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A CONSTITUIÇÃO DOS DISCURSOS SOBRE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NAS DÉCADAS DE 1980 E 1990

THE CONSTITUTION OF DISCOURSES ON PORTUGUESE TEACHING IN THE 1980S AND 1990S

RESUMO

Neste trabalho, observam-se processos de constituição de discursos sobre ensino de língua portuguesa estabelecidos nas duas últimas décadas do século XX, em contexto brasileiro. Compõem o material de análise três documentos publicados por instâncias oficiais como subsídios, propostas ou parâmetros para o ensino de língua portuguesa: Criatividade e Gramática (FRANCHI, [1987]FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. São Paulo: SE/CENP, 1981. 1991); a Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992.); e os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF.). Analisam-se os processos de (re)definição dos conceitos de atividade linguística e de atividade epilinguística em documentos de orientação curricular para o ensino de língua portuguesa publicados no período mencionado, em função dos diferentes modos como concebida a relação entre ensino de língua portuguesa e as condições de produção de linguagem na escola. A partir da observação dos modos como os conceitos de atividade linguística e atividade epilinguística se redefiniram nos processos interdiscursivos analisados, elaboram-se hipóteses sobre quais reconfigurações discursivas se operaram para a constituição da língua portuguesa em objeto de pesquisa e de ensino no período histórico observado.

Palavras-chave:
Ensino de língua portuguesa; Discurso; Currículo

ABSTRACT

This work observes the constitution of discourses on Portuguese language teaching in the last two decades of the 20th century in Brazil. The material analyzed consists of three documents published by official bodies as contributions, proposals or parameters for Portuguese teaching: "Criatividade e Gramática" [Creativity and Grammar] (FRANCHI, [1987]FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. São Paulo: SE/CENP, 1981. 1991); Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa [Curriculum Proposal for Portuguese Language Teaching] (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992.); and Parâmetros Curriculares Nacionais [National Curriculum Parameters] (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF.). The (re)definition of the concepts of linguistic activity and epilinguistic activity is analyzed in curriculum guidance documents on Portuguese language teaching published in that period, according to the different conceptions of the relationship between Portuguese language teaching and the conditions of language production in schools. From the observation of how the concepts of linguistic activity and epilingual activity were redefined in the interdiscursive processes analyzed, hypotheses are developed on which discursive reconfigurations took place in the constitution of Portuguese language as an object of research and teaching in the period observed.

Keywords:
Portuguese language teaching; Discourse; Curriculum

INTRODUÇÃO1 1 Pesquisa realizada com o apoio do CNPq.

Neste trabalho, observam-se processos de constituição de discursos sobre ensino de língua portuguesa estabelecidos nas duas últimas décadas do século XX, em contexto brasileiro, observadas as condições sociais, políticas e ideológicas em que se desenvolveram.

Segundo Marinho (2007)MARINHO, M. (2007). Currículos da escola brasileira: elementos para uma análise discursiva. Revista Portuguesa de Educação, v. 20, n. 1, p. 163-189., os documentos de orientação curricular produzidos nos anos 1980 se constituíram nas relações entre os discursos de inovação, fundamentados nos conhecimentos de vanguarda produzidos pelos estudos linguísticos, e nas ações de produção curricular, implementadas pelas instâncias oficiais responsáveis pela gestão da educação pública (MARINHO, 2007MARINHO, M. (2007). Currículos da escola brasileira: elementos para uma análise discursiva. Revista Portuguesa de Educação, v. 20, n. 1, p. 163-189., p. 172). A associação entre instâncias acadêmicas e oficiais (e, ao menos em discurso, também pedagógicas, representadas na participação dos professores da educação básica no processo de produção curricular) teriam como objetivo promover mudanças nas bases teóricas e metodológicas da disciplina de língua portuguesa, bem como em seus objetos e instrumentos de ensino. Compõe-se, desse modo, a concorrência entre instâncias acadêmicas, pedagógicas e oficiais para a produção do currículo em seus objetivos de mudança.

Num sentido similar ao observado na produção dos documentos de orientação curricular em diferentes estados, na década de 80, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os primeiros documentos curriculares de caráter nacional produzidos no país, teriam se fundamentado nas associações entre as vanguardas acadêmicas e as políticas oficiais gestadas pelas propostas curriculares estaduais produzidas anteriormente a sua elaboração (MARINHO, 2007MARINHO, M. (2007). Currículos da escola brasileira: elementos para uma análise discursiva. Revista Portuguesa de Educação, v. 20, n. 1, p. 163-189., p. 174).

A produção e publicação dos PCN foi parte do conjunto de ações implementado pelo governo federal, na segunda metade da década de 90, para reconfigurar o objeto e os objetivos do ensino de língua portuguesa (BUNZEN, 2011BUNZEN, C. (2011). A fabricação da disciplina escolar Português. Revista Diálogo Educacional, v. 11, nº 34, p. 885-911.), o que se promoveu com ações ordenadas de produção de documentos de referência curricular, elaboração e distribuição de materiais didáticos, e controle das ações pedagógicas por processos de avaliação dos sistemas de ensino. Os princípios orientadores dessas ações foram definidos pelas diretrizes de formação para a cidadania e de mão-de-obra qualificada, estabelecidas para atender principalmente às demandas do capital (GUEDES, 2002GUEDES, M. Q. (2002). Parâmetros Curriculares Nacionais ou o currículo oficial? Revista Inter-Ação, v. 27, n. 2, p. 85-99.; GERALDI & GERALDI, 2012GERALDI, C. M. G.; GERALDI, J. W. (2012). A domesticação dos agentes educativos: há alguma luz no fim do túnel. Revista Inter-Ação, v. 37, n. 1, p. 37-50.). As condições de produção das proposições curriculares teriam passado a se fazer não mais em resposta às características regionais, como se buscava garantir em algumas das propostas curriculares estaduais produzidas na década anterior, mas a um projeto nacional, o que teria implicado perda de autonomia das instâncias estaduais e municipais de educação na definição de suas políticas e programas.

Do ponto de vista teórico-metodológico, ainda que os PCN sejam por vezes considerados uma espécie de síntese do que foi encontrado nas propostas curriculares anteriormente produzidas (c.f.: BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF.; FREGONEZI, 1999FREGONEZI, D. E. (1999). Aconteceu a virada no ensino de língua portuguesa? Revista do GELNE. Ano 1, nº 2, p. 82-85.; APARÍCIO, 2009APARÍCIO, A. S. M. (2009). As propostas de inovação do ensino de gramática em textos oficiais. In: Anais do VI Congresso Internacional da Abralin. João Pessoa, p. 331-339.; BUNZEN, 2011BUNZEN, C. (2011). A fabricação da disciplina escolar Português. Revista Diálogo Educacional, v. 11, nº 34, p. 885-911.), neles, as concepções de linguagem e de ensino foram redefinidas em função dos conceitos que ordenam os parâmetros estabelecidos: das competências e habilidades; de gênero de discurso, relido de forma a se retirarem do conceito seus traços referentes à historicidade da produção de linguagem; de competência discursiva, com o que se associaram aspectos cognitivos e aspectos sociais para as considerações sobre o ensino e a aprendizagem da língua.

No presente trabalho, procura-se observar o desenvolvimento das relações entre as proposições para o ensino de língua portuguesa, tais como formuladas em documentos de orientação curricular, não naquilo que evidencie um processo de continuidade, mas em elementos que caracterizam as tensões e rupturas que se fizeram nesse desenvolvimento. Procura-se observar os efeitos dos jogos de força estabelecidos sobre o teórico-metodológico, o pedagógico e o oficial, nas proposições curriculares das décadas de 1980 e 1990, em função de mudanças nas condições de produção em que se constituíram os discursos sobre ensino de língua portuguesa. Com essa observação, objetiva-se conhecer os processos interdiscursivos que se estabeleceram entre os discursos acadêmico, pedagógico e oficial para a produção de proposições sobre e para o ensino de português na escola básica.

Assim, com a análise dos dados, busca-se observar não o que sejam continuidades ou agrupamentos entre as propostas de Franchi ([1987] 1991FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45.) e as da Proposta Curricular paulista (1988), em razão das proximidades que haveria entre as propostas do autor e aquelas que, no documento oficial, se fundamentariam em proposições de Geraldi (1984)GERALDI, João Wanderley (Org.) (1984). O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste. para a renovação do ensino de língua portuguesa (c.f.: BRITTO, 1997BRITTO, L. P. L. (1997). A sombra do caos: ensino de língua X tradição gramatical. Campinas: Mercado de Letras / ALB.; PAULA, 2004PAULA, L. F. (2004). O ensino de língua portuguesa no Brasil, segundo João Wanderley Geraldi. 2004. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências.); também não se busca observar continuidades ou agrupamentos entre as propostas curriculares produzidas na década de 1980 e os PCN de Língua Portuguesa - como realizado por Aparício (1999APARÍCIO, A. S. M. (1999). A renovação do ensino de gramática no primeiro grau no Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada). Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas.; 2009)APARÍCIO, A. S. M. (2009). As propostas de inovação do ensino de gramática em textos oficiais. In: Anais do VI Congresso Internacional da Abralin. João Pessoa, p. 331-339. em sua caracterização da perspectiva de base funcionalista fundamentando a Proposta Curricular paulista e os PCN de Língua Portuguesa -; mas procura-se conhecer, além das trocas e partilhas, também as tensões e rupturas que evidenciem especificidades dos discursos que se constituíram nos processos interdiscursivos analisados.

