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PAIVA, A. R. (Org.). Juventude, cultura cívica e cidadania. Rio de Janeiro: Garamond, 2013

RESENHA

IUniversidade Federal do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. Centro. Rua: General Carneiro, nº 460 - 2º andar. CEP: 80.060-150

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Rua Professor Annes Dias, nº 112, 15º andar. Centro. CEP: 90020-090

Nos últimos anos, têm-se ampliado de maneira significativa os estudos, análises e propostas dirigidas à compreensão de problemáticas que têm como foco central a juventude. Isto não revela tão somente um interesse de investigações acadêmicas, mas um compromisso em captar desafios e contradições no cenário da vida cotidiana contemporânea. Dar ouvido e buscar compreender, a partir da própria fala e vivência dos jovens, o que representa seu mundo, seu tempo e sua cidade são desafios a serem enfrentados se se tem a perspectiva de que os conhecimentos também podem contribuir para mudanças e melhoria no mundo atual. Nesse contexto é que podemos inserir o livro Juventude, Cultura Cívica e Cidadania, publicado em 2013 pela Garamond, com apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e organizado por Angela Randolpho Paiva, professora e pesquisadora do departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), com doutorado pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e pós-doc pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). A obra desenvolve-se ao longo de 215 páginas, distribuídas em cinco capítulos, além dos anexos, e refere-se aos produtos de um projeto de pesquisa desenvolvido de 2004 a 2009, dentro do programa de iniciação científica (Pibic/CNPq), coordenado pela professora Angela e que teve a participação de graduandos do curso de sociologia. Em cada capítulo, são destacados alguns eixos temáticos relativos aos significados da participação e cidadania para os jovens da cidade do Rio de Janeiro, que estão no segundo ano do ensino médio e tinham entre 16 e 18 anos à época desse trabalho.

No primeiro capítulo, "Juventudes: desigualdades e simetrias", Angela Randolpho Paiva apresenta as preocupações que orientaram a realização do seu projeto de pesquisa, expondo ao leitor a arquitetura intelectual e teórica que fundamentou a estruturação da proposta. A pesquisa foi desenvolvida em 25 escolas da cidade do Rio de Janeiro, dividindo-se em escolas da rede privada (incluindo, também, as confessionais) e da rede pública, havendo nesta última uma subdivisão entre as que denominou de escolas públicas de "excelência" (escolas federais e os antigos colégios de aplicação) e as outras da rede estadual, todas situadas em bairros da zona sul. Aplicou questionários a 1.000 alunos e, posteriormente, realizou 15 grupos focais. A inserção do leitor nessa estrutura metodológica é feita, de modo breve, na seção da introdução, sendo retomada neste capítulo I e apresentando os conceitos-chaves em torno dos quais a pesquisa se concentrou. Em sintonia com as categorias temáticas indicadas no título da obra, foram reunidas percepções e opiniões de uma juventude - nascida por volta dos anos 1990, em uma sociedade já democrática, após um longo período de ditadura - a respeito de si mesma, de sua cidade e de seu país. Assim, além de um retrato sobre as juventudes no Rio de Janeiro, o livro apresenta-nos as vozes desses jovens sobre o que significa a cidadania, a participação e o que tem representado para eles, em seu cotidiano, o "ser jovem". Com certeza, muitas destas opiniões e avaliações, de caráter paradoxal e quebrando mitos, também podem ser encontradas em outras capitais e cidades do Brasil.

No capítulo "Em direção à cidadania crítica: serão os jovens sujeitos políticos?", o autor Paulo Renato Flores Duran trava debates teóricos com autores como Putnam, Senett e Lipset e discute as atitudes e opiniões dos jovens. Faz isto na perspectiva dos próprios jovens, revelando que podem se constituir em cidadãos críticos quando valorizam formas de participação apoiadas em sua insatisfação com a cultura política, o que implicaria em mudanças para a defesa do sistema democrático. São apresentadas informações sobre o que significa ser jovem, os principais medos que possuem, o sentimento de nação que têm, o grau de satisfação e adesão ao regime político em relação aos partidos e aos políticos, e a confiança nas instituições republicanas.

