Acessibilidade / Reportar erro

A concentração da renda entre os ricos no Brasil, 2012-2019

The income concentration among the rich in Brazil, 2012-2019

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a trajetória e o nível da desigualdade no Brasil entre 2012 e 2019 por meio do cálculo da concentração da renda brasileira no topo da pirâmide da distribuição, utilizando dados tributários da Receita Federal do Brasil. Além do 1% mais rico, o estudo também contou com a identificação de outros estratos ainda mais concentrados, o 0,1% e o 0,05%. A metodologia adotada foi a Interpolação de Pareto, que possibilitou a obtenção da proporção da renda nacional detida no topo da pirâmide. A hipótese é de que a desigualdade vista do topo é alta e não possui indicações de queda mesmo diante da crise econômica a partir do ano de 2014. Os resultados obtidos corroboram essa hipótese: os cálculos apontam que o percentual de renda detido pelo 1% mais rico oscilou pouco, em torno de 22%.

Palavras-chave:
concentração de renda; desigualdade; tributação

Abstract

The main objective of the paper is to analyze the trajectory and level of inequality in Brazil between 2012 and 2019 by calculating the concentration of Brazilian income at the top of the distribution pyramid using tax data obtained by the Receita Federal do Brasil (Brazil’s Federal Tax Office). In addition to the richest 1%, the study also identified other even more concentrated strata, 0.1% and 0.05%. The methodology adopted was Pareto Interpolation, which made it possible to obtain the proportion of national income held at the top of the pyramid. The hypothesis is that inequality seen from the top is high and there is no indication of a decline even in the face of the economic crisis from 2014 onwards. The results obtained corroborate this hypothesis: the calculations indicate that the percentage of income held by the richest 1% fluctuated little around 22%.

Keywords:
income concentration; inequality; taxation

1 Introdução

A importância de mensurar a desigualdade1 1 Desigualdade, neste artigo, será usada como sinônimo da concentração da renda, isto é, a desigualdade entre o topo da pirâmide da distribuição da renda - começando pelo 1% mais rico - e o restante da população. de renda do país como sendo aquela entre os ricos2 2 Neste trabalho, os “ricos” referem-se ao topo da pirâmide da distribuição da renda no Brasil: a partir do 1% superior. e o resto da pirâmide da distribuição deve-se ao fato de que os ricos, no Brasil, são representados por um ínfimo grupo de indivíduos, mas são donos de uma parte significativa da renda, por isso eles exercem impacto desequilibrado na desigualdade. Pesquisas3 3 Medeiros et al. (2015); Gobetti; Orair (2016) e Souza (2016). mostram que o 1% superior da pirâmide da distribuição se apropria de cerca de um quarto da renda nacional.

Sobre isso, é possível afirmar que o peso dos ricos é tão relevante em um país com renda muito concentrada, como é o caso do Brasil, que são eles que ditam as regras do jogo. Isso é verificado na estabilidade da desigualdade encontrada por Medeiros et al. (2015MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H. G. F.; CASTRO, F. A. de. O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 1, p. 7-36, 2015.) no período de 2006 a 2012. Os autores mostram que, diferentemente dos resultados apontados pelas pesquisas domiciliares que subestimam os rendimentos mais altos, a utilização dos dados tributários possibilitou uma melhor captura dessas rendas, apontando que a desigualdade, quando medida entre o topo da pirâmide e o restante, apresenta comportamento diferente: ela não caiu nesse período analisado, mas apresentou trajetória estável.

Tendo isso em vista, a contribuição desta pesquisa se dará na disposição de dados sobre a concentração da renda entre os ricos no país. A pesquisa também visa jogar luz sobre o fato de que há distorções graves que devem ser corrigidas em relação ao Imposto de Renda brasileiro. Essas distorções apontam que os estratos superiores da distribuição são compostos principalmente por rendimentos que fogem à tributação progressiva do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), fato que favorece a desigualdade.

O objetivo central do trabalho é mensurar a concentração da renda brasileira no topo da pirâmide durante os anos de 2012 a 2019. Especificamente, o quanto o 1%, o 0,01% e o 0,05% mais rico do país deteve da renda nacional nesse período. A escolha desse recorte se baseia na proposta do estudo de analisar o impacto que a crise econômica, iniciada no final de 2014, exerceu sobre os ricos. A metodologia adotada é a mais comum utilizada em estudos dessa natureza: a Interpolação de Pareto. Tal método será aplicado aos dados tributários obtidos através da Receita Federal do Brasil (RFB) para obtenção das fatias de renda nacional apropriadas pelos ricos.

Além disso, serão apresentadas, para esses mesmos anos, as proporções dos rendimentos isentos de tributação em relação aos rendimentos totais declarados, com foco para a parcela dos lucros e dividendos. Tendo em vista que os beneficiários dessas rendas estão concentrados nos estratos superiores da distribuição, trata-se de dados importantes para a análise central da pesquisa. Por fim, será apresentada uma decomposição do índice de Gini por componente de renda para avaliar como alguns dos rendimentos que fogem a tributação progressiva - como lucros e dividendos e aqueles sujeitos à tributação exclusiva - contribuem para a desigualdade.

A hipótese da presente pesquisa é que, pela ótica dos dados tributários, não houve queda da desigualdade no período analisado, uma vez que os ricos não perderam participação na renda nacional. Sendo assim, nos parece crucial a análise de particularidades brasileiras que corroboram a alta concentração da renda, como o caráter regressivo da tributação no país. Essa é uma questão essencial para ser considerada no desenho de novas políticas que busquem o arrefecimento da desigualdade de renda.

2 Metodologia

A utilização de dados tributários voltou a ter importância notória na literatura,4 4 A obra de Piketty (2014) evidencia essa recuperação do uso de dados tributários na literatura. Com a construção de séries históricas de longuíssimo prazo, o uso de dados tributários pelo autor apresentou uma inflexão nos estudos de desigualdade deste século. permitindo a construção de trajetórias que desenham a desigualdade de forma mais completa e fiel à realidade em relação àquelas desenvolvidas a partir de pesquisas domiciliares.

As pesquisas domiciliares obtiveram grande importância no século XX, sendo responsáveis por disseminar conteúdo de interesse público e possibilitar melhor entendimento sobre as sociedades, bem como viabilizar formulações de políticas públicas. No Brasil, há muita riqueza de dados vindos dessas pesquisas, com vasta informação sobre aqueles que estão nos estratos inferiores da distribuição da renda. Apesar de apresentar algumas limitações,5 5 Embora seja a melhor fonte de dados para a análise das pessoas que se encontram na base da pirâmide, algumas limitações de pesquisas domiciliares podem ser destacadas para esse grupo, tais como: a inadequação de algumas respostas em razão de trabalho intermitente, da dificuldade de mensurar a renda do trabalho informal e de compreensão das perguntas em relação à sua renda, entre outros. Ainda assim, a distorção em relação à realidade tende a ser menor na base do que no topo da pirâmide. estudos conduzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fornecem um bom retrato das pessoas que possuem as menores rendas, possibilitando a análise sobre como elas vivem, quem são, onde estão, quais são seus rendimentos e como são afetadas por eventos diversos.

No entanto, para o estudo dos mais ricos, não há essa riqueza de dados, pelo contrário, temos pouca informação sobre o topo da pirâmide. Os dados das pesquisas domiciliares sobre os ricos possuem sérias limitações, como a subestimação do nível da desigualdade e da trajetória desse nível analisada no longo prazo. Isso se deve principalmente à dificuldade de mensuração da renda no topo da pirâmide: declaração de rendimentos muito inferiores à realidade, não participação dos mais ricos nessas pesquisas, descontinuidade e complexidade de alguns cálculos de rendimentos irregulares são alguns exemplos dessas dificuldades (Souza, 2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016., p. 181).

Para o estudo do topo da distribuição, os dados tributários preenchem lacunas deixadas pelas pesquisas domiciliares e proporcionam melhor mensuração da desigualdade vista do topo. No caso do Brasil, isso se deve em grande medida à melhor transparência dos dados, uma vez que os indivíduos com rendimentos acima de certos limites têm a obrigatoriedade de realizar a Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) à Receita Federal do Brasil (RFB). Os declarantes estão enquadrados em alguns requisitos: todos aqueles que obtiveram rendimento anual que ultrapassou certa quantia6 6 Os valores variam de ano para ano. Para exemplificar, no último ano analisado nesta pesquisa, 2019, esse limite era de R$28.559,70. Isto é, todas as pessoas que obtiveram esse rendimento tributável anual ou mais estavam sujeitas à declaração. ; receberam valores isentos ou tributados exclusivamente na fonte até certo limite7 7 Para o ano de 2019, esse limite era de R$40.000,00. ; obtiveram ganho de capital com a venda de bens ou direitos sujeitos à tributação; realizaram operações na Bolsa de Valores; possuem propriedade de bem ou direito acima de certo valor,8 8 Propriedades de até R$300.000,00 para o ano de 2019. entre outros.9 9 Disponível em: <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/meu-imposto-de-renda/preenchimento/obrigatoriedade>. Acesso em: 20/10/2020.

