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Jânio Quadros, a questão cubana e a Guerra Fria Latino-Americana, 1961: Testando os limites da Política Externa Independente

Jânio Quadros, the Cuban Question and Latin America’s Cold War, 1961: Testing the Limits of Independent Foreign Policy

Resumo

O artigo examina a documentação diplomática brasileira vinculada à política do governo do presidente Jânio da Silva Quadros em relação à questão cubana, em 1961. As fontes em apreço foram consultadas no Arquivo do Ministério das Relações Exteriores, sediado em Brasília. Essa comunicação diplomática oferece pouco conhecidas percepções e interpretações sobre o devir da política externa, bem como no tocante às relações entre brasileiros, estadunidenses, cubanos e sovié-ticos. Sob a perspectiva da denominada Política Externa Independente, a principal conclusão do artigo sugere que o governo de Jânio Quadros formulou e implementou uma política externa de princípios em relação à questão cubana. Nessa linha, e em um contexto de marcada competição Leste-Oeste, houve um importante esforço para tentar manter e resolver dentro do sistema interamericano as divergências entre os governos de Washington e Havana, principalmente. Em retrospectiva, infere-se das fontes consultadas que tal diligência política e diplomática foi reconhecida e valorizada pela maioria dos atores com vínculos e interesses no assunto em questão - inclusive em termos domésticos. A pesquisa é realizada sob a perspectiva teórico-metodológica da história das relações internacionais e da análise de política externa.

Palavras-chave
Jânio Quadros; Política Externa Independente; Guerra Fria Latino-Americana

Abstract

Thepaper examines Brazilian diplomatic sources related to president Jânio da Silva Quadros’ policy regarding the Cuban question, in 1961. The documentation was consulted in the archives of the Ministry of Foreign Affairs, based in Brasília. These diplomatic communications provide perceptions and interpretations about the making of Brazilian foreign policy, and about the relations between Brazilians, Americans, Cubans, and Soviets. Under the perspective of the so-called Independent Foreign Policy, the main conclusion of the article suggests that Jânio Quadros’ administration formulated and implemented a principled foreign policy in relation to the Cuban question. Along these lines, and in a context of increasing East-West competition, there was an important effort to try to maintain and resolve mainly within the inter-American system the differences between the governments of Washington and Havana. In retrospect, the sources consulted allow to infer that such political and diplomatic diligence was recognized and valued by most actors with ties to and interests in the matter in question - including in domestic terms. The research was conducted under the theoretical-methodological perspective of international history and foreign policy analysis.

Keywords
Jânio Quadros; Independent Foreign Policy; Latin America’s Cold War

Introdução

O governo do presidente Jânio da Silva Quadros foi breve - entre 31 de janeiro e 25 de agosto de 1961 -, turbulento e contraditório. Sustentado por uma trajetória política de centro-direita e por uma base partidária conservadora e mesmo moralista, o regime janista implementou uma política externa catalogada como progressista, inovadora e até paradigmática (CHAIA, 1992CHAIA, Vera. A liderança política de Jânio Quadros, 1947-1990. Ibitinga: Humanidades, 1992.; QUELER, 2014QUELER, Jefferson José. Jânio Quadros, o pai dos pobres: Tradição e paternalismo na projeção do líder (1959-1960). Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 29, n. 84, p. 119-133, fev. 2014.). Com efeito, apoiado pelo competente trabalho do chanceler Afonso Arinos de Melo Franco, o referido governo colocou os alicerces daquilo que na literatura especializada em história das relações internacionais do Brasil é denominado Política Externa Independente (PEI). Isso é, um estilo de inserção internacional que, para além do governo de Quadros, acabou caracterizando também a formulação e a implementação da política externa do governo de João Belchior Marques Goulart (MANZUR, 2014MANZUR, Tânia Maria Pechir Gomes. A Política Externa Independente (PEI): Antecedentes, apogeu e declínio. Lua Nova, n. 93, p. 169-199, dez. 2014.).

De forma geral, o estilo de inserção internacional impulsionado pela Política Externa Independente, vigente entre 1961 e 1964, foi estudado por muitos pesquisadores brasileiros e estrangeiros (BRAZ, 2006BRAZ, José. A política externa no governo de Jânio Quadros. In: ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon; SEITENFUS, Ricardo; CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de (Ed.). Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990). V. 1 - Crescimento, modernização e política externa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 365-399.; SELCHER, 1978SELCHER, Wayne A.. Brazil’s Multilateral Relations: Between First and Third Worlds. Boulder: Westview, 1978.; STORRS, 1973STORRS, Keith Larry. Brazil’s Independent Foreign Policy, 1961-1964: Background, Tenets, Linkage to Domestic Politics, and Aftermath. Tese (Doutorado em Filosofia) - Cornell University, Ithaca, 1973.). Essa literatura especializada normalmente destaca a adoção de critérios como o universalismo, a equidistância e o não alinhamento diante da competição Leste-Oeste. Sublinha, também, a cooperação para o desenvolvimento econômico e social Sul-Sul, bem como uma importante convergência e afinidades eletivas com outros governos latino-americanos de orientação democrática e nacional-desenvolvimentista - principalmente com a Argentina do presidente Arturo Frondizi. Eis o denominado espírito de Uruguaiana de consulta e concertação brasileiro-argentina, especialmente em termos de política bilateral, latino-americana, hemisférica e global. Mais especificamente, o presidente Jânio Quadros e o chanceler Afonso Arinos de Melo Franco trabalharam para ampliar e aprofundar as relações com os países ocidentais e capitalistas, desde que numa perspectiva de diversificação de interesses e opções, bem como de não-dependência ou subserviência em relação às prioridades estratégicas hemisféricas ou globais dos Estados Unidos, então governados pelo recém-empossado presidente John F. Kennedy (ARINOS, 1968ARINOS, Afonso. Planalto: Memórias. São Paulo: José Olympio, 1968.; FINNEY, 2005FINNEY, Patrick (Ed.). Palgrave Advances in International History. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2005.; FRANCO, 2007FRANCO, Alvaro da Costa (Org.). Documentos da Política Externa Independente. V. 1. Brasília: FUNAG, 2007.).

Durante o governo janista, também foi tomada a decisão de recompor as relações diplomáticas com a União Soviética do premiê Nikita Khrushchov e com outros países do Leste Europeu, tudo isso no marco da fase da coexistência pacífica da Guerra Fria. Mesmo assim, não foi possível, nessa época, um reatamento com a República Popular da China. Além disso, a Política Externa Independente de Quadros e de Goulart impulsionou uma aproximação ao mundo afro-asiático, especialmente ao nacionalismo árabe encabeçado pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, um líder político que Quadros visitou pessoalmente desde a época em que foi governador do Estado de São Paulo. Cumpre mencionar que essa convergência com o mundo afro-asiático motivou um gradual afastamento do governo brasileiro com relação ao colonialismo português no continente africano (ARINOS FILHO, 2001ARINOS FILHO, Afonso. Diplomacia independente: Um legado de Afonso Arinos. São Paulo: Paz e Terra, 2001.).

No caso das relações hemisféricas, é evidente que as consequências econômicas, políticas e de segurança decorrentes da Revolução Cubana - inclusive a cooperação e o conflito entre os governos de Washington, Havana e Moscou - demandaram particular atenção das autoridades de Brasília e Rio de Janeiro. Em termos conceituais, parece pertinente lembrar, junto a Theda Skocpol (1985, p. 16)SKOCPOL, Theda. Estados e revoluções sociais: Análise comparativa da França, Rússia e China. Lisboa: Presença, 1985., que

As revoluções sociais são transformações rápidas e radicais das estruturas de classe e de Estado de uma sociedade; e são acompanhadas e em parte levadas a cabo por revoltas das classes inferiores. As revoluções sociais distinguem-se de outras espécies de conflitos e de processos transformadores, sobretudo devido à combinação de dois aspectos coincidentes: a coincidência da mudança estrutural da sociedade com a sublevação de classe; e a coincidência entre a transformação política e a transformação social.

A definição acima é muito importante para os fins deste artigo. O conceito de Theda Skocpol (1985)SKOCPOL, Theda. Estados e revoluções sociais: Análise comparativa da França, Rússia e China. Lisboa: Presença, 1985. é sumamente significativo e apropriado para o estudo e a pesquisa do caso cubano, tanto em termos domésticos ou internos, quanto em termos de inserção internacional (HALLIDAY, 1999HALLIDAY, Fred. Repensando as relações internacionais. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999.). Nessa ordem de ideias, a revisão sistemática da literatura e a documentação de arquivo sugerem que o governo de Jânio Quadros - mesmo que, pessoalmente, ele fosse um político de centro-direita (LOUREIRO, 2009LOUREIRO, Felipe Pereira. Varrendo a democracia: Considerações sobre as relações políticas entre Jânio Quadros e o Congresso Nacional. Revista Brasileira de História, v. 29, n. 57, p. 187-208, jun. 2009.) - acreditava na relevância de manter os princípios de autodeterminação dos povos e de não intervenção nos assuntos internos dos outros Estados. Todavia, por razões que serão examinadas detalhadamente ao longo do manuscrito, seu governo demandou moderação, pragmatismo e responsabilidade, principalmente de estadunidenses e cubanos. É importante, assim, reconhecer desde agora que a questão cubana foi assunto fundamental no contexto da inserção internacional específica da Política Externa Independente, impulsionada nos governos de Jânio Quadros e de João Goulart (CERVO; BUENO, 2002CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: Ed. UnB, 2002.).

O presente artigo é resultado de pesquisa historiográfica desenvolvida a partir de fontes documentais consultadas no Arquivo do Ministério das Relações Exteriores - doravante AMRE. Em termos teórico-metodológicos, a pesquisa aceita as influências do enfoque denominado de Guerra Fria Latino-Americana, bem como os conceitos fundamentais da chamada escola francesa de história das relações internacionais. Resumidamente, o enfoque da Guerra Fria Latino--Americana propõe inovações na aproximação à temática, especialmente nos desenhos da pesquisa, no tratamento das fontes e na validação dos conhecimentos historiográficos (PETTINÀ, 2018PETTINÀ, Vanni. Historia mínima de la Guerra Fría en América Latina. Cidade do México: El Colegio de México, 2018.). Já a escola francesa de história das relações internacionais, principalmente desde os pioneiros trabalhos de Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle (2000)RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introducción a la historia de las relaciones internacionales. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2000., recomenda a realização de pesquisas historiográficas que possam ir além da história diplomática, e destaca a importância de conceitos fundamentais tais como forças profundas e homens de Estado - redefinidos como: sistema de causalidade e sistema de finalidade.

No tocante aos procedimentos metodológicos, é relevante assinalar que foram consultados documentos diplomáticos - secretos e confidenciais -, inclusive ofícios, memorandos internos, avisos, minutas de telegramas, para citar alguns tipos. A maioria desses documentos foi redigida na sede da chancelaria brasileira, ou resultou de trocas de mensagens com representações diplomáticas no exterior, sobretudo com as embaixadas em Havana e Washington e com as missões perante a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Também foram utilizadas memórias publicadas, ex-post-facto, por dois diplomatas brasileiros da época (ARINOS, 1968ARINOS, Afonso. Planalto: Memórias. São Paulo: José Olympio, 1968.; CUNHA, 1994CUNHA, Vasco Leitão da. Diplomacia em alto-mar: Depoimento ao CPDOC. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1994.) e outras fontes secundárias afins ao problema-objeto (TRACHTENBERG, 2006TRACHTENBERG, Marc. The Craft of International History: A Guide to Method. Princeton: Princeton University Press, 2006.).

A pergunta central que orienta o artigo é: durante o governo do presidente Jânio da Silva Quadros, entre janeiro e agosto de 1961, quais foram as percepções, interpretações e ações dos diplomatas brasileiros mais diretamente envolvidos na formulação e na implementação da política diante da questão cubana? A hipótese a ser testada sugere que, durante o governo de Quadros, a política brasileira diante da questão cubana teria sido orientada por diretrizes e princípios de não intervenção, autodeterminação e cooperação para o desenvolvimento; igualmente, teria havido um esforço para manter as divergências bilaterais entre Washington e Havana dentro do âmbito do sistema hemisférico.

Pressupõe-se, assim, que um mecanismo de relações entre brasileiros, estadunidenses, cubanos e soviéticos - com alguma influência também de outros governos e até de atores não estatais com vínculos e interesses no assunto - teria emergido desse cenário específico de ordem, transgressão, cooperação e conflito nas relações hemisféricas e globais. Todos esses fatores seriam particularmente relevantes no estudo e na pesquisa acerca do estilo de inserção internacional específico denominado Política Externa Independente. Consequentemente, o presente problema-objeto seria de interesse sob a perspectiva dos estudos e pesquisas acerca da história da política externa brasileira, das relações internacionais da América Latina e da história global da Guerra Fria (WESTAD, 2005WESTAD, Odd Arne. The Global Cold War: Third World Interventions and the Making of our Times. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.; BOOTH, 2021BOOTH, William. Rethinking Latin America’s Cold War. The Historical Journal, v. 64, n. 4, p. 1128-1150, Sep. 2021.).