Os resultados podem contribuir para ampliar a compreensão de como se definem, nesses processos interdiscursivos, as posições de pesquisadores, professores e responsáveis pela gestão institucional da educação pública. Podem contribuir, assim, para se compreender os modos como se projeta a imagem do destinatário das propostas curriculares, em função das tensões que se estabelecem entre as instâncias acadêmicas, pedagógicas e oficiais envolvidas em suas produções, e as resultantes dessa projeção para a construção de uma representação de leitor que corresponda ora mais, ora menos, ao professor da escola básica e às necessidades que este tem em seu trabalho docente (MARINHO, 2001MARINHO, M. (2001). A oficialização de novas concepções para o ensino de PortuguêsTESE (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas.)2 2 A concorrência entre os discursos acadêmico, pedagógico e oficial seriam decorrentes também, segundo Marinho (2001), do caráter institucional da publicação dos documentos de orientação curricular, no sentido de serem resultantes de uma obrigatoriedade que os governos eleitos se imporiam, de apresentar à população um acontecimento político destinado à educação pública. Assim, a relevância teórico-metodológica e/ou pedagógica, o uso e a leitura de uma proposta curricular, se associariam às demandas oficiais de impressão de uma marca de renovação, deixada pelo grupo governante durante seu mandato, na construção do currículo da escola básica. Desse processo resultariam documentos com caráter mais fortemente argumentativo, voltados ao convencimento da eficácia pedagógica de uma dada concepção de ensino e de linguagem, que propriamente documentos com proposições curriculares sensíveis aos contextos escolares em que seriam concretizadas e aos seus destinatários primeiros, os professores. .

No caso em análise, os objetos, conceitos, modalidades enunciativas e estratégias teóricas (FOUCAULT, 2007FOUCAULT, M. (2007). A Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária.), constituintes dos discursos sobre ensino de língua portuguesa em produção nas décadas de 1980 e 1990, se reconfiguram em função das regras semânticas dos discursos em situação de delimitação recíproca. A análise dos modos como se reconfiguram os conceitos constituintes em um discurso e em outro permite evidenciar as trocas entre esses discursos e conhecer as características das formações discursivas e as condições em que se processou sua produção.

Nesse sentido, observam-se neste trabalho as reconceitualizações operadas sobre os conceitos de atividade linguística e atividade epilinguística nos processos interdiscursivos analisados nas duas últimas décadas do século XX no Brasil. Nesse período se alteraram os modos como foram definidos os conceitos em questão, em função de reconfigurações nas condições discursivas em que se produziram, então, proposições acadêmicas e pedagógicas sobre e para o ensino da língua portuguesa em contexto escolar.

A seleção desses conceitos para configurar o objeto de análise do presente trabalho se realizou em função do caráter inaugural que apresentam nas proposições sobre o ensino de língua portuguesa no país, e de sua apropriação subsequente em processos interdiscursivos estabelecidos entre os discursos acadêmico, pedagógico e oficial. A produtividade dos conceitos é observada em sua reapropriação segundo perspectivas teórico-metodológicas distintas daquelas em que eles se constituíram inicialmente: no caso em análise, os conceitos de base construtivista culioliana, tais como elaborados por Franchi ([1987] 1991)FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45., são relidos em bases sociointeracionistas ou sócio-históricas na Proposta Curricular paulista (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992.), e segundo a pedagogia das competências e habilidades, nos documentos de referência nacional para o ensino publicados na segunda metade da década de 1990 (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF.)3 3 A produtividade dos conceitos de atividade linguística e epilinguística em proposições para o ensino de língua portuguesa pode ser observada também em trabalhos como os de Franchi (1977; 1991); Geraldi (1991); Possenti (1996); Rezende (2008); Romero (2011); Nascimento (2014); Semeghini-Siqueira & Bezerra (2013); dentre outros. .

Compõem o material de análise, portanto, três documentos publicados por instâncias oficiais, como subsídios, propostas ou parâmetros para o ensino de língua portuguesa: o artigo Criatividade e Gramática (FRANCHI, ([1987] 1991)FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45.; a Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa - 1º grau (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992.); e os Parâmetros Curriculares Nacionais - língua portuguesa - 5ª a 8ª séries (Brasil, 1998). Em cada um deles, os conceitos de atividade linguística e epilinguística são definidos diferentemente, em resposta às concepções de sujeito, de ensino e de língua prevalentes nas condições discursivas existentes.

Trata-se de documentos fundamentados em produções acadêmicas sobre língua e seu ensino, e publicados por instâncias oficiais com o objetivo de fomentar alterações na composição da disciplina curricular de língua portuguesa. São resultantes, como mencionado, da inter-relação entre os discursos oficial, em que se definem os parâmetros curriculares para o que seja o ensino de língua portuguesa na escola; o acadêmico, em que se sustentam as bases teóricas e as concepções de linguagem que se apropriam para a elaboração das propostas de ensino; e o pedagógico, em que se definem os modos como ensinar, considerados os objetivos e funções atribuídos à escolarização. Assim, ainda que se diferenciem em algumas de suas características devido às especificidades dos gêneros de discurso em que podem ser classificados (um texto de divulgação com subsídios para a formação docente; uma proposta curricular estadual; um documento nacional de parametrização curricular), os documentos que compõem o material de análise têm em comum, como mencionado anteriormente com base em Marinho (2001)MARINHO, M. (2001). A oficialização de novas concepções para o ensino de PortuguêsTESE (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas., elementos de caráter argumentativo, em que se fundamentam suas proposições de objetos e de práticas de ensino a serem apropriados em contexto escolar: os três documentos sustentam suas propostas em argumentos voltados ao convencimento do professor sobre a necessidade de abandonar concepções e práticas consideradas tradicionais, ultrapassadas, discriminatórias, em favor das concepções de ensino e de linguagem renovadoras, pedagogicamente eficazes. Nesse sentido, suas partes voltadas à apresentação das bases teórico-metodológicas, a partir das quais se produziram os dados analisados no presente trabalho, assemelham-se em seus aspectos temáticos, estilísticos e composicionais; os documentos se diferenciam principalmente quando da apresentação (ou da ausência) de seções com a sistematização dos instrumentos de ensino e de aprendizagem propostos, e/ou dos objetos ou conteúdos a serem ensinados.

No caso em análise, Criatividade e Gramática foi produzido por um linguista e publicado por uma instância oficial responsável pelo ensino de língua portuguesa4 4 No caso, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. , tendo os professores da escola básica como destinatários5 5 O artigo foi publicado posteriormente, também, na Revista Trabalhos em Linguística Aplicada, do IEL/UNICAMP, no ano de 1987 (FRANCHI, 1987). . Como referido, é o documento em que primeiramente se propõem os conceitos de atividade linguística, epilinguística e metalinguística para o tratamento de questões de ensino e de aprendizagem de língua portuguesa no país.

A Proposta Curricular (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992.) teria tido também um caráter inaugural (APARÍCIO, 2009APARÍCIO, A. S. M. (2009). As propostas de inovação do ensino de gramática em textos oficiais. In: Anais do VI Congresso Internacional da Abralin. João Pessoa, p. 331-339.) em suas proposições, acompanhadas, a seguir, por propostas elaboradas em vários outros estados (c.f.: SILVA, GERALDI & FIAD, 1996GERALDI, J. W., SILVA, L. L. M. & FIAD, R. S. (1996). Linguística, Ensino de Língua Materna e Formação de Professores. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 12, n. 2, p. 307-326.). O documento teria sido produzido num trabalho colaborativo entre docentes da escola básica e pesquisadores da universidade, sob a supervisão da instância oficial anteriormente referida. Ainda que o autor de Criatividade e Gramática tenha também contribuído como assessor e revisor para a elaboração da Proposta Curricular, discursivamente ambos os documentos apresentam condições de produção distintas, em um processo de delimitação interdiscursiva, como se observará mais adiante.

Os Parâmetros Curriculares, por sua vez, foram produzidos num momento histórico em que as lutas pela transformação social, que fundamentavam parte importante dos discursos sobre ensino de língua portuguesa na década de 80 (c.f: SOARES, 1984SOARES, M. (1984). Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática .; GERALDI, 1984GERALDI, João Wanderley (Org.) (1984). O texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste.; LUFT, 1985LUFT, C. P. (1984). Língua e liberdade. São Paulo: Ática.), foram reposicionadas em função da abertura democrática que se obteve na organização política do país. Além disso, os discursos de caráter social e emancipatório foram confrontados por discursos de caráter neoliberal, que orientaram as políticas implementadas pelos governos federais eleitos na década de 90.

O conjunto de documentos analisados no presente trabalho pretende-se representativo de três diferentes modos de conceber o ensino de língua portuguesa na escola. O primeiro se fundamenta na consideração da sala de aula como espaço de trabalho com a língua; o segundo, na consideração do trabalho com o texto enquanto unidade de ensino; o terceiro, no trabalho com os gêneros de discurso, considerados instrumentos e objetos de aprendizagem.