Todavia, a utilização desses dados tributários tampouco possibilita uma análise sem ressalvas. A não captação de evasão e elisão fiscal, mudanças na legislação e fiscalização, a restrição da abrangência amostral - uma vez que nem todos os indivíduos são declarantes10 10 Para os resultados que buscamos isso não é um problema, já que nosso foco é justamente a captação do topo da pirâmide da distribuição. - e a indisponibilidade do uso de microdados são alguns exemplos. Contudo, para os objetivos desta pesquisa, os dados tributários representam a melhor fonte de informações para nossas análises, ainda que possam apresentar alguma subestimação que não somos capazes de mensurar. Com as DIRPFs dos anos de 2012 a 2019,11 11 Trata-se, a rigor, dos Grandes Números do Imposto de Renda Pessoa Física, DIRPF 2020, ano-calendário 2019. Significa dizer que esses são os rendimentos que os indivíduos obtiveram em 2019 e foram declarados em 2020. Neste trabalho, para fins de simplificação, apenas trataremos do ano-calendário, isto é, o ano mostrado sempre será referente aos rendimentos obtidos nesse mesmo ano. aplicamos a metodologia mais utilizada nas pesquisas dessa natureza,12 12 Medeiros et al. (2015); Gobetti; Orair (2016); Souza (2016). a interpolação de Pareto. A partir das tabulações por faixa de renda, obtidas na DIRPF, a interpolação de Pareto permitiu calcularmos os rendimentos por frações da população, com foco no topo da distribuição, a partir do 1% mais rico - nosso objeto de análise.

A distribuição de Pareto possui características específicas que permitem a mensuração da distribuição das rendas mais altas. Sejam os parâmetros de Pareto, k, de escala, α, de forma, x, a variável aleatória com distribuição de Pareto - no caso, a renda -, a função distribuição acumulada F(x), com k>0 e α>1, pode ser escrita como:

F ( x ) = 1 ( k x ) α (1)

Entre as características da distribuição de Pareto que permitem a captação das rendas superiores a principal é o coeficiente:

β = α ( α 1 ) (2)

Tal coeficiente permite a interpolação dentro das classes mais altas. Significa que a razão entre a renda média acima de uma linha de corte e essa própria linha de corte é constante, isto é, a razão entre a renda média dos indivíduos com renda acima de x e x não depende de x,mas do parâmetro α. Esta propriedade permite-nos estimar os parâmetros de interesse a partir dos dados tributários: o limite de cada intervalo de renda e a renda média acima desse limite. Destaque-se que, quanto maior β, maior é a ocorrência de rendimentos extremos - trata-se da cauda pesada à direita (Souza 2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.).

Feenberg e Poterba (1993FEENBERG, D. R.; POTERBA, J. M. Income inequality and the income of very high-income taxpayers: Evidence from tax returns. Tax Policy and the Economy, v. 7, 1993.) estimaram os coeficientes adotando o limite inferior da faixa de renda mais próxima da fração que se deseja mensurar, uma vez que os coeficientes podem variar de acordo com a faixa de renda. Sendo si o limite inferior de certa faixa de renda, pi a proporção da população com renda superior a si e x¯ a função para a renda média acima de si, o cálculo para a obtenção da fatia da renda do topo, por exemplo, o 1% superior, é dado por:

β = x ¯ ( s i ) s i (2.1)

α = β ( β 1 ) (3)

k = s i p i 1 α (4)

Para obter a renda mínima do percentil de ordem 99, calcula-se:

P ( 99 ) = k ( 0,01 ) 1 α (5)

Por fim, para a renda média, calcula-seβP(99).

Para atender nossos objetivos, seguindo a metodologia dos trabalhos anteriormente citados, foi preciso especificar qual população estava em análise e qual renda estava sendo medida para posse dos estratos. Sobre a população, os dados utilizados foram os referentes à projeção da população encontrados no IBGE. O controle escolhido para essa população, isto é, o denominador para a população total, foi o recorte de pessoas com 20 anos ou mais, condizente com a literatura.13 13 Medeiros et al. (2015) e Gobetti; Orair (2016) adotam 18 anos ou mais, Souza (2016) adota 20 anos ou mais. De acordo com os autores, não há diferença significativa dos recortes, sem alterações robustas nos resultados, ficando a critério do pesquisador a escolha do recorte. Contudo, vale ressaltar que Souza (2016) apresenta algumas considerações sobre a escolha dessa faixa etária. O autor explica que quanto mais abrangente é a população total maior é a desigualdade. Um rebaixamento da faixa etária pode implicar aumento da desigualdade, porém, esse é moderado de acordo com suas estimativas: se o 1% detiver 25% da renda, um aumento da população em 20% (equivalente a um rebaixamento da faixa etária de 20 para 15 anos) aumenta sua participação na renda em 7%, de 25% para 26,8%. Souza (2016, p. 263) argumenta que “trata-se de uma mudança apenas moderada em pontos percentuais”, sem alterar de forma robusta o nível ou as tendências da desigualdade (p. 263). Tratamos, assim como em Souza (2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.), uma declaração correspondendo a um indivíduo. É certo que casais podem declarar imposto de renda em conjunto, no entanto, para casais que possuem rendimentos elevados de ambas as partes convém a declaração feita de forma separada - de acordo com os benefícios que são obtidos. Tendo em vista que nosso foco está nas rendas mais altas, acredita-se que não causou distorção relevante.

A partir da interpolação de Pareto e do denominador para a população, foi possível obter a renda total dos estratos superiores da distribuição: o centésimo, o milésimo e o meio milésimo mais rico. Obtendo esses valores, foi preciso atribuir o controle da renda, isto é, o denominador para a renda total com a finalidade de determinar qual é a renda em análise está detida nos estratos. O denominador escolhido neste trabalho foi o mesmo de Souza (2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.), obtido pelo Sistema de Contas Nacionais elaborado pelo IBGE.14 14 É possível utilizar outros controles para a renda, como a Renda Disponível Bruta (RDB) das famílias, disponível no SCN, ou 2/3 do Produto Interno Bruto (PIB). Nesses casos, a porcentagem detida pelo 1% mais rico sobe, oscilando em torno de 24%. Contudo, o controle da renda utilizado na presente pesquisa foi escolhido por ser o que mais se aproxima da renda total declarada nos dados tributários, e por esse motivo é o mais comumente utilizado na literatura. A escolha desse controle se justifica pelo fato de se tratar da definição mais compatível com a renda nos dados tributários. Sendo assim, de acordo com Souza (2016), obtivemos o controle para a renda total a partir do cálculo, para o setor institucional “famílias”, dos ordenados e salários mais o excedente operacional bruto, mais o rendimento misto bruto (rendimento de autônomos), mais os juros, mais dividendos e retiradas, mais os benefícios sociais (exceto transferências sociais em espécie), mais as outras transferências correntes, menos os aluguéis imputados, menos a depreciação do capital fixo. Todos esses dados estão disponíveis no Sistema de Contas Nacionais (SCN) do IBGE, especificamente nas Contas Econômicas Integradas (CEI), com exceção dos aluguéis imputados que estão nas Tabelas de Recursos e Usos (TRU) e da depreciação do capital fixo, que não está disponível em nenhuma dessas tabelas. Para essa última, foram calculados 5% da poupança bruta total, seguindo a metodologia de Souza (2016).

3 Resultados

Com base nos dados tributários obtidos pela RFB, dispostos em faixas de renda organizados por múltiplos de salários mínimos, para todos os anos, foi estabelecido um corte na faixa dos declarantes para iniciar a análise a partir do 1% superior da distribuição. O objetivo nesse ponto foi encontrar o pi, a proporção da população com renda superior à si, esse, por sua vez, sendo o limite inferior de determinada faixa de renda. Esse corte foi estabelecido como a razão entre a quantidade de declarantes de determinada faixa e a projeção da população do ano em análise. Para todos os anos estudados, o corte encontrado que representa o 1% mais rico da distribuição foi a faixa de 20 a 30 salários mínimos.15 15 Para o ano de 2019, essa faixa corresponde aos rendimentos de 239,5,4 a 359,3 (em R$ mil anuais, valores nominais).

Com a distribuição desejada para a análise das rendas mais altas, foram realizados os cálculos dos parâmetros da função de Pareto - α;β;k -, da renda total detida pelo estrato em análise, da renda média e, por fim, dos percentis - P(99);P(99.9);P(99.95) - para todos os anos. Tendo esses valores calculados, foi possível obter a porcentagem da renda nacional apropriada pelos estratos. Os resultados obtidos estão dispostos Figura 1.

Figura 1
Participação dos estratos superiores na renda nacional16 16 Importante destacar que nossos resultados, para os anos de 2012 e 2013, diferem de Souza (2016). Isso ocorre provavelmente porque nossos dados foram atualizados conforme a disponibilidade da RFB, que divulgou tabelas atualizadas em julho de 2021.

No ano de 2012 o 1% mais rico do país se apropriou de 22,6% da renda nacional. O 0,1% superior possuiu aproximadamente 10% dessa renda enquanto o topo extremo da distribuição, o meio milésimo mais rico, se apropriou de 7,54%. Os resultados encontrados para 2013 mostram que o grupo correspondente ao 1% mais rico do país perdeu aproximadamente meio ponto percentual de renda, mas ainda deteve uma parcela elevada: quase 22%. Naquele ano, o 0,1% superior se apropriou de 9,4% enquanto os mais ricos da nossa análise, o 0,05% superior, tomou 7,3% da renda nacional.

Os dados de 2014 mostram que o 1% superior obteve 22,3% de posse da renda nacional, o 0,1% mais rico capturou cerca de 9,7%, enquanto o estrato mais rico estudado permaneceu detendo por volta de 7,5% de posse da renda. Já é possível notar certa estabilidade na trajetória da desigualdade: em 2015, o estrato correspondente ao 1% do topo da pirâmide deteve cerca de 22,5% de renda. O próximo estrato, 0,1% mais rico, apresentou pouca mudança: 9,8%. O extremo topo da distribuição, naquele ano, continuou com seus 7,6% de renda nacional em mãos.