Edilaine Andrade, no capítulo seguinte, "Juventudes: acesso à educação e ao mercado de trabalho", discute os principais anseios e temores que os jovens, nos três tipos de escolas, enfrentam em relação à escolarização que recebem e sua contribuição à inserção no mercado de trabalho. A análise aponta para a percepção clara, e nem por isso menos cruel, que os estudantes têm a respeito das desigualdades sociais presentes também nas condições para trabalhar. Ou seja, todos os estudantes, inclusive os das escolas mais precárias, percebem que há oportunidades educacionais desiguais no sistema de ensino brasileiro, o que acarreta também desigualdades no possível ingresso no trabalho. Transparece, assim, a consciência dos jovens sobre uma simetria entre desigualdade social, escolarização recebida e que tipo de juventude estão se constituindo.

No último capítulo, "Juventude e política: visões de cidadania no Brasil do século XXI", Julia Ventura analisa os sentidos do conceito de cidadania para os jovens separados pelas diferentes redes de ensino, a partir de dados mais qualitativos. Traz informações sobre o tipo de participação que têm, seja na vida associativa do país, seja nas atividades extracurriculares de sua escola, além dos problemas que consideram mais graves. A análise da autora indica que, em certa medida, a juventude estaria despolitizada, visto que não participa tão ativamente de associações cívicas, embora perceba de modo crítico o que acontece no país e as razões para as desigualdades sociais, corrupção, impunidade e injustiça social.

Entre os aspectos que merecem destaque nesta obra localizam-se os metodológicos, dada a abrangência, duração e variação de recursos que foram utilizados. Some-se a isto o fato de que a coordenadora da pesquisa e sua equipe socializam com o leitor os caminhos metodológicos percorridos, o que transparece, ao final, ao apresentarem uma seção com três anexos relativos ao processo da coleta. O Anexo I refere-se ao questionário com 46 perguntas formuladas de acordo com os cinco eixos temáticos da pesquisa: perfil dos jovens, valores, cidadania, cultura política e dilemas morais. O Anexo II, embora breve, apresenta o roteiro para grupos focais, também em torno dos eixos principais, destacando-se os sentimentos pelo país, os medos que têm, como percebem a sociedade e os problemas, o que acreditam poder fazer, e uma discussão sobre direitos e cidadania. Para aqueles que utilizam esta ferramenta dos grupos focais, encontra-se, aqui, uma boa visão sobre o rapport necessário, possíveis temas e como se articulam e devem ser tratados os assuntos quando da condução de estratégias em grupo de discussão. No Anexo III, encontra-se uma lista dos colégios visitados, sendo 13 da rede particular e 11 da rede pública.

Os achados da pesquisa realizada contribuem para desmontar concepções errôneas sobre o grau de envolvimento e percepção que os jovens têm sobre a vida societal e política. Feliz é o título dado ao capítulo I, ao indicar as desigualdades e simetrias entre esses três grupos de jovens, diferenciados pelas escolas nas quais estudam, como indicadores de seu estrato socioeconômico. Assim, os alunos da rede pública "de excelência" têm alguma simetria, próximos aos da rede particular, em quase todos os aspectos: visão sobre a democracia, como percebem os problemas, grau de confiança depositado nas instituições, medos em relação ao futuro. Os estudantes da rede estadual são os que estão mais afastados, tornando-se mais desiguais aos outros em relação a esses pontos. De modo interessante, os da rede estadual, cujas condições são mais precárias, percebem essa precariedade e sabem que são prejudicados por isso, percebendo claramente a desigualdade que vivem em seu cotidiano. As simetrias que aproximam esses três grupos de jovens estariam também nos medos comuns que apontam, como os da corrupção que dilapida o país e a violência cotidiana que os torna mais vulneráveis. Entretanto, a qualificação e o conteúdo desses medos novamente cria desigualdades, visto que para os da rede pública o medo situa-se em situações prosaicas do seu cotidiano, no ir e vir pelas ruas, ao mesmo tempo em que percebem ter menos oportunidades de ascensão profissional e social do que os outros.

Pode-se dizer que o livro traz achados relevantes e suscita questionamentos para aqueles que se encontram no campo das dimensões psicossociais das relações humanas, o que é interesse para os que trabalham com a psicologia social comunitária (MONTERO; SERRANO-GARCIA, 2011) e, também, com as teorias do cotidiano (HELLER, 1982; GOFFMAN, 1985; CERTEAU, 1994; BOURDIEU, 2000). Um dos achados refere-se ao fato de se pensar quem são esses jovens, que características possuem e que potencialidades suas juventudes sinalizariam para o seu futuro, como pessoas e cidadãos de um país recentemente democratizado.