Quadros e a política hemisférica e global: Teoria e prática da Política Externa Independente

A posse de Jânio Quadros, em janeiro de 1961, foi um acontecimento relevante na história política brasileira, principalmente no contexto da chamada Quarta República, vigente entre 1946 e 1964 (BRAZ, 2006BRAZ, José. A política externa no governo de Jânio Quadros. In: ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon; SEITENFUS, Ricardo; CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de (Ed.). Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990). V. 1 - Crescimento, modernização e política externa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 365-399.). No plano externo, a sucessão presidencial brasileira coincidiu com outros acontecimentos sumamente significativos, especialmente para os estudos e pesquisas acerca da Guerra Fria Latino-Americana. É o caso da chegada de John F. Kennedy à Casa Branca, em 20 de janeiro de 1961. Ocorre que o novo presidente estadunidense despertou esperanças de mudanças liberais domésticas e de política externa daquele país, particularmente para o continente latino-americano e naturalmente para a questão cubana (COSTIGLIOLA; HOGAN, 2016COSTIGLIOLA, Frank; HOGAN, Michael J.. Explaining the History of Ameri-can Foreign Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 2016.). No discurso de posse, Kennedy (1961, p. 267-270)KENNEDY, John Fitzgerald. Inaugural Address. In: UNITED STATES CONGRESS HOUSE (Org.). Inaugural Addresses of the Presidents of the United States from George Washington 1789 to John F. Kennedy 1961. Washington: United States Government Printing Office, 1961, p. 267-270. exclamou:

Saibam todas as nações, quer nos desejem o bem, quer o mal, que pagaremos qualquer preço, arrostaremos qualquer sacrifício, enfrentaremos qualquer inimigo, para assegurar a permanência e a vitória da liberdade.

(...) Para as repúblicas irmãs ao sul das nossas fronteiras, temos um compromisso especial: transformar as nossas boas palavras em bons atos, numa nova Aliança para o Progresso, para ajudar homens e governos livres a desembaraçarem-se das cadeias da pobreza. Mas essa pacífica revolução da esperança não pode servir de presa a potências hostis. Saibam todos os nossos vizinhos que estaremos ao lado deles para enfrentar a agressão ou subversão em qualquer parte das Américas. E saibam todas as outras potências que este hemisfério pretende continuar como dono da sua casa. (...) Por fim, às nações que se fizeram adversárias nossas, apresentamos não um compromisso, mas um pedido de que ambos os lados reiniciem esforços pela paz, antes que as sombrias forças da destruição desencadeadas pela ciência façam mergulhar toda a humanidade numa autodestruição planejada ou acidental.1 1 Trad. livre do autor: “Let every nation know, whether it wishes us well or ill, that we shall pay any price, bear any burden, meet any hardship, support any friend, oppose any foe, in order to assure the survival and the success of liberty. (…) To our sister republics south of our border, we offer a special pledge: to convert our good words into good deeds, in a new Alliance for Progress, to assist free men and free governments in casting off the chains of poverty. But this peaceful revolution of hope cannot become the prey of hostile powers. Let all our neighbors know that we shall join with them to oppose aggression or subversion anywhere in the Americas. And let every other power know that this Hemisphere intends to remain the master of its own house. (…) Finally, to those nations who would make themselves our adversary, we offer not a pledge but a request: that both sides begin anew the quest for peace, before the dark powers of destruction unleashed by science engulf all humanity in planned or accidental self-destruction”.

Segundo a embaixada brasileira em Havana, esse discurso de posse de Kennedy teria sido bem recebido pela elite revolucionária cubana. “Deixando implícito que Cuba já não pertence ao mundo ocidental, [o ministro Ernesto] Guevara indicou que o caso de Cuba não está compreendido na advertência feita por Kennedy, de impedir o estabelecimento do comunismo em novos países e sim enquadrado na fórmula geral da coexistência pacífica”, ponderou-se.2 2 ARQUIVO DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (AMRE), Brasília. Telegrama de Marcos Antônio de Salvo Coimbra ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), 25 jan. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 8 (Confidencial-urgente). Bem rápido, contudo, tornou-se evidente para todos os atores com vínculos e interesses no problema-objeto que, nos planos da nova administração norte--americana, a questão cubana não poderia ser contemporizada, seja por razões de prestígio, de segurança ou simplesmente de etnocentrismo. Nesse sentido, em 30 de janeiro de 1961, no marco de um importante discurso doméstico, Kennedy (1964, p. 25-35)KENNEDY, John Fitzgerald. Legado de um presidente: As memoráveis palavras de John Fitzgerald Kennedy. Rio de Janeiro: Record, 1964. afirmou:

Na América Latina, os agentes comunistas, tentando explorar a revolução pacífica da esperança naquela região, estabeleceram uma base em Cuba, a apenas noventa milhas das nossas costas. As nossas divergências com Cuba não se referem à luta do seu povo por vida melhor. A nossa objeção é ao seu domínio por tiranias estrangeiras e locais. A reforma social e econômica de Cuba deve ser incentivada. É sempre possível discutir questões econômicas e comerciais. Mas o domínio comunista deste hemisfério nunca poderá ser objeto de negociações.

De fato, antes mesmo de sua posse, Kennedy tinha reafirmado seu apoio aos planos herdados do governo de Dwight Eisenhower e da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos para derrubar o governo cubano. Ainda que sem pretender retroceder à situação de 1958, o novo presidente dos Estados Unidos solicitou planejamento para uma ofensiva contrarrevolucionária, denominada operação Zapata. Para tanto, recomendou-se a unificação dos diferentes segmentos do exílio cubano e a incorporação de figuras de esquerda em um anticastrista Conselho Revolucionário - inclusive de personalidades de prestígio como Manuel Ray e José Miró Cardona (GLEIJESES, 1995GLEIJESES, Piero. Ships in the Night: The CIA, the White House and the Bay of Pigs. Journal of Latin American Studies, v. 27, n. 1, p. 1-42, Feb. 1995.). A esse respeito, em fevereiro de 1961, a embaixada brasileira em Havana informou ao Itamaraty: “Circulam notícias de que diversos grupos contrários ao Governo revolucionário com base na Flórida, estão em vias de entendimento, visando uma comunhão de esforços para oposição mais objetiva ao regime de desconformidade de Fidel Castro”. Segundo o documento, “[ao] que parece, o novo Governo norte-americano tem procurado estimular a aliança entre aqueles grupos, como primeiro passo indispensável a qualquer ação mais efetiva contra este Governo”.3 3 AMRE, Brasília. Telegrama de Marcos Antônio de Salvo Coimbra ao MRE, 7 fev. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 19 (Confidencial-urgente). Dessarte, no fim de março, um dos mais proeminentes dirigentes do recém-criado Conselho Revolucionário cubano - provavelmente seu líder, José Miró Cardona - teria dito ao encarregado de negócios do Brasil em Havana, Carlos Jacyntho de Barros, que “o Governo cubano não chegará a 1º de julho”.4 4 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, 30 mar. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 61 (Confidencial). Cumpre mencionar que o diplomata brasileiro teria conversado com o referido líder do Conselho Revolucionário cubano em viagem que o primeiro fez à cidade de Miami, local que era sede do movimento anticastrista em questão. Na hipótese de ser bem-sucedida a operação Zapata, José Miró Cardona estava cotado para assumir o cargo de presidente provisório do país.

No plano multilateral, o presidente Kennedy exigiu de seus colaboradores no Departamento de Estado, então dirigido por Dean Rusk, redobrar a pressão para conseguir uma cobertura moral da Organização dos Estados Americanos que permitisse impor uma justificativa regional para as iniciativas de Washington. Sob a perspectiva do conceito da segurança coletiva interamericana, argumentou-se que o governo de Cuba deveria abandonar seus acordos político-militares e econômicos com a União Soviética e retornar ao convívio hemisférico. Caso contrário, do ponto de vista do governo de Washington, uma intervenção coletiva ou unilateral poderia ser organizada, seguindo o modelo praticado na Coreia em 1950 ou no Congo/Zaire em 1960-1961 (FREEDMAN, 2002FREEDMAN, Lawrence. Kennedy’s Wars: Berlin, Cuba, Laos, and Vietnam. Oxford: Oxford University Press, 2002.; GADDIS, 2005GADDIS, John L.. The Cold War: A New History. Londres: Penguin, 2005.).

Para conseguir esse apoio hemisférico, ou pelo menos a tolerância e a aquiescência dos governos latino-americanos, a administração Kennedy ofereceu a iniciativa da Aliança para o Progresso - que incluía créditos e assessoria técnica - aos países dispostos a impulsionar reformas socioeconômicas. Na mesma época, e no mesmo sentido, Washington anunciou a criação da Escola das Américas, com intuito de disseminar as doutrinas norte-americanas aos militares latino-americanos, com ênfase em luta contrainsurgente (MONIZ BANDEIRA, 1998MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.).

São particularmente significativas as pressões diplomáticas dos Estados Unidos sobre o Brasil, que na época relutava em conceder seu respaldo aos projetos norte-americanos orientados a conter, recompor ou destruir a Revolução Cubana. Nesse contexto, uma figura-chave no esquema de pressão norte-americana sobre o Brasil e outros países do continente era o assessor especial para a América Latina do Departamento de Estado, o embaixador Adolf Berle. Esse diplomata conhecia relativamente bem o Brasil, por ter trabalhado na representação norte-americana no Rio de Janeiro entre 1945 e 1946. Nesse cenário, o embaixador brasileiro em Washington, Carlos Alfredo Bernardes, informou ao Itamaraty, no início de fevereiro de 1961:

Adolf Berle, a que visitei hoje, declarou-me hoje que o Governo americano tem em mente promover uma ação conjunta do Hemisfério contra o Governo cubano. Acredita, pessoalmente, Berle que este será um teste definitivo e final do sistema interamericano. Caso a atitude conjunta [se] provar impossível, cada país teria direito a agir como melhor lhe parecer. Notara que o Brasil desejava manter relações cordiais com Cuba. Não via como os Estados Unidos da América poderiam fazer o mesmo, em face dos constantes insultos de que são alvo e do domínio comunista sobre o Governo cubano. As consultas com os Governos latino-americanos se iniciarão brevemente. Tive a impressão de que Berle tem em vista a convocação de uma nova Reunião de Consulta, a fim de tratar do problema [cubano].5 5 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 7 fev. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 82 (Confidencial-urgente).

“O que disse Berle causou preocupação”, respondeu-se do Ministério das Relações Exteriores (MRE), acrescentando-se que “[ver] na tentativa de ação conjunta contra Cuba um teste definitivo do sistema interamericano é, neste momento, submetê-lo a excessivo risco” e “[agir] unilateralmente se falhar a ação conjunta poderia desmoralizá-lo ainda mais”. Em consequência, segundo a mesma fonte, o embaixador brasileiro em Washington, Carlos Alfredo Bernardes, teria sido instruído pelo MRE a “fazer sentir [ao governo daquele país], desde já e informalmente, que, embora disposto a examinar continuadamente o problema, o Governo brasileiro não considera o momento azado para uma operação capaz de evidenciar possíveis tergiversações e mesmo cisão entre as Repúblicas Americanas”.6 6 AMRE, Brasília. Telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 10 fev. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 65 (Confidencial). Em outras palavras, nesse momento inicial - e especialmente após o trágico precedente do assassinato do líder congolês Patrice Lumumba, em janeiro de 1961 -, o governo de Jânio Quadros não concordava com a realização de uma nova reunião de alto nível sob a égide da OEA, como pretendido pela administração Kennedy (BEZERRA, 2012BEZERRA, Gustavo Henrique Marques. Da revolução ao reatamento: A política externa brasileira e a questão cubana (1959-1986). Brasília: FUNAG, 2012.).

Ainda no mês de fevereiro de 1961, Berle viajou ao Brasil e à Colômbia. No Rio de Janeiro e em Brasília, o assessor do Departamento de Estado se entrevistou com o chanceler e o presidente. Os relatos disponíveis sobre ambos os encontros sugerem que eles foram bastante tensos, já que o governo brasileiro acabou negando o apoio solicitado. Em outras palavras, Berle não conseguiu confirmar o respaldo - ou mesmo a tolerância - do governo brasileiro para a realização de uma ação conjunta contra Cuba.

A documentação consultada sugere que a negativa brasileira e de outros países do continente, especialmente do México, muito contrariavam os interesses do Departamento de Estado e da Casa Branca. Inversamente, a administração norte-americana recusou-se a aceitar a interposição de bons ofícios e tentativas de mediação para resolver, pela via negociada, o conflito bilateral cubano-estadunidense, oferecidas pelo Brasil e outros países do continente, inclusive as propostas de mediação formalmente apresentadas pelos governos de Argentina, México, Canadá ou Equador. A administração Kennedy também recusou os esforços do próprio governo cubano para resolver bilateralmente suas divergências. Diante dessa virtual intolerância, no final de março de 1961, a chancelaria cubana teria manifestado ao governo de Buenos Aires que era “lamentavelmente inútil tomar qualquer iniciativa a respeito enquanto o governo dos Estados Unidos da América não assumisse uma atitude propícia a negociar, por via bilateral, em pé de igualdade e com agenda aberta, suas divergências com o Governo cubano”.7 7 AMRE, Brasília. Ofício de Aguinaldo Boulitreau Fragoso a Afonso Arinos de Melo Franco, 24 mar. 1961. Embaixada do Brasil em Buenos Aires, n. 104 (Confidencial).