Os anos de 2016, 2017, 2018 e 2019 corroboram a tendência já observada: uma concentração da renda nacional em um nível alto com uma trajetória estável. O 1% mais rico do país continuou sendo dono de aproximadamente 22% da renda, atingindo 22,2% em 2017, e o maior percentual observado na série, cerca de 23,8% em 2019. O estrato correspondente ao 0,1% superior continuou orbitando em torno dos 9% de posse da renda, enquanto o meio milésimo mais rico foi responsável pela captura de aproximadamente 7% da renda brasileira, variando pouquíssimo: entre 7,3% em 2016 e 7,2% em 2017 e quase o mesmo percentual em 2018. O maior aumento ocorreu no último ano, 2019, no qual o 1% mais rico chegou a deter quase 24% da renda nacional, enquanto o 0,1% e o 0,05% superiores da distribuição se apropriaram, respectivamente, de cerca de 10% e 8%: também os maiores patamares da série para esses estratos.

A estabilidade da alta desigualdade vista nesses sete anos nos permite uma avaliação interessante em relação à conjuntura econômica do período. É a partir de 2014 que se tem início a desaceleração econômica que levou a uma das mais longas crises econômicas vividas no país - que, diga-se de passagem, não só não terminou como foi duramente aprofundada pela crise sanitária de 2020. Carvalho (2018CARVALHO, L. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018., p. 95) explica que a desaceleração da economia fica clara ao comparar o crescimento econômico do ano de 2013, 3% de crescimento real, com o crescimento do ano de 2014, apenas 0,5%: “a menor taxa anual desde a crise internacional de 2008-2009”. Essa desaceleração foi observada em todos os componentes do PIB, conforme explica a autora. Isso nos permite avaliar que a crise econômica não impactou os mais ricos no sentido de que eles mantiveram suas altas parcelas da renda nacional. Em outras palavras, houve permanência da trajetória de estabilidade da desigualdade em um nível elevado.17 17 Cabe ressaltar que essa avaliação está limitada apenas ao topo da distribuição da renda, a partir do 1% mais rico, sem qualquer consideração com a distribuição que ocorre nos estratos inferiores.

Barbosa et al. (2020BARBOSA, R.; SOUZA, P. H. G. F.; SOARES, S. Desigualdade de renda no Brasil de 2012 a 2019. Dados - Revista de Ciências Sociais, jul. 2020.), ao utilizarem a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNADC) 2012/2018, apontam que a crise econômica a partir de 2014 apresentou dinâmica diferente para aqueles que compõem a base da pirâmide e para os representantes do topo.18 18 Importante salientar que os resultados obtidos nesta pesquisa não são diretamente comparáveis aos resultados de Barbosa et al. (2020), uma vez que utilizamos fonte de dados diferentes. Contudo, o objetivo do referido estudo para esta pesquisa é a avaliação dos outros estratos da pirâmide da distribuição somente captados pelas pesquisas domiciliares. Os autores pontuam que os mais ricos, principalmente em um cenário de austeridade, onde há forte contenção de gastos e podem ocorrer amplos cortes em diversos setores da economia, possuem maior capacidade de apropriação do crescimento econômico.

Os dados da PNADC 2012/2019 apontam que o crescimento da renda nos estratos inferiores da pirâmide apresentou aumento acima da média entre 2012 e 2015, contudo, isso se inverteu nos anos seguintes à crise econômica de 2014. Em 2015, Barbosa et al. (2020BARBOSA, R.; SOUZA, P. H. G. F.; SOARES, S. Desigualdade de renda no Brasil de 2012 a 2019. Dados - Revista de Ciências Sociais, jul. 2020.) mostram que de fato houve uma “recessão generalizada”, no entanto, em 2016, a recuperação já era visível para as camadas superiores - principalmente a partir dos 5% mais ricos. Ao chegar no ano de 2018, a crise já havia ficado para trás para a metade mais rica do país, enquanto os 50% da base da pirâmide não conseguiram sair dela, vendo suas rendas diminuírem. Assim, os autores argumentam que a saída da recessão econômica ocorreu “de cima para baixo”.

Sobre isso, importante ressaltar o crescimento da desigualdade a partir de 2015 encontrada na PNADC. Conforme mostram Barbosa et al. (2020BARBOSA, R.; SOUZA, P. H. G. F.; SOARES, S. Desigualdade de renda no Brasil de 2012 a 2019. Dados - Revista de Ciências Sociais, jul. 2020.), a queda na desigualdade que vinha sendo observada desde 2012 é interrompida em 2015. A partir desse ano, há crescimento na desigualdade até o ano de 2018 e, em 2019, há uma leve redução nesse índice.19 19 Os valores do índice de Gini calculados pelos autores mostram a trajetória de interrupção na queda da desigualdade. De 2012 a 2015, respectivamente: 0,541; 0,534; 0,527 e 0,525. Já o aumento da desigualdade medido por esse índice, de 2016 a 2018, apresentou os seguintes valores: 0,538, 0,539, 0,545, e no último ano de análise, 2019, o índice de Gini foi de 0,543. Como os autores explicam, do ponto de vista distributivo, é possível observar que retrocedemos uma década.

Hoffmann (2020HOFFMANN, R. Desigualdade de renda no Brasil, 1995-2019: diversas distribuições e o impacto do desemprego. RBEST Rev. Bras. Eco. Soc. Trab. / BJSLE Braz. J. Soc. Lab. Econ., Campinas, v. 2, e020007, 2020.) também aponta para a interrupção na queda da desigualdade através de dados das pesquisas domiciliares - PNAD tradicional de 1995 a 2015 e PNAD Contínua de 2012 a 2019. Utilizando a variável Renda Domiciliar Per Capita (RDPC) para avaliar a distribuição da desigualdade no país de 2012 a 2019, o autor mostra que de fato houve aumento da desigualdade a partir de 2015, com leve recuo em 2019.

Além do índice de Gini, outras medidas de desigualdade apresentadas por Hoffmann (2020HOFFMANN, R. Desigualdade de renda no Brasil, 1995-2019: diversas distribuições e o impacto do desemprego. RBEST Rev. Bras. Eco. Soc. Trab. / BJSLE Braz. J. Soc. Lab. Econ., Campinas, v. 2, e020007, 2020.) mostram resultados similares, são elas: a trajetória da porcentagem da renda total apropriada pelo décimo mais rico; a trajetória da razão entre rendas médias do décimo mais rico e dos 40% mais pobres e a trajetória da razão entre rendas médias do décimo mais rico e dos 40% mais pobres. Todas essas medidas mostram queda da desigualdade de 2012 a 2015 e, a partir de então, um crescimento até 2018. Apenas a última medida, a razão entre rendas médias do décimo mais rico e dos 40% mais pobres, mostra que a desigualdade continua a subir em 2019.20 20 A primeira medida (a porcentagem de renda detida pelo décimo mais rico) reduz de 43% em 2012 para cerca de 41,5% em 2015. A partir de então tem trajetória ascendente até 2018, ultrapassando em 43%. Em 2019 recua para baixo de 43%. A segunda medida (a razão entre rendas médias do décimo mais rico e dos 40% mais pobres) apresenta a seguinte trajetória: queda ininterrupta de 16,5% em 2012 para 15% em 2015 e, em 2019, recua de 18% para 17%. A última medida (a razão entre rendas médias do décimo mais rico e dos 40% mais pobres), em 2012, apresenta aproximadamente 38% e tem seu menor valor em 2014, cerca de 33,5%, subindo um pouco de 2018 a 2019, atingindo, nesse último ano, aproximadamente 39,5%. Para mais detalhes, ver Hoffmann (2020).

Pela ótica dos dados tributários, nossos resultados apresentam uma diferente análise: para o topo da pirâmide da distribuição, não houve queda nem aumento significativo na participação da renda no período analisado, fato que sugere que os mais ricos não foram afetados pelos eventos relacionados à crise econômica vivida no país - uma vez que os dados tributários possibilitam melhor captação das rendas mais altas. O grupo representado a partir do 1% mais rico não apresentou oscilações relevantes que apontassem redução ou crescimento na desigualdade entre os anos de 2012 e 2019: os ricos permanecem estáveis, com sua alta parcela de apropriação da renda nacional.21 21 Aliás, interessante notar que, ao contrário das pesquisas domiciliares, os dados tributários mostram até mesmo um leve aumento na desigualdade em 2019. Nesse sentido, apesar de consideradas as diferenças em relação à proposta dos dois trabalhos, principalmente em relação ao recorte temporal, nos aproximamos das conclusões de Souza (2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.), uma vez que o autor, ao utilizar dados tributários de longo prazo, mostra que a desigualdade vista do topo é alta e estável durante o período analisado - quase um século, de 1926 a 2013.

Deve-se ressaltar, no entanto, a relevância de análises criteriosas sobre o uso dos dados disponíveis para estudos sobre desigualdade. Sobre isso, Hecksher e Neri (2019HECKSHER, M.; NERI, M. C. Afinal o que aconteceu com a desigualdade no imposto de renda? ANPEC, 2019. Anais [...].) apontam alguns motivos que ressaltam a importância de maior cautela ao analisar os dados do IRPF, que utilizamos para nossos cálculos, bem como a combinação dos dados do IRPF, das pesquisas domiciliares, como a PNAD, e dos agregados das Contas Nacionais. Utilizando o índice de Gini como principal ferramenta para mensurar a desigualdade, os autores encontram diminuição da desigualdade “dentro” da PNAD e “dentro” das declarações do IRPF, porém, aumento da desigualdade entre a PNAD e o IRPF.22 22 Os anos analisados pelos autores são 2007 a 2015. Apesar de não ser o mesmo recorte temporal que o nosso, a análise é de suma importância para apresentar a cautela necessária em relação aos dados disponíveis para estudos sobre desigualdade.