A observação dos modos como definidos os conceitos de atividade linguística e epilinguística, nas proposições pedagógicas produzidas em cada um dos momentos históricos considerados, permite conhecer mais detalhadamente as características dos discursos sobre o ensino de língua portuguesa que se constituíram no período estudado. Essas diferenças parecem ter se estabelecido em função dos discursos componentes dos processos interdiscursivos em jogo (o acadêmico, o pedagógico, ou o oficial), que ocuparam a posição de discurso agente num determinado momento, como se pretende analisar com base na perspectiva teórica apresentada a seguir.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA

Uma vez que o objetivo é o de caracterizar diferenças entre discursos sobre o ensino de língua portuguesa, em função das condições sociais, históricas e ideológicas em que esses discursos foram produzidos, a análise dos dados se fundamentou em elementos de Análise do Discurso de linha francesa, mais especificamente em conceitos propostos por Maingueneau (2005)MAINGUENEAU, D. (2005). Gênese dos discursos. Tradução Sírio Possenti. Curitiba, PR: Criar Edições. para a compreensão dos modos de constituição discursiva.

Considerando-se que um discurso se ordena segundo um sistema de restrições fundamentado em regras semânticas, é possível, com o desenvolvimento do trabalho de análise, depreender as "regras que permitem produzir e interpretar enunciados que resultam de sua própria formação discursiva e, correlativamente, permitem identificar como incompatíveis com ela os enunciados das formações discursivas antagonistas" (MAINGUENEAU, 2005MAINGUENEAU, D. (2005). Gênese dos discursos. Tradução Sírio Possenti. Curitiba, PR: Criar Edições., p. 23). A interdiscursividade consistiria no trabalho de discurso(s) sobre discurso(s), num processo de delimitação recíproca. Regras semânticas com valor positivo e com valor negativo operariam no funcionamento de um determinado discurso, em função da posição que este ocupa na sua relação com os discursos com que se delimita constitutivamente. Segundo o autor, "o caráter "global" dessa semântica se manifesta pelo fato de que ela restringe simultaneamente o conjunto dos "planos" discursivos: tanto o vocabulário quanto os temas tratados, a intertextualidade ou as instâncias de enunciação..." (MAINGUENEAU, 2005MAINGUENEAU, D. (2005). Gênese dos discursos. Tradução Sírio Possenti. Curitiba, PR: Criar Edições., p. 22).

No presente trabalho, o objetivo é o de observar de que modo se processaram historicamente as modificações nas bases discursivas em que se produziram enunciados sobre e para o ensino de língua portuguesa no Brasil recente. Assim, não se pretende identificar as regras discursivas próprias de um determinado discurso, mas caracterizar diferenças entre discursos com base na observação dos traços semânticos e dos semas, que parecem se alterar, de um discurso a outro, no processo interdiscursivo em análise.

Nesse sentido, parte-se do princípio de que não é possível estabelecer fronteiras fixas entre os discursos que participam dos processos interdiscursivos, dado que esses discursos se constituem mutuamente com base em trocas, apropriações, denegações, partilhas para com seus outros: atua o princípio da heterogeneidade, o que implica não mais tomar os discursos como totalidades homogêneas, fechadas em si mesmas.

A unidade de análise não seria, assim, propriamente o discurso (entendido como "dispersão de textos cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas" (MAINGUENEAU, 2005MAINGUENEAU, D. (2005). Gênese dos discursos. Tradução Sírio Possenti. Curitiba, PR: Criar Edições., p. 15)), mas um espaço de trocas entre vários discursos convenientemente escolhidos, o que supõe, portanto, a precedência do interdiscurso sobre o discurso. Segundo Maingueneau (1997, p. 116)MAINGUENEAU, D. (1997). Novas Tendências em Análise do Discurso. Tradução Freda Indursky. Campinas: Pontes/Editora da Unicamp., o universo discursivo corresponderia ao "conjunto de formações discursivas de todos os tipos que coexistem, ou melhor, interagem, em uma conjuntura". Corresponderia a um conjunto finito, mas impossível de ser observado em sua totalidade; metodologicamente, no entanto, opera como uma referência para que se efetuem os recortes de campos discursivos. O campo discursivo é definido como "um conjunto de formações discursivas que se encontram em relação de concorrência, em sentido amplo, e se delimitam, pois, por uma posição enunciativa em uma dada região". Espaço discursivo, por sua vez, seria o resultado da delimitação de "um subconjunto do campo discursivo, ligando pelo menos duas formações discursivas que, supõe-se, mantêm relações privilegiadas, cruciais para a compreensão dos discursos considerados" (MAINGUENEAU, 2005MAINGUENEAU, D. (2005). Gênese dos discursos. Tradução Sírio Possenti. Curitiba, PR: Criar Edições., p. 117).

O espaço interdiscursivo aqui definido para análise se compõe de discursos que se produziram na inter-relação de instâncias acadêmicas, pedagógicas e oficiais, a partir da década de 70 do século XX, no país, para a produção de proposições para o ensino de língua portuguesa na escola básica pública. A caracterização dos discursos em acadêmico, pedagógico e oficial, no presente trabalho, é resultado da intervenção do analista, que opera recortes com vistas a constituir o corpus de análise, e o faz tendo como parâmetros características recorrentes que permitam considerar a prevalência de regras semânticas próprias a um ou outro dos discursos que compõem o espaço discursivo delimitado para a pesquisa.

Os documentos que compõem o material de análise do presente trabalho se produziriam no interior de um processo interdiscursivo que se estabeleceu historicamente, no Brasil, entre os discursos oficial, acadêmico e pedagógico (c.f.: PIETRI, 2013aPIETRI, E. (2013a). O currículo e os discursos sobre o ensino de língua portuguesa: relações entre o acadêmico, o pedagógico e o oficial na década de 1970, no Brasil. Currículo sem Fronteiras, v. 13, n. 3, p. 515-537.; SANTOS, 2014SANTOS, P. S. (2014). Língua Materna: aliança e confronto aberto no campo metodológico. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade de São Paulo. Faculdade de Educação. São Paulo.), em que os enunciados de um e/ou de outro(s) do(s) discurso(s) em jogo seriam lidos segundo as categorias do discurso na posição de discurso agente, isto é, aquele a partir de cujas regras são interpretados os enunciados dos discursos concorrentes.

No momento histórico referido, é possível caracterizar as mudanças ocorridas nas condições sociais, políticas e ideológicas em que se produziram os discursos analisados. Na década de 70, intensificou-se a ampliação de oferta de escolarização básica para camadas da população que até então não tinham acesso à educação formal e pública. Proposições curriculares para o ensino básico foram definidas pelo poder público, para o que as Universidades, num momento inicial de expansão dos Programas e da pesquisa em nível de Pós-Graduação, foram chamadas a contribuir. O currículo escolar foi reestruturado de modo a orientar sua ampliação de quatro para oito anos de oferta obrigatória; a Educação foi posicionada em função do projeto de desenvolvimento econômico estabelecido pelo regime militar (c.f.: PIETRI, 2010PIETRI, E. (2010). Sobre a constituição da disciplina curricular de língua portuguesa. Revista Brasileira de Educação, v.15, n. 43, p.70 - 83.).

A década de 80 se caracterizou pela presença das classes populares na escola de acesso ampliado, e pelos conflitos que se constituíram no encontro das variedades linguísticas dos alunos recém-chegados à cultura escolar com a língua da educação formal. Num momento de luta pela redemocratização do país, a escola foi observada pelos estudos acadêmicos como a agência que poderia promover a transformação social, e o acolhimento das parcelas pobres da população pela instituição escolar, com suas variedades linguísticas e suas culturas, seria um meio de fornecer aos sujeitos da aprendizagem instrumentos de intervenção social e política (SOARES, 1984SOARES, M. (1984). Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática .). Propostas de ensino de língua portuguesa foram produzidas no período em resposta a essas atribuições conferidas à escola: estados da Federação publicaram documentos de referência curricular de base sócio-histórica como subsídios para as mudanças que se procurava operar nas práticas de ensino escolares (c.f.: SILVA, GERALDI & FIAD, 1996GERALDI, J. W., SILVA, L. L. M. & FIAD, R. S. (1996). Linguística, Ensino de Língua Materna e Formação de Professores. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 12, n. 2, p. 307-326.).

A década seguinte foi marcada pela implementação de políticas econômicas de caráter neoliberal, de modo que a proeminência que possuíam a cultura acadêmica ou a cultura escolar para a concepção e condução de projetos de escolarização ou de sociedade, nos momentos anteriores, foi suplantada por projetos de governo que submeteram o Estado aos interesses do capital financeiro internacional (SANTOS, 2000SANTOS, M. (2000). Por uma outra globalização (Do pensamento único à consciência universal). São Paulo: Record.; SINGER, 2009SINGER, A. (2009). Raízes sociais e ideológicas do lulismo. Novos Estudos CEBRAP, n. 85, p. 83-102.; CHAUÍ, 2013CHAUÍ, M. (2013). Uma nova classe trabalhadora. In: SADER, E. (org) 10 anos de governos pósneoliberais no Brasil: Lula e Dilma. São Paulo, SP: Boitempo; Rio de Janeiro: FLACSO Brasil.). As proposições para o ensino e a aprendizagem foram então definidas pelo governo central, e reordenadas de modo a responder à necessidade de formação de mão de obra competente e hábil para o mercado.

Consideradas as condições históricas acima referidas, será observado a seguir como se realizou a redefinição dos conceitos de atividade linguística e epilinguística nas relações interdiscursivas constituídas no período estudado. Cada um dos documentos que compõe o corpus de análise no presente trabalho é tomado como representativo de um dos diferentes discursos que se constituem nas relações interdiscursivas analisadas.