Na opinião da embaixada brasileira em Washington, a referida intolerância se explicaria pelo “temor de que qualquer abrandamento em relação a Castro possa dar lugar a novos surtos antiamericanos no continente, e venha infundir desânimo às hostes cubanas anticastristras empenhadas na luta armada que ora se trava naquele país”. No mesmo documento, concluiu-se:

Assim sendo, a falta de receptividade norte-americana às recentes e amáveis sondagens de paz, por parte do governo cubano [bem como de outros países] não seria meramente fruto de um ressentimento, que existe, sem dúvida, mas também parte de uma diretriz estratégica continental que visa impedir a propagação de movimentos da mesma índole ideológica.8 8 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 23 fev. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 96 (Confidencial).

Todavia, poucos dias antes da tentativa de invasão anfíbia impulsionada pelos serviços de inteligência norte-americanos, a mesma fonte transmitiu ao Itamaraty um aviso ponderando que a chancelaria estadunidense o tinha informado que “qualquer sugestão ou proposta de mediação entre os Estados Unidos e Cuba seria respondida pelo Governo norte-americano nos mesmos termos da resposta dada ao Governo argentino sobre o assunto”; isso é, uma resposta intransigente e negativa. Duas semanas antes da execução da operação Zapata, portanto, o embaixador Carlos Alfredo Bernardes se afirmou “convencido de que este Governo [de Kennedy] não veria, com agrado, a gestão de apoio à interposição de bons ofícios ou mediação por parte de qualquer país”.9 9 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 6 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 248 (Secreto-urgente).

A polarização político-ideológica e as pressões diplomáticas do governo de Kennedy, que se voltavam à imposição de sanções e ao isolamento contra Cuba em países latino-americanos de orientação democrática, geravam enormes tensões domésticas nestes, devido às consideráveis simpatia e admiração que a Revolução Cubana continuava alimentando na região (KARL, 2016KARL, Robert A.. Reading the Cuban Revolution from Bogotá, 1957-1962. Cold War History, v. 16, n. 4, p. 337-358, 2016.). Mesmo com seus excessos iniciais, bem como com não poucas denúncias de efetiva ação subversiva, propagandística e inamistosa de parte do pessoal diplomático cubano lotado em representações perante numerosos governos do continente, a Revolução Cubana ainda contava com certo apoio em países latino-americanos, especialmente em meios sindicais, camponeses, estudantis e de classe média, além de partidos de centro-esquerda. Daí que a questão cubana fosse cada vez mais importante em termos continentais (THOMAS, 1989THOMAS JR., Ronald C.. Influences on Decisionmaking at the Bay of Pigs. International Journal of Intelligence and Counterintelligence, v. 3, n. 4, p. 537-548, 1989.; HARMER, 2019HARMER, Tanya. The “Cuban Question” and the Cold War in Latin America, 1959-1964. Journal of Cold War Studies, v. 21, n. 3, p. 114-151, Summer 2019.).

Cumpre reiterar que, em certos casos, a elite revolucionária cubana considerou apropriado apoiar elementos insurgentes atuantes em outros países. Consequentemente, o governo do primeiro-ministro Fidel Castro acabou sendo acusado de tentar “exportar a revolução”. Tal situação terminou alienando a simpatia de crescente número de governos, que não deixaram de reclamar bilateral ou multilateralmente (SPENSER, 2005SPENSER, Daniela. Revolutions and Revolutionaries in Latin America Under the Cold War. Latin American Research Review, v. 40, n. 3, p. 377-389, 2005.). A esse respeito, a documentação consultada sugere que, ainda durante a administração de Juscelino Kubitschek de Oliveira, as relações diplomáticas brasileiro-cubanas ficaram estremecidas em numerosos momentos pelo inamistoso agir de alguns diplomatas cubanos lotados no Rio de Janeiro (DOMÍNGUEZ AVILA, 2022DOMÍNGUEZ AVILA, Carlos Federico. Kubitschek, a Revolução Cubana e a competição Leste-Oeste, 1959-1961: O Brasil e a recomposição da Guerra Fria Latino-Americana. Estudos internacionais, v. 10, n. 1, p. 94-116, abr. 2022.). Essa situação posteriormente derivou no rompimento de relações diplomáticas entre Havana e quase todos os outros países latino-americanos, além de incentivar as forças reacionárias, que acabariam fomentando numerosos golpes militares e a chamada segunda onda de autocratização pós-1962 (FIELD; KREPP; PETTINÀ, 2020FIELD, Thomas; KREPP, Stella; PETTINÀ Vanni (Ed.). Latin America and the Global Cold War. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2020.).

A batalha da baía dos Porcos e seus desdobramentos sob a perspectiva da Política Externa Independente

Entre 17 e 19 de abril de 1961, a denominada Brigada de Assalto 2506 tentou uma invasão anfíbia na baía dos Porcos - também chamada de invasão da praia Girón, na região centro-sul da ilha de Cuba (SZULC, 1961SZULC, Tad. Anti-Castro Units Land in Cuba; Report Fighting at Beachhead; Rusk Says U.S. Won’t Intervene. New York Times, Nova York, 18 Apr. 1961, p. 1.; LOEB, 2000LOEB, Vernon. Soviets Knew Date of Cuba Attack. Washington Post, Washington, 29 Apr. 2000, p. A4.).10 10 Em 15 de abril de 1961, dois dias antes da tentativa de invasão na baía dos Porcos, houve um ataque aéreo das forças insurgentes contra bases da aeronáutica cubana. Esses ataques provocaram vítimas civis e foram objeto de um forte debate no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Outrossim, em 16 de abril, Castro valeu-se da conjuntura para declarar publicamente o caráter socialista da Revolução Cubana. Cumpre sublinhar que dito pronunciamento marcou significativamente o devir, quer da Revolução Cubana, quer da Guerra Fria Latino-Americana (MONIZ BANDEIRA, 1998, p. 295). Após 72 horas de violentos combates, a referida Brigada 2506 foi derrotada pelo exército e pelas milícias do regime revolucionário cubano. Logo após o cessar-fogo, no dia 20 de abril, o embaixador brasileiro em Washington, Carlos Alfredo Bernardes, foi recebido pelo conselheiro especial da Casa Branca Richard Goodwin para tratar de dois assuntos. De um lado, a situação em Cuba; de outro, o andamento das negociações econômicas e financeiras bilaterais e multilaterais. Ambos os assuntos eram importantes e significativos. Com efeito, em um contexto de importantes dificuldades macroeconômicas no governo de Quadros, as fontes consultadas sugerem que houve a possibilidade de uma virtual vinculação do apoio da administração Kennedy à reestruturação da dívida brasileira em organismos financeiros internacionais, bem como da concessão de novos créditos do próprio governo de Washington, em troca de uma aquiescência, tolerância ou compreensão do governo brasileiro diante da política norte-americana em relação à questão cubana.

No tocante à Brigada 2506, isso é, uma força expedicionária organizada, treinada e armada pela inteligência estadunidense no marco da operação Zapata, Goodwin teria declarado que a situação era “catastrófica”, já que as tropas invasoras tinham sido “completamente destruídas”. O assessor do presidente Kennedy teria reconhecido que, doravante, não se poderia contar com um “levante interno de grandes proporções”, que o governo fidelista tinha “forças suficientes para enfrentar, com vantagem, qualquer ataque que não conte com a participação direta de tropas norte-americanas” e que um ataque frontal dos Estados Unidos contra Cuba teria “péssimas consequências para a política norte-americana na América Latina, Ásia e África”. Consequentemente, poucas horas após o fracasso na batalha da baía dos Porcos, Bernardes ponderou, em seu relatório ao Itamaraty, que “a administração [Kennedy] está confusa e não sabe ainda qual o melhor caminho a seguir”.11 11 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 20 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 282 (Urgente-secreto).

Com relação às urgentes negociações financeiras e comerciais então em curso com os Estados Unidos - e com certos organismos financeiros internacionais, entre eles o Fundo Monetário Internacional (LOUREIRO, 2013LOUREIRO, Felipe Pereira. Dois pesos, duas medidas: Os acordos financeiros de maio de 1961 entre Brasil e Estados Unidos durante os governos Jânio Quadros e João Goulart (1961-1962). Economia e Sociedade, v. 22, n. 2, p. 547-576, ago. 2013.) -, Goodwin teria informado ao embaixador brasileiro em Washington que “o Governo americano está disposto a nos apoiar firmemente e está pronto para estender créditos imediatos no valor de 300 milhões de dólares ‘em dinheiro novo’”. Ambos os funcionários teriam concordado que o assunto financeiro, comercial e econômico bilateral deveria continuar avançado urgentemente, “independentemente do que está ocorrendo em Cuba e outras áreas”.12 12 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 20 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 282 (Urgente-secreto). Ainda que Goodwin tenha afirmado discordar da eventual vinculação do apoio financeiro estadunidense ao Brasil a uma crescente aquiescência do governo de Jânio Quadros à política de Washington no concernente a Cuba, outros funcionários do governo dos Estados Unidos especularam sobre essa possibilidade. As partes concordaram, todavia, sobre a relevância de impulsionar um encontro presidencial entre ambos os mandatários para examinar os problemas bilaterais, continentais e mundiais.

Como será discutido mais à frente, a documentação consultada sugere que Adolf Berle e o próprio presidente John F. Kennedy elucubraram sobre essa possibilidade de vinculação econômico-política, sob o argumento de que a opinião pública dos Estados Unidos dificilmente poderia aceitar a concessão de apoio financeiro de Washington ao Brasil, quando a administração de Jânio Quadros resistia e expressava oposição à política daquele país em relação à alegada infiltração comunista em Cuba. Em outras palavras, tratar-se-ia de uma forma de pressão diplomática norte--americana em relação ao Brasil de Jânio Quadros. Essa pressão de Washington aumentou significativamente após a batalha da baía dos Porcos.

De fato, a partir de maio de 1961, o grupo de políticos e diplomatas encabeçado por Adolf Berle manifestou que, no contexto da renovada disputa contra o regime castrista, passaria a ser plausível um atrelamento do apoio financeiro ou comercial ao Brasil a uma colaboração quanto a Cuba. As fontes sugerem que essa possível vinculação entre as relações econômicas brasileiro-estadunidenses, de um lado, e o relacionamento político-diplomático brasileiro com o regime cubano, de outro, despertou certa preocupação no Itamaraty. De fato, na última semana de maio de 1961, o MRE instruiu à embaixada em Washington a “fazer sentir a esse Governo [de Kennedy] nossa fundada preocupação pelas repercussões que poderão aduzir de uma vinculação entre a atribuição da quota de açúcar e a atitude do Brasil com relação a Cuba”.13 13 AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 30 maio 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 257 (Secreto).

Ao mesmo tempo, a derrota da força expedicionária na baía dos Porcos provocou outras importantes reações internacionais. Dentro de Cuba, o prestígio da liderança revolucionária aumentou significativamente (GUERRA, 2014GUERRA, Lillian. Visions of Power in Cuba: Revolution, Redemption, and Resistance, 1959-1971. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2014.). Na comemoração do Dia do Trabalho em 1º de maio de 1961 - isso é, duas semanas após os combates da baía dos Porcos -, Castro ratificou o curso político-ideológico da revolução. Ele argumentou que a Constituição de 1940, então vigente na ilha, teria que ser substituída “por uma constituição socialista que corresponda ao novo sistema”. Alertou que, durante um lapso de tempo, não poderiam ser realizadas eleições livres e transparentes. Afirmou que a “revolução, em seu sentido dinâmico, é uma eleição todos os dias, uma constante reunião com todo o povo”. Em consequência, para a embaixada brasileira em Havana, “o regime cubano está tendendo cada dia mais para a linha das repúblicas populares, no que tange à aplicação do marxismo--leninismo, a caminho de um regime comunista, isso, apesar do personalismo de Castro, de cujas convicções marxistas é lícito duvidar, mas que está seduzido pela possibilidade de uma plena vitória”.14 14 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, 7 maio 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 110 (Confidencial-urgente).

O fiasco da invasão da baía dos Porcos foi objeto de importantes apurações internas por oficiais do governo dos Estados Unidos (KORNBLUH, 1998KORNBLUH, Peter (Ed.). Bay of Pigs Declassified: The Secret CIA Report on the Invasion of Cuba. Nova York: New Press, 1998.). Mesmo assim, Kennedy decidiu não só continuar oferecendo apoio aos contrarrevolucionários cubanos, como também solicitou das Forças Armadas dos Estados Unidos projetos para uma futura invasão da ilha. Nessa linha, informou-se ao Itamaraty que “o Governo americano já teria decidido, de forma definitiva, pôr fim ao Governo de Castro”.15 15 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 2 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 301 (Secreto-urgente). Eis os prolegômenos da chamada operação Mongoose - ou Mangusto. Resumidamente, o objetivo era incrementar os esforços orientados a desestabilizar o regime cubano, inclusive com o eventual assassinato de Fidel Castro e outros altos dirigentes do governo de Havana. Com esse propósito, alguns insurgentes cubano--americanos passaram a servir diretamente no Exército americano. Com efeito, parte desses militares e assessores cubano-americanos também acabaria trabalhando em operações no Vietnã do Sul, na Bolívia e em outras nações (MONIZ BANDEIRA, 1998MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998., p. 393).16 16 Ver, também: AMRE, Brasília. Telegrama de Aluysio Guedes Regis Bittencourt ao MRE, 28 nov. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 149 (Confidencial).