Sendo assim, a análise dos autores recai sobre a diferença entre as taxas de crescimento da renda entre as duas bases de dados. Hecksher e Neri (2019HECKSHER, M.; NERI, M. C. Afinal o que aconteceu com a desigualdade no imposto de renda? ANPEC, 2019. Anais [...].) mostram que há elevado crescimento da renda nas declarações do IRPF e esse é um fator relevante que desacelera a desigualdade quando comparada com outras fontes que não registram um crescimento tão acentuado. Algumas hipóteses são elencadas: é possível haver superestimação das rendas dos mais ricos pelo IRPF, uma vez que a renda das declarações apresentou crescimento acentuado quando comparada com outras fontes de dados. A ocorrência de um aumento da formalização dos declarantes, a questão da demografia dos declarantes do IRPF, que mostra oscilações bruscas de entrada e saída de declarantes, são alguns motivos apresentados.23 23 Sobre isso, há recortes temporais analisados pelos autores em que a população de certa faixa etária aumentou enquanto o número de declarações diminuiu. Pode haver alguma influência de mudanças legais no período - como o fim da obrigatoriedade da declaração dos rendimentos isentos, que aumentaram 9,9% no período de 2008 a 2015 - além da questão do aumento dos declarantes dependentes observada pelos autores. Além disso, os autores também apontam as correções monetárias - que, segundo o estudo, parece ter aumentado entre 2007 e 2015 - como fonte de superestimação do crescimento das rendas do IRPF, influenciando na medição da desigualdade no período analisado. Tendo isso em vista, todos os resultados que utilizam os dados públicos disponíveis do IRPF, como são os nossos, precisam ser lidos com cautela, uma vez que há possíveis ruídos na trajetória da desigualdade causados por uma superestimação da renda das declarações. Contudo, calculá-la foge do escopo deste trabalho.

4 Análise da concentração da renda por diferentes categorias de tributação de rendimentos

Ao analisarmos a concentração da renda brasileira em uma pequena elite, emergem no debate as distorções da tributação no país. A dinâmica de concentrar a renda no momento da tributação - explicada pela alta taxação sobre consumo e produção24 24 Impostos sobre consumo, produção e serviços são os impostos indiretos, isto é, incidem indiretamente sobre a renda. Significa que uma pessoa rica e uma pessoa pobre pagam a mesma quantia em imposto ao adquirir um bem ou serviço. Esses impostos no Brasil correspondem a aproximadamente metade de toda a arrecadação tributária do país (Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, RFB, 2018). combinada às deduções e isenções sobre a renda e o patrimônio25 25 O estudo da concentração da riqueza no país é complexo, uma vez que não há dados suficientes que permitam uma análise robusta. Contudo, algumas análises pontuais, mesmo que com muitas ressalvas, como o índice de Gini de bens e direitos calculado por Castro (2014), indicam que o patrimônio no país é ainda muito mais concentrado do que a renda. O autor obteve um índice de Gini patrimonial de 0,840 para o ano de 2012. - e distribuir a renda no momento do gasto via transferência de renda e serviços públicos gera neutralidade no impacto da distribuição dessa renda. Olhar para a estrutura tributária brasileira com os holofotes voltados para o topo da hierarquia da renda nos traz elucidações interessantes quando o assunto é a nossa chamativa desigualdade.

Sobre isso serão apresentados alguns pontos em relação à tributação sobre a renda no Brasil. O Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é o imposto com maior potencial distributivo do sistema tributário, pois sua focalização pode ser mais precisa do que a dos demais tributos (Castro, 2014CASTRO, F. Imposto de Renda da Pessoa Física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2014.). As maiores alíquotas que incidem sobre as maiores rendas - isto é, o imposto progressivo sobre a renda - são responsáveis por reduzir a desigualdade.

Atualmente, no Brasil, para a Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) os rendimentos totais dividem-se em rendimentos tributáveis,26 26 A partir da soma de todos os rendimentos tributáveis, obtém-se a renda tributável bruta. Dessa renda subtraem-se as deduções previstas na legislação - contribuições com regimes de previdência, dependentes, despesas educacionais e de saúde, entre outros. Caso seja mais vantajoso, o declarante pode optar pela dedução simplificada, opção que em vez das deduções pontuais realiza dedução de 20% da renda tributável bruta. sujeitos à tributação exclusiva, isentos ou não tributáveis. Os rendimentos tributáveis obedecem à incidência de alíquotas progressivas27 27 Para declarações feitas em 2020, referentes aos rendimentos obtidos em 2019, os rendimentos até R$1.903,98 mensais estavam isentos de tributação. Rendimentos de R$1.903,99 até R$2.826,65 a alíquota incidente era 7,5%; de R$2.826,66 até R$3.751,05 a alíquota passava a ser de 15%; de R$3.751,06 até R$4.664,68 foi para 22,5%, e acima de R$4.664,68 incidia a alíquota máxima, de 27,5%. : aqui estão principalmente os rendimentos do trabalho. Entre os rendimentos isentos ou sujeitos à tributação exclusiva estão aplicações financeiras, lucros e dividendos, algumas modalidades de pensões e aposentadorias, venda de bens de pequeno valor, alguns tipos de transferências patrimoniais, entre outros. Desde a década de 1960 o IRPF sofreu quedas na sua alíquota máxima28 28 A alíquota máxima atualmente no Brasil é de 27,5%. Seu pico foi entre 1962 e 1964, quando atingiu 65%, caindo para 50% após o golpe de 1964. No final da década de 1980, no Governo Sarney, a alíquota máxima caiu para 25% e nunca mais atingiu seu patamar do passado. É uma alíquota baixa quando comparada a outros países: a Alemanha, França e Austrália, por exemplo, adotam a alíquota máxima de 45%. A Itália, 43%, o Chile, 40%, e no México e na Turquia esse patamar é de 35% (Souza 2016, p. 193). e um esvaziamento de sua arrecadação por mecanismos que possibilitaram a fuga de rendimentos à sua tributação progressiva. Um desses mecanismos é a isenção de tributação sobre dividendos.

O Brasil é um dos únicos países onde os dividendos são completamente isentos de tributação.29 29 A incidência média de tributação sobre os lucros e dividendos - entre pessoas físicas e jurídicas - para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 43,1% (Gobetti; Orair, 2016). A Lei 9.249 de 1995,30 30 Ver Gobetti; Orair (2016). que diminuiu o lucro tributável das empresas e isentou a tributação para dividendos, incentivou um fenômeno chamado por alguns autores de “pejotização” das pessoas físicas: muitos escapam da tributação do IRPF sendo tributados como pessoas jurídicas para obter benefícios fiscais. Essas rendas ficam protegidas mesmo diante de propostas de alterações do IRPF que busquem fomentar sua progressividade. É o exemplo de uma política que vise ao aumento da alíquota máxima do IRPF: os lucros, dividendos e outras rendas apropriadas pelos mais ricos não se encaixam nos rendimentos tributáveis, portanto não seriam atingidas. Nesse caso, grosso modo, pode-se dizer de antemão que não haveria mudanças significativas em relação à desigualdade.

As fontes típicas de rendas dos ditos capitalistas não são tributáveis e, dentre as que são, o seu encolhimento pode resultar de uma espécie de planejamento tributário (como a troca de pró-labore por retirada de lucros) para atenuar ainda mais a carga do IRPF (Afonso, 2014AFONSO, J. R. Imposto de renda e distribuição de renda e riqueza: as estatísticas fiscais e um debate premente no Brasil. Revista de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Brasília, DF, Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2014., p. 34).

Além disso, na medida em que há fuga significativa dos mais ricos em relação ao imposto progressivo do IRPF, algumas medidas tomadas podem onerar ainda mais quem mais contribui com esse imposto, como é o caso daqueles que possuem nos proventos do trabalho31 31 Para dados de 2012, Afonso (2014) argumenta que a alíquota média efetiva dos rendimentos tributáveis foi de 8,9% (fato que, devido a uma série de deduções, já demonstra disparidade em relação às alíquotas nominais, de 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%). Em relação a isso, o autor constatou que os empregados de empresas privadas pagaram uma alíquota sobre seus rendimentos de 9,5%, ao passo que o grupo representado por empresários e autônomos pagou 6,9%. Nessa direção, Afonso (2014) explica que trabalhadores assalariados já têm seus rendimentos descontados na fonte e não escapam do IRPF. Já empresários ou profissionais liberais (tais como médicos e advogados) que declaram imposto como pessoa jurídica podem privilegiar a retirada de lucros, esses, submetidos a outra tributação, escapando, assim, da tabela do imposto progressivo. sua fonte principal de renda. Nesse sentido, para evitar o esvaziamento do IRPF, o aumento da base tributável torna-se crucial, uma vez que a progressividade desse importante imposto é se deve principalmente aos rendimentos do trabalho (Gobetti; Orair, 2016GOBETTI, S.; ORAIR, R. Progressividade Tributária: A Agência Negligenciada. Rio de Janeiro, IPEA, 2016.).

