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ANÁLISE DE CONJUNTURA: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

CONJUNCTURE ANALYSIS: THEORETICAL-METHODOLOGICAL CONTRIBUTIONS

Resumo

A análise de conjuntura tem sido aplicada por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento para abordar processos políticos e contribuir com a práxis. Observa-se, no entanto, que sua realização não tem sido acompanhada de clara explicitação dos referenciais que subsidiam tais estudos. O objetivo deste artigo é examinar produções que tratam da análise de conjuntura, de modo a identificar elementos considerados relevantes para constituição dessa abordagem. Trata-se de uma revisão narrativa que aprofunda aspectos teórico-metodológicos acerca da análise conjuntural. Foi possível perceber conexões entre a abordagem teórica e as escolhas relacionadas ao tempo e ao espaço que impactam, também, nos sujeitos privilegiados. Esse tipo de análise articula práxis política e científica, interligando um passado recente que não perde de vista o processo histórico e as expectativas dos sujeitos.

Palavras-chave:
Análise conjuntural; Análise política; Tempo político; Sujeito político; Práxis política

Abstract

Conjuncture analysis has been used by researchers from different areas to speak about political processes and contribute to praxis. However, its realization has not been accompanied by a clear explanation of the references that support such studies. The aim of this article is to examine productions about conjuncture analysis to identify relevant elements to the constitution of this approach. This is a narrative review that deepens theoretical and methodological aspects about the conjunctural analysis. Connections could be noticed between the theoretical approach and the choices related to time and space that also impact the privileged subjects. This type of analysis articulates political and scientific praxis, linking a recent past which does not lose sight of the historical process and the expectations of the subjects.

Keywords:
Conjunctural analysis; Political analysis; Political time; Political actor; Political praxis

Introdução

A análise de conjuntura é uma abordagem que tem subsidiado pesquisas em diversas áreas, mas poucas delas explicitam sua fundamentação teórico-metodológica, o que dificulta seu desenvolvimento no âmbito científico (Virgens; Teixeira, 2018VIRGENS, João Henrique Araujo; TEIXEIRA, Carmen Fontes. 2018. Revisão da produção científica sobre análise de conjuntura: contribuição à análise política em saúde. Saúde em Debate, v. 42, n. espec.2, p. 377-393. Disponível em: Disponível em: https://revista.saudeemdebate.org.br/sed/article/view/983 . Acesso em: 19 nov. 2019.
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). A inexistência de um texto ou um autor que seja considerado fundador desse tipo de análise (Cruz, 2000CRUZ, Sebastião C. Velasco e. 2000. Teoria e método na análise de conjuntura. Educação e Sociedade, v. 21, n. 72, p. 145-152. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-73302000000300008. Acesso em 16 maio 2018.
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) evidencia a importância de acessar produções que se dedicaram a examinar seus elementos constituintes e/ou elaboraram críticas sobre ela. Essas contribuições expressam preocupações epistemológicas com os modos de produzir conhecimentos sobre a conjuntura e, muitas delas, propuseram formas de superar a mera descrição de fatos isolados e de sujeitos envolvidos, passando a considerar as conexões entre eles, com atenção aos processos políticos e sua relação com a dimensão estrutural (Virgens, 2019VIRGENS, João Henrique Araujo. 2019. Análise política em saúde: contribuições teórico-metodológicas acerca das dinâmicas estruturais, conjunturais, dos sujeitos e das ações políticas. Tese de Doutorado em Saúde Pública. Salvador: UFBA.).

Nessa perspectiva, foi desenvolvida uma revisão narrativa (Rother, 2007ROTHER, Edna Terezinha. 2007. Revisão sistemática X revisão narrativa. Acta Paulista de Enfermagem, v. 20, n. 2, p. 5-6. Disponível em: Disponível em: http://ref.scielo.org/fphy7j. Acesso em: 15 maio 2018.
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; Cordeiro, 2007CORDEIRO, Alexander Magno et al. 2007. Revisão sistemática: uma revisão narrativa. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 34, n. 6, p. 428-431. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100-69912007000600012. Acesso em: 15 maio 2018.
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) de produções sobre o tema, sendo privilegiados textos que priorizaram a discussão teórico-metodológica. Inicialmente, foram realizadas pesquisas em bases como Portal de Periódicos da Capes, Scielo e Google Acadêmico, usando os descritores análise de conjuntura e/ou análise conjuntural e seus correlatos em espanhol, sem restrição temporal, visando localizar livros, capítulos, artigos, trabalhos apresentados em congressos e cartilhas que expressassem a produção latino-americana sobre o tema. Posteriormente, realizamos uma atualização incorporando produções em inglês. Além disso, as referências de cada um dos textos encontrados também foram examinadas para identificar outras publicações relevantes.

A revisão tomou como ponto de partida as seguintes questões: como é conceituada e analisada a conjuntura? Quais suas principais características? É possível desenvolvê-la cientificamente? Como delimitar o tempo e o espaço conjuntural? Quais teorias e métodos têm alicerçado essas produções? Assim, o objetivo central deste ensaio é sistematizar e analisar alguns dos principais elementos teórico-metodológicos presentes na literatura sobre análise de conjuntura política.

Conjuntura

A fundamentação teórica é o elemento que mais merece atenção quando se usa a expressão conjuntura, sendo possível identificar diferentes maneiras de conceituar esse termo. Autores como Poulantzas, afirmam que Lenin teria restaurado o “pensamento autêntico de Marx” ao tratar o “conceito de conjuntura” como “equivalente ao de momento atual que é o objeto específico da prática política” (1977POULANTZAS, Nicos. 1977. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes., p. 90). Já Fiori considera que enquanto a palavra conjuntura se cerca de fundamentação na teoria econômica, condição que possibilitaria “uma análise mais rigorosa”, fora dela, “vive prisioneira do senso comum” e a falta de precisão teórico-metodológica restringiria o desenvolvimento de análises políticas apenas a quem controla os “códigos intransferíveis” desse tipo de abordagem (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 379). Para o autor é necessário diferenciar conjuntura de expressões como momento atual ou tempo curto.

A dimensão temporal, portanto, merece ser analisada com atenção especial. Como assinala Osorio, a conjuntura exige “uma condensação particular do tempo social em um tempo curto e na qual os processos sociais, econômicos, políticos e culturais estão concentrados no campo político” (2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 50), enfatizando, assim, a importância de se definir um tempo político.

Além da delimitação do momento, a conceituação de conjuntura remete, para Gallardo, à ideia de “articulação da realidade” captada “mediante um juízo teórico” (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 9), de uma totalidade complexa, a “realidade”, que não pode ser conhecida apenas com observações superficiais, exigindo “um esforço de crítica, organização e materialização”, a partir de um conjunto de informações e de um processo que se fundamenta teoricamente (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 14). Para o autor, “uma conjuntura é o ponto de articulação de várias forças sociais em um período delimitado no tempo, [que] supõe relações de enfrentamento e de aliança […] cujo cálculo de força relativa pode evidenciar relações tendenciais futuras” (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 21). Isso implica que os fatos considerados relevantes serão aqueles que interessam ao conjunto teórico, aos sujeitos envolvidos e que têm relação entre si.

Essa problematização acerca do conceito de conjuntura envolve, portanto, uma preocupação epistemológica de refletir sobre um fazer analítico que depende de elaborações teórico-metodológicas. No caso dos textos identificados nesta revisão, a concepção de conjuntura foi explicitamente fundamentada no materialismo histórico, vertente que incorpora a ideia de totalidade, enfatiza a relação dialética entre conjuntura e estrutura, e assume uma delimitação política do tempo e do espaço para análise da correlação de forças entre sujeitos sociais que agem em função de seus interesses econômicos, políticos e culturais, constituindo um “esforço de captação da realidade para modificá-la” (Osorio, 2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 74).

Análise conjuntural

Ao propor elementos para conceituar análise de conjuntura, Alves a trata como o estudo de um conjunto de elementos interligados da sociedade, em um ciclo de curto prazo da economia ou da política, que compõe um todo complexo. Para o autor, esse tipo de análise só é desnecessária para aqueles que acreditam na “predeterminação da história” ou na possibilidade de aplicar fórmulas prontas de ação, independentemente de tempo ou de lugar (2008ALVES, José Eustáquio Diniz. 2008. Análise de conjuntura: teoria e método. Inclusão Social em Debate, p. 1-11., p. 11). Considera, assim, sua importância para possibilitar que os atores sociais construam estratégias e táticas adequadas para alcançar seus propósitos diante das circunstâncias percebidas.