No campo das práticas comunitárias e diferentes relações no cotidiano, um outro achado secundário estaria relacionado a considerar os jovens como uma entidade ou categoria não necessariamente compreendida como organização social e política, mas sim como uma dimensão psicossocial construída no cotidiano das relações. Quando eles identificam níveis diferenciados de confiança em pessoas, instituições e entidades, isso aponta para uma perspectiva sobre o que fazer, do ponto de vista de projeto coletivo de sociedade que, por sua vez, só se constrói no cotidiano das relações e das diferenciadas formas de participação. Assim, por exemplo, quando indicam como maior grau de confiança, primeiro a família, seguido pela escola e universidade, e o mais baixo, os partidos e por último os políticos, transparece uma dimensão importante das relações interpessoais, afetivas e de processos grupais e de grupos de referência. Mas, também, revela uma fragilidade do contexto democrático e político que, ao não atender as necessidades sociais, simbólicas e materiais, contribui para superestimar o peso atribuído à família, responsabilizando-a pelos sucessos e fracassos. Há que se pensar criticamente sobre isto, pois esta supervalorização quita o caráter histórico das relações e instituições sociais e produz a armadilha de uma psicologização dos problemas sociais (MARTÍN-BARÓ, 1987; FREITAS, 2011).

Um terceiro aspecto que pode ser derivado do livro ora apresentado ao leitor relaciona-se à dimensão da politização da juventude. Isto desmistifica e rompe com algumas visões de que a juventude poderia estar apática ou alheia aos processos políticos. Entretanto, os últimos acontecimentos no cenário mundial mostram que não se pode mais dizer que se trata de jovens alienados ou desconhecedores do que se passa no país. Ao contrário. Poder-se-ia, a partir daí, pensar em tipos de participações cujas reflexões os achados deste livro tangenciam de alguma maneira. Assim, hoje já não faz mais sentido falar em apatia de participação da juventude, como bem mostraram as manifestações dos jovens, em junho de 2013, sobre os problemas da mobilidade urbana, ou mesmo os recentes "rolezinhos", assim como as mobilizações recentes nas Primaveras Árabe e Chilena (ou Revolución de los Pinguiños).

E, por fim, que o conceito juventude não pode mais ser pensado no singular, mas sim no plural, como já bem indicado por vários estudos (SOUZA, 2011). Uma das contribuições do livro está também em ter mostrado isso, empiricamente em um mesmo cenário social entre distintos grupos de jovens, tendo momentos de interação entre si, o que revelou o convívio de juventudes distintas e similares no mesmo espaço, tempo e cenário social. Disto emergem relações e tensões entre eles, revelando momentos de olhares comuns e momentos de olhares divergentes. Coloca-se, assim, um desafio a todos aqueles que buscam contribuir para melhorias e avanços na sociedade na direção da justiça e cidadania, o que seria possível a partir de participações cotidianas compartilhadas entre essas distintas juventudes que, ao se aproximarem, poderiam construir um projeto comunitário baseado na igualdade e justiça social. Este é um convite à obra de Angela Randolpho Paiva, cujo conteúdo também nos desafiou a algumas destas reflexões. Estendemos estes desafios aos leitores.

Texto recebido em 20 de maio de 2014

Texto aprovado em 1º de julho de 2014

  • BOURDIEU, P. Cuestiones de sociologia Tradução: Enrique Martín Criado. Madrid: Istmo, 2000.
  • CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994. (Artes de fazer, 1).
  • FREITAS, L. A instituição do fracasso. A educação da ralé. In: SOUZA, J. A ralé brasileira. Quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2011. p. 281-304.
  • GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.
  • HELLER, A. La revolución de la vida cotidiana. Barcelona: Ediciones Peninsula, 1982.
  • MARTÍN-BARÓ, I. El latino indolente: carácter ideológico del fatalismo latinoamericano. In: MONTERO, M. (Coord.). Psicología política latinoamericana. Caracas: Editorial Panapo, 1987. p. 135-162.
  • MONTERO, M.; SERRANO-GARCIA, I. (Comps.). História de la psicología comunitária en América Latina: Participación y transformación. Buenos Aires: Paidós, 2011.
  • SOUZA, J. 2011. Youth, musical education and media: Singularities of learning mediated by technology. Action, Criticism, and Theory for Music Education, London, v. 10, n. 1, p. 94-113, 2011.
  • PAIVA, A. R. (Org.). Juventude, cultura cívica e cidadania. Rio de Janeiro: Garamond, 2013

    Maria de Fatima Quintal de FreitasI; Jusamara SouzaII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2014
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