É consenso na literatura que lucros, dividendos e outras rendas do capital se concentram à medida que se sobe ao topo da pirâmide. As rendas do capital escapam da tributação progressiva, seja pela isenção total de tributação, seja pela tributação exclusiva. A tributação exclusiva pratica alíquotas fixas para rendas de determinadas categorias, isto é, tais rendas são tributadas de forma neutra, impedindo o desempenho do potencial progressivo do IRPF.32 32 Toda a tributação sobre os rendimentos do capital no país é feita exclusivamente na fonte e tem apenas caráter informativo na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF), como aponta Castro (2014). Os resultados de Castro; Medeiros (2018MEDEIROS, M.; CASTRO, F. A composição da renda no topo da distribuição: evolução no Brasil entre 2006 e 2012, a partir de informações do Imposto de Renda. Economia e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 2 (63), p. 577-605, maio-ago. 2018.) mostram que quanto mais alto é o estrato em análise maior é a importância dos rendimentos do capital, em detrimento aos rendimentos do trabalho. No período analisado pelos autores, 2006 a 2012, o 1% mais rico do país deteve uma grande parcela do capital, bem como uma alta concentração dos rendimentos desse capital, sendo os rendimentos puros de capital, como aplicações financeiras, aqueles mais concentrados:

Em média, cerca de três quartos dos lucros, dividendos e rendas de empresas são apropriados pelo 1% mais rico da população. (...) Três quartos de todos os rendimentos de aplicações financeiras e renda variável são apropriados pelo 1% mais rico da população. (...) Ainda mais concentrados são os ganhos de capital. Em média, quatro quintos desses rendimentos foram recebidos pelo 1% mais rico entre 2006 e 2012. (...) Nenhuma outra fonte de rendimentos é tão concentrada como esta (Castro; Medeiros, 2018MEDEIROS, M.; CASTRO, F. A composição da renda no topo da distribuição: evolução no Brasil entre 2006 e 2012, a partir de informações do Imposto de Renda. Economia e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 2 (63), p. 577-605, maio-ago. 2018. p. 592).

Sendo assim, a análise dos diferentes tipos de rendimentos por categoria de tributação - tributáveis, isentos e sujeitos à tributação exclusiva - contribui para o tema central da pesquisa. A Tabela 1 apresenta os valores totais declarados, separados por categoria de tributação, para os anos de 2012 a 2019.

Tabela 1
Rendimento por tipo de tributação33 33 Foram somados aos lucros e dividendos os rendimentos de sócio de microempresa ou optante pelo Simples, exceto pró-labore, conforme a metodologia de Gobetti; Orair (2016). Os valores de 2012 a 2018 foram deflacionados para o ano de 2019 pelo IPCA.

A partir dos dados coletados das declarações, nota-se que houve aumento de 5,18% dos rendimentos totais declarados nos oito anos analisados. A quantia referente aos rendimentos tributáveis variou positivamente apenas 0,86% quando analisamos o primeiro ano da série e o último. Os rendimentos isentos e não tributados e aqueles sujeitos à tributação exclusiva aumentaram cerca de 6,8% e 27,5%, respectivamente. O montante referente aos lucros e dividendos, pertencentes aos rendimentos isentos, cresceu por volta de 13,5%. A Figura 2 ilustra a divisão por peso desses rendimentos34 34 Sobre os rendimentos tributáveis totais, ainda vão incidir as deduções. Os rendimentos isentos e não tributados são divididos em alguns rendimentos do trabalho, lucros e dividendos e outras rendas da propriedade do capital. Os rendimentos tributados exclusivamente na fonte, sujeitos a alíquotas diferentes daquela do imposto progressivo da renda, estão outros rendimentos do trabalho, aplicações financeiras e também outras rendas de propriedade do capital. em relação ao total declarado.

Figura 2
Participação dos diferentes tipos de rendimento no total declarado

Os rendimentos que possuem maior participação no total declarado são os rendimentos tributáveis, seguidos pelos rendimentos isentos, esses representando cerca de 30% dos rendimentos totais em todos os anos analisados. Os rendimentos submetidos à tributação exclusiva - entre os quais se encontram principalmente os rendimentos do capital sujeitos às alíquotas diferenciadas e fixas - oscilaram entre 9% e 11% dos rendimentos totais do período. A proporção dos lucros e dividendos, pertencentes aos rendimentos isentos e não tributados, está representada n na Figura 3.

Figura 3
Proporção dos lucros e dividendos nos rendimentos isentos e não tributados

Conclui-se, portanto, que aproximadamente metade dos rendimentos em que não incide tributação - cerca de 30% do total declarado - é representada pelos lucros e dividendos. Houve pequena oscilação para baixo em relação a essas rendas entre os anos de 2014 a 2017, porém, em 2019, a participação dos lucros e dividendos no total dos rendimentos isentos superou o patamar de 2012, sendo representada por 46% das rendas isentas de tributação.

5 Decomposição do índice de Gini por componente de renda

Neste item apresentamos três exercícios com vistas a analisar o comportamento da desigualdade na distribuição de renda para os declarantes do IRPF. Não obstante os resultados aqui apresentados não serem diretamente comparáveis com o índice de Gini calculado a partir das PNADs ou do Censo Demográfico, uma vez que no presente trabalho estamos restringindo nossa amostra ao grupo de declarantes do IRPF, estes mostram a relativa estabilidade da desigualdade da distribuição de renda e a contribuição dos rendimentos isentos e não tributáveis nesse cenário.

O primeiro exercício consiste na decomposição do índice de Gini calculado para os declarantes do IRPF. Conforme destacado anteriormente, o exercício aqui proposto tem o objetivo de ilustrar a contribuição dos rendimentos isentos e sujeitos à tributação exclusiva para a desigualdade entre os declarantes do IRPF. Para esse exercício utilizaremos os dados tributários divulgados por centis pela RFB.

A decomposição do índice de Gini adotada neste trabalho baseia-se nos trabalhos de Fei et al. (1978FEI, J. C. H.; RANIS, G.; KUO, S. W. Y. Growth and the Family Distribution of In- come by Factor Components. Quarterly Journal of Economics, XCII 17-53, 1978.) e Pyatt et al. (1980PYATT, G.; CHEN, C.-N.; FEI, J. The distribution of income by factor components. The Quarterly Journal of Economics, v. 95, n. 3, p. 451-473, 1980.). No Brasil, Hoffmann (2003HOFFMANN, R. Inequality in Brazil: The contribution of pensions. Revista Brasileira de Economia, v. 57, n. 4, p. 755-773, 2003.) e Neder (2001NEDER, H. D. Os efeitos das atividades não agrícolas na distribuição de renda no meio rural. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 39., Sober, Recife, 2001. Anais [...].) aplicaram essa decomposição aos dados da PNAD. Destaque-se que o trabalho de Hoffmann, Botassio e Jesus (2019) apresenta de forma didática a decomposição aqui utilizada. No caso particular dos dados tributários, não dispomos de informações desagregadas no nível de indivíduos. A informação com maior nível de desagregação disponibilizada pela RFB refere-se aos dados agrupados por centis. Por conseguinte, o exercício aqui apresentado subestima o valor verdadeiro da desigualdade da distribuição dos rendimentos, conforme demonstram Pyatt et al. (1980). Não obstante, ainda assim a decomposição permite identificar como os componentes da renda estão associados à desigualdade total. A seguir, apresentamos o método.

Seja y i a renda da i-ésima pessoa e admita que as rendas são ordenadas de modo crescente:

y 1 y 2 y n (6)

Nesse caso, por conseguinte, i corresponderá ao posto de y i .

O índice de Gini pode ser representado por:

G = 2 n μ C o v ( y i , i ) (6.1)

Onde: μ=yin.

Admita que a renda seja composta por k fatores:

y i = h = 1 k y i h (6.2)

Em nosso contexto, y ih representa os componentes da renda declarada, por exemplo, a renda tributável bruta ou os lucros e dividendos.

A razão de concentração do h-ésimo componente da renda yhié dada por:

C h = 2 n μ h C o v ( y h i , i ) (7)

Onde μh é a média de yhi.

Uma vez que μ=μh, considerando (6.2) e (6.1):

G = 2 n μ C o v ( h = 1 k y h i , i ) = h = 1 k ϕ h C h (8)

Onde ϕh=μh/μ.

Seja ih o posto associado aos valores de y ih . Em geral tem-se que i≠ih. Verifica-se também que 0Gn1n e (n1n)Cn1n.

O índice de Gini referente ao h-ésimo componente será:

G h = 2 n μ h C o v ( y h i , i h ) (9)

Pyatt, Chen e Fei (1980PYATT, G.; CHEN, C.-N.; FEI, J. The distribution of income by factor components. The Quarterly Journal of Economics, v. 95, n. 3, p. 451-473, 1980.) definem a razão de correlação de posto como:

R h = C h G h = C o v ( y h i , i ) C o v ( y h i , i h ) 1 R h 1 (10)

Então, o índice de Gini pode ser assim representado:

G = h = 1 k ϕ h R h G h (11)

Conforme destaca Hoffmann (2003HOFFMANN, R. Inequality in Brazil: The contribution of pensions. Revista Brasileira de Economia, v. 57, n. 4, p. 755-773, 2003.), se Ch>G o componente da renda contribui com o aumento da desigualdade e caso Ch<G o componente da renda contribui com a redução da desigualdade.