Nessa mesma linha, Gallardo defende que a análise de conjuntura é uma “forma de conhecimento” fundamentada em “conceitos que permitem um diagnóstico da situação atual da realidade e […] das forças no cenário da política em um sentido amplo” (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 14), bem como de suas tendências de desenvolvimento, para viabilizar uma atuação com base em suas “necessidades e interesses” sobre essa realidade que, apesar de complexa, pode ser conhecida (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 19).

Já para Perlatto e Sousa (2016PERLATTO, Fernando; SOUSA, Diogo Tourino. 2016. Interpretações do Brasil contemporâneo: cientistas sociais, conjuntura política e a democracia brasileira. Trabalho apresentado no XL Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 24 a 28 de outubro.), a análise de conjuntura é “um exercício onde o analista produz uma espécie de ‘história’ do tempo presente” em uma situação de disputa do “sentido dos acontecimentos” e em torno da possibilidade de “guiar os fatos” (2016PERLATTO, Fernando; SOUSA, Diogo Tourino. 2016. Interpretações do Brasil contemporâneo: cientistas sociais, conjuntura política e a democracia brasileira. Trabalho apresentado no XL Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 24 a 28 de outubro., p. 5). De acordo com Vianna, a conjuntura não se revela ao ator como uma manifestação totalmente transparente do real, mas que poderia, em meio ao processo analítico, antecipar respostas possíveis para suas ações em uma situação que é mutável. Portanto, a “conjuntura não é, está” (1991VIANNA, Luiz Werneck. 1991. Ator, tempo e processo de longa duração em análises de conjuntura. In: VIANNA, Luiz Werneck. De um plano Collor a outro: estudo de conjuntura. Rio de Janeiro: Revan. p. 125-169., p. 127).

Moreira, por sua vez, considera que a análise conjuntural representa tanto um “gênero textual”, que compartilha “aspectos formais e de conteúdo”, como um “estilo de análise”, que demanda um modo específico de estudo sobre “o fenômeno social” (2016MOREIRA, Marcelo Sevaybricker. 2016. Em busca de uma metateoria: análise de conjuntura, ciência e política a partir dos textos sobre as jornadas de junho. Trabalho apresentando no X Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Belo Horizonte., p. 2), apontando suas características, quais sejam: (1) as análises são produzidas frequentemente com a delimitação de um momento ou em torno de um fato recente; (2) existe relação entre analista e conjuntura, o que não significa que é um texto composto por lembranças pessoais; (3) são evidenciadas as disputas pelo poder entre grupos sociais, portanto, identifica “atores, datas e acontecimentos específicos”; (4) evidencia a relação mais proeminente entre ciência e política, já que a análise de conjuntura tem, frequentemente, a finalidade de influenciar uma ação política; (5) envolve a superação do caráter opinativo, condição que amplia a importância da teoria; (6) não privilegia o caráter prescritivo, como no panfleto político, assumindo uma abordagem mais descritiva (2016MOREIRA, Marcelo Sevaybricker. 2016. Em busca de uma metateoria: análise de conjuntura, ciência e política a partir dos textos sobre as jornadas de junho. Trabalho apresentando no X Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Belo Horizonte., p. 3). O autor acredita na possibilidade de alguns estudos conjunturais não apresentarem todas essas características, mas, para ele, elas seriam um passo para diferenciá-los de outros estilos de análise na teoria política.

Essas considerações revelam o interesse direcionado por alguns autores para a dimensão epistemológica, quando problematizam o fazer da análise conjuntural enquanto uma construção que não se limita à opinião, mas pode ser desenvolvida com o rigor das ciências.

Análise de conjuntura enquanto prática científica

Ao problematizar esse tipo de abordagem analítica, López J. lança a questão: “a atualidade política é um objeto teórico de análise científica?” A partir dessa pergunta, discorre sobre a possibilidade de identificar “regularidades” que permitiriam uma “direção consciente” dos acontecimentos baseada em uma “racionalidade política”, ao invés das forças políticas apenas reagirem aleatoriamente em todas as circunstâncias. Para o autor, cada momento é singular, “não se repete, apesar das aparências” (López, 1979LÓPEZ J., Sinesio. 1979. El análisis de coyuntura en el pensamiento socialista clásico. Revista Mexicana de Sociología, v. 41, n. 1, p. 23-58. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3540109 . Acesso em: 29 set. 2018.
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, p. 29). Portanto, mesmo que sejam pesquisados elementos do passado para se pensar as ações atuais, há insuficiências nessas análises diante das particularidades de cada momento, situação que cria necessidade de uma abordagem científica para analisar períodos mais recentes e embasar as práticas políticas no presente. É na atualidade que se dão os enfrentamentos inconclusos entre atores em ação e direcionar atenção para ela torna possível analisar processos em andamento, a “história viva” (López, 1979LÓPEZ J., Sinesio. 1979. El análisis de coyuntura en el pensamiento socialista clásico. Revista Mexicana de Sociología, v. 41, n. 1, p. 23-58. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3540109 . Acesso em: 29 set. 2018.
http://www.jstor.org/stable/3540109...
, p. 30), não apenas os resultados. Esse é um dos motivos para o autor considerar a contribuição marxiana relevante, já que direciona atenção aos processos históricos e aos fatos recentes para aprofundar tanto elementos conjunturais quanto estruturais em uma perspectiva dialética. Destaca ainda que, na política, a busca por regularidades não significa prever acontecimentos futuros decorrentes de uma ação, ela se ancora na compreensão da correlação de forças, oferecendo criticidade à prática, para que as táticas sejam pensadas com essa fundamentação, mas não garante os resultados almejados.

Na construção desse tipo de análise, Perlatto e Sousa (2016PERLATTO, Fernando; SOUSA, Diogo Tourino. 2016. Interpretações do Brasil contemporâneo: cientistas sociais, conjuntura política e a democracia brasileira. Trabalho apresentado no XL Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 24 a 28 de outubro.) apontam a existência tanto de formatos que evidenciam um “modo de operar próprio da ciência social institucionalizada” (2016PERLATTO, Fernando; SOUSA, Diogo Tourino. 2016. Interpretações do Brasil contemporâneo: cientistas sociais, conjuntura política e a democracia brasileira. Trabalho apresentado no XL Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 24 a 28 de outubro., p. 4), quanto outros mais ensaísticos que recorrem frequentemente “a formas não disciplinares de discussão” (2016PERLATTO, Fernando; SOUSA, Diogo Tourino. 2016. Interpretações do Brasil contemporâneo: cientistas sociais, conjuntura política e a democracia brasileira. Trabalho apresentado no XL Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 24 a 28 de outubro., p. 3).

Já para Brussi, pelo fato de as conjunturas serem “multi-determinadas” e demandarem interpretações “no momento mesmo em que ocorrem” não seria possível exigir dos analistas de conjuntura os “rigores teórico-metodológicos típicos de investigações estruturais próprias à atividade científica regular” (2007BRUSSI, Antônio. 2007. O tempo conjuntural e os estudos dos sistemas-mundo: algumas anotações metodológicas. Textos de Economia, v. 10, n. 2, p. 86-100. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/economia/article/view/1852 . Acesso em: 6 jun. 2018.
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, p. 89). Apesar do autor considerar a possibilidade dessa prática ser “reconhecida como o conhecimento científico de tempo curto”, ele reforça a defesa de que “suas análises necessitam estar desamarradas dos rigores usuais da teoria e da metodologia, apresentando-se como o lugar da liberdade, da criação e da inovação do método e da teoria social” (2007BRUSSI, Antônio. 2007. O tempo conjuntural e os estudos dos sistemas-mundo: algumas anotações metodológicas. Textos de Economia, v. 10, n. 2, p. 86-100. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/economia/article/view/1852 . Acesso em: 6 jun. 2018.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/eco...
, p. 91).

Na dinâmica científica, rigor tem outro significado para Macedo (2009MACEDO, Roberto Sidnei. 2009. Outras luzes: um rigor intercrítico para uma etnopesquisa política. In: MACEDO, Roberto Sidnei; GALEFFI, Dante; PIMENTEL, Álamo. Um rigor outro sobre a questão da qualidade na pesquisa qualitativa: educação e ciências antropossociais. Salvador: Edufba.) e não se confunde com amarras, mas representa “a busca da qualidade epistemológica, metodológica, ética e política” (2009MACEDO, Roberto Sidnei. 2009. Outras luzes: um rigor intercrítico para uma etnopesquisa política. In: MACEDO, Roberto Sidnei; GALEFFI, Dante; PIMENTEL, Álamo. Um rigor outro sobre a questão da qualidade na pesquisa qualitativa: educação e ciências antropossociais. Salvador: Edufba., p. 75), sendo um elemento que subsidia a crítica e possibilita a construção do saber científico. Para esse autor, o limite à inovação decorre da rigidez, que impediria adaptações diante dos recortes e necessidades do estudo.

