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A crise argentina de 2018: antecedentes e interpretação

The Argentinian economic crisis of 2018: background and interpretation

RESUMO

Este artigo aborda a crise econômica argentina de 2018. Sustentamos que a crise foi ocasionada por um processo de fragilização financeira diretamente relacionado às opções de política econômica do governo Macri, que acabou por se manifestar num momento de reversão do cenário externo em 2018. Em nossa análise, reunimos evidência empírica sobre a performance macroeconômica argentina e buscamos, na literatura teórica sobre os conceitos de assimetria de poder no sistema monetário e financeiro internacional e de vulnerabilidade externa, combinados à noção de crise de parada súbita, uma interpretação para a crise daquele país.

PALAVRAS-CHAVE:
Economia argentina; governo Macri; crises cambiais; vulnerabilidade externa; crise de parada súbita

ABSTRACT

This paper deals with the Argentinian economic crisis of 2018. We argue that the crisis was brought about by the process of financial fragility directly related to the choice of economic policy made by the Macri government. That fragility came to manifest in a moment of reversal in the external scenario in 2018. In our analysis, we have gathered evidence on the macroeconomic performance of Argentina to present an interpretation based on the concepts of asymmetry of power in the monetary and financial international system, external vulnerability, and sudden stop crisis.

KEYWORDS:
Argentinean economy; Macri government; exchange rate crises; external vulnerability; sudden stop crisis

INTRODUÇÃO

No primeiro semestre de 2018, a economia argentina foi perturbada por uma crise cambial semelhante a tantas outras já experimentadas na história do país e de seus vizinhos sul-americanos. Em abril e maio, o peso argentino desvalorizou cerca de 25% em frente ao dólar norte-americano, e as reservas internacionais declinaram em mais de 20% até o final de junho. A irrupção de uma crise levou o governo do então presidente Mauricio Macri a buscar o apoio do Fundo Monetário Internacional mediante uma linha de crédito emergencial fixada inicialmente em US$ 50 bilhões. Em contrapartida, comprometeu-se a realizar um drástico ajuste nas finanças públicas com o propósito de atingir o superávit fiscal até o ano de 2021 (Argentina, 2018ARGENTINA. Ministerio de Hacienda. Presidencia de la Nación. Acuerdo Argentina-FMI. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/sites/default/files/acuerdo_argentina-fmi-final1.pdf . Acesso em: 06 jun. 2021.
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).

Aparentemente, o governo federal não esperava por tamanha ruptura. Poucos meses antes, um balanço oficial da situação do país evidenciava a confiança do presidente e de seus ministros nos rumos da política econômica e no desempenho da economia argentina. Assim, no registro divulgado ao término da reunião de trabalho do gabinete ocorrida nos dias 15 e 16 de fevereiro em Chapadmalal, anunciou-se o início de uma nova etapa da política econômica, a partir de então orientada para objetivos de longo prazo. O entendimento geral era que os dois primeiros anos teriam sido dedicados ao processo de estabilização, sob o amparo de “decisiones cambiarias, fiscales, administrativas e institucionales”. O assento governamental da reunião completava-se com a informação de que, “terminado ese proceso de normalización y transición (...) el Gobierno comenzó a trabajar sobre sus planes de largo plazo y a identificar objetivos e iniciativas prioritárias” (Objetivos, 2018).

O advento da crise cambial em abril jogou por terra as pretensões do governo Macri de se dedicar aos chamados projetos prioritários e de longo prazo, os quais, ainda segundo o registro oficial da reunião de fevereiro, contribuiriam para o desenvolvimento da economia e a promoção do desenvolvimento humano e social. Explicações sobre o processo que levou o governo argentino a vivenciar tamanha reversão de expectativas logo ocuparam espaço no debate público. Como regra geral, as explicações iniciais concentraram-se na mudança ocorrida no cenário externo como fonte da crise, uma vez que as chances de sucesso da política econômica gradualista do governo Macri eram vistas como totalmente dependentes da calmaria no setor externo (Pessôa, 2018PESSÔA, Samuel. A crise argentina. Jornal do Comércio, Porto Alegre, 02 out. 2018, p. 6.). Uma interpretação mais elaborada caracterizou a crise argentina como um novo evento de parada brusca (sudden stop), ou seja, uma crise deflagrada pela reversão no movimento de capitais do balanço de pagamentos que costuma abalar os países da periferia do sistema financeiro internacional (Krugman, 2018KRUGMAN, Paul. What the hell happened to Brazil? (Wonkish). The New York Times, 09 nov. 2018b. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/11/09/opinion/what-the-hell-happened-to-brazil-wonkish.html . Acesso em: 23 fev. 2021.
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a).1 1 Em artigo anterior, apresentado no Congresso da Latin American Studies Association - LASA de 2019, nós mesmos nos circunscrevemos a descrever a crise argentina de 2018 como um caso de sudden stop crisis (Horn, Valenti, Petry, Capuano, 2019).