Pyatt et al. (1980PYATT, G.; CHEN, C.-N.; FEI, J. The distribution of income by factor components. The Quarterly Journal of Economics, v. 95, n. 3, p. 451-473, 1980.) desenvolvem a decomposição para dados agrupados. Sejam yi^ a renda de cada família em um estrato e i^ o respectivo posto.35 35 Quando os dados estão agrupados, a Curva de Lorenz corresponde à união de segmentos de reta. Implicitamente, todas as pessoas possuem o mesmo o mesmo valor de yi^ e i^ em um mesmo estrato. O índice de Gini para dados agrupados é dado por:

G e = 2 n μ C o v ( y ^ i , i ^ ) (12)

De maneira análoga ao desenvolvimento feito para os dados não agrupados:

G e = h = 1 k ϕ h C ˜ h (13)

Onde Ch˜ representa a razão de concentração por fator para dados agrupados.

Pyatt et al. (1980PYATT, G.; CHEN, C.-N.; FEI, J. The distribution of income by factor components. The Quarterly Journal of Economics, v. 95, n. 3, p. 451-473, 1980.) e Fei et al. (1978FEI, J. C. H.; RANIS, G.; KUO, S. W. Y. Growth and the Family Distribution of In- come by Factor Components. Quarterly Journal of Economics, XCII 17-53, 1978.) discutem as condições para que as razões de concentração em (13) representem aproximações para o índice de Gini por fator e para que o erro de mensuração seja desprezível. Neste trabalho não nos aprofundaremos nesta discussão, uma vez que optaremos por avaliar a magnitude das estimativas das razões de concentração dadas em (13) e verificar se estas contribuem ou não com o aumento da desigualdade quando comparadas com o Gini total.36 36 Não obstante, exercício estatístico realizado com os dados por percentis mostra que os rendimentos utilizados neste trabalho seguem a tipologia e as condições dadas em Fei et al. (1978).

Tabela 2
Razão de concentração de diferentes componentes da renda total declarada37 37 Trata-se de RTB, Renda Tributável Bruta; Rendimento ME EPP refere-se aos rendimentos de sócio/titular de micro e pequena empresa; RB2 significa a RTB somada aos rendimentos sujeitos à tributação exclusiva, aos lucros e dividendos e aos rendimentos de sócio/titular de micro e pequena empresa, conforme disposto nas DIRPF (RFB).

Para todos os anos, os resultados apontam que os rendimentos sujeitos à tributação exclusiva, os lucros e dividendos e os rendimentos de sócio/titular de micro e pequena empresa possuíram uma razão de concentração de cerca de 0,7, 0,9 e 0,7, respectivamente. Por sua vez, o índice de Gini total se manteve em aproximadamente 0,57 no período. Esses resultados apontam que esses rendimentos - que fogem à tributação progressiva da renda - contribuíram para o aumento da desigualdade entre os declarantes do IRPF, uma vez que a razão de concentração desses componentes da renda total declarada superou o índice de Gini calculado, corroborando a argumentação trazida nesta pesquisa.

O segundo exercício consiste no cálculo das medidas de desigualdade de Mehran e Piesch. Essas medidas de desigualdade também se baseiam na área de desigualdade limitada pela Curva de Lorenz. Hoffmann, Botassio e Jesus (2019HOFFMANN, R. BOTASSIO, D. C.; JESUS, J. G. Distribuição de renda: medidas de desigualdade, pobreza, concentração e segregação. São Paulo: Edusp, 2019.) apresentam a derivação dos índices e é possível verificar que o índice de Mehran é mais sensível a alterações na cauda esquerda da distribuição de renda quando comparado ao índice de Gini, ao passo que o índice de Piesch é mais sensível a alterações na cauda direita (rendas mais elevadas). Conforme a Tabela 3, as medidas de desigualdade indicam a relativa estabilidade da desigualdade no período, já captada pelo índice de Gini na Tabela 2.

Tabela 3
Índices de Gini, Mehran e Piesch

O terceiro exercício, apresentado na Tabela 4, consiste em calcular o valor do índice de Gini para a renda total utilizando uma ordenação diferente conforme as tabelas divulgadas pela RFB. Utilizaremos aqui a ordenação pela renda tributável (Tabela I dos dados divulgados em centis).

Tabela 4
Índice de Gini para os Rendimentos Totais conforme diferentes ordenações

Uma vez que a composição da renda total varia ao longo da distribuição, o comportamento do índice de Gini para a renda total calculado conforme diferentes ordenações fornece um olhar alternativo para a contribuição dos diferentes componentes da renda com a desigualdade. Os dados da Tabela 4 indicam que o índice de Gini é menor quando a ordenação é feita pelos rendimentos tributáveis. Uma vez que os rendimentos tributáveis correspondem a uma parcela pequena do rendimento total dos indivíduos mais ricos, essa ordenação tende a “diluir” indivíduos com renda total relativamente mais elevada em estratos um pouco abaixo do topo da distribuição, implicando um valor menor para o índice de Gini.

Em resumo, os dados para os declarantes do IRPF indicam relativa estabilidade da desigualdade e que os rendimentos isentos contribuem de maneira importante nesse cenário, visto que possuem elevadas razões de concentração.

6 Considerações finais

Analisar a desigualdade pelo topo da pirâmide da distribuição da renda é complexo, uma vez que não há, nos dados tributários da RFB, a mesma riqueza de informação fornecida pelas pesquisas domiciliares conduzidas pelo IBGE. Essas últimas, foram - e são - muito importantes para a viabilização de políticas públicas nas últimas décadas. Nelas, conseguimos analisar em detalhes a distribuição completa da renda da população brasileira. Contudo, para o topo da pirâmide, essas pesquisas apresentam entraves, como a subestimação das rendas mais altas. A utilização dos dados tributários para o estudo dos ricos representa a melhor fonte de informação - apesar de certas ressalvas que foram apresentadas.

Estudar os ricos com maior precisão, através desses dados, possibilita ver um outro retrato da desigualdade no país, diferente daquele obtido apenas pelas pesquisas domiciliares. Os dados tributários possibilitaram a mensuração de uma desigualdade alta e resiliente entre os anos 2012 a 2019. Os ricos não sofreram o impacto da crise econômica iniciada em meados de 2014, uma vez que permaneceram nesses anos com a posse de aproximadamente a mesma renda nacional em mãos. O centésimo e o milésimo mais ricos do país concentraram, nesses oito anos, cerca de 24% e 10% da renda nacional, respectivamente, com leve aumento no último ano analisado, 2019, no qual o 1% mais rico do país superou os 25% de posse de renda nacional, e o 0,1% superior chegou a pouco mais de 11%. Ainda mais concentrado, foi possível calcular a concentração da renda no meio milésimo mais rico da pirâmide: por volta de 70 mil pessoas se apropriaram de cerca de 8% de toda a renda nacional entre os anos de 2012 a 2019.

Em relação a isso, destacou-se neste trabalho a questão do caráter regressivo da tributação atual no Brasil como um entrave ao enfrentamento da desigualdade. A tributação sobre a renda no país aponta para uma quebra de progressividade no topo da pirâmide. Isso se deve ao fato de que as rendas do capital são detidas principalmente pelos ricos, e, sendo elas isentas de tributação ou sujeitas à tributação exclusiva, há fuga do topo da pirâmide à tributação progressiva do IRPF.

Os dados apresentados mostraram que aproximadamente 30% dos rendimentos declarados entre 2012 e 2019 estavam isentos de tributação, e cerca de 10%, sujeitos à tributação exclusiva. Entre os rendimentos isentos, os lucros e dividendos foram responsáveis por quase metade. Outro instrumento utilizado para corroborar nossa argumentação foi a decomposição do índice de Gini por componente de renda. Os resultados mostraram que rendimentos sujeitos à tributação exclusiva, lucros e dividendos e rendimentos de sócio/titular de micro e pequena empresa - isto é, componentes da renda que fogem à tributação progressiva do IRPF - contribuem para a desigualdade, uma vez que possuem razão de concentração maior que o índice de Gini total calculado.

A crise sanitária causada pela pandemia da Covid-19 iniciada em 2020 colocou aqueles que concentram a renda desse país no centro do debate. Pretendemos mudar essa realidade de fato? Se uma distribuição da renda mais igualitária no país é um objetivo a ser perseguido, devemos apontar para esse traço marcante da sociedade brasileira: a alta concentração da renda nas mãos de poucos, que é contemplada por uma tributação favorável a essa desigualdade. Talvez seja o momento para jogar luz sobre quem detém grande parte da renda desse país e o que se pode fazer em relação a isso.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Pedro Herculano Guimarães Ferreira de Souza e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que possibilitou a elaboração deste artigo por meio do financiamento da bolsa de mestrado da autora Tatiana Figueiredo Breviglieri. Agradecem, também, aos editores da revista Nova Economia e aos dois pareceristas anônimos.