Cumpre acrescentar que, durante certo tempo, os setores mais radicais do exílio cubano domiciliados em território estadunidense denunciaram duramente uma suposta “traição” da administração Kennedy, principalmente por negar o vital apoio aéreo no momento decisivo da luta (HUSAIN, 2005HUSAIN, Aiyaz. Covert Actions and US Cold War Strategy in Cuba, 1961-62. Cold War History, v. 5, n. 1, p. 23-53, Feb. 2005.).17 17 O governo dos Estados Unidos também negou permissão para o estabelecimento em seu território de um governo cubano no exílio. Assim sendo, os mais de mil prisioneiros da Brigada de Assalto 2506 somente foram libertados em dezembro de 1962, após um acordo de intercâmbio daqueles expedicionários por alimentos, remédios e peças de reposição de máquinas orçados em 50 milhões de dólares.

No interlúdio, numerosos foram os pedidos de clemência para os prisioneiros cubanos encaminhados pelas autoridades brasileiras, inclusive pelo presidente Jânio Quadros, procurando evitar o fuzilamento em massa daqueles indivíduos. Em retrospectiva, tratou-se do momento mais repressivo do regime revolucionário cubano, em virtude da alegada necessidade de garantir suas sobrevivência e continuidade. Sendo assim, a embaixada brasileira em Havana ponderou, em outubro de 1961:

a oposição cubana a Fidel Castro não está preparada para organizar, com seus próprios recursos, um ataque de importância contra o atual regime, em futuro próximo. A rede contrarrevolucionária que operava no país foi completamente desmantelada, após os sucessos de abril último. Seus elementos mais ativos se asilaram em massa, ou simplesmente deixaram o país por outros processos - as bombas que sacudiam Havana todas as noites, e os incêndios que destruíam plantações e edifícios ocupados pelo Governo já não mais ocorrem. Em Miami, principal reduto dos anticastristas, predominam o desânimo e a perplexidade: alguns categorizados oposicionistas parecem ter trocado a política por outras ocupações mais pacíficas, enquanto o chamado Conselho Revolucionário se encontra em estado de crise permanente. Reflexo das dificuldades é a falta de ressonância, na massa cubana residente nos Estados Unidos, aos nomes sugeridos para a chefia de um possível governo cubano no exílio, como é o caso do ex-Presidente Carlos Prio Socarrás.

(...) Parece óbvio, sobretudo após a experiência de Praia Girón, que uma nova invasão da ilha por exilados cubanos, se acaso realizada, somente teria êxito na hipótese de uma participação mais direta dos Estados Unidos. Muitos são os que sustentam que se aviões americanos tivessem apoiado o desembarque de 17 de abril, seu resultado teria sido outro.18 18 AMRE, Brasília. Ofício de Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, [c. 12 out.] 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 173 (Confidencial).

O prestígio dos Estados Unidos no continente - tanto em termos bilaterais como multilaterais - também ficou abalado. Desde seu nascedouro, no início de 1960, a Brigada 2506 era praticamente integrada por assalariados da inteligência norte-americana. Em consequência, numerosos dirigentes da Agência Central de Inteligência, inclusive seu diretor, Allen Dulles, acabaram perdendo seus cargos. Adolf Berle, principal diplomata estadunidense com responsabilidades nas relações hemisféricas, também teria ficado desmoralizado e enfraquecido dentro do governo. Nesse meio-tempo, Berle criticou duramente as posições brasileira e de outros países - especialmente do México - que se negavam a cooperar na concessão de uma cobertura moral à OEA para executar uma ação coletiva contra a revolução cubana (SCHOULTZ, 2009SCHOULTZ, Lars. That Infernal Little Cuban Republic: The United States and the Cuban Revolution. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2009.).

Para os soviéticos, a vitória revolucionária parece ter sido muito bem recebida. O premiê Nikita S. Khrushchov aproveitou o episódio da baía dos Porcos para alfinetar Kennedy, na reunião de cúpula de Viena, em junho de 1961. Rapidamente se tornou evidente, contudo, que a defesa do novo aliado seria bastante difícil e custosa, em virtude da enorme distância geográfica entre a União Soviética e Cuba. Nesse diapasão, existe evidência documental que sugere que os soviéticos demandaram de Havana um esforço de acomodação com Washington (REEVES, 2014REEVES, Michelle Denise. Extracting the Eagle’s Talons: The Soviet Union in Cold War Latin America. Tese (Doutorado em Filosofia) - University of Texas, Austin, 2014.). Na opinião do governo de Moscou, crescente moderação e pragmatismo do governo cubano poderiam, sim, permitir uma recomposição das relações bilaterais com a administração Kennedy. Nessa hipótese, não seria necessário assumir os custos e riscos de ter que manter e proteger financeira, política e militarmente um governo tão distante e vulnerável. No marco da denominada operação Mangusto, porém, o governo dos Estados Unidos manteve-se no conceito da máxima pressão contra o regime revolucionário cubano (FURSENKO; NAFTALI, 1998FURSENKO, Aleksandr; NAFTALI, Timothy. “One Hell of a Gamble”: Khrushchev, Castro and Kennedy, 1958-1964. Nova York: W. W. Norton & Co., 1998.).

Desse modo, as agressivas políticas de Washington terminaram favorecendo a ideia de instalar mísseis nucleares soviéticos de alcance intermediário na ilha caribenha - inclusive para equilibrar a presença desse mesmo tipo de arma de destruição em massa dos Estados Unidos na Turquia e em outros países europeus. Evidentemente, tudo isso levou os diferentes atores para a crise dos mísseis soviéticos em Cuba de outubro de 1962 (DOBBS, 2008DOBBS, Michael. One Minute to Midnight: Kennedy, Khrushchev, and Castro on the Brink of Nuclear War. Nova York: Alfred A. Knopf, 2008.). A esse respeito, e diante das frequentes e plausíveis ameaças de Kennedy e aliados, parece pertinente acrescentar que o governo de Castro foi bem-sucedido em comprometer o apoio soviético a Cuba. O assunto é importante porque, na época dos fatos, não faltaram vozes que advertiram sobre uma eventual traição soviética, transformando a Revolução Cubana em moeda de troca, no contexto das tensões Leste-Oeste (ALLISON; ZELIKOW, 1999ALLISON, Graham; ZELIKOW, Philip. Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis. Nova York: Longman, 1999.).19 19 Em dezembro de 1961, um diplomata búlgaro teria dito ao representante brasileiro na ONU o seguinte: “caso haja intervenção direta em Cuba, a União Soviética se sentirá com as mãos livres na Ásia”. Essa fonte teria mencionado, expressamente, Irã, Laos e Coreia “como possíveis alvos da intervenção comunista”, e dito que “a Ásia, liberta dos ocidentais, compensaria largamente a perda de Cuba”. AMRE, Brasília. Telegrama de Afonso Arinos de Melo Franco ao MRE, 5 dez. 1961. Missão do Brasil junto à ONU, Nova York, n. 250 (Confidencial).

A interdependência econômica, político-diplomática e militar de Havana em relação ao bloco comunista aumentou significativamente após a batalha da baía dos Porcos. Numerosos projetos de industrialização com apoio soviético, tcheco, polonês e de outros países do Leste Europeu se tornaram estratégicos para reduzir o desemprego e transformar a estrutura tradicionalmente açucareira da ilha (BUSTAMANTE; LAMBE, 2019BUSTAMANTE, Michael J.; LAMBE, Jennifer L. (Ed.). The Revolution from Within: Cuba, 1959-1980. Durham: Duke University Press, 2019.). Cumpre destacar que a questão do desenvolvimento industrial era um assunto particularmente significativo para o então ministro da Indústria, Ernesto Guevara de la Serna. A esse respeito, em fevereiro de 1962, a embaixada brasileira em Havana ponderou:

Em conversa que tive com o Embaixador soviético aqui, revelou-me ele, falando em conversa de muita franqueza, que os planos do Governo cubano no setor industrial compreendem a instalação no país, nos próximos anos, de cerca de 130 fábricas. (...) Segundo o Embaixador da URSS, a ideia central que preside os projetos de industrialização do Governo cubano consiste em tornar o país [autos]suficiente, em futuro próximo, em uma série de produtos fundamentais de consumo imediato e obrigatório, que atualmente têm de ser importados a custos acrescidos pelas enormes distâncias entre os portos fornecedores e Cuba. O representante soviético referiu-se também às dificuldades que a pequenez do mercado cubano opõe à industrialização mais completa do país e a propósito repetiu, como em anteriores conversas comigo, ser necessário para Cuba que se restabeleça o comércio com os Estados Unidos.20 20 AMRE, Brasília. Telegrama de Luiz Bastian Pinto ao MRE, 2 fev. 1962. Embaixada do Brasil em Havana, n. 15 (Confidencial).

Consequentemente, os soviéticos continuaram pressionando por uma moderação do personalismo castrista, e também torcendo para conseguir algum tipo de entendimento ou modus vivendi entre Havana e Washington. Em outras palavras, Moscou ainda apostava em uma normalização das relações diplomáticas e no reestabelecimento do comércio bilateral. Do ponto de vista de Moscou, a recomposição das relações econômicas e políticas entre Havana e Washington era pertinente, inclusive, para financiar as indenizações e outras despesas geradas pela nacionalização de empresas privadas cubanas e estrangeiras - quer dizer, estadunidenses - nos primeiros três anos da revolução na ilha.

Concomitantemente, as fontes assinalam que o paradigma nacional-desenvolvimentista era apreciado pelo regime castrista. “Os comunistas parecem dispostos a querer mostrar que, sob a influência norte-americana, Cuba não foi mais que o açucareiro do mundo, enquanto a ajuda socialista lhe garantiria, em apenas um decênio, uma invejável posição de país semi-industrializado”, ponderou, em fevereiro de 1961, um diplomata brasileiro, ao refletir sobre o devir das relações cubano-soviéticas. Na opinião dessa fonte, a industrialização cubana poderia ter “efeitos fulminantes sobre o prestígio norte-americano na América Latina, dado o fascínio que as ideias de industrialização exercem na imaginação dos povos deste Continente”.21 21 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, 23 fev. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 15 (Confidencial).

Infere-se que, ao longo do governo de Jânio Quadros, as relações entre brasileiros, estadunidenses, cubanos e soviéticos eram relevantes e significativas. Sabe-se que o insucesso da Brigada 2506 acabou erigindo-se em um fiasco até pessoal para o próprio presidente Kennedy e para a inteligência daquele país. Inversamente, o prestígio do governo cubano aumentou significativamente, e os soviéticos aparentemente ficaram satisfeitos e confiantes no sentido de que seus investimentos em projetos econômicos, armas, apoio político-diplomático e mobilização ideológica não seriam perdidos na hipótese de uma derrubada ou um fracasso do governo fidelista (CASTRO; PRENDES, 1978CASTRO, Fidel; PRENDES, Álvaro. Así se derrotó al imperialismo. V. 2 - El combate y la victoria. Cidade do México: Siglo XXI, 1978.). Todavia, sob a perspectiva brasileira, o resultado da operação Zapata abriu temporariamente a possibilidade de novos entendimentos bilaterais e multilaterais com as outras partes, procurando uma saída pacífica, negociada e não intervencionista para a crise (HARMER, 2019HARMER, Tanya. The “Cuban Question” and the Cold War in Latin America, 1959-1964. Journal of Cold War Studies, v. 21, n. 3, p. 114-151, Summer 2019.).

Henry Cabot Lodge Jr. e Adlai Stevenson no Brasil, e Clemente Mariani na Casa Branca: Vicissitudes na construção de um consenso estratégico hemisférico

“É fora de qualquer dúvida que o Governo americano está dando total apoio logístico às forças anticastristas”, informou, em 18 de abril de 1961, ao Itamaraty o embaixador brasileiro em Washington, Carlos Alfredo Bernardes.22 22 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 18 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 274 (Secreto). No dia seguinte, o representante brasileiro junto à OEA, Fernando Lobo, relatou que existia “expectativa e apreensão” nesse foro hemisférico diante dos acontecimentos em Cuba. Segundo essa fonte, “Muitos consideram aqui que a invasão foi prematuramente iniciada, reinando dúvida sobre a vitória dos rebeldes, cuja possibilidade de sucesso está enfraquecida pela ausência esperada de defecções na milícia de Fidel Castro”. Referindo-se aos Estados Unidos, Lobo concordou que uma vitória do regime revolucionário “constituiria, certamente, imenso desprestígio para este país”.23 23 AMRE, Brasília. Telegrama de Fernando Lobo ao MRE, 19 abr. 1961. Delegação do Brasil junto à OEA, Washington, n. 113 (Confidencial). Com efeito, apenas três meses após sua posse, o insucesso da Brigada de Assalto 2506 acabou sendo um revés até pessoal para o presidente Kennedy. “Há um velho ditado que diz que a vitória tem cem pais, mas a derrota é órfã. Eu sou o oficial responsável do governo”, reconheceu o presidente estadunidense, logo após os acontecimentos na ilha (citado por MONIZ BANDEIRA, 1998MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998., p. 294).