As explicações baseadas na noção de sudden stop (SS) conferem proeminência ao fenômeno externo imediato - súbita reversão no movimento de capitais nas economias atingidas por crises. O aumento nas taxas de juros dos Estados Unidos ou uma crise em outro país que os investidores acreditam apresentar vulnerabilidades semelhantes às do país afetado pela sudden stop são alguns exemplos. De acordo com Krugman (2018KRUGMAN, Paul. What the hell happened to Brazil? (Wonkish). The New York Times, 09 nov. 2018b. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/11/09/opinion/what-the-hell-happened-to-brazil-wonkish.html . Acesso em: 23 fev. 2021.
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b), não obstante, a razão contígua de uma parada brusca é irrelevante e a atenção deveria se dirigir, primordialmente, para suas consequências. Isso porque a dívida externa, independentemente de sua origem, abre espaço para o que o autor chama de «espiral mortal»: a SS gera perda de confiança, a moeda doméstica desvaloriza, fica mais difícil honrar a dívida em moeda estrangeira, a economia real é prejudicada, e a confiança diminui ainda mais. O resultado é que a dívida externa explode como parcela do PIB. Ao examinarem sua dimensão interna, em especial quanto aos possíveis elementos conducentes à parada súbita, as explicações destacam, em geral, os desequilíbrios fiscais como principal fator (Calvo et al., 2004CALVO, Guillermo A.; IZQUIERDO, Alejandro; MEJIA, Luis-Fernando. On the empirics of sudden stops: the relevance of balance-sheet effects. National Bureau of Economic Research, NBER Working Papers n. 10520, 2004. ).

Tendo em vista, portanto, a questão da interpretação da crise argentina de 2018, nosso propósito central neste artigo é evidenciar que o fenômeno interno, o qual não se cinge a problemas fiscais per se, teria jogado um papel decisivo na deflagração da crise.2 2 No percurso que levou à forma final deste artigo, os autores beneficiaram-se de debates ocorridos no Núcleo de Estudo e Pesquisa dos Países da América do Sul - NEPPAS, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Cabe, sobretudo, referir os seminários coordenados pelo professor Andrés Ferrari, no segundo semestre de 2018, com Hernán Neyra, professor da Universidad de Buenos Aires, e Martin Granovsky, colunista do diário Página 12. Nossos agradecimentos se estendem, de modo muito especial, ao colega de Núcleo Leonardo Beria Capuano, cujas contribuições e permanente otimismo marcaram as versões iniciais do presente texto. Mais recentemente, o trabalho contou com o auxílio do acadêmico de Economia da UFRGS Pedro Henrique Vier. Em nosso entendimento, o fenômeno interno a ser destacado relaciona-se, mais precisamente, às escolhas de financiamento do Estado realizadas pelo governo Macri, às quais se apoiaram na liberalização dos mercados cambial e financeiro adotada desde os primeiros dias do governo. As medidas da política macrista fragilizaram a posição da economia argentina - uma economia periférica3 3 Em nossa análise, adotamos o qualificativo de periférico para referir à economia argentina, seguindo a tradição cepalina. Nessa tradição, em linhas gerais, as assimetrias no âmbito do sistema capitalista mundial trazem como consequência direta a divisão de dois grupos de países: os centrais e os periféricos (PREBISCH, 1949). Entende-se que os países do centro são economicamente ricos, possuem maiores graus de industrialização, caracterizam-se por instituições fortes e apresentam melhores indicadores sociais. Já os países inseridos na economia mundial de forma periférica apresentam pouca dinamicidade na sua estrutura produtiva, maiores graus de renda per capita, baixo desenvolvimento tecnológico e maiores dificuldades para a industrialização e a capacitação da sua mão de obra (Prebisch, 1962; Bielschowsky, 2000). no sistema monetário e financeiro internacional e, portanto, marcada por vulnerabilidade externa estrutural - diante de um provável quadro de reversão da conjuntura externa. No contexto específico de 2018, a reversão se manifestou pela piora no desempenho da balança de comércio e pela elevação nas taxas básicas de juros norte-americanas.

O artigo divide-se em três seções principais. A primeira seção procura detalhar a política econômica do governo Macri quanto aos aspectos que se associam diretamente à crise de 2018, notadamente as políticas monetária, cambial e financeira. Seu propósito é inventariar os elementos empíricos que julgamos relevantes para sustentar nossa interpretação da crise. A segunda seção é dedicada à apresentação dos indicadores que descrevem a dinâmica da crise econômica no primeiro semestre de 2018. Na terceira seção, exploramos uma explicação da crise baseada nos conceitos de sudden stop, assimetrias de poder, vulnerabilidade externa e fragilidade financeira. Considerações finais sistematizam os pontos centrais do texto.