Com base nessas observações, consideramos ser possível falar em rigor também na análise conjuntural. Por isso, é importante ter atenção à formulação teórico-metodológica, já que ela ajuda a diferenciar aquele que opina sobre eventos políticos de quem se predispõe a analisar cientificamente a conjuntura.

Percebe-se, assim, a importância de não confundir o momento da análise e o das elaborações subsequentes, voltadas para preparar a ação, que pode assumir, em muitas situações, um caráter opinativo e prescritivo. Apesar de estarem interligados e em um processo de retroalimentação, as particularidades de cada momento merecem ser observadas. Cabe destacar, no entanto, que, para algumas abordagens, a construção de tendências futuras também pode ser desenvolvida cientificamente.

Diante dessas considerações, propomos discutir alguns dos aspectos que apareceram de forma mais recorrente nos textos revisados e que podem ser relevantes para fundamentar teórico-metodologicamente a análise conjuntural.

Delimitação da camada, do tempo e do espaço na análise de conjuntura

As dimensões propostas nesta seção foram definidas, especialmente, com base em uma sistematização feita por Osorio sobre os principais elementos que merecem ser considerados nos estudos conjunturais. O autor problematiza a importância de olhar para uma “totalidade complexa” como maneira de pensar a “realidade social”, mas destaca que isso não significa debruçar-se sobre tudo e sim aprofundar os elementos analíticos que tratam das interligações entre o todo e as partes que o compõem (Osorio, 2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 72). Sugere, assim, a “decomposição” da totalidade em “três dimensões fundamentais”: “as camadas […], o tempo e o espaço” (Osorio, 2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 65).

As camadas representam o nível de profundidade analítica, seja por meio de um olhar superficial, seja por um olhar mais profundo, com atenção para o que está oculto, e exige teorias, técnicas e/ou processos elaborados para sua apreensão (Osorio, 2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana.). A construção do conhecimento demanda “alcançar aquilo que não está visível” (Osorio, 2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 39), com uma postura questionadora e crítica que também não perde de vista o superficial e relaciona-se com a teoria, não apenas para se fundamentar, mas “para reconstruir ou criar as novas categorias ordenadoras” (Osorio, 2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 43).

No que se refere à dimensão espacial, Leitner e Sheppard (2020LEITNER, Helga; SHEPPARD, Eric. 2020 Towards an epistemology for conjunctural inter-urban comparison, Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, v. 13, n. 3. p. 491-508. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cjres/rsaa025. Acesso em: 30 out. 2023.
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) evidenciam a importância de ser desenvolvido um processo com o cuidado de evitar uma delimitação territorial rígida e que acabe desconsiderando as dinâmicas relacionais e históricas (espaço-temporais) que influenciaram na sua constituição. Ou seja, é feito um convite para ser desenvolvida uma espacialização política com pontos de partida abertos, diretamente atrelada aos objetivos da análise e às arenas em que os atores buscam intervir, permitindo a cada estudo orientar sua circunscrição espacial de acordo com as próprias dinâmicas conjunturais. Com isso, a constituição do recorte territorial se daria processualmente à medida que vão se definindo a dimensão temporal, os fatos e os atores relevantes para a análise.

Leitner e Sheppard (2020LEITNER, Helga; SHEPPARD, Eric. 2020 Towards an epistemology for conjunctural inter-urban comparison, Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, v. 13, n. 3. p. 491-508. Disponível em: https://doi.org/10.1093/cjres/rsaa025. Acesso em: 30 out. 2023.
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) também comentam sobre a possibilidade de se desenvolver a análise conjuntural, tendo como referência escalas geográficas, como a nacional e a subnacional, sem estabelecer uma abordagem hierarquizada. Assim, as análises podem inicialmente direcionar seu olhar tanto para o local como para o global, mas para ser possível captar as complexidades conjunturais é evidenciada a importância de analisar essas relações interescalares (verticais). Essa perspectiva influencia na definição das estratégias a serem propostas para modificar a realidade analisada, já que podem ser considerados os impactos interescalares de cada ação, permitindo um olhar também para uma possível articulação mais ampla dos atores que desenvolvem ações em diferentes escalas, seja no bairro, na cidade, no país ou em uma escala internacional. É fundamental, ainda, considerar que nenhum território está isolado e sem sofrer influência dos demais, particularmente naquilo que se refere às dinâmicas de poder. Afinal, fatos desencadeados em outros territórios (olhar interterritorial - horizontal) podem ter grande influência nas dinâmicas locais e a força desse impacto está diretamente relacionada ao lugar que cada um deles ocupa nas relações globais de poder. Dessa maneira, as relações historicamente estabelecidas com outros espaços políticos merecem ser consideradas nas análises, em especial, aquelas que envolvem disputas hegemônicas ou condições de dependência e subordinação. Além disso, olhares conjunturais que buscam comparar espaços sociais distintos também podem passar a ser desenvolvidas sem as constantes tentativas de usar regiões e cidades localizadas no norte global como referência de um padrão ideal de desenvolvimento. Com isso, passaria a ser direcionada mais atenção para as especificidades da constituição geo-histórica de cada território, mas sem desconsiderar as relações dialéticas entre o todo e o particular.

No caso da delimitação temporal, uma maneira de abordá-la é proposta por Braudel (1990BRAUDEL, Fernand. 1990. História e ciências sociais. 6. ed. Lisboa: Presença.). Para ele, diferentes temporalidades merecem atenção analítica: o tempo curto que se confundiria com o episódio ou acontecimento; o tempo médio que representaria a conjuntura; e o tempo longo. O autor discute os limites do tempo breve, pois seria a “mais enganadora das durações”, já que o conjunto de episódios não constituiria “toda a realidade” e nem toda a “espessura da história” que as reflexões científicas poderiam aprofundar (1990BRAUDEL, Fernand. 1990. História e ciências sociais. 6. ed. Lisboa: Presença., p. 11). Além disso, propõe superar a confusão de que esse seria o tempo da história política já que, em muitas circunstâncias, ela é apresentada em uma perspectiva episódica. Surgiria, assim, um novo formato de “narração histórica”, o tempo médio, que, para o autor, seria a conjuntura (1990BRAUDEL, Fernand. 1990. História e ciências sociais. 6. ed. Lisboa: Presença., p. 12). Além desses, em uma nova superação, seria constituída a “longa duração”, como o tempo que se vincularia às reflexões sobre o que seria denominado por alguns de “tendência secular”, mas que, segundo o autor, teria mais utilidade para historiadores considerar a concepção de “estrutura”, ou seja, “um agrupamento, uma arquitectura; mais ainda, uma realidade que o tempo demora […] a desgastar e a transportar” (1990BRAUDEL, Fernand. 1990. História e ciências sociais. 6. ed. Lisboa: Presença., p. 14). Apesar de privilegiar a longa duração, Braudel considera importante olhar para as outras durações, pois elas seriam “solidárias umas com as outras” e percorrê-las ajudaria a construir novas inquietações e perguntas (1990BRAUDEL, Fernand. 1990. História e ciências sociais. 6. ed. Lisboa: Presença., p. 34). A conjuntura, nessa abordagem, seria demarcada por ciclos e não se confundiria nem com o episódio, nem com o que é tratado como estrutural.

Já Osorio direciona atenção para diferenciar o “tempo cronológico”, que seria “linear, contínuo e homogêneo” e percebido a partir de unidades de medida que conhecemos como os dias, meses ou anos, do “tempo social”, que assumiria um caráter “diferencial, heterogêneo e descontínuo” (2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 46). É problematizado o fato de como, em um mesmo tempo cronológico, o tempo social pode transcorrer de forma mais lenta, em momentos de estabilidade, ou de forma acelerada, por conta das mudanças.

A preocupação de fazer esse tipo de diferenciação também aparece na obra de López J. (1979)LÓPEZ J., Sinesio. 1979. El análisis de coyuntura en el pensamiento socialista clásico. Revista Mexicana de Sociología, v. 41, n. 1, p. 23-58. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3540109 . Acesso em: 29 set. 2018.
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, que propõe superar a “concepção reformista de tempo”, pois ela assume como premissa uma “evolução linear”, “gradual” e “pacífica”. O autor direciona atenção para o “tempo político” que seria permeado por descontinuidades e “acentuada heterogeneidade como expressão da luta de classes no campo específico do poder” (1979LÓPEZ J., Sinesio. 1979. El análisis de coyuntura en el pensamiento socialista clásico. Revista Mexicana de Sociología, v. 41, n. 1, p. 23-58. Disponível em: Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3540109 . Acesso em: 29 set. 2018.
http://www.jstor.org/stable/3540109...
, p. 33).