Mesmo após o fracasso da operação Zapata, a administração Kennedy não estava disposta a contemporizar ou aceitar o socialismo cubano, e muito menos a presença de tropas regulares soviéticas na ilha. Em consequência, poucos dias após a derrota da Brigada 2506, uma nova fase de pressão econômica, política e militar foi imposta pelos norte-americanos ao regime cubano - eis a denominada operação Mangusto (BUSTAMANTE, 2021BUSTAMANTE, Michael J.. Cuban Memory Wars: Retrospective Politics in Revolution and Exile. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2021.; MONIZ BANDEIRA, 1998MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.). Nesse novo contexto de confronto bilateral, em 25 de abril, o emissário norte-americano Henry Cabot Lodge Jr. entrevistou-se com o chanceler Afonso Arinos de Melo Franco no Rio de Janeiro. Na ocasião, o veterano diplomata e político estadunidense - então em missão especial a pedido do presidente Kennedy - expressou ao ministro brasileiro a preocupação do governo de Washington “em face da evidente influência comunista em Cuba”. Em sua opinião, “Castro não é hoje um líder americano, mas um títere nas mãos dos dirigentes soviéticos”.24 24 AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 25 abr. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 196 (Secreto).

Segundo o relato de Henry Cabot Lodge Jr., a fracassada tentativa de invasão anfíbia “teria sido precipitada pela notícia de que iam chegar inúmeros pilotos tchecos ou [cubanos] treinados na Tcheco-Eslováquia”. Esses pilotos, capacitados para o uso de aviões MiG-21, acabariam tornando virtualmente invulnerável o regime castrista sob a perspectiva militar - especialmente no marco da operação Zapata.25 25 Com efeito, duas semanas antes da batalha da baía dos Porcos, a Embaixada brasileira em Washington informou ao Itamaraty que a questão cubana tinha assumido renovada urgência para o governo de Kennedy, principalmente ao se constatar o acelerado programa de modernização das forças armadas da ilha, com massivo apoio do governo de Moscou e de outros países do Leste Europeu. Assim sendo, ponderou-se: a “existência em Cuba de mais de 20 mil homens equipados com armas modernas e bem disciplinados, viria tornar em breve aquele país praticamente invulnerável a qualquer ataque que não fosse desencadeado por Forças norte-americanas e estabilizaria, indefinidamente, o regime de Castro, do ponto-de-vista militar”. AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 5 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 245 (Confidencial). Cumpre assinalar que, no marco da Guerra Fria Latino-Americana, a estratégia militar cubana era basicamente dissuasória, diante das graves e iminentes ameaças procedentes da principal potência do continente e de Ocidente. Dessarte, o emissário norte-americano teria consultado o chanceler brasileiro Afonso Arinos de Melo Franco sobre possíveis ações diplomáticas multilaterais - quer dizer, hemisféricas - em relação ao regime revolucionário cubano. Segundo o emissário norte-americano, algumas das alternativas disponíveis poderiam ser: a realização de uma nova Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores, ou abordar a questão cubana em uma sessão especial da XI Conferência Interamericana prevista para ser realizada em Quito (evento que acabou sendo cancelado), ou uma quarentena político-militar com base no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (RABE, 2012RABE, Stephen G.. The Killing Zone: The United States Wages Cold War in Latin America. Oxford: Oxford University Press, 2012.).

Em resposta às indagações do emissário norte-americano, Afonso Arinos teria ponderado, com certa parcimônia, que observava com “preocupação aguda o estado de coisas vigentes [após os acontecimentos de baía dos Porcos]”, que lhe parecia difícil a posição do governo de Kennedy - definida como “sendo comprometida sem ser participante” (sic) -, e que existia a necessidade de uma “restauração da confiança nos Estados Unidos, acentuando que confiança diferia de interesse ou temor”. Para o chanceler brasileiro, a realização de um encontro presidencial entre Quadros e Kennedy - “no Brasil” - era uma excelente alternativa. Essa eventual reunião permitiria “um exame franco da situação brasileiro-americana, e mundial, [consequentemente] seria de enorme vantagem para o entendimento dos Estados Unidos com o resto da América”.26 26 AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 25 abr. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 196 (Secreto). Em uma outra mensagem enviada à embaixada em Washington no mesmo dia 25 de abril de 1961, informou-se que “O Presidente Quadros veria, também, com sincero agrado, a oportunidade de se avistar com o Presidente Kennedy, a fim de examinarem em conjunto, não só os problemas brasileiros como os continentais e mundiais”. Em consequência, o embaixador brasileiro foi autorizado a fazer sondagens nesse sentido. AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 25 abr. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 194 (Secreto).

Vale acrescentar que, nessa época, o governo de Jânio Quadros não apoiava a realização de novos encontros hemisféricos de alto nível destinados a examinar a questão cubana. Argumentava-se que esse tipo de iniciativa somente viria a desprestigiar o sistema da OEA. Mesmo assim, na ocasião, o chanceler brasileiro disse ao diplomata Henry Cabot Lodge Jr. que o assunto tinha sido levado à consideração do próprio presidente Jânio Quadros. Ao mesmo tempo, cumpre destacar a proposta brasileira de um eventual encontro Quadros-Kennedy. Agora sabemos que uma reunião presidencial brasileiro-estadunidense somente viria a acontecer durante a visita de João Goulart aos Estados Unidos, em abril de 1962 (ARINOS, 1968ARINOS, Afonso. Planalto: Memórias. São Paulo: José Olympio, 1968.; MANZUR, 2009MANZUR, Tânia Maria Pechir Gomes. Opinião pública e política exterior do Brasil (1961-1964). Curitiba: Juruá, 2009.).

Algumas semanas após a visita de Lodge Jr., o embaixador dos Estados Unidos perante a Organização das Nações Unidas, Adlai Stevenson, também foi enviado ao Brasil e a outros países latino-americanos para examinar a questão cubana, fazer sondagens recíprocas, e avançar na tomada de posição de parte dos atores com vínculos e interesses no problema-objeto deste estudo. Segundo o memorando correspondente, Stevenson se entrevistou com o chanceler Afonso Arinos de Melo Franco no Rio de Janeiro, e com o próprio presidente Jânio da Silva Quadros em Brasília. Na ocasião, para além de abordar questões estritamente bilaterais, o emissário de Washington teria indagado a ambos os interlocutores “se o Governo brasileiro tinha planos ou formulações tendentes a proteger o Continente do comunismo e da intervenção de potências extra-continentais”. Stevenson teria afirmado que, em contraste com o posicionamento anterior à batalha da baía dos Porcos, doravante o governo de Kennedy poderia aceitar a mediação de países latino-americanos na questão cubana, “mas desde que Cuba se desligasse do bloco sino-soviético”. Dando a entender a existência de uma subordinação ou satelização do regime castrista em relação a Moscou, o veterano político norte-americano - e homem de confiança do presidente Kennedy - chegou a elucubrar que Cuba não controlaria “mais seu destino”. Segundo Stevenson, portanto, teria chegado o momento “para os países líderes do Continente - mencionando Argentina e Brasil - começarem a orientar o dispositivo da autodefesa do Hemisfério contra a infiltração comunista, principalmente porque essa infiltração deixou de utilizar meios convencionais”.27 27 AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 15 jun. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 295 (Secreto). Todas as citações textuais feitas neste e nos próximos três parágrafos foram extraídas da mesma fonte.

Sob a perspectiva do estilo de inserção internacional específico da Política Externa Independente, o chanceler Afonso Arinos de Melo Franco disse a Adlai Stevenson que as melhores providências para lutar contra a infiltração comunista no continente deveriam incluir um esforço persistente e sistemático para conseguir a “eliminação das causas que propiciam o êxito do comunismo [isso é, o subdesenvolvimento]”. Advertiu o visitante que “os Estados Unidos precisam sempre ter em mente que o problema cubano une a opinião pública norte-americana, mas desune a opinião pública latino-americana”. E provavelmente pensando na hipótese de uma nova reunião hemisférica para tratar da questão cubana, o chanceler brasileiro disse ao emissário norte-americano que se deveria agir com cautela, para que não fossem tomadas decisões precipitadas que “viessem a acentuar ainda mais essa desunião”.28 28 Conferir também: Arinos (1968).

Na reunião de Stevenson com o presidente Jânio Quadros, manifestaram-se conceitos e interpretações bastante semelhantes. O mandatário brasileiro, mesmo sendo um político de centro-direita, teria insistido na tese de que “o combate à infiltração comunista no Hemisfério deve ser feito mediante o fortalecimento das instituições democráticas”. Sensatamente, o presidente teria acrescentado que “isso só poderá ser alcançado através do desenvolvimento econômico-social do Continente americano e a consequente elevação dos níveis de vida de suas populações”. Cumpre assinalar a forte influência ou inspiração nacional-desenvolvimentista, reformista ou cepalina da narrativa de Quadros.

Mais especificamente sobre a questão cubana, as fontes sugerem que o presidente brasileiro teria manifestado ao emissário do governo estadunidense que, “dependendo do sucesso da reunião de Montevidéu, o Brasil estaria disposto a participar de uma Conferência de alto nível para tratar da atual conjuntura política continental”. Entretanto, segundo o mesmo relato, Jânio Quadros teria recomendado que a “questão de Cuba deveria ser congelada, pois, neste momento, a sua discussão, fora do âmbito bilateral, só serviria para aumentar o clima de tensão que paira sobre o continente”. Assim sendo, o MRE informou à representação brasileira em Washington que o embaixador Stevenson “pareceu não só compreender, mas também concordar com tudo quanto lhe foi dito”, tanto pelo chanceler quanto pelo próprio presidente Quadros.

No intervalo entre as visitas de Henry Cabot Lodge Jr. e Adlai Stevenson ao Brasil, a documentação consultada sugere que houve uma importante e pouco conhecida visita do então ministro da Fazenda do governo de Jânio Quadros, Clemente Mariani, à capital dos Estados Unidos. A viagem do ministro a Washington tinha a finalidade de fechar um relevante e urgente acordo financeiro, tanto com agências do governo dos Estados Unidos - quer dizer, com o Tesouro e com o Banco de Exportações e Importações (Eximbank) -, quanto com o Fundo Monetário Internacional e com bancos privados norte-americanos. Em outras palavras, tratava-se de um pacote com instituições financeiras sobre as quais a opinião do governo estadunidense tinha uma grande influência, especialmente no momento de conceder créditos ou refinanciar dívidas. Assinale-se que o governo de Jânio Quadros tinha muita urgência em alcançar um acordo com a administração Kennedy para conseguir uma normalização das relações financeiras externas, após o rompimento do governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira com o Fundo Monetário Internacional, e no contexto de altas e crescentes pressões inflacionárias no Brasil (OLIVEIRA, 2023OLIVEIRA, Fernanda Conforto de. The IMF as a “mantle of multilateral anonymity”: US-IMF-Brazil relations, 1956-9. Cold War History, v. 23, n. 1, p.1-21, 2023.).

Nesse contexto, em 16 de maio de 1961, o ministro Clemente Mariani e o embaixador brasileiro em Washington foram recebidos na Casa Branca pelo próprio presidente Kennedy e seus mais importantes assessores e colaboradores (SCHLESINGER, 1966SCHLESINGER, Arthur. Mil dias: John F. Kennedy na Casa Branca. V. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.). Segundo o relatório da embaixada em Washington ao Itamaraty, nessa oportunidade Kennedy teria iniciado a reunião com os interlocutores do governo brasileiro reconhecendo a pertinência de separar as questões econômico-financeiras dos problemas políticos - especialmente da questão cubana. Contudo, após anunciar um positivo resultado para o governo brasileiro junto às agências especializadas da administração, com o Fundo Monetário Internacional e com bancos privados norte-americanos, o presidente Kennedy teria frisado ao ministro Mariani e ao embaixador brasileiro que provavelmente “seu governo seria criticado, pois que uma parcela considerável da opinião pública americana interpretava a atitude do Brasil na questão cubana como, de certa forma, antagônica aos Estados Unidos de América”.29 29 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alberto Bernardes ao MRE, 16 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 343 (Secreto-urgente). Todas as citações textuais feitas neste e nos próximos três parágrafos foram extraídas da mesma fonte.

Kennedy também disse ao ministro Mariani que, segundo uma parte da imprensa e da opinião pública estadunidense, a atitude brasileira em relação a Cuba era apontada como a “principal dificuldade para uma ação conjunta do Hemisfério em relação à ingerência comunista no Caribe”. O presidente norte-americano apresentou-lhe manchetes da imprensa - estadunidense e brasileira - em que se ponderava que a posição brasileira favorecia à Cuba do primeiro-ministro Castro e antagonizava os Estados Unidos. Após reconhecer as dificuldades de atacar militarmente a ilha mediante uma intervenção direta contra o regime fidelista, o presidente Kennedy teria insistido em dois cenários prospectivos para o devir das relações hemisféricas: de um lado, a manutenção do status quo, permitindo a estabilização e a institucionalização do regime cubano, o que implicava o aceite de sua existência, inclusive como um “foco de agitação comunista pondo em perigo a estabilidade de vários governos no Caribe e mesmo na América do Sul”; ou, de outro, a implementação de uma “ação conjunta do hemisfério com intuito de isolar o governo de Fidel Castro, impedindo assim, que o comunismo internacional o utilize como base para suas operações na América Latina”.