A POLÍTICA ECONÔMICA DO GOVERNO MACRI

Mauricio Macri tomou posse como 56° presidente da República Argentina no dia 10 de dezembro de 2015. Sua eleição foi precedida pelo surgimento de uma nova coalizão política no cenário nacional, a qual logo se tornou a principal força opositora ao governo de Cristina Kirchner. A coalizão denominada Cambiemos resultou de um amplo acordo entre cinco principais organizações partidárias - Coa­lición Cívica ARI, Propuesta Republicana (PRO), Unión Cívica Radical, Partido FE e Partido Unión por la Libertad - e veio a se constituir na mais forte opção eleitoral para os argentinos que compartilhavam o ideário associado ao espectro político de direita. Nas eleições primárias - Primarias Abiertas Simultaneas y Obligatorias (PASO) -, Cambiemos recebeu 6,95 milhões de votos (30,1% no nível federal) e Macri foi selecionado para concorrer à presidência por uma avassaladora maioria de 80,7% desses votantes. Tendo passado ao segundo turno, Macri acabou eleito com 51,3% dos votos válidos contra 48,7% do candidato peronista Daniel Scioli.

A vitória de Macri, ocorrida em meio a um processo de deterioração das condições econômicas do país, despertou expectativas positivas em diversos setores acerca da administração da política econômica. Sua plataforma eleitoral desdobrava-se em três eixos principais - inclusão social, desenvolvimento econômico e fortalecimento institucional - em conformidade com a declaração geral de princípios estampada na abertura do manifesto político de Cambiemos:

Los miembros de Cambiemos nos constituimos para impulsar el desarrollo económico, el fortalecimiento de la democracia y el sistema republicano, la independencia de la justicia, la calidad de la educación, la solidaridad social, y la felicidad personal de los habitantes de la República Argentina (Pro Argentina, 2015PRO ARGENTINA. Plataforma electoral. [Buenos Aires, 2015]. Disponível em: Disponível em: http://pro.com.ar/plataforma-electoral/ . Acesso em: 10 abr. 2019.
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).

A primeira seção do eixo programático sobre o desenvolvimento econômico denominava-se “ordenamiento macroeconómico”. Nessa seção, fixava-se o compromisso do candidato em perseguir a estabilização da economia e, em seu entendimento, as bases para o desenvolvimento de longo prazo. Ainda que o manifesto não detalhasse o foco das ações e as medidas específicas a serem adotadas, ele destacava que a normalização da economia deveria ser buscada de modo gradual a fim de não impactar negativamente sobre setores econômicos ou sociais específicos (Pro Argentina, 2015PRO ARGENTINA. Plataforma electoral. [Buenos Aires, 2015]. Disponível em: Disponível em: http://pro.com.ar/plataforma-electoral/ . Acesso em: 10 abr. 2019.
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). Já em suas declarações públicas ao longo da campanha eleitoral e no início da administração de governo, Macri costumava ressaltar o objetivo de controle da inflação mediante iniciativas voltadas à redução dos déficits fiscais. Ademais, na lista dos cem objetivos de governo estampada posteriormente no sítio oficial da Casa Rosada, incluíam-se cinco objetivos a título de estabilidade macroeconômica, destacando-se a redução gradual do déficit fiscal e o financiamento sustentável das contas públicas (Objetivos, 2018).

Quanto aos objetivos inicialmente fixados pelo governo para as políticas monetária, cambial e financeira, as quais são de interesse particular para nossa análise, a principal fonte é o informe divulgado pelo Banco Central no mês de dezembro de 2015 (Banco Central de La República Argentina - BCRA, 2015BANCO CENTRAL DA REPÚBLICA ARGENTINA - BCRA. Objetivos y planes respecto del desarrollo de la política monetaria, cambiaria, financiera y crediticia para el año 2016. [Buenos Aires]: dez. 2015.), especialmente o anexo com o discurso de apresentação do novo presidente do banco, Federico Adolfo Sturzenegger. Nesse discurso, Sturzenegger pontuou, como representativos da “mudança de eixo” (BCRA, 2015, p. 27BANCO CENTRAL DA REPÚBLICA ARGENTINA - BCRA. Objetivos y planes respecto del desarrollo de la política monetaria, cambiaria, financiera y crediticia para el año 2016. [Buenos Aires]: dez. 2015.) que seria colocada em prática, o objetivo primordial da estabilidade monetária4 4 Não deixa de ser curiosa a reiteração, ao longo do informe, da primazia supostamente conferida ao objetivo de estabilidade monetária nos estatutos do BCRA. O art. 3° da Carta Orgánica del Banco Central de la República Argentina estipula que “El banco tiene por finalidad promover, en la medida de sus facultades y en el marco de las políticas establecidas por el gobierno nacional, la estabilidad monetaria, la estabilidad financiera, el empleo y el desarrollo económico con equidad social”. No texto do informe, há um repetido destaque à suposta precedência da finalidade de estabilização monetária, a exemplo da afirmação de que “(...) queda claro de dicho artículo que la misión primordial será velar por la estabilidade monetaria de la economia” (BCRA, 2015, p. 14), o que, não obstante a relevância da finalidade, mais parece uma interpretação específica da nova administração, uma vez que não se encontra tal juízo de precedência na Carta Orgânica do BCRA. Ver, também, o prefácio do primeiro Informe de política monetaria (BCRA, 2016). Ainda de acordo com essa interpretação, a administração do BCRA no governo de Cristina Kirchner teria perdido o foco das funções estatutárias da instituição, o que configurou um aspecto-chave na deterioração macroeconômica do país ao longo dos anos anteriores (BCRA, 2015, p. 6). e o imediato advento da flutuação administrada da taxa de câmbio sob o título “normalização do mercado cambial”. Conforme registra esse informe:

La prioridad absoluta en obtener, en un plazo razonable, una moneda con poder de compra estable implicará dejar de lado objetivos que han sido característicos del manejo monetário del país, enfocado tradicionalmente en el valor externo de la moneda, es decir, en el tipo de cambio. Al contrario, el Banco Central considera que para obtener un gradual descenso en la tasa de inflación es imprescindible la flotación cambiaria (...) (BCRA, 2015, p. 4BANCO CENTRAL DA REPÚBLICA ARGENTINA - BCRA. Objetivos y planes respecto del desarrollo de la política monetaria, cambiaria, financiera y crediticia para el año 2016. [Buenos Aires]: dez. 2015.).

Com efeito, a inflação argentina mantivera-se em patamar relativamente mais elevado do que os de seus vizinhos sul-americanos e com tendência de alta ao longo do século XXI. Em 2002, imediatamente após o fim do regime de convertibilidade, ocorrera um forte movimento de ajuste nos preços e a taxa de inflação anual chegou a 40%. Uma vez superado o choque, a taxa caiu a um nível inferior a 10% em 2003. Desde então, a trajetória foi de alta tendencial, conforme se observa na Figura 1, que reúne estatísticas de dois índices de preços ao consumidor e do deflator implícito do PIB. O recuo na taxa de inflação no último ano do governo de Cristina, explica-se, sobretudo, pela ancoragem nominal na taxa de câmbio, que se manteve estável graças a acordos de divisas com a República Popular da China, e ao congelamento das tarifas dos principais serviços públicos (Comisión Económica para America Latina y el Caribe - CEPAL, 2016, p. 1COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMERICA LATINA Y EL CARIBE - CEPAL. Argentina. In: Estudio Económico de América Latina y el Caribe 2016: la agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible y los desafíos del financiamiento para el desarrollo. Santiago de Chile: 2016.).

Figura 1:
Variação em Índices de Preços ao Consumidor e Deflator Implícito do PIB, Argentina, 1998-2017 (%)

Acompanhando a flutuação na taxa de câmbio, colocou-se em prática uma política monetária que teve na taxa de juros seu principal instrumento. A intenção explícita da administração do BCRA consistia na adoção de um regime de metas de inflação, assumindo-se que o ano de 2016 representaria uma fase de transição até que o regime viesse a ser posto em prática a partir de janeiro de 2017. Em um horizonte temporal mais longo, a meta a ser atingida era de uma inflação anual de 5% até o ano de 2019, o que implicava, no plano imediato, alcançar uma taxa de inflação próxima a 25% no fim de 2016 (BCRA, 2016BCRA. Informe de política monetaria. Buenos Aires: maio 2016.).5 5 Na versão inicial das metas, tal como sistematizada no Informe de política monetaria de maio de 2016, o BCRA estimava reduzir as taxas anuais de inflação para 25% em 2016 (período de transição) e, a partir da adoção do regime, para intervalos entre 12%-17% em 2017, 8%-12% em 2018 e 3,5%-6,5%, com centro da meta em 5%, em 2019 (BCRA, 2016, p. 32).

O BCRA elegeu as Letras do Banco Central (LEBACs) de 35 dias como o principal instrumento de execução da política monetária, expandindo rapidamente a oferta desses títulos e passando a atuar de forma mais contundente no mercado secundário a partir de fevereiro de 2016. Sua atuação deu-se de forma a alcançar “(...) una tasa de interés real lo suficientemente positiva en comparación con la inflación que se espera hacia adelante [e] (...) promover un rendimiento más estable de los activos en moneda doméstica” (BCRA, 2016, p. 33BCRA. Informe de política monetaria. Buenos Aires: maio 2016.). A expansão das LEBACs ocorreu em ritmo acelerado a partir do fim de 2015, como se observa na Figura 2. Puxados pela venda de LEBACs, os saldos nesse e em dois outros títulos do BCRA passaram de 322,2 bilhões de pesos no dia da posse de Macri para o pico de 1.292,7 bilhões de pesos em meados de março de 2018, às vésperas da crise cambial. A variação nominal acumulada de mais de 300% fez com que esses saldos oscilassem de 5,4% do PIB de 2015 para 8,9% do PIB em 2018.6 6 Segundo a base de dados do Banco Mundial (World Development Indicators), o PIB anual argentino, medido em moeda doméstica a preços correntes, foi de 5.954 bilhões de pesos em 2015 e de 14.543 bilhões de pesos em 2018. Em dezembro de 2018, já sob as diretivas do acordo com o FMI, o BCRA deixou de promover licitações de LEBACs, o que fez com que o saldo rapidamente zerasse em face do seu prazo muito curto.