Nessa linha, Fiori aponta dificuldades identificadas em estudos do “tempo presente”, que, segundo ele, só podem ser solucionadas a partir de um “conflito permanente com o senso comum” que contribua para uma “conceituação mais rigorosa da temporalidade política” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 380). O autor sistematiza como essa dimensão foi tratada por diversos autores. Parte de Marx e Engels que propuseram “a substituição de uma leitura meramente factual e jornalística por uma análise política e histórico-estrutural do tempo conjuntural” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 384). Cita Lenin e suas considerações acerca da existência de dois tempos: o “histórico-estrutural”, que seria “passível de um conhecimento científico”, e o “estratégico”, que seria o tempo construído com base nos objetivos e ações do partido, tornando a análise do tempo conjuntural comprometida com os propósitos e táticas desse sujeito coletivo (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 404). Gramsci, por sua vez, teria avançado na proposição de “uma temporalidade teoricamente construída: o tempo das estabilidades e das crises políticas, orgânicas algumas delas”, relacionadas com as concepções de bloco histórico e hegemonia (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 395). Já Poulantzas, teria proposto “um conceito propriamente político do tempo conjuntural” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 396) que tem como fundamento as “formações sociais” fragmentadas em “estágios e fases”, superando “o modelo arquitetural da infra e superestrutura” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 409).

Apesar de considerar as contribuições desses autores, Fiori propõe críticas a essas e outras leituras do tempo conjuntural e defende que a conjuntura atual não constitui uma “realidade distinta da estrutura” seria apenas o momento da “incerteza”. Ao tratar do tempo político evidencia processos de “natureza conflitiva”, em meio às “contradições estruturais”, e de “natureza ideológica e prospectiva” que se revela nos enfrentamentos “entre forças e projetos contrapostos” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 409). O autor destaca que “na conjuntura, os atores sociais experimentam o tempo como fluxo, a estrutura como construção e a sua prática como luta permanente por controlar a incerteza, a vontade e as expectativas dos concorrentes ou adversários” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 380). Considera ainda que essa dinâmica se dá em um “tempo histórico” em que “cada ator […] tem sua percepção do passado e sua expectativa do futuro”, mas não dispõe de todas as informações sobre “a situação presente” e nem sobre todas as “alternativas futuras possíveis” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 381). As expectativas dos atores, assim, têm grande relevância para o processo analítico, na medida em que representam um elo entre o “presente inacabado” e um futuro que se torna “elemento ativo do presente” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 382). De acordo com Fiori (1991)FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., essa “imagem esperada do futuro” não se constrói de forma totalmente aleatória e é passível de “conhecimento objetivo” se alicerçada em teorias e nas informações que podem ser analisadas. É, portanto, esse elemento da expectativa que diferencia epistemologicamente “o conhecimento de uma ‘conjuntura atual’”, que se processa a partir do acompanhamento de um presente em movimento, e o de uma “conjuntura passada”, que representaria um esforço de “reconstrução” e pode incluir também a análise dos “fatos históricos” concretizados, que facilitam a identificação de atores relevantes, bem como de suas consequências (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 383). Assim, não seria possível “definir o tempo conjuntural e seu método de análise sem compreender a forma e conteúdo com que as forças políticas encaram e resolvem suas incertezas atuais no plano de suas expectativas futuras” (1991FIORI, José Luis da Costa. 1991. Análise Política do Tempo Conjuntural. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 34, n. 3, p. 379-414., p. 410).

Essas considerações remetem à importância da definição dos fatores que determinariam o fim ou o surgimento de uma nova conjuntura. Poulantzas (1977POULANTZAS, Nicos. 1977. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes.) direciona atenção para duas possibilidades de periodização. A primeira é delimitada pelo estágio de constituição de uma determinada “forma de Estado” e fundamenta-se em elementos da base econômica, enquanto a segunda, “própria do nível político”, conforma-se com base em um “ritmo particular” e nos limites estabelecidos pela primeira (1977POULANTZAS, Nicos. 1977. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes., p. 240). A construção dessa segunda periodização está diretamente relacionada com um “espaço particular”, que o autor designa de “cena política”, em que determinados atores poderiam agir ou ausentar-se de acordo com cada momento (1977POULANTZAS, Nicos. 1977. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes., p. 241).

Nessa mesma linha, Gallardo comenta sobre a importância de identificar alguma “mudança significativa na articulação das forças sociais fundamentais” (Gallardo, 1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 21). Contudo, o autor faz a ressalva de que, com base nos diferentes “ritmos de ação” coexistiriam diferentes “temporalidades econômico-sociais, políticas e culturais” (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 44). Dessa maneira, a “periodização”, definida como uma delimitação de recortes temporais relacionados com a “possibilidade-necessidade de análise”, poderia ser proposta com base nas seguintes mudanças: (A) alterações significativas das táticas dos atores analisados; (B) “aparecimento de novas forças ou rearticulação” de grupos e; (C) modificação na correlação de forças (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 64).

Uma outra contribuição a esse respeito é trazida por Madrid (1992MADRID, Miguel González. 1992. El análisis político de coyuntura. En torno a El dieciocho brumario de Luis Bonaparte. Polis. Investigación y análisis sociopolítico y psicosocial, n. 1992, p. 229-248. Disponível em: Disponível em: https://revistas-colaboracion.juridicas.unam.mx/index.php/polis/article/view/16609/14869 . Acesso em: 28 maio 2018.
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), que revisita O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, escrito por Marx (1852)MARX, Karl. 2011. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo., e considera estar esboçado nele “o método marxista de análise política da conjuntura”. Na obra, Marx, ao examinar uma sequência de acontecimentos que possibilitaram uma “periodização histórica”, pôde identificar pontos de viragem que se refletiram em “mudanças na correlação de forças” (Madrid, 1992MADRID, Miguel González. 1992. El análisis político de coyuntura. En torno a El dieciocho brumario de Luis Bonaparte. Polis. Investigación y análisis sociopolítico y psicosocial, n. 1992, p. 229-248. Disponível em: Disponível em: https://revistas-colaboracion.juridicas.unam.mx/index.php/polis/article/view/16609/14869 . Acesso em: 28 maio 2018.
https://revistas-colaboracion.juridicas....
, p. 232). No caso de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte seriam três os momentos de mudanças relevantes: (1) a derrocada da monarquia e constituição de um governo provisório inicialmente articulado; (2) momento em que as forças do parlamento passam a se enfrentar para garantir seus interesses específicos; (3) período em que desaparece a única força política que defendia a República e o Parlamento perde força diante da retomada das perspectivas imperiais de Bonaparte, culminando no golpe de Estado. Além disso, o autor teria considerado subperíodos que se baseiam no “modo específico de predomínio de cada força política” (Madrid, 1992MADRID, Miguel González. 1992. El análisis político de coyuntura. En torno a El dieciocho brumario de Luis Bonaparte. Polis. Investigación y análisis sociopolítico y psicosocial, n. 1992, p. 229-248. Disponível em: Disponível em: https://revistas-colaboracion.juridicas.unam.mx/index.php/polis/article/view/16609/14869 . Acesso em: 28 maio 2018.
https://revistas-colaboracion.juridicas....
, p. 241). É uma abordagem que, segundo Madrid, assume uma epistemologia fincada em perspectivas teórico-metodológicas que conectam processos de explicação reconstrutivos e propositivos, fundamentados na possibilidade de transformar a realidade a partir de lutas protagonizadas por um “sujeito histórico coletivo” (Madrid, 1992MADRID, Miguel González. 1992. El análisis político de coyuntura. En torno a El dieciocho brumario de Luis Bonaparte. Polis. Investigación y análisis sociopolítico y psicosocial, n. 1992, p. 229-248. Disponível em: Disponível em: https://revistas-colaboracion.juridicas.unam.mx/index.php/polis/article/view/16609/14869 . Acesso em: 28 maio 2018.
https://revistas-colaboracion.juridicas....
, p. 235).

Sobre a relação entre as variáveis tempo e espaço, vale a ressalva de que períodos de agudização de crises ou mudanças na correlação de forças podem ocorrer em momentos distintos ao considerar diferentes recortes espaciais, a exemplo dos âmbitos internacional, nacional e local. Nessa situação, isso significaria que, se considerados os tempos políticos e não os cronológicos de cada uma dessas escalas, poderíamos encontrar três recortes temporais distintos com base em cada uma de suas periodizações específicas. Ao privilegiar um dos recortes espaciais, as análises dos demais poderiam se desvincular de seus próprios tempos políticos, assumindo uma delimitação temporal que não é a sua e, nessa condição, as análises referentes a elas assemelhar-se-iam àquela baseada no tempo cronológico. Por isso, é importante que as delimitações espacial e temporal sejam parte de uma construção dialética, tendo como referência os objetivos do estudo e suas conexões com os aspectos políticos e seu nível de aprofundamento teórico/analítico (camadas).