2. A PRODUÇÃO ACADÊMICA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Como mencionado, observam-se, no presente trabalho, as diferenças de sentido que os conceitos de atividade linguística e epilinguística apresentaram nas duas últimas décadas do século XX no Brasil. A hipótese com que se trabalha é a de que esses conceitos teriam se reconfigurado em razão da forma como foram concebidas as condições de produção de linguagem na escola. A observação dos modos de reconfiguração desses conceitos contribui para a compreensão dos objetivos atribuídos ao ensino e à aprendizagem de língua portuguesa em contexto escolar, em função das condições sociais, políticas e ideológicas dominantes num momento histórico específico.

Nota-se, nos documentos analisados, um processo de redefinição do que seria a unidade de ensino da disciplina curricular de língua portuguesa. Esse processo parece ter se desenvolvido com base no conceito de língua, para, em seguida, se fundamentar num determinado conceito de texto, até chegar, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF.), a se definir sustentado numa dada concepção de gênero de discurso.

O primeiro processo interdiscursivo observado, em que a língua constituiria o objeto de ensino de língua portuguesa, é aqui considerado com base no documento Criatividade e Gramática (FRANCHI, [1987FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45.] 1991). Nesse documento, afirma-se que:

somente se aprende gramática quando relacionada a uma vivência rica da língua materna, quando construída pelo aluno como resultado de seu próprio modo de operar com as expressões e sobre as expressões, quando os fatos da língua são fatos de um trabalho efetivo e não exemplos descolados da vida. (FRANCHI, [1987] 1991FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45., p. 24 - destaques para o momento)

Observa-se, na passagem acima, a ênfase na relação entre sujeito e língua, ênfase que se poderia assinalar não apenas nos apontamentos quanto ao fato de ser "construída pelo aluno", com seu "próprio modo de operar". Essa escolha lexical para caracterizar o que se compreenderia como a língua do sujeito seria um indicador do modo como compreendido o conceito de língua, no documento em questão, e a unidade do ensino de língua portuguesa que nele se propõe: seria antes um saber localizado no indivíduo, o aluno, do que um fato definido pedagogicamente ou por uma intervenção do oficial (o que se observa também na opção por referir a língua como materna, e não como língua portuguesa, ou, ainda mais explicitamente, como língua oficial).

No que se refere ao processo de didatização, de investimento pedagógico do espaço da sala de aula, parece operar, no discurso em que se constitui o texto de Criatividade e Gramática, uma regra semântica pautada no princípio de legitimidade (em oposição a artificialidade6 6 O apontamento de que os usos de linguagem em sala de aula se caracterizam tradicionalmente pela artificialidade é enunciado corrente nos discursos sobre ensino de língua portuguesa fundamentados nos estudos da linguagem. A título de ilustração, cita-se a passagem de Brito (2000, p. 59): "Normalmente, nos exercícios e nas provas de redação, a linguagem deixa de cumprir qualquer função real, construindo-se uma situação artificial, na qual o estudante, à revelia de sua vontade, é obrigado a escrever sobre um assunto em que não havia pensado antes, no momento em que não se propôs e, acima de tudo, tendo que demonstrar (esta é a prova) que sabe. E sabe o quê?". ) da atividade linguística em contexto de ensino, que se pode observar, na passagem acima, nas referências à "vivência rica da vida materna", "construída pelo aluno", em que "os fatos da língua são fatos de um trabalho efetivo, e não exemplos descolados da vida". O funcionamento dessa regra pode ser observado de modo ainda mais explícito na passagem a seguir:

[A atividade linguística plena] somente pode reproduzir-se, na escola, se esta se tornar um espaço de rica interação social que, mais do que mera simulação de ambientes de comunicação, pressuponha o diálogo, a conversa, a permuta, a contradição, o apoio recíproco, a constituição como interlocutores reais do professor e seus alunos e dos alunos entre si. (FRANCHI, [1987] 1991FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45., p. 35 - destaques para o momento)

No documento em análise, reitera-se a necessidade de considerar que os agentes e as ações que nele se constituem são reais - é recorrente a referência a noções como real, vida real, contexto vital etc.

A sala de aula é assim concebida como um espaço de interação social. Porém, a concepção de linguagem que fundamenta as propostas para o ensino de língua portuguesa, em Criatividade e Gramática, se estabelece em torno da relação do sujeito com sua própria linguagem:

Por um lado, essa pedagogia implica que as ideias novas se formem em um contexto vital; que se coloquem à prova, enquanto hipóteses. Implica que as significações se concebam como "pontos de vista", dependentes funcionalmente de um contexto que é menos um dado e muito mais um construído. (...) O homem deve formar-se em uma contínua readaptação; quero dizer: para ser sempre um agente novo de sua própria construção, para acomodar-se em sucessivas e diferentes situações, para reinterpretá-las e reinterpretar seus problemas, para atribuir às questões novo valor e peso, para inventar soluções; para exercer, enfim, sua virtualidade criadora." (...) Mais: situa-se a atividade criadora em um contexto vital e social. Ela não se manifesta somente em um ato individual, isolado. Desenvolvese no diálogo e na contradição. Na multiplicação dos interlocutores. No contraponto de um discurso que se atualiza em um contexto bem determinado. Embora no sujeito, é um processo histórico porque supõe ao mesmo tempo a exploração dos campos já cultivados e o rompimento desses limites anteriormente estabelecidos. (FRANCHI, [1987] 1991FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45., pp. 11-12 - destaques para o momento)

Ainda que desenvolvida num contexto específico, e fundamentada na necessidade do diálogo e da contradição, a atividade criadora, a virtualidade criadora é, ainda assim, um atributo do sujeito, mesmo que considerada a linguagem em sua historicidade.

O processo histórico a que se faz referência, na passagem acima, parece não estar relacionado, portanto, à perspectiva sócio-histórica de linguagem - perspectiva que fundamentará o texto da Proposta Curricular (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992.), como se verá adiante -, mas a uma historicidade enunciativa, conforme o que se propõe na Teoria das Operações Enunciativas. Nesse sentido, estaria mais diretamente relacionada a um processo de constituição diacrônica:

Por fim, o epilinguístico integra-se à própria atividade de linguagem, uma forma das formas da qual nos apropriamos, o que faz com que este conceito manifeste necessariamente "um aspecto diacrônico", o que não podia deixar de ser, já que "somos todos diacrônicos; nós representamos algumas centenas de milhares de anos" (resposta de Culioli a Normand...7 7 Resposta à pergunta: "Mas, finalmente, há também todo um aspecto diacrônico no seu epilinguístico?". (C.f.: ROMERO, 2011, p. 157) ). (ROMERO, 2011ROMERO, M. (2011). Epilinguismo: considerações acerca de sua conceitualização em Antoine Culioli e Carlos Franchi. ReVEL, v. 9, n. 16, p. 152-163., p. 157)

Nesse contexto, a atividade linguística é considerada um "exercício pleno, circunstanciado, intencionado e com intenções significativas da própria linguagem" (p. 35). Ou seja: é uma atividade cujo caráter construtivo, criativo, se relaciona ao sujeito, por um lado, mas se investe na própria língua, por outro. Nos dizeres de Romero (2011)ROMERO, M. (2011). Epilinguismo: considerações acerca de sua conceitualização em Antoine Culioli e Carlos Franchi. ReVEL, v. 9, n. 16, p. 152-163., em suas considerações acerca das bases culiolianas do pensamento de Franchi (1977)FRANCHI, C. (1977). Linguagem - atividade constitutiva. Revista do GEL. Número especial. 50º Seminário em memória de Carlos Franchi (1932-2001). São Paulo: Contexto, 2002.:

Assim, ao refutar a redução da linguagem ao ato mesmo de enunciar, Franchi refuta necessariamente uma concepção de enunciação para a qual se postula uma língua que, intrinsecamente dotada de sentidos, produziria efeitos semânticos variados conforme sua utilização por parte de um sujeito. O trecho de Culioli mencionado por Franchi, em que se vincula a uma concepção instrumental da linguagem a afirmação de que as palavras têm sentido, como também se verifica um posicionamento contra uma linguagem concebida exclusivamente como exterior ao sujeito, só faz confirmar esse conjunto de recusas. (ROMERO, 2011ROMERO, M. (2011). Epilinguismo: considerações acerca de sua conceitualização em Antoine Culioli e Carlos Franchi. ReVEL, v. 9, n. 16, p. 152-163., p. 158)

A constitutividade na relação sujeito-língua talvez fique mais evidente na própria definição do que se compreende, no documento em análise, por atividade epilinguística:

É aí que começa uma prática ou a intensificação de uma prática que começa na aquisição da linguagem, quando a criança se exercita na construção de objetos linguísticos mais complexos e faz hipóteses de trabalho relativas à estrutura de sua língua. Chamamos de atividade epilinguística a essa prática que opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transformaas, experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as formas linguísticas de novas significações. (FRANCHI, [1987] 1991FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45., p. 36 - destaques para o momento)

Em relação ao ensino, a interlocução, o diálogo que deveria se estabelecer em sala de aula, possibilitaria o contato com formas linguísticas diversas, às quais talvez não se tivesse acesso em outro espaço que não o da sala de aula, espaço que congrega, em número expressivo, os sujeitos - e seus saberes linguísticos - em torno das atividades para o desenvolvimento linguístico. O contexto de ensino se constituiria em um fórum no qual cada participante, externando seus modos de realização de operações sobre a própria linguagem, contribuiria com os demais ao compartilhar suas experiências linguísticas.