Acrescentou o presidente Kennedy que “a aparente discordância de política entre o Brasil e os Estados Unidos, neste problema, estava fortalecendo Castro”. Afirmou, também, que “colocar o problema de ingerência comunista no hemisfério como sendo uma questão entre Cuba e os Estados Unidos vem prestigiar o Governo de Castro”. Como alternativa, o presidente estadunidense teria dito ao ministro da Fazenda do governo janista que “admitir que a questão [cubana] é de interesse geral contribui para diminuir a eficácia dos métodos subversivos que o Governo de Cuba estaria empregando, através de suas missões diplomáticas, em vários países do Continente”.

Diante dessas ponderações, o ministro Mariani, que era um político igualmente conservador no contexto do sistema brasileiro, teria concordado com a importância de construir uma “unidade de pontos-de-vista entre o Brasil e os EEUU”. Em consequência, o emissário brasileiro se comprometeu a levar o assunto ao conhecimento do presidente Jânio Quadros. Insistiu, igualmente, na possibilidade de agendar um encontro presidencial entre ambos os mandatários, para abordar temas de interesse bilateral, continental e global, bem como avançar no alinhamento dos dois países.

Sob uma perspectiva mais abrangente, é bastante provável que as críticas de Kennedy e de alguns veículos da imprensa dos Estados Unidos à política de Quadros em relação à questão cubana fossem inspiradas pelos setores mais duros e intervencionistas do governo de Washington, especialmente o grupo ligado ao embaixador Adolf Berle, bem como os próprios serviços de inteligência e o estamento político e militar daquela potência.30 30 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alberto Bernardes ao MRE, 16 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 346 (Confidencial). Existe, todavia, evidência documental que sugere que o referido grupo teria efetivamente vetado um incremento das exportações brasileiras de açúcar ao mercado norte-americano, no marco da redistribuição da quota anteriormente fornecida pela indústria cubana.31 31 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 24 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 377 (Secreto). Segundo a fonte, em reunião privada, Adolf Berle se teria declarado “decepcionado com a atitude do Brasil, em relação ao problema cubano”, e dito que “a posição do Governo brasileiro fortalece indiretamente o regime de Castro”. Em consequência, o diplomata estadunidense teria afirmado que “o Brasil seria chamado a fornecer uma quantidade não superior à que já havia vendido este ano (111.000) toneladas, repito, cento e onze mil toneladas”. Eis aqui um encadeamento, uma vinculação e uma pressão econômica orientados a conseguir uma maior aquiescência brasileira diante do tema de fundo (RABE, 1999RABE, Stephen G.. The Most Dangerous Area in the World: John F. Kennedy Confronts Communist Revolution in Latin America. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1999.).

De fato, após a visita de Mariani a Washington e de Stevenson a Brasília, observou-se uma evolução no posicionamento brasileiro em relação à questão dessa eventual reunião de consulta (FRANCHINI NETO, 2005FRANCHINI NETO, Hélio. A Política Externa Independente em ação: A Conferência de Punta del Este de 1962. Revista brasileira de política internacional, v. 48, n. 2, p. 129-151, dez. 2005.).32 32 Sabe-se que, na conferência de Punta del Este, em janeiro de 1962, o Brasil se absteve na votação acerca da expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (DOMÍNGUEZ-AVILA, 2011). De uma negativa clara e categórica, o governo e a diplomacia de Quadros passaram a aceitar essa hipótese de ação coletiva, especialmente após a bem-sucedida reunião do Conselho Interamericano Econômico e Social (CIES), realizada em Punta del Este entre 5 e 17 de agosto de 1961. Desse encontro ministerial, resultou o anúncio da concessão de assistência norte-americana para o desenvolvimento econômico e social dos países latino-americanos - eis a origem da Aliança para o Progresso. Daí que, nos dois últimos meses antes da intempestiva e inesperada renúncia de Jânio Quadros, e mesmo com a resistência de diplomatas cubanos e alguma preocupação dos soviéticos, as tratativas e indagações prévias entre as chancelarias do continente americano para uma nova reunião de consulta passaram a predominar. Nesse processo, segundo informara a embaixada brasileira em Washington, “tanto Kennedy como Berle deixaram bem claro que a opinião do Brasil era decisiva”.33 33 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 22 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 370 (Secreto).

Infere-se disso que as relações brasileiro-estadunidenses foram efetivamente atingidas pela questão cubana. A tentativa de vinculação das relações econômicas - inclusive financeiras - com Washington a um posicionamento mais aquiescente do regime janista diante da controvérsia cubana efetivamente provocou preocupação e irritação em Brasília e no Rio de Janeiro. Mesmo assim, algumas ideias e propostas brasileiras no campo da cooperação para o desenvolvimento econômico e social foram acolhidas pelo governo de Kennedy, cristalizando-se na Aliança para o Progresso (DANTAS, 1962DANTAS, San Tiago. Política Externa Independente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.; CERVO, 2001CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais da América Latina: Velhos e novos paradigmas. Brasília: IBRI; FUNAG, 2001.).

O reatamento das relações diplomáticas brasileirosoviéticas, a Política Externa Independente e seus desdobramentos na questão cubana

Aliados durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil e a União Soviética romperam relações diplomáticas em 1947 (CATERINA, 2019CATERINA, Gianfranco. Um grande oceano: Brasil e União Soviética atravessando a Guerra Fria (1947-1985). Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2019.). Essa situação continuou vigorando até 1961, quando houve um processo de negociação bilateral com intuito de examinar as possibilidades de um reatamento. Cumpre destacar que uma das dimensões principais do estilo de inserção internacional impulsionado pela Política Externa Independente do governo de Jânio Quadros (1961)QUADROS, Jânio. A nova política externa do Brasil. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 4, n. 16, p. 150-156, 1961. tratava, precisamente, da recomposição das relações diplomáticas com os países do Leste Europeu - principalmente com a União Soviética, Bulgária, Polônia, Tchecoslováquia e Romênia.

Do lado soviético, também existia boa vontade e interesse em avançar nesse sentido. Em março de 1961, poucas semanas antes da batalha da baía dos Porcos, o conselheiro Georgy Markovich Kornyenko, da embaixada soviética em Washington, teria visitado o embaixador Carlos Alfredo Bernardes e manifestado a ele que “a URSS veria com agrado o restabelecimento das relações diplomáticas com o Governo brasileiro e estaria pronta para uma troca de sugestões nesse sentido”.34 34 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 20 mar. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 191 (Secreto). Nas semanas subsequentes, houve persistente intercâmbio de informações e pontos de vista entre diplomatas brasileiros e soviéticos lotados em diferentes postos, especialmente em Havana, Nova York e Washington. Cumpre assinalar que, para além de assuntos estritamente bilaterais, em muitas dessas conversas emergia a questão cubana. Nesse sentido, em 13 de abril de 1961, bem na véspera da batalha da baía dos Porcos, o embaixador soviético em Havana disse ao encarregado de negócios brasileiro que atribuía uma “particular importância” às declarações do presidente Jânio Quadros sobre Cuba, e que considerava o Brasil como “o país capaz de influir no sentido de que Cuba se mantivesse fiel ao convívio interamericano”.35 35 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Jacynto de Barros ao MRE, 13 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 86 (Confidencial).

Após a derrota da força expedicionária financiada pelo governo dos Estados Unidos contra o regime castrista, e em um contexto de crescente influência de Moscou em Cuba, o próprio embaixador soviético em Washington, Mikhail A. Menshikov, convidou sua contraparte brasileira, Carlos Alfredo Bernardes, para uma importante conversa acerca do devir da questão cubana. Segundo o relatório de Bernardes para o Ministério das Relações Exteriores, na ocasião o embaixador Menshikov teria alertado que a União Soviética iria replicar as mesmas ações agressivas - abertas ou encobertas - dos Estados Unidos em Cuba em países como Grécia, Irã ou Turquia; e que tal conjectura “poderia deflagrar a terceira guerra mundial”.36 36 AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 4 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 310 (Secreto). As citações do próximo parágrafo provêm da mesma fonte.

Nesse cenário de possível holocausto nuclear e de competição Leste-Oeste, o embaixador Menshikov também teria ponderado “que o Brasil poderia desempenhar um grande papel para a preservação da paz neste momento, aconselhando moderação ao Governo americano e a utilização de meios pacíficos para solucionar seus problemas com Cuba”. Além disso, o diplomata soviético teria indagado sobre a evolução das relações bilaterais brasileiro-estadunidenses, especialmente sobre as negociações econômico-financeiras. A esse respeito, o diplomata soviético teria insinuado a possibilidade de uma eventual parceria, bem como a concessão de assistência financeira e de cooperação técnica ao Brasil. Antes de concluir a conversa, Menshikov teria insistido na necessidade de avançar no reatamento das relações diplomáticas brasileiro-soviéticas. O embaixador soviético em Washington teria igualmente repetido que o Brasil de Jânio Quadros “está em uma posição única para fazer valiosa contribuição para a manutenção da paz, não só no Continente [americano], como em todo o mundo”.

Nesse contexto geral, o Itamaraty autorizou em 5 de agosto de 1961 o embaixador brasileiro em Washington a realizar, junto ao embaixador Mikhail Menshikov, as gestões necessárias para confirmar o reatamento das relações diplomáticas com a União Soviética, então governada pelo premiê Nikita S. Khrushchov. Para além de considerações políticas e consulares, argumentou-se que a retomada das relações brasileiro-soviéticas poderia gerar positivos desdobramentos no intercâmbio econômico-comercial e na cooperação para o desenvolvimento.37 37 AMRE, Brasília. Minuta de Telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 5 ago. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 396 (Secreto). Agora se sabe que o reatamento brasileiro-soviético realmente foi efetivado em 1962. O embaixador Vasco Leitão da Cunha (1994)CUNHA, Vasco Leitão da. Diplomacia em alto-mar: Depoimento ao CPDOC. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1994. - então Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores - acabou, assim, sendo nomeado como representante diplomático em Moscou.

Sob a perspectiva deste estudo, o reatamento das relações brasileiro-soviéticas se erigiu em acontecimento relevante, quer em termos bilaterais, quer em termos multilaterais. No contexto da Guerra Fria Latino-Americana, a retomada das relações entre Brasília e Moscou abriu um canal de diálogo Sul-Leste bastante oportuno e significativo. A defesa dos vínculos e interesses das partes em relação à questão cubana ofereceu maior densidade aos contatos entre diplomatas de ambos os países, hemisférios e sistemas sociais em competição (REEVES, 2014REEVES, Michelle Denise. Extracting the Eagle’s Talons: The Soviet Union in Cold War Latin America. Tese (Doutorado em Filosofia) - University of Texas, Austin, 2014.; PETTINÀ, 2018PETTINÀ, Vanni. Historia mínima de la Guerra Fría en América Latina. Cidade do México: El Colegio de México, 2018.).

Ernesto Guevara em Montevidéu e Brasília, agosto de 1961: Os limites da política cubana de Jânio Quadros

Uma tentativa de acomodamento, pragmatismo e reconciliação entre Havana, Washington e Moscou parece estar na origem da mensagem que o ministro Ernesto Guevara de la Serna transmitiu ao assessor da Casa Branca Richard Goodwin, em reunião informal realizada na residência do embaixador Edmundo Barbosa da Silva, representante brasileiro perante a Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), na madrugada de 17 a 18 de agosto de 1961 - reunião que também contou com a presença do Horacio Rodríguez Larreta, assessor da chancelaria argentina (LEOGRANDE; KORNBLUH, 2014LEOGRANDE, William; KORNBLUH, Peter. Back Channel to Cuba: The Hidden History of Negotiation Between Washington and Havana. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2014.). Segundo a documentação do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, no referido encontro informal, Guevara teria manifestado aos três interlocutores que, doravante, Cuba estava “definitivamente fora da esfera de influência dos Estados Unidos da América”. Na sua opinião, a Revolução Cubana tinha “caráter irreversível”; não existiria possibilidade de deposição do regime, “pois o povo participa integralmente da revolução”; deveria ser abandonado o mito de uma eventual “recuperação” ou divergência entre os dirigentes da elite política; e o processo de construção do setor público continuava com certo dinamismo. O ministro de Indústria da ilha teria reconhecido, contudo, a existência de problemas econômicos e políticos, particularmente no campo do comércio exterior, na falta de peças e insumos para as fábricas, na persistência de ações contrarrevolucionárias, e certa resistência da burguesia e da igreja católica. O ministro argentino-cubano também teria - ironicamente - “agradecido” a tentativa de invasão da baía dos Porcos, porque ela teria acabado fortalecendo a revolução.38 38 AMRE, Brasília. Telegrama do Gabinete [Presidencial] no Rio de Janeiro para o Gabinete [Presidencial] em Brasília, 19 ago. 1961. Gabinete Presidencial, Rio de Janeiro, n. 707 (Confidencial). Mesmo assim, a elite revolucionária cubana estaria disposta a negociar um modus vivendi com Washington, reestabelecer o comércio bilateral, pagar pelas propriedades confiscadas de cidadãos estrangeiros, e até a eliminar o apoio de Havana a forças insurgentes em terceiros países. Igualmente, Guevara teria manifestado que Cuba não se transformaria em um satélite soviético (BRENNER et al., 2008BRENNER, Philip et al. (Ed.). A Contemporary Cuban Reader: Reinventing the Revolution. Plimude: Rowman & Littlefield, 2008.).