Atores/Sujeitos sociais em ação na conjuntura

Além das dimensões consideradas até aqui, os atores privilegiados nas análises também merecem atenção e têm relação direta com o referencial adotado. Osorio considera que “os sujeitos e a noção de sujeitos se redefinem em função da camada e temporalidade adotada” (Osorio, 2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 77) e parte das seguintes questões: “quando nos referimos aos sujeitos, de quem falamos? De classes sociais? De movimentos sociais? De indivíduos?” (2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 76).

Para Gramsci, o foco exclusivo nos “fenômenos de conjuntura” resulta em “uma crítica política miúda, do dia-a-dia, que envolve os pequenos grupos dirigentes e as personalidades imediatamente responsáveis pelo poder” (2000GRAMSCI, Antonio. 2000. Cadernos do cárcere. Volume 3, Maquiavel, notas sobre o Estado e política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 36-37). Já as análises direcionadas apenas para os “fenômenos orgânicos”, também insuficientes, desenvolvem uma “crítica histórico-social” a partir dos “grandes agrupamentos” (2000GRAMSCI, Antonio. 2000. Cadernos do cárcere. Volume 3, Maquiavel, notas sobre o Estado e política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 37) em que ganham destaque as classes sociais. Portanto, a discussão parte da necessidade de pensar as situações diante do “nexo dialético” entre os movimentos orgânicos e de conjuntura e dos sujeitos privilegiados em cada dimensão para possibilitar uma “análise objetiva” (2001, p. 38).

Em um esforço teórico apoiado na revisão de diversas obras clássicas - de Maquiavel, Tocqueville, Marx, Lenin e Gramsci -, Vianna (1991VIANNA, Luiz Werneck. 1991. Ator, tempo e processo de longa duração em análises de conjuntura. In: VIANNA, Luiz Werneck. De um plano Collor a outro: estudo de conjuntura. Rio de Janeiro: Revan. p. 125-169.), analisa como esses autores tratam do ator político e seu papel nos processos de transformação da sociedade, quer seja o príncipe, em que prevalece um sujeito individual apoiado pelo povo mobilizado; quer seja o legislador, a classe ou o partido político, em que se destaca o sujeito coletivo. O autor ainda problematiza os limites de analisar apenas a relação capital-trabalho, que colocaria o proletariado como ator central, e cita o surgimento de novos sujeitos políticos cuja ação extrapola as fronteiras do mundo do trabalho. Assim, os atores clássicos, os operários, ao limitar suas lutas a processos reformistas, se distanciam do papel da transformação, dando lugar a novos sujeitos que não estariam vinculados à esfera da produção, mas da “cultura e dos movimentos sociais” (Vianna, 1991VIANNA, Luiz Werneck. 1991. Ator, tempo e processo de longa duração em análises de conjuntura. In: VIANNA, Luiz Werneck. De um plano Collor a outro: estudo de conjuntura. Rio de Janeiro: Revan. p. 125-169., p. 165).

Ainda sobre a definição dos atores políticos, Gallardo (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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) sugere evitar alguns desvios que criam limitações para a análise de conjuntura a exemplo do desvio politicista que levaria o analista a “ignorar ou subestimar o papel e o peso dos atores sociais não especificamente políticos” e cita como exemplo os “grupos de pressão, igrejas, meios de comunicação” e as “minorias culturais” (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 25).

Testa (2005TESTA, Mario. 2005. Vida. Señas de Identidad (Miradas al Espejo). Salud Colectiva, v. 1, n. 1, p. 33-58., 2007TESTA, Mario. 2007. Decidir em Salud, Quién? Cómo? Y Por qué? Salud Colectiva , v. 3, n. 3, p. 247-257.) também aprofunda análises sobre os atores e para ele não basta explicitar apenas quem atua, é importante olhar para o processo de constituição dos sujeitos que está diretamente relacionado com a tomada de consciência. Assim, propõe aprofundar análises sobre a forma de organização, os propósitos e os métodos dos atores, bem como a coerência entre esses elementos.

Como é possível perceber, as escolhas teóricas e metodológicas impactam na delimitação dos atores privilegiados em cada estudo e na maneira como eles são analisados. Assim, é importante não perder de vista a influência desses atores em diferentes cenários e as possíveis mudanças em seus projetos e em suas dinâmicas organizacionais que podem acontecer devido aos próprios processos conjunturais.

Contribuições teórico-metodológicas para a análise conjuntural

Na construção de análises de conjuntura, é importante dedicar atenção especial aos aspectos teóricos, metodológicos e ao papel do pesquisador na situação analisada. Naquilo que se refere ao analista, Vianna discute seu posicionamento em relação à ação política, já que este pode “se tornar ‘ator’” e participar da ação ou colocar-se como um “analista sem paixão” que evita confundir papéis, visando “servir” a alguém que pretende agir (Vianna, 1991VIANNA, Luiz Werneck. 1991. Ator, tempo e processo de longa duração em análises de conjuntura. In: VIANNA, Luiz Werneck. De um plano Collor a outro: estudo de conjuntura. Rio de Janeiro: Revan. p. 125-169., p. 168). Nessa linha, Perlatto e Sousa concordam que alguns autores não se limitam ao “âmbito analítico”, tendo também a “pretensão de construir orientações” e disputar a direção dos fatos (2016PERLATTO, Fernando; SOUSA, Diogo Tourino. 2016. Interpretações do Brasil contemporâneo: cientistas sociais, conjuntura política e a democracia brasileira. Trabalho apresentado no XL Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 24 a 28 de outubro., p. 2).

Ao tratar da relação entre os aspectos teóricos e a dimensão metodológica, Silva (1988SILVA, Luiz Eduardo Prates da. 1988. Metodologia de análise de conjuntura. Estudos teológicos, v. 28, n. 3, p. 305-15. Disponível em: Disponível em: http://ism.edu.br/periodicos/index.php/estudos_teologicos/article/download/1171/1134 . Acesso em: 13 maio 2018.
http://ism.edu.br/periodicos/index.php/e...
) alerta para a importância de deixar claro os pressupostos da análise e os referenciais que a embasam. Esse autor, por exemplo, apoia-se no referencial marxiano e sugere a articulação entre elementos de caráter estrutural e da análise dos sujeitos envolvidos, com atenção direcionada para os aspectos políticos de sua ação.

Além dele, Gallardo (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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) também cita o materialismo histórico para sugerir que a análise considere “modo de produção, formação econômico-social, estrutura do capitalismo dependente, situação social […], formas de dominação e forças sociais” (1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
https://praxislibertaria.files.wordpress...
, p. 61). Osorio, além de destacar a importância de “elaborar instrumentos conceituais e metodológicos” para que seja possível “captar o processo de condensação de forças sociais”, discute a possibilidade de mensurar “mudanças na correlação de forças”, fundamentando-se especialmente em Poulantzas (2001OSORIO, Jaime. 2001. Fundamentos del análisis social. La realidad social y su conocimiento. Xochimilco: Universidad Autónoma Metropolitana., p. 74).

Santiago e Moraes (2014SANTIAGO, Claudia; MORAES, Reginaldo Carmello de. 2014. Como Fazer Análise de Conjuntura. Formação de Dirigentes Sindicais. Brasília, DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Disponível em: Disponível em: http://www.cnte.org.br/images/stories/esforce/pdf/programaformacao_eixo02_fasciculo03_analiseconjuntura.pdf . Acesso em: 13 maio 2018.
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) citam também elementos relevantes para desenvolver a análise e organizar a ação, considerando que: (1) para promover mudanças econômicas é pertinente mapear quem controla a terra, os mercados e como se dão os fluxos financeiros; (2) para mudanças políticas é válido delimitar “o papel do Estado, o peso dos poderes e instituições, o funcionamento das estruturas corporativas, […] partidárias e sindicais”; e (3) no caso das transformações culturais, é importante conhecer “quem controla os fluxos de informação ou orienta as percepções e decisões dos indivíduos” (2014SANTIAGO, Claudia; MORAES, Reginaldo Carmello de. 2014. Como Fazer Análise de Conjuntura. Formação de Dirigentes Sindicais. Brasília, DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Disponível em: Disponível em: http://www.cnte.org.br/images/stories/esforce/pdf/programaformacao_eixo02_fasciculo03_analiseconjuntura.pdf . Acesso em: 13 maio 2018.
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, p. 33).