O compartilhar de experiências auxiliaria no desenvolvimento, pelo sujeito, de suas operações sobre a própria linguagem. A sala de aula seria, portanto, um espaço em que se possibilitaria que o sujeito ampliasse os recursos não apenas linguísticos, mas, sobretudo, os necessários para a realização das atividades epilinguísticas:

Mas interessa, e muito, levar os alunos a operar sobre a linguagem, rever e transformar seus textos, perceber nesse trabalho a riqueza das formas linguísticas disponíveis para suas mais diversas opções. Sobretudo quando, no texto escrito, ele necessita muitas vezes tornar conscientes os procedimentos expressivos de que se serve. (FRANCHI, [1987FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45.] 1991, p. 20 - em itálico, destaques para o momento; em negrito, destaque do original)

Nota-se, portanto, que, embora pautado no princípio da interlocução, do diálogo, a proposta de ensino de língua portuguesa presente em Criatividade e Gramática se constitui em torno do indivíduo, de seus saberes linguísticos e do desenvolvimento de sua consciência sobre esses saberes. Nessa proposta, a escrita desempenharia a função de garantir que os usos de linguagem se fizessem de modo menos intuitivo, ampliando, assim, a possibilidade de controle, pelo sujeito, dos efeitos de sentido que a opção por um ou outro recurso linguístico poderia produzir.

O documento em análise parece se constituir, portanto, em torno de regras semânticas que valorizam positivamente os semas de individualidade e de construção, porém de modo a não marcar negativamente os semas relacionados ao social e ao histórico. Trata-se de uma base semântica que se pauta mais por um princípio de agregação que de segregação em relação a enunciados de discursos concorrentes (excetuando-se os enunciados atribuídos ao conhecimento gramatical tradicional e à gramática pedagógica, contra os quais se polemiza no discurso em que se constitui o documento em análise8 8 Nesse espaço em que os usos de linguagem deveriam se fundamentar na legitimidade das interações, a sala de aula - ou o contexto de ensino, de modo mais amplo - não poderia ser observada como espaço de didatização de fatos de linguagem segundo preceitos da gramática considerada tradicional - isto é, para exercícios de análise sintática e morfológica pautados nas categorias estabelecidas nos compêndios gramaticais pedagógicos e distantes das necessidades comunicativas dos sujeitos que compõem o contexto escolar. Note-se, ao final da passagem reproduzida a seguir, a relevância que assume na argumentação a contraposição aos exercícios escolares fundamentados em conhecimentos gramaticais tradicionais, daqueles que poderiam se desenvolver fundamentados nos conhecimentos produzidos pelos estudos da linguagem. Como afirma o autor: "Os exercícios gramaticais, quase todos se situam ao nível da metalinguagem, ou seja, o de adquirir um sistema de noções e uma linguagem representativa (na verdade, uma nomenclatura) para poder falar de certos aspectos da linguagem. A crítica feita anteriormente mostra que é ainda menos que isso, pois não se organizam essas noções de modo a que se possa falar, estritamente, de sistema. Quando mais, resumem-se a exercícios analíticos e classificatórios com pequena relação com os processos de construção e transformação das expressões, com a propriedade e adequação do texto às intenções significativas, com a exploração da variedade dos recursos expressivos para o controle do estilo. (...)" (FRANCHI, 1991, p. 24 - destaques para o momento) ).

A operação dessas regras semânticas, e da que projeta o princípio da legitimidade sobre o contexto escolar, se observa no modo como é caracterizado o contexto de ensino em sala de aula: um conjunto de sujeitos que, num processo interlocutivo legítimo, promove o compartilhar de experiências linguísticas, de modo a garantir que os recursos trazidos para esse contexto auxiliem cada um dos indivíduos que o compõem a desenvolver seus recursos próprios para operações com e sobre a linguagem. O trabalho pedagógico fundamentado em atividades linguísticas e epilinguísticas teria, nesse processo, a função de tornar conscientes, para o sujeito, esses recursos linguísticos.

No que se refere ao processo interdiscursivo em análise, em que se materializa o texto de Criatividade e Gramática, o discurso acadêmico parece ocupar o lugar de discurso agente no campo constituído pelos discursos acadêmico, pedagógico e oficial. As atividades a se desenvolverem em sala de aula se colocam em função dos aspectos construtivistas previstos para a linguagem com base em perspectiva teórica específica (de base enunciativa, culioliana), e, em torno dela, se propõe a organização do contexto de ensino e dos modos de interlocução a se desenvolverem pelos sujeitos que compõem esse contexto.

3. O CONTEXTO PEDAGÓGICO E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Aparentemente, regras semânticas similares às que operam no processo interdiscursivo anteriormente observado parecem operar para a produção do documento da Proposta Curricular (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992.). Porém, diferenças fundamentais se evidenciam entre um, de base enunciativa de inspiração culioliana, e outro, sustentado principalmente em concepção de linguagem de base sociointeracionista. De um processo interdiscursivo a outro, operase um deslocamento nas bases semânticas, de modo que, no documento da Proposta Curricular, se colocaria como centro das considerações não mais uma determinada concepção de língua, mas já uma determinada concepção de texto:

Nessa dimensão [a do texto], a atividade linguística não se faz nas palavras ou frases isoladas para análises e exercícios escolares. Ela se realiza nos processos reais de comunicação como discurso ou texto (...) o que define o texto [é] o fato de que é uma unidade de sentido em relação a uma situação. Um momento de vida. (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992., p. 18 - destaques para o momento)

Nota-se que permanece, no texto da Proposta Curricular, a referência à realidade dos processos de comunicação, o que se aproxima da regra semântica observada para o documento Criatividade e Gramática quanto à legitimidade atribuída às atividades linguísticas desenvolvidas em contexto de ensino. Observa-se, mesmo na passagem acima, a referência a momento de vida, expressão que também ocorreu no documento analisado anteriormente. No entanto, no texto da Proposta Curricular, a referência ao histórico apresenta sentido diferente do que possui em Criatividade e Gramática: trata-se não da história dos processos enunciativos, mas da história em sua relação com os processos sociais e com os efeitos que o trabalho humano produz a partir de e sobre esses processos:

Ora, não se pode trabalhar sobre a linguagem nem estudá-la, sem compreender bem a natureza dessa atividade: (...) - seu caráter social, que a torna dependente do contexto em que se realiza e do modo pelo qual os interlocutores, atravessados pela história e atravessando a história são trabalhadores agentes desse processo de construção. (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992., p. 17-18)

Não se trata, de acordo com a perspectiva em que se referencia o documento em questão, de se considerar a relação do sujeito com a linguagem, no que essa relação teria de individual, mas de conceber que os usos de linguagem são histórica, social e culturalmente situados. Os usos de linguagem se constituem, assim, na interação dos interlocutores:

Assim, o texto falado ou escrito constitui-se pela interação dos interlocutores, falante ou ouvinte, autor e seus leitores, envolvendo quem o produz e quem o interpreta. Por um lado, como vimos, esse processo implica no recurso a aspectos sistemáticos e a regras (linguísticas, lógicas, conversacionais, ...) que permitem aos participantes da comunicação identificar-se e identificar o quadro linguístico e cultural em que se situam. Por outro lado, exige uma atitude ativa e crítica, e mesmo uma certa liberdade de ultrapassar os limites do texto: quem diz ou escreve e quem interpreta são co-produtores na construção do sentido do texto e co-responsáveis por relacioná-lo a uma determinada situação de fato. (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992., p. 18 - destaques para o momento)

Observando os pontos em comum a diversas das então novas propostas de ensino de língua portuguesa, Geraldi, Silva & Fiad (1996, p. 325-326)GERALDI, J. W., SILVA, L. L. M. & FIAD, R. S. (1996). Linguística, Ensino de Língua Materna e Formação de Professores. D.E.L.T.A., São Paulo, v. 12, n. 2, p. 307-326. destacam "a presença constante de quatro aportes da Linguística para o ensino de língua materna":

a concepção sócio-interacionista ou sócio-histórica de linguagem inspirando as atividades de ensino; a noção de texto, como um produto do trabalho interativo com vínculos às suas condições discursivas de produção; a noção de variedade linguística como própria de qualquer língua, deslocando a noção de certo/errado e definindo-se pelo ensino da chamada língua padrão; e a reorganização das práticas de sala de aula em torno da leitura, da produção de textos e da análise linguística.