Figura 2:
Saldos de LEBACs, NOBACs em pesos e LEGAR, 2003-2019 (milhões de pesos argentinos)

Em estudo do Observatório de Políticas Públicas da Universidad Nacional de Avellaneda, o rápido e intenso crescimento nos saldos de LEBACs foi caracterizado como um processo de bola de neve (Universidad Nacional de Avellaneda - UNDAV, 2017UNIVERSIDAD NACIONAL DE AVELLANEDA - UNDAV. Observatorio de Políticas Públicas. Deuda del BCRA en LEBACS. Buenos Aires: 2017.). O estudo registra que, com a decisão do BCRA de manter as taxas de juros acima da inflação, num contexto de novo choque inflacionário decorrente da desvalorização do peso e do aumento nas tarifas, verificou-se “una notable voracidad por parte de los grandes bancos y fondos de inversión” em relação às LEBACs durante o ano de 2016 (UNDAV, 2017, p. 6UNIVERSIDAD NACIONAL DE AVELLANEDA - UNDAV. Observatorio de Políticas Públicas. Deuda del BCRA en LEBACS. Buenos Aires: 2017.).

No que se refere à assim chamada normalização do mercado cambial, vista pela nova administração como condição necessária ao efetivo controle do processo inflacionário, o BCRA procurou unificar as várias taxas de câmbio já no mês de dezembro de 2015 (Comunicación A.5850). Suprimiu-se o sistema de taxas múltiplas, que era tido como um fator de penalização das exportações e dos investimentos e de estímulo aos gastos em bens e serviços importados, a fim de permitir que o valor do peso em relação ao dólar se ajustasse a uma posição alinhada às condições do mercado. Em termos gerais, a nova administração do Banco Central entendia que o sistema de múltiplas taxas e as restrições que se haviam imposto à compra de dólares nos anos anteriores “actuaban más como un freno a la oferta de divisas, que a su demanda” (BCRA, 2015, p. 8BANCO CENTRAL DA REPÚBLICA ARGENTINA - BCRA. Objetivos y planes respecto del desarrollo de la política monetaria, cambiaria, financiera y crediticia para el año 2016. [Buenos Aires]: dez. 2015.), o que se evidenciaria na queda das reservas internacionais do país em cerca de US$ 20 bilhões (aproximadamente 40%) entre 2011 e dezembro de 2015. Com as medidas iniciais de desregulamentação do mercado cambial, o preço do dólar norte-americano aumentou de pronto em cerca de 40%, o que restou inteiramente convalidado pelo BCRA (CEPAL, 2016, p. 2COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMERICA LATINA Y EL CARIBE - CEPAL. Argentina. In: Estudio Económico de América Latina y el Caribe 2016: la agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible y los desafíos del financiamiento para el desarrollo. Santiago de Chile: 2016.).

O problema de iliquidez de divisas foi enfrentado pelo Banco Central com o auxílio de um rol de medidas liberalizantes. Complementarmente à unificação cambial, também no início do mandato de Macri, eliminaram-se cotas e tributos de exportação e restrições à compra de divisas (chamadas “el cepo cambiário”), liberando-se a compra de dólares para transações correntes. Alguns limites nas transações financeiras foram mantidos; no entanto, passou-se a admitir a compra de divisas para a formação de ativos externos por pessoas físicas e jurídicas até o valor de US$ 2 milhões por mês sem requerimento prévio ao Banco Central (BCRA, 2015, p. 11BANCO CENTRAL DA REPÚBLICA ARGENTINA - BCRA. Objetivos y planes respecto del desarrollo de la política monetaria, cambiaria, financiera y crediticia para el año 2016. [Buenos Aires]: dez. 2015.; 2020, p. 10BCRA. Mercado de cambios, deuda y formación de activos externos, 2015-2019. [Buenos Aires]: 2020.). Este limite foi ampliado para US$ 5 milhões em maio de 2016.

O processo de eliminação das regulamentações herdadas do governo anterior aprofundou-se ao longo de todo o primeiro biênio da administração Macri. Em 2016, foram removidos os limites de posição em moeda estrangeira nos bancos comerciais e para a compra de moeda estrangeira de livre disponibilidade, assim como se liberou o mercado cambial para o pagamento de dívidas comerciais. E os exportadores foram beneficiados com um aumento no prazo para internalizar os dólares de sua receita de vendas (CEPAL, 2016COMISIÓN ECONÓMICA PARA AMERICA LATINA Y EL CARIBE - CEPAL. Argentina. In: Estudio Económico de América Latina y el Caribe 2016: la agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible y los desafíos del financiamiento para el desarrollo. Santiago de Chile: 2016., 2017). No ano seguinte, algumas restrições que já haviam sido flexibilizadas foram simplesmente eliminadas, a exemplo do prazo mínimo para a permanência de inversão estrangeira (antes de 120 dias) e a obrigação de liquidar divisas de exportação (CEPAL, 2018CEPAL. Argentina. In: Estudio Económico de América Latina y el Caribe 2017: la dinámica del ciclo económico actual y los desafíos de política para dinamizar la inversión y el crecimiento. Santiago de Chile: 2018.).