Um dos autores mais citados nos artigos recentes sobre análise de conjuntura é Stuart Hall, intelectual jamaicano que se mudou para a Inglaterra nos anos 1950, sendo um dos fundadores do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na universidade de Birmingham, e tornando-se, em seguida, professor de sociologia da Open University, com produções de grande relevância que o tornaram internacionalmente conhecido. Um livro escrito por Jefferson (2021JEFFERSON, Tony. 2021. Stuart Hall, Conjunctural Analysis and Cultural Criminology: a missed moment. Palgrave Pioneers in Criminology. London: Palgrave Macmillan.) teve como um de seus objetivos demonstrar como a conjuntura é um eixo basilar da obra de Hall, explicitando o desenvolvimento dessa abordagem teórico-metodológica em algumas de suas principais publicações. É evidenciada inclusive a influência de autores como Gramsci em seus escritos conjunturais. Em termos teóricos, um dos elementos que se destaca na obra de Hall é a articulação entre os estudos culturais e a análise conjuntural, sendo incluídas, no centro das análises, dimensões como raça, etnia e gênero. Para Hart (2023HART, Gillian. 2023. Modalities of Conjunctural Analysis: “Seeing the Present Differently” through Global Lenses. Antipode, p. 1-30. Disponível em: https://doi.org/10.1111/anti.12975. Acesso em: 28 out. 2023
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
), a constituição dessas relações de opressão tem uma influência direta em todo o processo de acumulação capitalista e de formação das classes, dos estados nacionais e do imperialismo. Portanto, essas categorias, que compõem a realidade social a ser estudada, são analisadas por Hall considerando o enraizamento de ideias que legitimam diferentes formas de opressão, em algumas situações, com apoio dos principais órgãos de imprensa e das instâncias estatais, trazendo consequências diretas para as relações de poder.

Uma outra vertente de estudos conjunturais é aquela que direciona um enfoque especial para o âmbito setorial. Reis e Paim (2021)REIS Camila Ramos; PAIM Jairnilson Silva. 2021. Análise de conjuntura em saúde: aspectos conceituais, metodológicos e técnicos. Saúde Debate, v. 45, n. 130, p. 795-806. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104202113017. Acesso em: 28 out. 2023.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, por exemplo, desenvolveram uma abordagem teórico-metodológica que mantém a preocupação com a totalidade social, mas tem como foco análises do setor saúde. Identificam, dessa forma, a relevância de considerar fatos e atores envolvidos nas lutas setoriais, que poderiam receber menos atenção nas análises gerais, mas que produzem efeitos para a totalidade social, ao mesmo tempo que são influenciados por ela.

Foi possível identificar ainda a cartografia socioambiental (Torres; Maldonado, 2012TORRES, María Fernanda Soliz; MALDONADO, Adolfo. 2012. Guía de metodologías comunitarias participativas: Guía n. 5. Quito: Clínica Ambiental.) que tem pontos de articulação com a análise de conjuntura e privilegia espaços territoriais menores, considerando elementos do presente, do passado e dos sonhos futuros. A sua construção contribui para que os grupos sociais interessados em promover mudanças locais conheçam melhor a realidade em que vivem e tenham mais elementos para decidir sobre como querem agir diante das situações percebidas. Esse processo também pode contribuir para introduzir reflexões que permitam ampliar o olhar em termos de escala geográfica e nas relações existentes entre o conjuntural e o estrutural.

Entre essas diferentes maneiras de conduzir o processo de análise conjuntural, algumas abordagens sugerem desenvolver previamente sistematizações teóricas aprofundadas, inclusive naquilo que se refere à dimensão estrutural, e estabelecer delimitações mais claras do objeto, envolvendo tema e recortes geográfico e temporal, para, em seguida, com o olhar apurado, ir para o empírico para captar aquilo que pode ser útil para a análise. Por outro lado, outras abordagens sugerem partir do empírico para que a delimitação desse objeto se dê ao longo do processo, de modo que as construções teóricas sejam demandadas a partir daquilo que se percebe na realidade concreta. Existem ainda abordagens focadas no acompanhamento permanente de determinados aspectos conjunturais, sem necessariamente partir de fatos específicos.

Além desses aspectos, existe um conjunto de categorias que aparece de forma recorrente nos estudos e que poderiam ajudar a estabelecer alicerces metodológicos para a análise de conjuntura. O autor mais referenciado nos trabalhos em que se observa essa subdivisão é Souza (2014SOUZA, Hebert José de. 2014. Como se faz análise de conjuntura. 34. ed. Petrópolis: Vozes.). Para ele, não há neutralidade nesse tipo de análise, ao contrário, o seu sentido concreto se estabelece enquanto base para justificar e organizar a ação. Ou seja, agrega elementos para pensar estratégias, táticas e as questões relacionadas ao uso da linguagem. No entanto, a rejeição da neutralidade não tem qualquer relação com falta de rigor científico e essa é uma diferenciação fundamental para compreender o cuidado do autor em destacar alguns dos principais elementos metodológicos para esse tipo de análise, sugerindo as seguintes categorias:

  1. Acontecimentos - em um primeiro momento é preciso diferenciar fatos cotidianos daqueles merecedores de atenção especial por conta das consequências para os grupos interessados. A respeito dessa discussão, é pertinente resgatar alguns elementos da sistematização feita por Alencar (2016ALENCAR, Tatiane de Oliveira Silva. 2016. A Reforma Sanitária Brasileira e a questão medicamentos/assistência farmacêutica. Tese de Doutorado em Saúde Pública. Salvador: UFBA.), que diferencia o fato social na perspectiva sociológica durkheimiana, do fato histórico e do fato político. Embora todos sejam fatos sociais, este último é produzido em meio a interações conflitivas, relacionadas a disputas de poder entre sujeitos políticos. O fato político, torna-se, assim, um objeto central das análises de conjuntura, ajudando a evidenciar quais sujeitos têm sido os principais envolvidos na sua produção e/ou na sua divulgação, bem como onde e como atuam;

  2. Cenário - é necessário identificar os espaços privilegiados onde ocorrem os enfrentamentos políticos, pois cada um deles pode exigir um método diferente de análise. É possível citar exemplos de espaços como as ruas e as praças no caso de manifestações públicas, ou o parlamento, o executivo e o judiciário no caso de uma ação no âmbito das instituições estatais. É importante considerar, também, que existem disputas que se desenrolam no âmbito internacional com repercussões para Estados-nação;

  3. Atores - os sujeitos privilegiados estão relacionados com os recortes da análise e do referencial teórico adotado, bem como da relevância e do papel desempenhado por cada um deles na trama de relações. Nessa perspectiva, não basta identificar a origem de classe ou as organizações em que o sujeito atua, é importante considerar a que interesses servem e qual projeto político ajudam a fortalecer. Além disso, como as articulações no interior das organizações ou entre diversos sujeitos coletivos não são necessariamente estáveis, a configuração dos atores pode mudar de acordo com o rumo dos acontecimentos e isso impede um olhar estático.

  4. Relações de força - essa categoria também merece ser examinada em uma perspectiva dinâmica, a partir de análises das forças atuantes nos âmbitos político, econômico e ideológico/cultural, pois as relações entre atores são mutáveis a depender do momento e do fato a que se referem.

  5. Articulação entre conjuntura e estrutura - está relacionada com a percepção de que essas dimensões estão interconectadas, já que tanto os elementos estruturais, referentes à construção do bloco histórico e da hegemonia em cada âmbito da sociedade, quanto aqueles da dinâmica da luta política cotidiana estão em constante interação, de modo a impactar nas relações sociais com repercussões, também, para o processo de constituição dos sujeitos.

No que diz respeito à análise da correlação de forças, uma das dimensões centrais da análise de conjuntura, é importante registrar que Gramsci distingue: (1) “relação de forças sociais” (2000GRAMSCI, Antonio. 2000. Cadernos do cárcere. Volume 3, Maquiavel, notas sobre o Estado e política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 40, grifo nosso), que pode ser mensurada, por exemplo, com base na distribuição das pessoas no processo de produção, número de empresas e de funcionários ou na relação entre população urbana e rural, o que contribui com reflexões acerca das condições necessárias para desencadear processos de transformação (2000GRAMSCI, Antonio. 2000. Cadernos do cárcere. Volume 3, Maquiavel, notas sobre o Estado e política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 40); (2) “relação das forças políticas” que possibilita avaliar o “grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização” dos grupos sociais sob estudo, podendo ser subdividida em três graus, quais sejam: o econômico-corporativo que envolve preocupações pontuais de um grupo profissional em que são pautadas questões de uma área específica e já é dada importância ao processo de organização; a constituição de uma consciência de solidariedade no âmbito econômico, que amplia as possibilidades de interação entre grupos distintos e é evidenciada a preocupação com a questão do Estado, contudo, limitada à luta por direitos e reformas dentro dos marcos estabelecidos sem propor grandes mudanças; e a fase política na qual se observa uma tomada de consciência de classe que evidencia disputas entre grupos antitéticos com objetivo de fazer prevalecer uma unidade econômica, política, intelectual e moral (bloco histórico). Envolve um plano de luta “universal” em que se busca a “hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados” (Gramsci, 2000GRAMSCI, Antonio. 2000. Cadernos do cárcere. Volume 3, Maquiavel, notas sobre o Estado e política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 41). Por fim, o autor discute um terceiro momento, (3) a relação de forças militares que também é subdividido em dois graus, o técnico-militar e o político-militar. Cita o exemplo da “opressão militar” sofrida por uma nação que luta por sua “independência estatal”, para analisar como esse processo, que frequentemente é decorrente da “desagregação social” e da “passividade” da maioria do “povo oprimido”, não depende só do elemento técnico-militar para obter sucesso, mas inclui o elemento político. Afinal, é essencial desenvolver essa ação política de desagregação das forças hegemônicas, com repercussões negativas para sua eficiência bélica, e rearticular forças ativas de oposição nos dois âmbitos citados (Gramsci, 2000GRAMSCI, Antonio. 2000. Cadernos do cárcere. Volume 3, Maquiavel, notas sobre o Estado e política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 43).