As regras semânticas que operam para a produção do texto da Proposta Curricular parecem marcar positivamente, portanto, não mais os semas da individualidade e da construção, mas de interação e trabalho, situados no espaço entre um sujeito e outro, entre um quadro (histórico, econômico, social, cultural etc.) e outro:

(...) o conceito de trabalho (... a concepção de linguagem como trabalho e extensão simbólica de ação do homem sobre os outros e sobre o mundo) supera a concepção tradicional de língua, deliteratura e de saber. (...) não se trata de um trabalho alienado ou ilhado no indivíduo. É uma ação recíproca e uma interação, em que a linguagem e o conhecimento são possíveis, em um processo de construção conjunta de todos os participantes. (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992., p. 19 - destaques para o momento)

O grupo social que se compõe na sala de aula não seria, assim, observado como um conjunto de indivíduos que trazem cada um sua contribuição de que outro indivíduo pode se apropriar (como parece ser projetada a sala de aula em Criatividade e Gramática), mas como um conjunto de sujeitos que se constituem enquanto tais na relação com os outros, num trabalho com que produzem o próprio contexto em que interagem. A identidade, portanto, não é algo definido a priori, mas é algo que se constitui na interação e em contexto:

A concepção sócio-interacionista busca contextualizar o ensino de língua dentro de um espaço histórico cultural específico para cada situação: "não se fala de uma criança ideal, mas de uma criança que está dentro de um contexto X e que a escola está dentro deste contexto também, faz parte de um grupo cultural, de um grupo sócio-econômico". (FREITAS, 1994, p. 79)

Nesse caso, no que se refere ao tratamento da diferença, não opera especificamente com valor positivo a regra semântica anteriormente nomeada como agregação, como uma reunião de sujeitos compartilhando suas individualidades, mas se considera que é necessário o trabalho com a diferença para a produção dos sentidos, da linguagem e da cultura:

Cada classe é uma classe, um agrupamento social com uma realidade própria (social e linguística). (...) Assim, o ensino de língua portuguesa começa pela construção de relações adequadas para uma efetiva interação do professor e alunos e dos alunos entre si, para que cada um possa integrar-se no processo dialógico que é a linguagem. (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992., p. 21 - em itálico, destaques para o momento; em negrito, destaques do original)

Mais do que apenas agregar, o contexto da sala de aula é concebido como socialmente condicionado, e a legitimidade desse contexto é produto muito mais dos condicionamentos históricos que o constituíram desse modo como se apresenta, do que de uma escolha dos indivíduos que o compõem. Mais que relações interindividuais que agregam sujeitos num espaço e tempo escolares, trata-se, nesse caso, de um grupo que se constitui em comunidade ("agrupamento social com uma realidade própria") e que colabora: é este termo - colaboração - que semanticamente opera para a caracterização do agrupamento dos sujeitos que interagem, e, interagindo, transformam, com seu trabalho (linguístico), o social, o cultural, o histórico.

A regra semântica principal nesse processo é a que marca positivamente a noção de transformação9 9 Para um maior detalhamento dessa caracterização, ver PIETRI (2007). . A atividade linguística é considerada, na Proposta Curricular, em relação a esse sema em sua positividade: segundo o documento, atividade linguística corresponderia aos "processos pelos quais operamos com a linguagem para estruturar e representar nossas experiências e comunicando-as, levar nossos interlocutores a transformá-las e transformarem-se com elas" (p. 11).

As atividades epilinguísticas seriam consideradas, segundo essa perspectiva, associadas ao conceito de trabalho, tal como conceituado no texto da Proposta Curricular. Segundo as bases semânticas da Proposta Curricular, as atividades epilinguísticas possibilitariam a tomada de consciência, pelos sujeitos, dos usos de linguagem e do material linguístico a ser utilizado, o que permitiria, também, tomar a própria linguagem enquanto objeto:

No desenvolvimento da linguagem, tomamos consciência dos procedimentos em uso, refletimos e operamos sobre o material linguístico e a própria linguagem se torna o objeto de nosso trabalho: fazemos hipóteses sobre as unidades da língua que usamos (...) jogamos com elas (...) Trata-se da atividade epilinguística. (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992., p. 25 - destaques para o momento)

A escrita teria um papel de relevância nesse trabalho de tornar consciente, em razão de possibilitar ao sujeito que se distancie do processo interlocutivo para tomá-lo enquanto objeto de suas reflexões: uma vez que seria necessário, numa interlocução de corpo ausente (SIGNORINI, 1999SIGNORINI, I. (1999). O oral na escrita de sujeitos não ou pouco escolarizados. Leitura: teoria e prática, vol. 34, n. 18, p. 5-12.), - i.e., distanciada no tempo e no espaço -, projetar a imagem do locutor e do destinatário, se desenvolveria um trabalho voltado sobre parâmetros específicos da estruturação do texto:

As situações de construção do texto escrito são, muito frequentemente, o espaço ideal dessa atividade [epilinguística]: tornamos conscientes os propósitos do texto, procuramos antecipar a imagem dos interlocutores a que nos dirigimos, esforçamo-nos por adequar a organização do texto e a linguagem aos propósitos e aos interlocutores, comparamos e selecionamos para isso os recursos mais expressivos, as figuras mais relevantes, os argumentos mais convincentes. (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992., p. 25 - destaques para o momento)

Dado o caráter de permanência da escrita (em contraste com a fala não planejada), ela possibilitaria o retorno do sujeito sobre a própria linguagem, constituindo-a de modo mais controlado em objeto de seu trabalho. A tomada de consciência, nesse caso, difere em parte de como prevista em Criatividade e Gramática: no texto de Franchi ([1987] 1991FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45.), parece se tratar de desenvolver consciência dos recursos disponíveis e dos usos que deles se podem fazer no processo comunicativo. Na Proposta Curricular, a consciência parece se voltar para as condições de produção (imagens dos interlocutores; antecipação dos argumentos; objetivos do diálogo; conhecimentos de língua como objeto e como instrumento): como as condições de produção são construídas pelo trabalho dos sujeitos, a transformação social é função do desenvolvimento do nível de consciência que possuem os sujeitos sobre as condições em que se constituem enquanto tais. A reflexividade necessária para a transformação se volta não para a linguagem, mas para o mundo resultante do trabalho humano.

No texto da Proposta Curricular parecem operar, portanto, regras semânticas que valorizam positivamente os semas relativos a colaboração e a transformação, associados à noção de interação social e ao conceito de trabalho. Essas regras semânticas projetam o contexto escolar como resultante das atividades colaborativas dos sujeitos que o constituem, num processo em que o trabalho pedagógico se fundamentaria em atividades linguísticas e epilinguísticas desenvolvidas com base na linguagem e na cultura trazida para o interior da escola por aqueles que compõem a comunidade em que se insere essa instituição. Os conhecimentos linguísticos produzidos pelos estudos da linguagem seriam instrumentos para o trabalho pedagógico (PIETRI, 2013bPIETRI, E. (2013b). Os limites do contexto: a constituição da escrita escolar em objeto dos estudos linguísticos. Linguagem em (Dis)curso (Online), v. 13, n. 3, p. 515-542.).

No que se refere ao processo interdiscursivo em análise, parece haver, portanto, o posicionamento do discurso pedagógico como discurso agente do campo constituído pelos discursos acadêmico, pedagógico e oficial. O contexto de ensino é definidor dos modos como considerados os conceitos de língua e de ensino, e ocupa essa posição em função do sema transformação, um dos principais a regular os discursos nesse momento histórico, quando a sociedade pautava sua luta para a redemocratização do país, processo em que à escola era conferida uma função de destaque - como apontava, por exemplo, Soares (1984)SOARES, M. (1984). Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática ..

4. AS ORIENTAÇÕES OFICIAIS NACIONAIS PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Em comparação com os dois processos interdiscursivos observados anteriormente, ao longo da década de 90 do século XX se alteram mais acentuadamente as bases semânticas em que se fundamenta o discurso sobre ensino de língua portuguesa no país. Não são as noções de construção ou de trabalho que se encontram tematizadas no documento de referência nacional para o ensino de português, mas a noção de adequação:

No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas. (...) A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias de uso. (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF., p. 31 - destaques para o momento)

Altera-se o modo como concebida a sala de aula, que deixa de ser observada como um contexto específico em que sujeitos interagem para a produção de sentidos, em que se constituiriam condições para que alunos e professores pudessem "integrar-se no processo dialógico que é a linguagem", como se afirma na Proposta Curricular, por exemplo. No documento agora em análise, a sala de aula é percebida como função de condições extraescolares de produção de textos:

Organizar situações de aprendizado, nessa perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerandose sua especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá. (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF., p. 22 - destaques para o momento)

Observa-se, na passagem acima, que já não se considera que é no processo de interação entre os sujeitos que se constitui o contexto de ensino e de aprendizagem, mas que as situações de interação são planejadas de modo a "recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar". Nesse sentido, a sala de aula não é concebida como um espaço legítimo de interação dos sujeitos, uma vez que os usos de linguagem ali produzidos não se produziriam em interações autênticas. De acordo com o documento em questão, a autenticidade dos usos de linguagem em contexto de ensino decorreria do modo como realizado o processo de transposição didática: tanto mais autêntica a situação de interação quanto mais ela se aproxime das situações enunciativas de outros espaços que não o escolar:

Pode-se dizer que hoje é praticamente consensual que as práticas devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões da escrita, sempre considerando que (...) as situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às situações e aos propósitos definidos. (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF., p. 18-19 - destaques para o momento)

O objetivo do pensar sobre a linguagem não estaria então relacionado à possibilidade de construção de conhecimentos, ou de trabalho sobre o já existente de modo a transformá-lo. A regra semântica marcada positivamente se refere à adequação, e não mais à construção ou à transformação. No que se relaciona ao contexto de ensino e de aprendizagem, tal regra se associaria a outra, que se referiria à simulação - i.e.: mais do que construir ou transformar contextos de interação, a proposta seria a de que se simulassem contextos outros, nesse caso, extraescolares.

Uma vez que o contexto escolar é considerado função de contextos extraescolares valorados como legítimos para a apropriação didática de suas práticas, altera-se também o estatuto conferido aos sujeitos no que se refere a sua posição social, histórica e cultural:

(...) espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania. (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF., p. 32 - destaques para o momento)

O exercício da cidadania se realizaria nas instâncias públicas de usos da linguagem. Porém, a escola não é legitimada como uma dessas instâncias, uma vez que ela operaria apenas em função de outras esferas de atividades. Como já referido, a escola é considerada no documento em análise o contexto em que se deve desenvolver a capacidade de adequação, via atividades de simulação, muito mais que de transformação: se bem sucedida em seu dever de propiciar a vivência de situações similares às de outras esferas, a escola possibilitaria ao sujeito ampliar sua "participação social no exercício da cidadania", caso se apropriasse adequadamente dos recursos linguísticos ofertados.