Após uma breve deliberação, Goodwin se retirou dessa reunião informal e, poucos dias depois, apresentou ao mandatário norte-americano um conhecido memorando sobre o encontro.39 39 GOODWIN, Richard. Memorandum for the President John F. Kennedy. Washington, 22 ago. 1961. In: National Security Archive - Bay of Pigs: 40 years after. Disponível em: https://nsarchive2.gwu.edu/bayofpigs/19610822.pdf. Acesso em: 5 out. 2022. Edmundo Barbosa da Silva, Ernesto Guevara e Horacio Rodríguez Larreta teriam, todavia, continuado a conversa na residência do primeiro. Nessa troca de pontos de vista, o diplomata brasileiro teria advertido ao ministro argentino-cubano que, para manter a compreensão e a solidariedade com Cuba, era fundamental a confirmação de que as simpatias e afinidades do regime cubano não levariam Havana a uma aliança ou a uma outra forma de “afiliação à União Soviética”. Afirmou, igualmente, que, no contexto das tensões Leste-Oeste, “o Brasil mantinha seus compromissos no âmbito democrático continental”, ainda que em uma perspectiva de independência dentro do campo ocidental. Ponderou claramente que Cuba poderia colocar os governos do Brasil e outros países do continente latino-americano em uma situação muito grave na hipótese de que a ilha “viesse a se inclinar para uma aliança com o mundo soviético”. Esse posicionamento seria compartilhado pelo assessor do chanceler argentino que participava da reunião.40 40 AMRE, Brasília. Telegrama do Gabinete [Presidencial] no Rio de Janeiro para o Gabinete [Presidencial] em Brasília, 19 ago. 1961. Gabinete Presidencial, Rio de Janeiro, n. 707 (Confidencial).

Segundo o relatório de Edmundo Barbosa da Silva ao chanceler Afonso Arinos de Melo Franco - documento posteriormente encaminhado ao gabinete do próprio presidente Jânio Quadros -, o ministro Guevara teria compreendido as considerações mencionadas acima. Ele teria afirmado que “Cuba não desprezava sua condição americana, mas seu país era constantemente atacado, inclusive por coisas que não fizera”. A avaliação final do embaixador brasileiro que serviu de anfitrião do encontro foi a seguinte:

A conclusão é de que o Governo cubano demonstra tão fundamental interesse em negociar com os Estados Unidos e em apaziguar reações das Repúblicas americanas por temer a derrota da revolução pelo jogo de fatores em três planos: 1) setor interno, onde atuam os fatores econômicos e políticos já mencionados; 2) setor continental, onde existe latente a possibilidade de ação coletiva contra Cuba; 3) setor internacional, onde o conflito Leste-Oeste pode assumir tal magnitude que Cuba venha a ser barganhada entre os Estados Unidos e a União Soviética. O apelo para negociar com os Estados Unidos, feito num discurso no momento da abertura da conferência e nessa conferência privada, revelam uma preocupação tão forte que trai a pretendida estabilidade do regime. A preocupação em impressionar bem as Repúblicas americanas revela indiscutivelmente o temor à ação coletiva continental. O desejo de reabrir seu comércio com os Estados Unidos, dando a entender que pagará indenizações pelas propriedades confiscadas com recursos retirados de suas exportações, mostra que a União Soviética não só não lhe dá tudo o de que necessita, como também não lhe dá os artigos da qualidade que necessita. Ademais, a sua dependência exclusiva do Leste enfraquece a sua posição negociadora, e caracterizaria a sua exclusão do meio americano. A coexistência pacífica dentro do Continente seria de interesse para a União Soviética, a fim de manter em cheque a política americana e, ao mesmo tempo, constituiria a segurança de que os investimentos que fizesse na economia cubana não seriam perdidos em consequência da queda do atual Governo. Parece, pois, que o principal desejo do Senhor Guevara em avistar-se com os Presidentes [Jânio] Quadros e [Arturo] Frondizi é motivado pelo seu interesse em firmar a linha não-intervencionista, eliminando dúvidas quanto à sua aliança ou filiação política à União Soviética.41 41 AMRE, Brasília. Telegrama do Gabinete [Presidencial] no Rio de Janeiro para o Gabinete [Presidencial] em Brasília, 19 ago. 1961. Gabinete Presidencial, Rio de Janeiro, n. 707 (Confidencial). Grifos no original.

Dois dias após o encontro informal em Montevidéu, o ministro argentino-cubano foi recebido em Brasília pelo presidente Jânio Quadros. De partida, parece pertinente destacar que Quadros e Guevara se conheciam pessoalmente ao menos desde julho de 1959. Com efeito, o então governador de São Paulo e o comandante argentino-cubano se encontraram no Cairo e foram convidados pelo presidente Gamal Abdel Nasser a compor uma mesa de honra aos visitantes latino-americanos. O então candidato presidencial Quadros e o ministro Guevara também se encontraram diretamente durante a visita do primeiro a Cuba, em março e abril de 1960. Esses encontros prévios entre o político brasileiro de centro-direita e o líder revolucionário argentino-cubano fundamentavam-se nas doutrinas do nacional-desenvolvimentismo, do anticolonialismo e do republicanismo - além do desejo de Quadros de contemporizar com a esquerda brasileira, especialmente com os trabalhistas, comunistas e socialistas. Eis as ambiguidades de um governo internamente conservador, moralista e de centro-direita; porém progressista, não intervencionista, independente, anticolonialista, desenvolvimentista e equidistante em política externa (LOUREIRO, 2010LOUREIRO, Felipe Pereira. Relativizando o Leviatã: Empresários e política econômica no governo Jânio Quadros. Estudos Econômicos, v. 40, n. 3, p. 561-585, set. 2010.; BRAZ, 2006BRAZ, José. A política externa no governo de Jânio Quadros. In: ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon; SEITENFUS, Ricardo; CASTRO, Sérgio Henrique Nabuco de (Ed.). Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990). V. 1 - Crescimento, modernização e política externa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 365-399.).

Em 19 de agosto de 1961, o presidente Quadros e o ministro Guevara tiveram um encontro reservado cujo desenvolvimento ainda não foi possível documentar de forma direta. Fontes secundárias indicam que, na oportunidade, o ministro Guevara teria reafirmado que Cuba não se transformaria em um satélite soviético, notadamente em termos políticos, econômicos, ideológicos e militares. Assim sendo, o governo brasileiro poderia oferecer seus bons ofícios aos governos de Washington e Havana para procurar resolver as divergências bilaterais, especialmente após os acontecimentos de abril.42 42 Agradeço ao professor Sidnei Munhoz (UEM e UFSC) por chamar a minha atenção para essas informações acerca desse encontro Jânio Quadro-Ernesto Guevara. O assunto é tratado por Munhoz a partir de fontes documentais diretas em obra em fase final de preparação para publicação.

Evidência documental indireta sugere que, na ocasião, Quadros também solicitou a libertação de religiosos católicos, bem como teria reiterado a petição de clemência e de salvo-conduto para os encarcerados políticos anticastristas, inclusive para os prisioneiros da Brigada de Assalto 2506 e para asilados nas embaixadas latino-americanas em Havana. É bastante provável que as partes também tenham conversado sobre um processo de negociação para a assinatura de um acordo comercial e financeiro bilateral. Esse assunto era de particular interesse do ministro da Indústria cubano e tinha sido deliberado pelo ministro Guevara e diplomatas brasileiros em Havana mesmo antes da viagem daquele a Uruguai, Argentina e Brasil. Finalmente, o presidente Jânio Quadros concedeu a Ernesto Guevara a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro, importante comenda outorgada pelo governante brasileiro a personalidades estrangeiras (MOLON, 2006MOLON, Newton Duarte. A visita de Che, a mídia e a renúncia de Jânio Quadros: O feitiço contra o feiticeiro. Como a mídia contribuiu para o isolamento político do presidente midiático. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Mercado) - Faculdade Cásper Libero, São Paulo, 2006.).

O encontro Quadros-Guevara em Brasília acabou sendo duramente questionado pelos setores mais conservadores da sociedade brasileira, especialmente por alguns representantes do estamento militar e da imprensa, bem como pelo então governador do estado da Guanabara, Carlos Lacerda. Mutatis mutandis, poucos dias depois, em 25 de agosto, o presidente Quadros decidiu - ou foi convidado a - renunciar ao cargo. A intempestiva renúncia de Quadros acabou gerando certa turbulência político-social nas duas semanas subsequentes, em virtude de algumas reticências de setores mais conservadores para com a posse do vice-presidente João Goulart, então em visita de trabalho à República Popular da China. Um acordo político acabou prevalecendo e resultando na posse de Goulart, em setembro de 1961 (SKIDMORE, 2010SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getúlio a Castello (1930-64). São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 24; MORAZÉ, 1962MORAZÉ, Charles. La démission de Janio Quadros. Revue Française de Science Politique, v. 12, n. 1, p. 39-53, mars 1962.).

Considerações finais

A partir da perspectiva do debate historiográfico específico da Guerra Fria Latino-Americana, conclui-se que a presente pesquisa com documentação primária do Arquivo do Ministério das Relações Exteriores abre um amplo espectro de oportunidades de reflexão, deliberação e análise interpretativa, principalmente acerca da origem e da evolução desse estilo de inserção internacional que acabou sendo chamado de Política Externa Independente. Nosso argumento principal sugere que o relacionamento entre brasileiros, estadunidenses, cubanos e soviéticos foi particularmente relevante para compreender a formulação e a implementação da política externa brasileira em relação à questão cubana. Observe-se que o problema cubano era de interesse até pessoal do próprio presidente Quadros, que visitou a ilha na época da campanha presidencial, entre março e abril de 1960, quando se entrevistou com o primeiro-ministro Castro, na residência da embaixada brasileira em Havana (CUNHA, 1994CUNHA, Vasco Leitão da. Diplomacia em alto-mar: Depoimento ao CPDOC. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1994.).

De modo geral, a política do governo de Quadros em relação à questão cubana fundamentou-se no reconhecimento da não intervenção, da autodeterminação e da cooperação para o desenvolvimento. Recomendaram-se, também, moderação e uma solução pacífica das controvérsias entre os Estados. Implicitamente, esse posicionamento aceitava a estabilização e a institucionalização do regime cubano - detalhe que não passava desapercebido e era questionado pela administração Kennedy e seus aliados e clientes no continente. Trata-se de contribuições conceituais de grande relevância, quer para os fins do presente artigo, quer para os estudos e pesquisas sobre a Guerra Fria Latino-Americana.

Parece pertinente acrescentar que, em meados de fevereiro de 1961, o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Vasco Leitão da Cunha (1994)CUNHA, Vasco Leitão da. Diplomacia em alto-mar: Depoimento ao CPDOC. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1994., visitou Havana e conversou pessoalmente com o primeiro-ministro Castro acerca da necessidade de tentar uma recomposição das relações bilaterais com os Estados Unidos, bem como uma renovação do sistema interamericano e um afastamento do regime cubano em relação ao governo soviético. Infelizmente, esse esforço político-diplomático brasileiro não prosperou, até mesmo pelo acelerado cronograma da operação Zapata, que resultou na batalha da baía dos Porcos, entre 17 e 19 de abril de 1961 (HERSHBERG, 2014HERSHBERG, James. A “Friend of the Revolution” or a “Traitor”? Vasco Tristão Leitão da Cunha, Fidel Castro (and his Sister), and Brazilian-Cuban Relations, 1956-1964. In: FLACSO-ISA JOINT INTERNATIONAL CONFERENCE, 2014, Buenos Aires. Conference Papers… [S.l.]: ISA/FLACSO, 2014, p. 1-73.).

Entretanto, ainda sob a perspectiva do referido debate historiográfico, Quadros também alertou contra qualquer tentativa de “exportação da revolução” cubana para outros países do continente, inclusive para o próprio território brasileiro. De fato, as relações bilaterais brasileiro-cubanas não foram tão amigáveis quanto se poderia supor, em virtude de algumas atividades do corpo diplomático cubano no Rio de Janeiro consideradas por agentes públicos locais subversivas, incompatíveis com seu status e/ou inamistosas. Em contrapartida, o governo de Havana demostrou alguma insatisfação pelo uso e abuso do instituto do asilo diplomático na representação brasileira naquele país (BEZERRA, 2012BEZERRA, Gustavo Henrique Marques. Da revolução ao reatamento: A política externa brasileira e a questão cubana (1959-1986). Brasília: FUNAG, 2012.).