De acordo com Portantiero (1979PORTANTIERO, Juan Carlos. 1979. Gramsci y el análisis de coyuntura (algunas notas). Revista Mexicana de Sociología , v. 41, n. 1, p. 59-73. Disponível em: Disponível em: www.jstor.org/stable/3540110?newaccount=true&read-now=1&seq=3#page_scan_tab_contents . Acesso em: 28 maio 2018.
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) essas contribuições de Gramsci estão diretamente relacionadas com o processo de conformação do bloco histórico, enquanto unidade orgânica, e que tem como chave teórica o conceito de hegemonia, que contempla a existência de contradições e relações entre forças, em constante movimento. Cabe destacar que nem todas as ações analisadas são racionais e vinculadas a uma escolha conectada ao projeto ou aos interesses dos atores, poderia ser apenas uma reação mal calculada dos dirigentes, uma concessão tática ou uma ação disfarçada para ludibriar momentaneamente a oposição, condição que merece cuidado por parte de quem analisa, pois pode gerar equívocos ao mapear as alianças e a correlação de forças.

Dessa maneira, é possível recuperar alguns critérios sistematizados por Harnecker (2012HARNECKER, Marta. 2012. Estratégia e tática. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular.) para analisar a correlação de forças, quais sejam: (A) só pode ser verificada a partir de um enfrentamento real, condição que impede análises prévias; (B) foco nas forças que efetivamente se enfrentam, ou seja, na “maioria ativa” e não na “maioria numérica” vinculada a uma determinada classe; (C) coesão e contradições de cada força em disputa; (D) dinâmica da revolução, ou seja, quem passa a obter a superioridade de forças no decorrer do processo; (E) o que é feito em situação de equilíbrio de forças (2012HARNECKER, Marta. 2012. Estratégia e tática. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular., p. 85-86).

Um outro autor que traz contribuições de grande relevância para essa dimensão da análise conjuntural é Poulantzas (1977POULANTZAS, Nicos. 1977. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes.), que desenvolve alguns conceitos como bloco no poder, alianças e classes-apoio. Para o autor, o “bloco no poder” tem relação direta com a “forma do Estado” constituída em um “estágio particular” em que se torna possível distinguir “com nitidez as contradições entre as classes e frações”, mas perdura uma unidade política, econômica e ideológica, ou seja, uma “homogeneidade relativa”. Rupturas entre classes e frações que compõem o bloco no poder podem levar a “uma transformação da forma de Estado” (1977POULANTZAS, Nicos. 1977. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes., p. 236). No caso da “aliança”, os vínculos não são sólidos e a dissolução dessas relações não teria potencial para interferir na “forma de Estado”, poderia apenas mudar a “forma de regime” (1977POULANTZAS, Nicos. 1977. Poder político e classes sociais. São Paulo: Martins Fontes., p. 237) e interferir na luta pela hegemonia no interior do bloco no poder. Além desses, destaca o conceito de “classes-apoio”, em que não há necessidade de construir uma articulação com benefícios diretos para elas. Essa relação se caracteriza pela vinculação ideológica, na crença que apoiar as classes que conformam o bloco no poder traria mais benefícios, ou menos prejuízos do que se os opositores dela assumissem tal posição.

Toda essa construção foi desenvolvida por Poulantzas de forma articulada com aprofundamentos teóricos sobre o conceito de hegemonia e o de Estado. Para Nascimento (2021NASCIMENTO, Wilsom Vecchi Macedo. 2021. A questão da hegemonia nas análises poulantzianas dos governos petistas: problemas de teoria e de análise Concreta. Trabalho de Conclusão de Curso. Chapecó: UFFS.), um dos avanços em relação ao conceito de hegemonia está no enfoque dado à capacidade de uma fração de classe “polarizar os interesses contraditórios das demais frações pertencentes ao bloco no poder ao redor de seus interesses políticos, constituindo-se assim como a fração representante do interesse geral do bloco” (p. 30), além de representar os interesses gerais do povo-nação. Contudo, Nascimento (2021)NASCIMENTO, Wilsom Vecchi Macedo. 2021. A questão da hegemonia nas análises poulantzianas dos governos petistas: problemas de teoria e de análise Concreta. Trabalho de Conclusão de Curso. Chapecó: UFFS. também sistematiza algumas contribuições, elaboradas por diversos autores, referentes a alguns conceitos/temas e critérios usados para ser aferida a hegemonia política, sugerindo que merecem ser observadas quatro dimensões que contribuem para indicar quais frações têm seus interesses satisfeitos prioritariamente: (1) “política econômica”; (2) “aspectos decisionais e não decisionais da política econômica” (inclui o processo de formulação da política e não apenas a política aplicada como na dimensão anterior); (3) “política externa” (indica como se dão as relações com o capital externo e com outros Estados-nação - ex.: Imperialismo/dependência); (4) “política social” (pode expressar concessões táticas relacionadas a situações conjunturais particulares) (Nascimento, 2021NASCIMENTO, Wilsom Vecchi Macedo. 2021. A questão da hegemonia nas análises poulantzianas dos governos petistas: problemas de teoria e de análise Concreta. Trabalho de Conclusão de Curso. Chapecó: UFFS., p. 48).

Uma outra questão fundamental é a maneira como é abordado o fracionamento da classe dominante. De acordo com Saes e Farias (2021SAES, Décio; FARIAS, Francisco. 2021. Reflexões sobre a teoria política do jovem Poulantzas (1968-1974). Marília: Lutas Anticapital.), na obra de Poulantzas são mencionados três sistemas diferentes de fracionamento, mas sem muito aprofundamento teórico sobre eles: (1) com base nas “funções econômicas do capital”, em que se destacam “capital comercial (aí incluído o capital bancário); capital industrial; e capital financeiro (a síntese, ou fusão, do capital bancário e do capital industrial)”, sendo necessário ainda considerar a relação política dessas frações com “uma classe dominante não capitalista, a propriedade fundiária” (2021SAES, Décio; FARIAS, Francisco. 2021. Reflexões sobre a teoria política do jovem Poulantzas (1968-1974). Marília: Lutas Anticapital., p. 13); (2) baseado na escala de operações, que subdividiria o grande e o médio capital; (3) relacionado com a proveniência do capital, diferenciando uma burguesia nacional de uma burguesia compradora/associada (atrelada aos interesses do capital estrangeiro), além de considerar a existência de uma burguesia interna que oscilaria entre os interesses econômicos nacionais e estrangeiros. A particularidade deste último sistema é o fato dele incluir tanto o aspecto ‘econômico-espacial’ quanto a “posição política dos proprietários do capital” (2021SAES, Décio; FARIAS, Francisco. 2021. Reflexões sobre a teoria política do jovem Poulantzas (1968-1974). Marília: Lutas Anticapital., p. 16).

Por fim, cabe destacar a importância de um olhar atento às espaço-temporalidades, já que a partir dessas análises sobre as frações de classe seria possível identificar enfrentamentos internos ao aprofundar as especificidades em cada território regional. Farias (2009FARIAS, Francisco. 2009. Frações burguesas e bloco no poder: uma reflexão a partir do trabalho de Nicos Poulantzas. Crítica Marxista, n. 28, p. 81-98. Disponível em: Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo166artigo4.pdf . Acesso em: 4 nov. 2023.
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) cita possibilidades interpretativas que podem identificar conflitos entre “secções regionais de uma mesma fração de classe” e/ou entre os blocos no poder estabelecidos em duas regiões diferentes (2009FARIAS, Francisco. 2009. Frações burguesas e bloco no poder: uma reflexão a partir do trabalho de Nicos Poulantzas. Crítica Marxista, n. 28, p. 81-98. Disponível em: Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo166artigo4.pdf . Acesso em: 4 nov. 2023.
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, p. 90). Ou seja, inclui na análise as dinâmicas das frações de classe localizadas em diferentes regiões geográficas no interior do Estado-nação, que poderiam evidenciar a reprodução de relações inter-regionais de semicolonialismo ou de dependência. Cabe ainda destacar que “a força de um ator político” pode variar de acordo com o cenário de enfrentamento (Gallardo, 1988GALLARDO, Helio. 1988. Fundamentos de formacion politica: análisis de coyuntura. [S. l.]: Departamento Ecuménico de Investigaciones (DEI) y Editorial Literatura Alternativa. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/09/helio-gallardo-fundamentos-de-formacion-politica-analisis-de-coyuntura.pdf . Acesso em: 27 maio 2018.
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, p. 70), sendo que um sujeito com forte potencial de intervenção no âmbito local ou no judiciário, por exemplo, pode não ter muita relevância em uma atuação internacional ou no executivo.