No contexto de “mudança de eixo” da política econômica, ainda em 2016, a mais emblemática iniciativa de largo alcance foi a renegociação da dívida externa mantida por holdouts ou fundos buitres. A questão tinha origens na profunda depressão de 2002 e no default da dívida externa que lhe acompanhou. Nos anos de 2005 e 2010, o governo kirchnerista lograra concluir duas amplas reestruturações da dívida externa “canjes de la deuda externa”, as quais receberam a adesão de 92,4% dos credores e resultaram numa redução no estoque da dívida (Guzman; Stiglitz, 2016GUZMAN, Martin; STIGLITZ, Joseph E. Cómo los fondos buitre se aprovecharon de Argentina. The New York Times, 01 abr. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/es/2016/04/01/espanol/opinion/como-los-fondos-buitre-se-aprovecharon-de-argentina.html 1/2 . Acesso em: 12 jul. 2021.
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). Dentre os credores que não aceitaram as condições oferecidas pelo governo argentino, estavam operadores acostumados a adquirir dívidas privadas ou soberanas com elevados descontos, em contextos de grandes dificuldades dos devedores, com o propósito de posteriormente obter o valor de face dos títulos mediante litigância judicial. Esses credores, os assim chamados fundos buitres, alcançaram uma importante vitória judicial contra a Argentina em 2012, numa decisão de primeira instância em corte de Nova York, que foi confirmada em grau de apelação no ano seguinte (Clarín, 2013CLARÍN. Buitres: 10 claves para seguir la saga de la deuda. Buenos Aires: 08 set. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.clarin.com/politica/buitres-claves-seguir-saga-deuda_0_ByOzrwVsD7e.html 1/9 . Acesso em: 12 jul. 2021.
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) e mantida sem alteração na Suprema Corte em 2014 (Ruiz, 2014RUIZ, Rafael Mathus. La Corte Suprema de EE.UU. falló contra el país y obliga a pagarles a los holdouts. Buenos Aires, La Nacion, 14 jun. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.lanacion.com.ar/politica/la-corte-suprema-de-eeuu-fallo-contra-el-pais-y-obliga-a-pagarles-a-los-holdouts-nid1702004/ . Acesso em: 12 jul. 2021.
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). Conquanto o governo de Cristina ainda tenha buscado adotar medidas que preservassem as condições de pagamento das dívidas reestruturadas,7 7 A decisão da justiça norte-americana manteve a condição estipulada pelo juiz de primeira instância, Thomas Griesa, segundo a qual a Argentina não poderia honrar os acordos das canjes de 2005 e 2010 sem, ao mesmo tempo, satisfazer a demanda dos fundos litigantes. A par dos efeitos profundos dessa decisão sobre o caso argentino, Guzman e Stiglitz (2016) destacam que se trata de “un peligroso precedente para el sistema financiero internacional pues puede fomentar que otros fondos se resistan a negociar y así logren que las reestructuraciones de la deuda sean prácticamente imposibles”. o impasse com os holdouts prolongou-se sem solução até a eleição do novo governo.

Em março de 2016, o governo Macri obteve uma importante vitória no Parlamento com a revogação da Ley Cerrojo e da Ley de Pago Soberano, que impediam a negociação em condições diferentes com os credores que não haviam aderido às reestruturações anteriores. O acordo com os fundos buitres foi rapidamente celebrado, levando o governo argentino a desembolsar US$ 9,3 bilhões em favor desses credores. Em consequência, a justiça norte-americana levantou a medida cautelar que impedia o pagamento dos demais credores sem a concomitante satisfação da demanda dos holdouts (Ruiz, 2016RUIZ, Rafael Mathus. El Gobierno les pagó US$ 9300 millones a los fondos buitre y dejó atrás el default. Buenos Aires, La Nacion , 23 abr. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.lanacion.com.ar/economia/el-gobierno-les-pago-us-9300-millones-a-los-fondos-buitre-y-dejo-atras-el-default-nid1892068/ . Acesso em: 12 jul. 2021.
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). Com isso, o país recuperou o acesso aos mercados financeiros internacionais, abrindo espaço para se completar o desenho da solução gradual macrista num aspecto-chave, qual seja, o financiamento externo do déficit público.8 8 O processo foi bastante festejado pelo governo. O presidente Macri declarou que “se trata de un hito importante, el cierre de una etapa que termina después de más de una década de aislamiento y conflicto”. E o ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, destacou que “este arreglo nos vuelve a conectar con el mundo” (Ruiz, 2016).