O governo de Quadros tentou, todavia, evitar que uma excessiva identificação com o regime revolucionário cubano acabasse prejudicando as relações bilaterais com os Estados Unidos. O assunto era especialmente relevante no contexto de uma recomposição dos laços de Brasília com os organismos financeiros internacionais, em particular com agências do governo de Washington e com o Fundo Monetário Internacional. Essa vulnerabilidade econômica do governo de Quadros foi explorada por alguns colaboradores do presidente Kennedy, principalmente pelo embaixador Adolf Berle. De fato, evidências documentais discutidas ao longo deste artigo sugerem que Berle e o próprio Kennedy tentaram vincular ou subordinar futuras relações econômicas brasileiro--estadunidenses a uma conduta mais tolerante ou aquiescente do governo de Quadros em relação à questão cubana.

Digno de menção é, também, o persistente esforço soviético em estimular e motivar a diplomacia brasileira no sentido de sensibilizar o governo de Kennedy a aceitar pragmaticamente a continuidade do regime revolucionário cubano, bem como a manter a política de coexistência pacífica no continente americano e no mundo. Além de abordarem questões estritamente brasileiro-soviéticas, representantes diplomáticos de Moscou procuraram reforçar as capacidades de interlocução da diplomacia brasileira com Washington, em favor de acomodamento, moderação e reconhecimento da situação. As fontes sugerem que o governo de Khrushchov também pressionou seus aliados e clientes em Havana no mesmo sentido. A reivindicação de um modus vivendi e outras propostas e insinuações apresentadas pelo ministro Guevara ao assessor Richard Goodwin, bem como a diplomatas brasileiros e argentinos, parecem apontar nessa direção. Eis uma significativa e pouco conhecida alternativa de consulta e concertação no eixo Sul-Leste, com importantes desdobramentos em termos do debate historiográfico contemporâneo (PETTINÀ, 2018PETTINÀ, Vanni. Historia mínima de la Guerra Fría en América Latina. Cidade do México: El Colegio de México, 2018.; WILLIAMS, 2017WILLIAMS, Mark Eric. Revisiting the Cold War in Latin America. Latin American Research Review, v. 52, n. 5, p. 916-924, 2017.).

Em suma, ao retomar a pergunta orientadora apresentada na introdução do artigo, infere-se que existe um lastro documental suficientemente consistente e robusto para considerar corroborada, ao menos provisoriamente, a hipótese desta pesquisa. Todavia, esse virtual relacionamento entre brasileiros, estadunidenses, cubanos e sovié-ticos precisa e merece continuar sendo analisado sobretudo a partir de documentação de arquivo e de uma análise interpretativa alicerçada em evidência primária. Isso inclui, por exemplo, uma apreciação mais apurada do processo de tomada de decisão. Também, os padrões de relacionamento entre os líderes políticos e o pessoal diplomático diretamente envolvido na política cubana do Brasil, principalmente durante os governos de Jânio Quadros e João Goulart - isso é, as qualidades e percursos político-intelectuais dos homens de Estado, no sentido renouviniano/duroselleniano do conceito. Assim sendo, trata-se de uma temática complexa, multifacetada, transcendente e até paradigmática no contexto da história da política externa brasileira e do enfoque teórico-metodológico da Guerra Fria Latino-americana (QUADROS, 1961QUADROS, Jânio. A nova política externa do Brasil. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 4, n. 16, p. 150-156, 1961.).

  • 1
    Trad. livre do autor: “Let every nation know, whether it wishes us well or ill, that we shall pay any price, bear any burden, meet any hardship, support any friend, oppose any foe, in order to assure the survival and the success of liberty. (…) To our sister republics south of our border, we offer a special pledge: to convert our good words into good deeds, in a new Alliance for Progress, to assist free men and free governments in casting off the chains of poverty. But this peaceful revolution of hope cannot become the prey of hostile powers. Let all our neighbors know that we shall join with them to oppose aggression or subversion anywhere in the Americas. And let every other power know that this Hemisphere intends to remain the master of its own house. (…) Finally, to those nations who would make themselves our adversary, we offer not a pledge but a request: that both sides begin anew the quest for peace, before the dark powers of destruction unleashed by science engulf all humanity in planned or accidental self-destruction”.
  • 2
    ARQUIVO DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (AMRE), Brasília. Telegrama de Marcos Antônio de Salvo Coimbra ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), 25 jan. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 8 (Confidencial-urgente).
  • 3
    AMRE, Brasília. Telegrama de Marcos Antônio de Salvo Coimbra ao MRE, 7 fev. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 19 (Confidencial-urgente).
  • 4
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, 30 mar. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 61 (Confidencial). Cumpre mencionar que o diplomata brasileiro teria conversado com o referido líder do Conselho Revolucionário cubano em viagem que o primeiro fez à cidade de Miami, local que era sede do movimento anticastrista em questão. Na hipótese de ser bem-sucedida a operação Zapata, José Miró Cardona estava cotado para assumir o cargo de presidente provisório do país.
  • 5
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 7 fev. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 82 (Confidencial-urgente).
  • 6
    AMRE, Brasília. Telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 10 fev. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 65 (Confidencial).
  • 7
    AMRE, Brasília. Ofício de Aguinaldo Boulitreau Fragoso a Afonso Arinos de Melo Franco, 24 mar. 1961. Embaixada do Brasil em Buenos Aires, n. 104 (Confidencial).
  • 8
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 23 fev. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 96 (Confidencial).
  • 9
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 6 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 248 (Secreto-urgente).
  • 10
    Em 15 de abril de 1961, dois dias antes da tentativa de invasão na baía dos Porcos, houve um ataque aéreo das forças insurgentes contra bases da aeronáutica cubana. Esses ataques provocaram vítimas civis e foram objeto de um forte debate no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Outrossim, em 16 de abril, Castro valeu-se da conjuntura para declarar publicamente o caráter socialista da Revolução Cubana. Cumpre sublinhar que dito pronunciamento marcou significativamente o devir, quer da Revolução Cubana, quer da Guerra Fria Latino-Americana (MONIZ BANDEIRA, 1998MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel: A Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998., p. 295).
  • 11
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 20 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 282 (Urgente-secreto).
  • 12
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 20 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 282 (Urgente-secreto).
  • 13
    AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 30 maio 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 257 (Secreto).
  • 14
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, 7 maio 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 110 (Confidencial-urgente).
  • 15
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 2 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 301 (Secreto-urgente).
  • 16
    Ver, também: AMRE, Brasília. Telegrama de Aluysio Guedes Regis Bittencourt ao MRE, 28 nov. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 149 (Confidencial).
  • 17
    O governo dos Estados Unidos também negou permissão para o estabelecimento em seu território de um governo cubano no exílio.
  • 18
    AMRE, Brasília. Ofício de Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, [c. 12 out.] 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 173 (Confidencial).
  • 19
    Em dezembro de 1961, um diplomata búlgaro teria dito ao representante brasileiro na ONU o seguinte: “caso haja intervenção direta em Cuba, a União Soviética se sentirá com as mãos livres na Ásia”. Essa fonte teria mencionado, expressamente, Irã, Laos e Coreia “como possíveis alvos da intervenção comunista”, e dito que “a Ásia, liberta dos ocidentais, compensaria largamente a perda de Cuba”. AMRE, Brasília. Telegrama de Afonso Arinos de Melo Franco ao MRE, 5 dez. 1961. Missão do Brasil junto à ONU, Nova York, n. 250 (Confidencial).
  • 20
    AMRE, Brasília. Telegrama de Luiz Bastian Pinto ao MRE, 2 fev. 1962. Embaixada do Brasil em Havana, n. 15 (Confidencial).
  • 21
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Jacyntho de Barros ao MRE, 23 fev. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 15 (Confidencial).
  • 22
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 18 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 274 (Secreto).
  • 23
    AMRE, Brasília. Telegrama de Fernando Lobo ao MRE, 19 abr. 1961. Delegação do Brasil junto à OEA, Washington, n. 113 (Confidencial).
  • 24
    AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 25 abr. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 196 (Secreto).
  • 25
    Com efeito, duas semanas antes da batalha da baía dos Porcos, a Embaixada brasileira em Washington informou ao Itamaraty que a questão cubana tinha assumido renovada urgência para o governo de Kennedy, principalmente ao se constatar o acelerado programa de modernização das forças armadas da ilha, com massivo apoio do governo de Moscou e de outros países do Leste Europeu. Assim sendo, ponderou-se: a “existência em Cuba de mais de 20 mil homens equipados com armas modernas e bem disciplinados, viria tornar em breve aquele país praticamente invulnerável a qualquer ataque que não fosse desencadeado por Forças norte-americanas e estabilizaria, indefinidamente, o regime de Castro, do ponto-de-vista militar”. AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 5 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 245 (Confidencial). Cumpre assinalar que, no marco da Guerra Fria Latino-Americana, a estratégia militar cubana era basicamente dissuasória, diante das graves e iminentes ameaças procedentes da principal potência do continente e de Ocidente.
  • 26
    AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 25 abr. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 196 (Secreto). Em uma outra mensagem enviada à embaixada em Washington no mesmo dia 25 de abril de 1961, informou-se que “O Presidente Quadros veria, também, com sincero agrado, a oportunidade de se avistar com o Presidente Kennedy, a fim de examinarem em conjunto, não só os problemas brasileiros como os continentais e mundiais”. Em consequência, o embaixador brasileiro foi autorizado a fazer sondagens nesse sentido. AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 25 abr. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 194 (Secreto).
  • 27
    AMRE, Brasília. Minuta de telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 15 jun. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 295 (Secreto). Todas as citações textuais feitas neste e nos próximos três parágrafos foram extraídas da mesma fonte.
  • 28
    Conferir também: Arinos (1968)ARINOS, Afonso. Planalto: Memórias. São Paulo: José Olympio, 1968..
  • 29
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alberto Bernardes ao MRE, 16 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 343 (Secreto-urgente). Todas as citações textuais feitas neste e nos próximos três parágrafos foram extraídas da mesma fonte.
  • 30
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alberto Bernardes ao MRE, 16 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 346 (Confidencial).
  • 31
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 24 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 377 (Secreto). Segundo a fonte, em reunião privada, Adolf Berle se teria declarado “decepcionado com a atitude do Brasil, em relação ao problema cubano”, e dito que “a posição do Governo brasileiro fortalece indiretamente o regime de Castro”. Em consequência, o diplomata estadunidense teria afirmado que “o Brasil seria chamado a fornecer uma quantidade não superior à que já havia vendido este ano (111.000) toneladas, repito, cento e onze mil toneladas”.
  • 32
    Sabe-se que, na conferência de Punta del Este, em janeiro de 1962, o Brasil se absteve na votação acerca da expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (DOMÍNGUEZ-AVILA, 2011DOMÍNGUEZ AVILA, Carlos Federico. A Conferência de Punta del Este cinquenta anos depois: Um estudo da VIII Reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores das Américas (1962). Carta internacional, v. 6, n. 1, p. 53-66, jan./jun. 2011.).
  • 33
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 22 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 370 (Secreto).
  • 34
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 20 mar. 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 191 (Secreto).
  • 35
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Jacynto de Barros ao MRE, 13 abr. 1961. Embaixada do Brasil em Havana, n. 86 (Confidencial).
  • 36
    AMRE, Brasília. Telegrama de Carlos Alfredo Bernardes ao MRE, 4 maio 1961. Embaixada do Brasil em Washington, n. 310 (Secreto). As citações do próximo parágrafo provêm da mesma fonte.
  • 37
    AMRE, Brasília. Minuta de Telegrama do MRE à Embaixada em Washington, 5 ago. 1961. MRE, Rio de Janeiro, n. 396 (Secreto).
  • 38
    AMRE, Brasília. Telegrama do Gabinete [Presidencial] no Rio de Janeiro para o Gabinete [Presidencial] em Brasília, 19 ago. 1961. Gabinete Presidencial, Rio de Janeiro, n. 707 (Confidencial).
  • 39
    GOODWIN, Richard. Memorandum for the President John F. Kennedy. Washington, 22 ago. 1961. In: National Security Archive - Bay of Pigs: 40 years after. Disponível em: https://nsarchive2.gwu.edu/bayofpigs/19610822.pdf. Acesso em: 5 out. 2022.
  • 40
    AMRE, Brasília. Telegrama do Gabinete [Presidencial] no Rio de Janeiro para o Gabinete [Presidencial] em Brasília, 19 ago. 1961. Gabinete Presidencial, Rio de Janeiro, n. 707 (Confidencial).
  • 41
    AMRE, Brasília. Telegrama do Gabinete [Presidencial] no Rio de Janeiro para o Gabinete [Presidencial] em Brasília, 19 ago. 1961. Gabinete Presidencial, Rio de Janeiro, n. 707 (Confidencial). Grifos no original.
  • 42
    Agradeço ao professor Sidnei Munhoz (UEM e UFSC) por chamar a minha atenção para essas informações acerca desse encontro Jânio Quadro-Ernesto Guevara. O assunto é tratado por Munhoz a partir de fontes documentais diretas em obra em fase final de preparação para publicação.

Agradecimentos

Agradeço os comentários e críticas dos avaliadores anônimos que tiveram a responsabilidade de revisar a versão original deste manuscrito, bem como as ponderações e sugestões de Sidnei Munhoz, Delmo Arguelhes, Hugo R. Suppo e Aldira Guimarães Duarte. Esta pesquisa está associada a um estágio de pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, com bolsa da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2022
  • Revisado
    05 Out 2022
  • Aceito
    28 Nov 2022
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