Por fim, ao tratar das técnicas de análise e da produção de dados e informações, cabe considerar a importância de se ter cuidado com as fontes de informação, tanto no aspecto de veracidade, quanto na amplitude dos fatos que podem ser selecionados para análise. Para isso, é possível usar os mais variados veículos de notícias, pesquisar informações e estatísticas relacionadas ao objeto sob análise, realizar entrevistas, acompanhar os atores, seus posicionamentos, suas publicações e suas ações etc. Após a coleta, é importante direcionar um olhar crítico ao material para verificar se existem informações divergentes em diferentes fontes e confrontar esses achados com os fatos observados. É possível realizar também uma subdivisão a respeito da abrangência dos fatos, seja pela opção de analisar separadamente aspectos econômicos, sociais, ideológicos e de caráter militar em suas conexões com os fatos políticos; ou separar fatos com base nas repercussões para cada escala geográfica sob análise (Incep, 2002INCEP - Instituto Centroamericano de Estudios Políticos. 2002. Como hacer un análisis de coyuntura: elementos para el análisis político. Cuadernos de Formación para la Práctica Democrática. Ciudad de Guatemala: Incep. Disponível em: Disponível em: https://praxislibertaria.files.wordpress.com/2013/12/03_analisiscoyunturaincep.pdf . Acesso em: 28 maio 2018.
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). Santiago e Moraes (2014SANTIAGO, Claudia; MORAES, Reginaldo Carmello de. 2014. Como Fazer Análise de Conjuntura. Formação de Dirigentes Sindicais. Brasília, DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Disponível em: Disponível em: http://www.cnte.org.br/images/stories/esforce/pdf/programaformacao_eixo02_fasciculo03_analiseconjuntura.pdf . Acesso em: 13 maio 2018.
http://www.cnte.org.br/images/stories/es...
) comentam ainda sobre o cuidado ao usar veículos midiáticos como fonte, já que eles apresentam a sua versão dos fatos ou podem omiti-los em certas circunstâncias. É importante ter clareza, também, que atores, em diferentes posições, têm acessos diferenciados a informações sobre os fatos e isso tem relação com conceitos como transparência e opacidade (Vianna, 1991VIANNA, Luiz Werneck. 1991. Ator, tempo e processo de longa duração em análises de conjuntura. In: VIANNA, Luiz Werneck. De um plano Collor a outro: estudo de conjuntura. Rio de Janeiro: Revan. p. 125-169.). Por isso, aqueles sujeitos que estão no interior de uma organização e acompanham os conflitos têm mais elementos para analisar aspectos relacionados a ela e aos fatos desencadeados a partir da ação delas do que em relação a outros grupos que não têm tal acesso. Dessa maneira, mesmo que seja realizado um acompanhamento diário dos fatos e notícias, é relevante que o analista desenvolva estudos mais aprofundados sobre os atores envolvidos.

Dimensões da análise de conjuntura

Apesar de não ser o propósito deste ensaio delimitar um tipo ideal de análise de conjuntura, cabe sistematizar algumas das principais dimensões que têm recebido atenção por parte dos analistas e que foram revisadas nas seções anteriores. Nesse sentido, é importante considerar que, conforme representado na figura 1, os estudos conjunturais constroem aproximações com as análises estruturais e as dinâmicas estabelecidas entre Estado, sociedade civil e a base econômica. Esse tipo de abordagem não apenas descreve fatos, mas analisa suas interconexões e os conflitos entre atores sociais nos diferentes cenários, por isso ligam-se também a referenciais que tratam dos sujeitos e de sua ação. Leva ainda em consideração aspectos temporais, que delimitam o período examinado sem perder de vista o processo histórico e as expectativas dos sujeitos, bem como a dimensão espacial, já que as análises podem priorizar diferentes recortes, desde o âmbito setorial/local até os processos transnacionais. Todo esse processo é influenciado pelo referencial adotado e pelo olhar do analista que pode se debruçar de maneira superficial ou profunda sobre a conjuntura (camada). Ademais, por ter o propósito de interferir na ação política dos atores, essa produção parte de uma epistemologia crítica que não se propõe apenas a entender a realidade, mas contribuir com processos de transformação.

Figura 1
Dimensões da análise conjuntural

Cabe destacar que essas análises podem privilegiar diferentes recortes, definidos em função das dimensões que representam a estrutura, os sujeitos, o tempo e o espaço, de modo que a fronteira que delimita a abrangência da análise pode adotar posições e tamanhos variados na representação gráfica a depender do foco determinado por cada analista. A mobilidade dessas linhas expressa a possibilidade do analista dimensionar seu estudo de acordo com suas necessidades, abarcando diferentes temporalidades, escalas geográficas e camadas, que nos estudos conjunturais estão especialmente interligadas pelo elemento político.

Comentários finais

Muitos pesquisadores que se aproximam da análise de conjuntura procuram por um manual ou uma sequência de passos bem delimitados e é possível encontrar algumas sistematizações que encurtam os caminhos para exercitar essa prática. Porém, o desafio é encontrar maneiras de não direcionar um olhar superficial, mas estimular um mergulho nas camadas profundas que conectam os elementos observados na realidade concreta com construções teóricas que possibilitam um maior aprofundamento analítico e a articulação entre as dimensões conjunturais e as histórico-estruturais, considerando inclusive a posição do analista nessa dinâmica.

Ao longo da revisão encontramos autores que abordam aspectos de grande relevância, mas como não é possível detalhar em um artigo todas essas dimensões, citamos os elementos que consideramos principais como um convite para que as obras originais possam ser visitadas. Nessa busca, demos destaque também para algumas especificidades identificadas nas abordagens como, por exemplo, na maneira de delimitar o espaço e o tempo, particularmente naquilo que se refere a suas relações com o processo político. Além disso, alguns autores defendem a possibilidade de dar plena objetividade não apenas à análise desse quase-presente, mas também às tendências futuras, enquanto outros são mais cautelosos sobre esse porvir, já que ele poderia assumir um caráter mais opinativo por ser impactado pelas expectativas de quem irá atuar na conjuntura examinada.

Contudo, um dos aspectos mais importantes a considerar é a quem serve desenvolver uma análise conjuntural. Para atores e pequenos grupos locais, por exemplo, pode ser considerado inviável fazer todo o percurso temporal e espacial, em particular, pelo fato de que muitas vezes a demanda por desenvolver esse tipo de estudo decorre de uma necessidade imediata de ação. Esse é um ponto central de toda essa reflexão, já que a abordagem conjuntural visa superar a preocupação meramente episódica. Isso envolve também a decisão sobre os atores privilegiados em cada um desses estudos, se são sujeitos individuais, coletivos, as classes e/ou suas frações.

Assim, o desenvolvimento de uma análise conjuntural não se dá com o propósito meramente analítico, mas, também, político, estimulando a reflexão dos sujeitos sobre suas práticas (práxis). Por isso, esse tipo de estudo tem grande potencial para contribuir com o processo de constituição de sujeitos com capacidade de assumir protagonismo nos enfrentamentos sociais e para ampliar a percepção que eles têm acerca das conexões entre estrutura e conjuntura; e entre história, tempo presente e as expectativas dos atores. Afinal, algumas sistematizações conjunturais simplificadas e inicialmente voltadas para demandas locais e imediatas, podem se tornar uma porta de entrada para análises posteriores desenvolvidas com mais rigor e de forma mais profunda, ampliando sua relevância para sujeitos que buscam emancipação política. Assim, todo esse processo pode ser um elemento fomentador da criticidade (política e científica), com potencial de promover transformações com impactos em escalas geográficas e camadas cada vez mais amplas e, com base nos aprendizados obtidos, retroalimentar as análises.

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  • João Henrique Araujo Virgens. Doutor em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), tendo recebido bolsa para realizar a pesquisa que possibilitou a construção deste artigo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2019
  • Aceito
    28 Ago 2023
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