Em 2016, o déficit do setor público nacional, mensurado pelo resultado financeiro (diferença entre receita total e despesa total), veio a sofrer considerável aumento em decorrência da contração de 2,1% no PIB que impactou a arrecadação, da redução nas receitas de exportação e da elevação no montante de juros da dívida pública e de transferências (CEPAL, 2017). O resultado financeiro negativo saltou de 3,71% para 5,52% do PIB. No ano seguinte, conquanto a atividade econômica tenha se recuperado, com crescimento de 2,8% no PIB, e as despesas com transferências correntes tenham exercido menor pressão, o resultado negativo não cedeu, mantendo-se no elevado patamar de 5,70% do PIB diante do pior desempenho da arrecadação e do aumento nas despesas com a seguridade social. A Figura 3 apresenta a evolução de três indicadores de resultados do setor público nacional - resultado corrente, resultado financeiro e resultado primário9 9 Os indicadores de resultado do setor público nacional são mensurados de seguinte forma: (a) o resultado corrente equivale à diferença entre as receitas correntes e as despesas correntes; (b) o resultado financeiro é obtido pela diferença entre as receitas totais (correntes e de capital) e as despesas totais (correntes e de capital); e (c) o resultado primário é igual à diferença entre as receitas totais e as despesas primárias (despesas totais exclusive despesas de juros). Os valores monetários dos resultados do setor público utilizados na Figura 3, extraídos da base do INDEC, seguem a metodologia da Dirección de Proyecciones y Estadísticas, Oficina Nacional de Presupuesto, do Ministério da Fazenda argentino. - e as despesas de juros da dívida pública, em porcentagem do PIB, nos anos de 2014 a 2017.

Figura 3:
Resultados do setor público nacional, Argentina, 2014-2017 (% do PIB)

Com a reabertura do mercado financeiro internacional após a resolução do conflito com os holdouts, o governo argentino tomou a decisão de priorizar o financiamento dos déficits fiscais por meio de recursos externos. Configurou-se, assim, um novo ciclo de endividamento externo do país, tendo o setor público como o tomador principal (CEPAL, 2017). Em dois anos, entre fins de 2015 e de 2017, a dívida total do setor público argentino evoluiu de US$ 222,70 bilhões para US$ 320,93 bilhões. Conforme se observa na Figura 4, a parcela do endividamento público cujos credores são não residentes na Argentina, ou seja, a dívida externa propriamente dita, aumentou em 103,9% e passou de 28,75% para 40,40% do total da dívida pública nesse período, fazendo com que a fração dos não residentes no montante da dívida pública denominada em moeda estrangeira também aumentasse - de 42,71% para 58,78%. Mais de dois terços do aumento na dívida pública argentina no biênio foi constituído por dívida externa. Ainda que o novo ciclo de endividamento externo tenha permitido elevar o estoque de reservas internacionais, o aumento desse estoque vis-à-vis à dívida pública externa foi de apenas quatro pontos de percentagem. Em dezembro de 2017, as reservas argentinas totalizavam US$ 53,0 bilhões.

Figura 4:
Indicadores da dívida pública externa, Argentina, 2014-2017 (%)

A escolha do governo Macri ampliou de modo significativo o passivo do setor público nacional em moeda estrangeira. Não apenas a capacidade de financiar os crescentes déficits passou a estar condicionada pela liquidez internacional, como o orçamento público argentino, no que se refere aos encargos da dívida pública, se expôs perigosamente - em escala bastante ampliada - às flutuações da taxa de câmbio. Logo, quando o país enfrentasse novamente uma forte depreciação de sua moeda, o impacto sobre a despesa pública se faria sentir com ainda maior intensidade.

O CHOQUE CAMBIAL DE 2018 E O ACORDO COM O FMI

Um severo choque cambial acometeu a moeda argentina ao fim de abril e no início de maio de 2018. Somente na primeira quinzena de maio, o peso perdeu mais de 11% do seu valor em frente ao dólar americano (BCRA, 2021BCRA. Informe monetario diario. [Buenos Aires]: 2021a. Disponível em: Disponível em: http://www.bcra.gob.ar/PublicacionesEstadisticas/Informe_monetario_diario.asp . Acesso em: 20 out. 2021.
http://www.bcra.gob.ar/PublicacionesEsta...
). Com efeito, a maioria das moedas dos países periféricos também se desvalorizaram ao longo de 2018, porém em magnitudes bastante inferiores à da Argentina (com exceção da lira turca), conforme se observa na Figura 5.