Além disso, coloca-se, entre o sujeito e sua participação social, o pré-requisito de um conjunto de competências a serem adquiridas. Associa-se a aprendizagem ao indivíduo, e não mais a um processo que se estabelece entre indivíduos ou entre sujeitos, reunidos em sala de aula, ou participantes de um grupo social com suas especificidades. Dentre os "usos públicos de linguagem" não estariam previstos os que se realizassem no interior da escola, mais especificamente em sala de aula, mas aqueles que se produziriam entre "interlocutores desconhecidos".

Nas considerações em torno do que seria o trabalho escolar com a modalidade oral, a diferença entre o modo como concebido o contexto da sala de aula enquanto não suficiente para a produção de discursos legitimados socialmente (perspectiva que contrasta com a observada nos documentos anteriormente analisados - o artigo Criatividade e Gramática e a Proposta Curricular) é dado a ver claramente na seguinte passagem:

Uma rica interação dialogal na sala de aula, dos alunos entre si e entre o professor e os alunos, é uma excelente estratégia de construção do conhecimento, pois permite a troca de informações, o confronto de opiniões, a negociação dos sentidos, a avaliação dos processos pedagógicos em que estão envolvidos. Mas, se o que se busca é que o aluno seja um usuário competente da linguagem no exercício da cidadania, crer que essa interação dialogal que ocorre durante as aulas dê conta das múltiplas exigências que os gêneros do oral colocam, principalmente em instâncias públicas, é um engano. Ainda que o espaço da sala de aula não seja um espaço privado, é um espaço público diferenciado: não implica, necessariamente, a interação com interlocutores que possam não compartilhar as mesmas referências (valores, conhecimento de mundo). (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF., p. 24-25)

No que se refere à escrita, esta teria sua função relacionada à institucionalização dos usos de linguagem, e fundamentaria não a construção dos saberes linguísticos pelo sujeito, ou o trabalho sobre o texto, ou sobre o contexto, ou sobre a própria linguagem, mas possibilitaria o "controle para dominar as convenções". Estaria, portanto, associada a um aspecto mais regulatório que de transformação.

Nesse caso, não se mencionam, no documento em análise, as atividades linguísticas, conceito que parece incongruente com as concepções de sujeito, linguagem e sociedade que fundamentam as propostas apresentadas no documento em análise. Assim, não se propõe nesse referencial curricular formar o sujeito da ação ou da atividade, mas, como observado anteriormente, o usuário competente para a conquista de novas habilidades linguísticas. A língua, nesse caso, se constitui em objeto a ser compreendido ou em instrumento a ser utilizado. A função da escola é formar para o uso adequado desse objeto/instrumento.

No que se refere às atividades epilinguísticas, elas não são associadas à possibilidade da consciência do sujeito em relação a seus usos linguísticos, mas a transformações conscientes que o sujeito faz de seus textos. A consciência não se constrói, nem se produz, mas é algo dado:

Por atividade epilinguística se entendem processos e operações que o sujeito faz sobre a própria linguagem ... está, por exemplo, nas transformações conscientes que o falante faz de seus textos e, particularmente, se manifesta no trocadilho, nas anedotas, na busca de efeitos de sentido que se expressam pela ressignificação das expressões e pela reconstrução da linguagem, visíveis em muitos textos literários. (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF., p. 28 - destaques para o momento)

Nota-se, no excerto acima, que as atividades epilinguísticas não são apresentadas como operações que o sujeito poderia realizar com e sobre a linguagem, de modo a construir novas possibilidades linguísticas ou a produzir transformações sociais. Elas são observadas já no produto, de que os textos literários trariam as ocorrências exemplares. A atividade epilinguística não mais é considerada como tendo função pedagógica para o trabalho de produção linguística em contexto da sala de aula, em que operaria para a construção de saberes no processo de interlocução ou de interação desenvolvido entre os sujeitos que compõem esse contexto: passa a ser relacionada à esfera literária, ao produto de escritores já canonizados.

Esse deslocamento da noção de atividade epilinguística em relação a como concebida nos processos interdiscursivos anteriormente observados se realiza em função da mudança de referência quanto ao que seriam as situações a serem privilegiadas no tratamento didático para o ensino de língua portuguesa:

Sem negar a importância dos textos que respondem a exigências das situações privadas de interlocução, em função dos compromissos de assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania, é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os textos que caracterizam os usos públicos da linguagem. Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF., p. 24 - destaques para o momento)

Considerações que continuam nos seguintes termos, em nota de rodapé:

Por usos públicos da linguagem entendem-se aqueles que implicam interlocutores desconhecidos que nem sempre compartilham sistemas de referência, em que as interações normalmente ocorrem à distância (...) e em que há o privilégio da modalidade escrita da linguagem. (...) exigem, por parte do enunciador, um maior controle para dominar as convenções que regulam e definem seu sentido institucional. (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF., p. 24 - destaques para o momento)

A regra semântica valorizada positivamente nesse caso se refere à regulação, que estaria relacionada com um princípio de institucionalização e à necessidade de adequação, tal como observado mais acima.

Assim, as regras semânticas que fundamentam a produção discursiva em que se materializam os documentos em análise valorizam positivamente os semas relacionados a adequação, simulação e regulação, os quais preveem um princípio de individualização nos modos de conceber os sujeitos da aprendizagem, bem como o controle das ações dos sujeitos e da instituição de ensino por agentes externos ao contexto escolar. Esses agentes não se localizam na comunidade em que está inserida a escola, nem representam os grupos sociais que a constituem, mas são definidos pelo poder público, distanciadamente dos contextos em que serão distribuídos e de suas especificidades culturais.

No processo interdiscursivo analisado, o discurso oficial parece, portanto, ocupar a posição de discurso agente, uma vez que os discursos acadêmico e pedagógico estão submetidos às regras definidas pelo primeiro: conhecimentos produzidos e trabalho pedagógico devem funcionar, segundo essas regras, não em resposta às contribuições que as pesquisas oferecem aos processos de ensino e de aprendizagem de língua portuguesa, ou às práticas de ensino desenvolvidas na cultura escolar, mas às demandas da sociedade, tais como estabelecidas pelas instâncias oficiais, que, nesse caso, se definem como a formação do cidadão competente, hábil e adequado10 10 O processo de definição de parâmetros curriculares de abrangência nacional, na década de 1990, talvez possa ser observado como um antecedente do estabelecimento de uma base curricular comum nacional. Porém, nos PCNs, as concepções teórico-metodológicas que fundamentam as propostas de ensino e aprendizagem de língua constituem referências para o desenvolvimento de políticas públicas de Educação, como a distribuição de livros didáticos e a realização de cursos de formação docente, por exemplo. A ausência de parâmetros conceituais a orientar as proposições curriculares, como se observa no estabelecimento de uma base curricular nacional organizada em torno de determinadas competências e habilidades, pode resultar em menor quantidade de recursos teóricos e metodológicos que subsidiem ações para o desenvolvimento da Educação no país. Com isso, pode se tornar menos criteriosa também a distribuição dos recursos públicos destinados a programas educacionais, uma vez que se enfraquecem os critérios e se diminuem as exigências para a avaliação e definição de sujeitos, instituições e organizações que possam ser habilitados a participar desses programas. .

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto acima, parece ser possível afirmar que o processo de reconfiguração das noções de atividade linguística e de atividade epilinguística se realizou em um movimento centrífugo, em que a concepção de língua se movimenta de sua consideração como função constitutiva para o sujeito; em direção a sua consideração como trabalho com e sobre o outro, em que os sujeitos e o contexto são transformados por esse trabalho, nos processos de interação; para, enfim, ser localizada em referência à circunstância de uso, de caráter formal e público, em relação à qual o sujeito precisa se adequar.

No processo acima caracterizado, as funções atribuídas às atividades linguísticas e epilinguísticas se diferenciam de uma proposta de ensino a outra: considerada como base material privilegiada para o desenvolvimento das possibilidades de uso da linguagem pelo sujeito (FRANCHI, [1987] 1991FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45.), ou para o trabalho com a linguagem com objetivos de transformação social (SÃO PAULO, 1988SÃO PAULO (Estado) Secretaria Estadual de Educação. (1988). Proposta Curricular para o Ensino de Língua Portuguesa: 1º grau, São Paulo: SE/CENP , 4ª ed., 1992.), é observada, nos Parâmetros Curriculares (BRASIL, 1998BRASIL. (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF.), como capacidade de falantes/escritores competentes. Nesse caso, a atividade epilinguística pode vir a ser uma habilidade desenvolvida por um sujeito que constrói suas competências com vistas à atuação em contextos formais e públicos, dos quais a escola não é parte constitutiva, senão como uma etapa preparatória, anterior e exterior.

Assim, em Criatividade e Gramática, as atividades epilinguísticas são associadas à possibilidade de tornar consciente, para o sujeito, os efeitos que sua atividade produz para o desenvolvimento de seu conhecimento linguístico. Como observado, nesse processo interdiscursivo, o discurso acadêmico ocuparia o lugar de discurso agente em relação aos discursos pedagógico e oficial, e as noções de atividade linguística e de atividade epilinguística seriam compreendidas em sua relação com perspectiva enunciativa de base culioliana, em que Franchi ([1987] 1991)FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45. se fundamentou para propor a contribuição dessas noções para o ensino e a aprendizagem de língua portuguesa.