Referências

  • AFONSO, J. R. Imposto de renda e distribuição de renda e riqueza: as estatísticas fiscais e um debate premente no Brasil. Revista de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Brasília, DF, Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2014.
  • BARBOSA, R.; SOUZA, P. H. G. F.; SOARES, S. Desigualdade de renda no Brasil de 2012 a 2019. Dados - Revista de Ciências Sociais, jul. 2020.
  • BRASIL, ME, RFB: Grandes Números do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF), 2019. Disponível em: <https://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpf/grandes-numeros-dirpf-capa>. Acesso em: 01 ago. 2021.
    » https://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/11-08-2014-grandes-numeros-dirpf/grandes-numeros-dirpf-capa
  • BRASIL, ME, RFB: Imposto de Renda sobre as Pessoas Físicas, 2019. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/acesso-rapido/tributos/irpf-imposto-de-renda-pessoa-fisica> Acesso em: 18 ago. 2021.
    » http://receita.economia.gov.br/acesso-rapido/tributos/irpf-imposto-de-renda-pessoa-fisica
  • BRASIL, MF, CETAD/RFB: Carga Tributária no Brasil 2017: Análise por Tributos e Base de Incidência. 2018. Disponível em: <https://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2018/dezembro/carga-tributaria-bruta-atingiu-32-43-do-pib-em-2017/carga-tributaria-2017-1.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2021.
    » https://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2018/dezembro/carga-tributaria-bruta-atingiu-32-43-do-pib-em-2017/carga-tributaria-2017-1.pdf
  • CARVALHO, L. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.
  • CASTRO, F. Imposto de Renda da Pessoa Física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2014.
  • FEENBERG, D. R.; POTERBA, J. M. Income inequality and the income of very high-income taxpayers: Evidence from tax returns. Tax Policy and the Economy, v. 7, 1993.
  • FEI, J. C. H.; RANIS, G.; KUO, S. W. Y. Growth and the Family Distribution of In- come by Factor Components. Quarterly Journal of Economics, XCII 17-53, 1978.
  • GOBETTI, S.; ORAIR, R. Progressividade Tributária: A Agência Negligenciada. Rio de Janeiro, IPEA, 2016.
  • HECKSHER, M.; NERI, M. C. Afinal o que aconteceu com a desigualdade no imposto de renda? ANPEC, 2019. Anais [...].
  • HOFFMANN, R. Desigualdade de renda no Brasil, 1995-2019: diversas distribuições e o impacto do desemprego. RBEST Rev. Bras. Eco. Soc. Trab. / BJSLE Braz. J. Soc. Lab. Econ., Campinas, v. 2, e020007, 2020.
  • HOFFMANN, R. Inequality in Brazil: The contribution of pensions. Revista Brasileira de Economia, v. 57, n. 4, p. 755-773, 2003.
  • HOFFMANN, R. BOTASSIO, D. C.; JESUS, J. G. Distribuição de renda: medidas de desigualdade, pobreza, concentração e segregação. São Paulo: Edusp, 2019.
  • IBGE. Contas Econômicas Integradas e Tabelas de Recursos e Usos, Sistema de Contas Nacionais, 2012-2018: Rio de Janeiro. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/servicos/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html?=&t=downloads> Acesso em: 20 ago. 2021.
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/servicos/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html?=&t=downloads
  • IBGE. Sistema de Contas Nacionais - Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012-2018. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/servicos/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html?=&t=conceitos-e-metodos>. Acesso em: 25 ago. 2021.
    » https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/servicos/9052-sistema-de-contas-nacionais-brasil.html?=&t=conceitos-e-metodos
  • IBGE. Projeções da População - Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html>. Acesso em: 25 ago. 2021.
    » https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html
  • MEDEIROS, M.; CASTRO, F. A composição da renda no topo da distribuição: evolução no Brasil entre 2006 e 2012, a partir de informações do Imposto de Renda. Economia e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 2 (63), p. 577-605, maio-ago. 2018.
  • MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H. G. F.; CASTRO, F. A. de. O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 1, p. 7-36, 2015.
  • NERI, M.; HECKSHER, M.. ‘Top Incomes Impacts on Growth, Inequality and Social Welfare: Combining Surveys and Income Tax Data in Brazil’. WIDER Working Paper 137/2018. Helsinki: UNUWIDER. Disponível em: <https://www.wider.unu.edu/publication/top-incomes%E2%80%99-impactsinequality-growth-and-social-welfare>. 2018. Acesso em: 14 set. 2022.
    » https://www.wider.unu.edu/publication/top-incomes%E2%80%99-impactsinequality-growth-and-social-welfare
  • NEDER, H. D. Os efeitos das atividades não agrícolas na distribuição de renda no meio rural. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 39., Sober, Recife, 2001. Anais [...].
  • PIKETTY, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
  • PYATT, G.; CHEN, C.-N.; FEI, J. The distribution of income by factor components. The Quarterly Journal of Economics, v. 95, n. 3, p. 451-473, 1980.
  • SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.
  • Códigos JEL:

    E01, E25, H24.
  • JEL Codes:

    E01, E25, H24.
  • 1
    Desigualdade, neste artigo, será usada como sinônimo da concentração da renda, isto é, a desigualdade entre o topo da pirâmide da distribuição da renda - começando pelo 1% mais rico - e o restante da população.
  • 2
    Neste trabalho, os “ricos” referem-se ao topo da pirâmide da distribuição da renda no Brasil: a partir do 1% superior.
  • 3
    Medeiros et al. (2015MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H. G. F.; CASTRO, F. A. de. O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 1, p. 7-36, 2015.); Gobetti; Orair (2016GOBETTI, S.; ORAIR, R. Progressividade Tributária: A Agência Negligenciada. Rio de Janeiro, IPEA, 2016.) e Souza (2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.).
  • 4
    A obra de Piketty (2014PIKETTY, T. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.) evidencia essa recuperação do uso de dados tributários na literatura. Com a construção de séries históricas de longuíssimo prazo, o uso de dados tributários pelo autor apresentou uma inflexão nos estudos de desigualdade deste século.
  • 5
    Embora seja a melhor fonte de dados para a análise das pessoas que se encontram na base da pirâmide, algumas limitações de pesquisas domiciliares podem ser destacadas para esse grupo, tais como: a inadequação de algumas respostas em razão de trabalho intermitente, da dificuldade de mensurar a renda do trabalho informal e de compreensão das perguntas em relação à sua renda, entre outros. Ainda assim, a distorção em relação à realidade tende a ser menor na base do que no topo da pirâmide.
  • 6
    Os valores variam de ano para ano. Para exemplificar, no último ano analisado nesta pesquisa, 2019, esse limite era de R$28.559,70. Isto é, todas as pessoas que obtiveram esse rendimento tributável anual ou mais estavam sujeitas à declaração.
  • 7
    Para o ano de 2019, esse limite era de R$40.000,00.
  • 8
    Propriedades de até R$300.000,00 para o ano de 2019.
  • 9
    Disponível em: <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/meu-imposto-de-renda/preenchimento/obrigatoriedade>. Acesso em: 20/10/2020.
  • 10
    Para os resultados que buscamos isso não é um problema, já que nosso foco é justamente a captação do topo da pirâmide da distribuição.
  • 11
    Trata-se, a rigor, dos Grandes Números do Imposto de Renda Pessoa Física, DIRPF 2020, ano-calendário 2019. Significa dizer que esses são os rendimentos que os indivíduos obtiveram em 2019 e foram declarados em 2020. Neste trabalho, para fins de simplificação, apenas trataremos do ano-calendário, isto é, o ano mostrado sempre será referente aos rendimentos obtidos nesse mesmo ano.
  • 12
    Medeiros et al. (2015MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H. G. F.; CASTRO, F. A. de. O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 1, p. 7-36, 2015.); Gobetti; Orair (2016GOBETTI, S.; ORAIR, R. Progressividade Tributária: A Agência Negligenciada. Rio de Janeiro, IPEA, 2016.); Souza (2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.).
  • 13
    Medeiros et al. (2015MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H. G. F.; CASTRO, F. A. de. O topo da distribuição de renda no Brasil: primeiras estimativas com dados tributários e comparação com pesquisas domiciliares (2006-2012). Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 1, p. 7-36, 2015.) e Gobetti; Orair (2016GOBETTI, S.; ORAIR, R. Progressividade Tributária: A Agência Negligenciada. Rio de Janeiro, IPEA, 2016.) adotam 18 anos ou mais, Souza (2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.) adota 20 anos ou mais. De acordo com os autores, não há diferença significativa dos recortes, sem alterações robustas nos resultados, ficando a critério do pesquisador a escolha do recorte. Contudo, vale ressaltar que Souza (2016) apresenta algumas considerações sobre a escolha dessa faixa etária. O autor explica que quanto mais abrangente é a população total maior é a desigualdade. Um rebaixamento da faixa etária pode implicar aumento da desigualdade, porém, esse é moderado de acordo com suas estimativas: se o 1% detiver 25% da renda, um aumento da população em 20% (equivalente a um rebaixamento da faixa etária de 20 para 15 anos) aumenta sua participação na renda em 7%, de 25% para 26,8%. Souza (2016, p. 263) argumenta que “trata-se de uma mudança apenas moderada em pontos percentuais”, sem alterar de forma robusta o nível ou as tendências da desigualdade (p. 263).
  • 14
    É possível utilizar outros controles para a renda, como a Renda Disponível Bruta (RDB) das famílias, disponível no SCN, ou 2/3 do Produto Interno Bruto (PIB). Nesses casos, a porcentagem detida pelo 1% mais rico sobe, oscilando em torno de 24%. Contudo, o controle da renda utilizado na presente pesquisa foi escolhido por ser o que mais se aproxima da renda total declarada nos dados tributários, e por esse motivo é o mais comumente utilizado na literatura.
  • 15
    Para o ano de 2019, essa faixa corresponde aos rendimentos de 239,5,4 a 359,3 (em R$ mil anuais, valores nominais).
  • 16
    Importante destacar que nossos resultados, para os anos de 2012 e 2013, diferem de Souza (2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016.). Isso ocorre provavelmente porque nossos dados foram atualizados conforme a disponibilidade da RFB, que divulgou tabelas atualizadas em julho de 2021.
  • 17
    Cabe ressaltar que essa avaliação está limitada apenas ao topo da distribuição da renda, a partir do 1% mais rico, sem qualquer consideração com a distribuição que ocorre nos estratos inferiores.
  • 18
    Importante salientar que os resultados obtidos nesta pesquisa não são diretamente comparáveis aos resultados de Barbosa et al. (2020BARBOSA, R.; SOUZA, P. H. G. F.; SOARES, S. Desigualdade de renda no Brasil de 2012 a 2019. Dados - Revista de Ciências Sociais, jul. 2020.), uma vez que utilizamos fonte de dados diferentes. Contudo, o objetivo do referido estudo para esta pesquisa é a avaliação dos outros estratos da pirâmide da distribuição somente captados pelas pesquisas domiciliares.
  • 19
    Os valores do índice de Gini calculados pelos autores mostram a trajetória de interrupção na queda da desigualdade. De 2012 a 2015, respectivamente: 0,541; 0,534; 0,527 e 0,525. Já o aumento da desigualdade medido por esse índice, de 2016 a 2018, apresentou os seguintes valores: 0,538, 0,539, 0,545, e no último ano de análise, 2019, o índice de Gini foi de 0,543.
  • 20
    A primeira medida (a porcentagem de renda detida pelo décimo mais rico) reduz de 43% em 2012 para cerca de 41,5% em 2015. A partir de então tem trajetória ascendente até 2018, ultrapassando em 43%. Em 2019 recua para baixo de 43%. A segunda medida (a razão entre rendas médias do décimo mais rico e dos 40% mais pobres) apresenta a seguinte trajetória: queda ininterrupta de 16,5% em 2012 para 15% em 2015 e, em 2019, recua de 18% para 17%. A última medida (a razão entre rendas médias do décimo mais rico e dos 40% mais pobres), em 2012, apresenta aproximadamente 38% e tem seu menor valor em 2014, cerca de 33,5%, subindo um pouco de 2018 a 2019, atingindo, nesse último ano, aproximadamente 39,5%. Para mais detalhes, ver Hoffmann (2020HOFFMANN, R. Desigualdade de renda no Brasil, 1995-2019: diversas distribuições e o impacto do desemprego. RBEST Rev. Bras. Eco. Soc. Trab. / BJSLE Braz. J. Soc. Lab. Econ., Campinas, v. 2, e020007, 2020.).
  • 21
    Aliás, interessante notar que, ao contrário das pesquisas domiciliares, os dados tributários mostram até mesmo um leve aumento na desigualdade em 2019.
  • 22
    Os anos analisados pelos autores são 2007 a 2015. Apesar de não ser o mesmo recorte temporal que o nosso, a análise é de suma importância para apresentar a cautela necessária em relação aos dados disponíveis para estudos sobre desigualdade.
  • 23
    Sobre isso, há recortes temporais analisados pelos autores em que a população de certa faixa etária aumentou enquanto o número de declarações diminuiu. Pode haver alguma influência de mudanças legais no período - como o fim da obrigatoriedade da declaração dos rendimentos isentos, que aumentaram 9,9% no período de 2008 a 2015 - além da questão do aumento dos declarantes dependentes observada pelos autores.
  • 24
    Impostos sobre consumo, produção e serviços são os impostos indiretos, isto é, incidem indiretamente sobre a renda. Significa que uma pessoa rica e uma pessoa pobre pagam a mesma quantia em imposto ao adquirir um bem ou serviço. Esses impostos no Brasil correspondem a aproximadamente metade de toda a arrecadação tributária do país (Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, RFB, 2018).
  • 25
    O estudo da concentração da riqueza no país é complexo, uma vez que não há dados suficientes que permitam uma análise robusta. Contudo, algumas análises pontuais, mesmo que com muitas ressalvas, como o índice de Gini de bens e direitos calculado por Castro (2014CASTRO, F. Imposto de Renda da Pessoa Física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2014.), indicam que o patrimônio no país é ainda muito mais concentrado do que a renda. O autor obteve um índice de Gini patrimonial de 0,840 para o ano de 2012.
  • 26
    A partir da soma de todos os rendimentos tributáveis, obtém-se a renda tributável bruta. Dessa renda subtraem-se as deduções previstas na legislação - contribuições com regimes de previdência, dependentes, despesas educacionais e de saúde, entre outros. Caso seja mais vantajoso, o declarante pode optar pela dedução simplificada, opção que em vez das deduções pontuais realiza dedução de 20% da renda tributável bruta.
  • 27
    Para declarações feitas em 2020, referentes aos rendimentos obtidos em 2019, os rendimentos até R$1.903,98 mensais estavam isentos de tributação. Rendimentos de R$1.903,99 até R$2.826,65 a alíquota incidente era 7,5%; de R$2.826,66 até R$3.751,05 a alíquota passava a ser de 15%; de R$3.751,06 até R$4.664,68 foi para 22,5%, e acima de R$4.664,68 incidia a alíquota máxima, de 27,5%.
  • 28
    A alíquota máxima atualmente no Brasil é de 27,5%. Seu pico foi entre 1962 e 1964, quando atingiu 65%, caindo para 50% após o golpe de 1964. No final da década de 1980, no Governo Sarney, a alíquota máxima caiu para 25% e nunca mais atingiu seu patamar do passado. É uma alíquota baixa quando comparada a outros países: a Alemanha, França e Austrália, por exemplo, adotam a alíquota máxima de 45%. A Itália, 43%, o Chile, 40%, e no México e na Turquia esse patamar é de 35% (Souza 2016SOUZA, P. H. G. F. A desigualdade vista do topo: a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013. Tese (Doutorado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016., p. 193).
  • 29
    A incidência média de tributação sobre os lucros e dividendos - entre pessoas físicas e jurídicas - para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 43,1% (Gobetti; Orair, 2016GOBETTI, S.; ORAIR, R. Progressividade Tributária: A Agência Negligenciada. Rio de Janeiro, IPEA, 2016.).
  • 30
    Ver Gobetti; Orair (2016GOBETTI, S.; ORAIR, R. Progressividade Tributária: A Agência Negligenciada. Rio de Janeiro, IPEA, 2016.).
  • 31
    Para dados de 2012, Afonso (2014AFONSO, J. R. Imposto de renda e distribuição de renda e riqueza: as estatísticas fiscais e um debate premente no Brasil. Revista de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, Brasília, DF, Secretaria da Receita Federal do Brasil, 2014.) argumenta que a alíquota média efetiva dos rendimentos tributáveis foi de 8,9% (fato que, devido a uma série de deduções, já demonstra disparidade em relação às alíquotas nominais, de 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%). Em relação a isso, o autor constatou que os empregados de empresas privadas pagaram uma alíquota sobre seus rendimentos de 9,5%, ao passo que o grupo representado por empresários e autônomos pagou 6,9%. Nessa direção, Afonso (2014) explica que trabalhadores assalariados já têm seus rendimentos descontados na fonte e não escapam do IRPF. Já empresários ou profissionais liberais (tais como médicos e advogados) que declaram imposto como pessoa jurídica podem privilegiar a retirada de lucros, esses, submetidos a outra tributação, escapando, assim, da tabela do imposto progressivo.
  • 32
    Toda a tributação sobre os rendimentos do capital no país é feita exclusivamente na fonte e tem apenas caráter informativo na Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF), como aponta Castro (2014CASTRO, F. Imposto de Renda da Pessoa Física: comparações internacionais, medidas de progressividade e redistribuição. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2014.).
  • 33
    Foram somados aos lucros e dividendos os rendimentos de sócio de microempresa ou optante pelo Simples, exceto pró-labore, conforme a metodologia de Gobetti; Orair (2016GOBETTI, S.; ORAIR, R. Progressividade Tributária: A Agência Negligenciada. Rio de Janeiro, IPEA, 2016.). Os valores de 2012 a 2018 foram deflacionados para o ano de 2019 pelo IPCA.
  • 34
    Sobre os rendimentos tributáveis totais, ainda vão incidir as deduções. Os rendimentos isentos e não tributados são divididos em alguns rendimentos do trabalho, lucros e dividendos e outras rendas da propriedade do capital. Os rendimentos tributados exclusivamente na fonte, sujeitos a alíquotas diferentes daquela do imposto progressivo da renda, estão outros rendimentos do trabalho, aplicações financeiras e também outras rendas de propriedade do capital.
  • 35
    Quando os dados estão agrupados, a Curva de Lorenz corresponde à união de segmentos de reta. Implicitamente, todas as pessoas possuem o mesmo o mesmo valor de yi^ e i^ em um mesmo estrato.
  • 36
    Não obstante, exercício estatístico realizado com os dados por percentis mostra que os rendimentos utilizados neste trabalho seguem a tipologia e as condições dadas em Fei et al. (1978FEI, J. C. H.; RANIS, G.; KUO, S. W. Y. Growth and the Family Distribution of In- come by Factor Components. Quarterly Journal of Economics, XCII 17-53, 1978.).
  • 37
    Trata-se de RTB, Renda Tributável Bruta; Rendimento ME EPP refere-se aos rendimentos de sócio/titular de micro e pequena empresa; RB2 significa a RTB somada aos rendimentos sujeitos à tributação exclusiva, aos lucros e dividendos e aos rendimentos de sócio/titular de micro e pequena empresa, conforme disposto nas DIRPF (RFB).
  • 38
    Corresponde ao Gini total.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2022
  • Aceito
    31 Jan 2023
Nova Economia FACE-UFMG, Av. Antônio Carlos, 6627, Belo Horizonte, MG, 31270-901, Tel.: +55 31 3409 7070, Fax: +55 31 3409 7062 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: ne@face.ufmg.br