brasil, assumindo-se que a necessária requalificação da indústria cerâmica de então só seria possível preparando jovens técnicos com formação específica. Na época, toda a produção industrial assentava em processos tecnológicos altamente energívoros, tendo a crise do petróleo de 1973 exposto as debilidades de um país sem combustíveis fósseis, altamente dependente das importações. O panorama da indústria cerâmica portuguesa é hoje diferente, como consequência desta iniciativa.

Quis a generosa relação entre pessoas e culturas que ao longo de todos estes anos também se firmassem laços muito fortes entre um pequeno Departamento (de um país com 10 milhões de habitantes, menos que S. Paulo) e múltiplas instituições no Brasil (UFSCar, UNESP, UFSCatarina, UFCampina Grande, UCaxias do Sul, UNIBAVE, UFRN, IPEN, USP, INMETRO, UFRJ, CTA, entre muitas outras). Estamos por isso também a celebrar mais de 30 anos de intensa cooperação entre os dois lados do Atlântico, envolvendo permuta de estudantes de formação inicial e pós-graduação, e parcerias de pesquisadores e professores em projetos de pesquisa conjuntos. O Programa Ciência Sem Fronteiras contribuiu de forma decisiva para este fluxo de pessoas em ambos os sentidos. O Brasil é hoje para nós um país onde encontramos uma infraestrutura científica de invulgar qualidade, inúmeros colegas com grande prestígio científico internacional, e uma língua comum, mesmo que percorrendo diferentes caminhos com saudável desatenção em relação aos acordos ortográficos que dificilmente se adequam a esta realidade…

Em Aveiro, o modelo de pesquisa muito centrado inicialmente na chamada cerâmica tradicional evoluiu para uma visão mais abrangente em termos de Engenharia de Materiais, com destaque para os materiais funcionais avançados. Porque o desenvolvimento sustentável é uma inevitabilidade desejável, a fileira de pesquisa complementa-se com os problemas decorrentes da necessidade de encontrar soluções para os materiais em fim de vida. O DEMaC é parte do Instituto de Materiais de Aveiro (CICECO), um dos maiores centros de pesquisa em materiais em Portugal, com uma infraestrutura, corpo de pesquisadores e produtividade científica de algum modo emblemática. Fica aqui o convite para uma visita virtual (http://www.ciceco.ua.pt/).

Celebrar o passado é sempre mais fácil que projetar o futuro, mas não há relações duradouras sem protagonistas especiais. Seria impossível celebrar esta efeméride sem mencionar o Prof. José Arana Varela, do Instituto de Química da UNESP, Araraquara, que recentemente nos deixou, e o Prof. Edgar Zanotto, da UFSCar, que lançaram as sementes da cooperação, que frutificaram de forma tão eficaz. Sem arriscar demasiado, nos últimos dez anos consolidaram-se relações a um nível nunca antes visto. Parece impossível imaginar que esta tendência algum dia se altere. Fazemos votos para que aqueles que daqui a 40 anos quiserem recordar o que entretanto se passou, encontrem com a mesma facilidade tamanhos marcos nas relações entre as comunidades cerâmicas dos dois lados do Atlântico.

Ana SegadãesFernando Marques

Nota da Editoria Científica:

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