No contexto da Proposta Curricular, as atividades epilinguísticas são associadas à possibilidade de tornar consciente, para o sujeito, os efeitos que sua atividade produz no trabalho de produção textual, que se desenvolve no processo de interação social. A escola é considerada a instituição principal para a realização de transformações sociais, e, nessas condições, o discurso pedagógico parece ocupar o lugar de discurso agente em relação aos dois outros discursos concorrentes.

O terceiro modo como é compreendido o conceito de atividade epilinguística para o ensino de língua portuguesa pode ser observado nas propostas encontradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais, em que os objetos de ensino são definidos com referência à impessoalidade dos usos públicos e formais da linguagem. O discurso oficial parece ocupar o lugar de discurso agente, ordenando os processos interdiscursivos em função das necessidades associadas ao exercício da cidadania. Saberes acadêmicos e pedagógicos, nesse sentido, se colocariam em função de fatores extraescolares: o próprio contexto escolar, como visto, é colocado como função "de outros espaços que não o escolar".

O alargamento nos modos como concebidos os limites das condições de produção do texto escrito em contexto escolar, no processo representado pela sequência dos referidos documentos, mostra, assim, um movimento de ampliação da circunscrição contextual em que foram considerados os usos de linguagem na escola. O movimento com caráter centrífugo teria se realizado: 1) do entorno na interação estabelecida entre professor e aluno(s) em sala de aula; 2) para a consideração das características sócio-econômico-culturais da comunidade em que se situaria a escola; 3) para chegar às esferas de atividade humana extraescolares, e seus usos próprios de linguagem, que estariam, segundo os documentos observados, mais diretamente relacionadas à satisfatória formação do aluno para a cidadania.

Os conceitos de atividade linguística e epilinguística teriam se reconfigurado discursivamente, portanto, em relação aos modos como concebido o ensino da língua portuguesa, as condições de sua produção na escola, e os objetivos atribuídos ao processo de escolarização ao longo do período histórico observado. Nesse processo histórico, as funções atribuídas ao ensino e à aprendizagem de língua portuguesa, no país, se diferenciaram conforme estiveram associadas à necessidade de educar o sujeito; de transformação social; ou de preparação para a vivência cidadã.

  • 1
    Pesquisa realizada com o apoio do CNPq.
  • 2
    A concorrência entre os discursos acadêmico, pedagógico e oficial seriam decorrentes também, segundo Marinho (2001)MARINHO, M. (2001). A oficialização de novas concepções para o ensino de PortuguêsTESE (Doutorado) Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas., do caráter institucional da publicação dos documentos de orientação curricular, no sentido de serem resultantes de uma obrigatoriedade que os governos eleitos se imporiam, de apresentar à população um acontecimento político destinado à educação pública. Assim, a relevância teórico-metodológica e/ou pedagógica, o uso e a leitura de uma proposta curricular, se associariam às demandas oficiais de impressão de uma marca de renovação, deixada pelo grupo governante durante seu mandato, na construção do currículo da escola básica. Desse processo resultariam documentos com caráter mais fortemente argumentativo, voltados ao convencimento da eficácia pedagógica de uma dada concepção de ensino e de linguagem, que propriamente documentos com proposições curriculares sensíveis aos contextos escolares em que seriam concretizadas e aos seus destinatários primeiros, os professores.
  • 3
    A produtividade dos conceitos de atividade linguística e epilinguística em proposições para o ensino de língua portuguesa pode ser observada também em trabalhos como os de Franchi (1977FRANCHI, C. (1977). Linguagem - atividade constitutiva. Revista do GEL. Número especial. 50º Seminário em memória de Carlos Franchi (1932-2001). São Paulo: Contexto, 2002.; 1991); Geraldi (1991)GERALDI, J. W. (1991). Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes.; Possenti (1996)POSSENTI, S. (1996). Por que (não) ensinar gramática na escola. 17. ed. Campinas: Mercado de Letras.; Rezende (2008)REZENDE, L. M. (2008). Atividade epilinguística e o ensino de língua portuguesa. Revista do GEL, S. J. do Rio Preto, v. 5, n. 1, p. 95-108.; Romero (2011)ROMERO, M. (2011). Epilinguismo: considerações acerca de sua conceitualização em Antoine Culioli e Carlos Franchi. ReVEL, v. 9, n. 16, p. 152-163.; Nascimento (2014); Semeghini-Siqueira & Bezerra (2013)SEMEGHINI-SIQUEIRA, I. ; BEZERRA, G. G. R. (2013). O envolvimento do aluno com a linguagem da Educação Infantil ao Ensino Fundamental de 9 anos: em foco as atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas. In: CASTELLAR, S. M. V.; SEMEGHINI-SIQUEIRA, I. (Org.). Da Educação Infantil ao Ensino Fundamental: inovações possibilitam avanços. São Paulo: Xamã.; dentre outros.
  • 4
    No caso, a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
  • 5
    O artigo foi publicado posteriormente, também, na Revista Trabalhos em Linguística Aplicada, do IEL/UNICAMP, no ano de 1987 (FRANCHI, 1987FRANCHI, C. (1987). Criatividade e gramática. Trabalhos em Linguística Aplicada, São Paulo, n. 9, p. 5-45.).
  • 6
    O apontamento de que os usos de linguagem em sala de aula se caracterizam tradicionalmente pela artificialidade é enunciado corrente nos discursos sobre ensino de língua portuguesa fundamentados nos estudos da linguagem. A título de ilustração, cita-se a passagem de Brito (2000, p. 59)BRITTO, L. P. L. (2000). Em terra de surdos-mudos: um estudo sobre as condições de produção de textos escolares. In: GERALDI, J. W. (Org.). (2000) O texto na sala de aula. São Paulo: Editora Ática.: "Normalmente, nos exercícios e nas provas de redação, a linguagem deixa de cumprir qualquer função real, construindo-se uma situação artificial, na qual o estudante, à revelia de sua vontade, é obrigado a escrever sobre um assunto em que não havia pensado antes, no momento em que não se propôs e, acima de tudo, tendo que demonstrar (esta é a prova) que sabe. E sabe o quê?".
  • 7
    Resposta à pergunta: "Mas, finalmente, há também todo um aspecto diacrônico no seu epilinguístico?". (C.f.: ROMERO, 2011ROMERO, M. (2011). Epilinguismo: considerações acerca de sua conceitualização em Antoine Culioli e Carlos Franchi. ReVEL, v. 9, n. 16, p. 152-163., p. 157)
  • 8
    Nesse espaço em que os usos de linguagem deveriam se fundamentar na legitimidade das interações, a sala de aula - ou o contexto de ensino, de modo mais amplo - não poderia ser observada como espaço de didatização de fatos de linguagem segundo preceitos da gramática considerada tradicional - isto é, para exercícios de análise sintática e morfológica pautados nas categorias estabelecidas nos compêndios gramaticais pedagógicos e distantes das necessidades comunicativas dos sujeitos que compõem o contexto escolar. Note-se, ao final da passagem reproduzida a seguir, a relevância que assume na argumentação a contraposição aos exercícios escolares fundamentados em conhecimentos gramaticais tradicionais, daqueles que poderiam se desenvolver fundamentados nos conhecimentos produzidos pelos estudos da linguagem. Como afirma o autor: "Os exercícios gramaticais, quase todos se situam ao nível da metalinguagem, ou seja, o de adquirir um sistema de noções e uma linguagem representativa (na verdade, uma nomenclatura) para poder falar de certos aspectos da linguagem. A crítica feita anteriormente mostra que é ainda menos que isso, pois não se organizam essas noções de modo a que se possa falar, estritamente, de sistema. Quando mais, resumem-se a exercícios analíticos e classificatórios com pequena relação com os processos de construção e transformação das expressões, com a propriedade e adequação do texto às intenções significativas, com a exploração da variedade dos recursos expressivos para o controle do estilo. (...)" (FRANCHI, 1991, p. 24 - destaques para o momento)
  • 9
    Para um maior detalhamento dessa caracterização, ver PIETRI (2007)PIETRI, E. (2007). Circulação de saberes e mediação institucional em documentos oficiais: análise de uma proposta curricular para o ensino de língua portuguesa. In: Currículo sem Fronteiras, vol. 7, p. 263-283..
  • 10
    O processo de definição de parâmetros curriculares de abrangência nacional, na década de 1990, talvez possa ser observado como um antecedente do estabelecimento de uma base curricular comum nacional. Porém, nos PCNs, as concepções teórico-metodológicas que fundamentam as propostas de ensino e aprendizagem de língua constituem referências para o desenvolvimento de políticas públicas de Educação, como a distribuição de livros didáticos e a realização de cursos de formação docente, por exemplo. A ausência de parâmetros conceituais a orientar as proposições curriculares, como se observa no estabelecimento de uma base curricular nacional organizada em torno de determinadas competências e habilidades, pode resultar em menor quantidade de recursos teóricos e metodológicos que subsidiem ações para o desenvolvimento da Educação no país. Com isso, pode se tornar menos criteriosa também a distribuição dos recursos públicos destinados a programas educacionais, uma vez que se enfraquecem os critérios e se diminuem as exigências para a avaliação e definição de sujeitos, instituições e organizações que possam ser habilitados a participar desses programas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2017
  • Aceito
    26 Fev 2018
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