Figura 5:
Depreciação de moedas de países periféricos, dez./2017-out./2018

O choque cambial de 2018 ocorreu sob um contexto de deterioração do balanço de pagamentos que se prolongava desde a emergência da crise financeira global em 2007-2009 (CFG), mas que se intensificara em anos recentes, marcadamente em 2017. Os dados expostos na Figura 6 mostram que, entre 2006 e 2012, o país acumulou superávits na balança comercial de cerca de US$ 13 bilhões anuais em média, resultando até mesmo em saldos positivos nas transações correntes antes que os impactos da CFG se manifestassem mais fortemente (Instituto Nacional de Estadísticas y Censos - INDEC, 2021INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICAS Y CENSOS - INDEC. Estadísticas integradas de balanza de pagos, posición de inversión internacional y deuda externa. Buenos Aires: 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.indec.gob.ar/ftp/cuadros/economia/cin_II_2021.xls . Acesso em: 14 set. 2021.
https://www.indec.gob.ar/ftp/cuadros/eco...
). A partir de 2013, no entanto, observa-se uma marcada piora na conta de comércio, que passou a registrar seguidos déficits até o mergulho de 2017, quando o saldo negativo superou US$ 15 bilhões. Adicionalmente, o resultado deficitário na renda primária agravou o balanço das transações correntes (INDEC, 2021INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICAS Y CENSOS - INDEC. Estadísticas integradas de balanza de pagos, posición de inversión internacional y deuda externa. Buenos Aires: 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.indec.gob.ar/ftp/cuadros/economia/cin_II_2021.xls . Acesso em: 14 set. 2021.
https://www.indec.gob.ar/ftp/cuadros/eco...
). A rápida piora ocorrida em 2017 atingiu seu ápice no primeiro trimestre do ano seguinte, quando o saldo negativo superou os US$ 9 bilhões.

Figura 6:
Balança comercial e transações correntes, Argentina, 2006-2018 (US$ milhão)

O comportamento da conta de comércio exterior argentina guardou relação estreita com a trajetória dos preços de commodities. De modo análogo ao da maior parte das economias latino-americanas, a inserção argentina no comércio internacional foi redefinida nas décadas da globalização, reforçando sua condição de país exportador de produtos primários. Entre 2012 e 2015, as exportações dos países latino-americanos como um todo - de modo mais acentuado no caso argentino - perderam poder de compra (Figura 7). A partir de 2016, enquanto as exportações latino-americanas recuperavam seu poder de compra, a cesta de exportações argentinas permaneceu em um platô cujo nível é comparável ao do ano de 2008 (CEPAL, 2021CEPAL. Indices of the terms of trade and purchasing power of exports. Santiago de Chile: 2021. Disponível em: Disponível em: https://statistics.cepal.org/portal/cepalstat/technical-sheet.html?lang=en&indicator_id=883 . Acesso em: 14 set. 2021.
https://statistics.cepal.org/portal/cepa...
).

Figura 7:
Índice do poder de compra das exportações de bens e serviços, América Latina e Argentina, 2006-2018 (2010=100)

O pano de fundo da crise cambial de 2018, portanto, combinou uma piora tendencial no desempenho do comércio exterior com um novo ciclo de endividamento externo - quase inteiramente público - aberto pelo governo Macri, como destacado na seção anterior. Adicionalmente, a partir de 2016, os Estados Unidos reverteram sua política monetária, reduzindo os estímulos adotados no contexto da CFG. Após anos com taxas de juros de curto prazo próximas a zero, o Federal Reserve iniciou um ciclo de normalização monetária (The Federal Reserve - FED, 2015THE FEDERAL RESERVE - FED. Monetary policy report. [S. l.]: 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.federalreserve.gov/monetarypolicy/mpr_default.htm . Acesso em: 10 ago. 2021.
https://www.federalreserve.gov/monetaryp...
). Todos os relatórios publicados pelo comitê de política monetária (FOMC) passaram a projetar elevações nas taxas de juros (FED, 2015THE FEDERAL RESERVE - FED. Monetary policy report. [S. l.]: 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.federalreserve.gov/monetarypolicy/mpr_default.htm . Acesso em: 10 ago. 2021.
https://www.federalreserve.gov/monetaryp...
; 2016FED. Monetary policy report . [S. l.]: 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.federalreserve.gov/monetarypolicy/mpr_default.htm . Acesso em: 10 ago. 2021.
https://www.federalreserve.gov/monetaryp...
; 2017FED. Monetary policy report . [S. l.]: 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.federalreserve.gov/monetarypolicy/mpr_default.htm . Acesso em: 10 ago. 2021.
https://www.federalreserve.gov/monetaryp...
; 2018), o que veio a efetivamente acontecer até o ano de 2019 (Figura 8).

Figura 8:
Taxas de juros diárias dos Federal Reserve Funds (% a.a.)

Com efeito, uma crise latente aguardava por um fato qualquer que apertasse a restrição externa. No início de março de 2018, o Ministro das Finanças Luis Caputo viajou a Nova York com o propósito de encontrar compradores para uma nova emissão de títulos de dívida argentina no exterior (Zaiat, 2018ZAIAT, Alfredo. Deuda, FMI, ajuste, fuga. [Buenos Aires]: 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.pagina12.com.ar/113357-deuda-fmi-ajuste-fuga . Acesso em: 19 ago. 2021.
https://www.pagina12.com.ar/113357-deuda...
). A resposta negativa por parte dos principais credores internacionais fez com que todas as próximas rolagens passassem a depender exclusivamente da demanda interna por títulos do país (Wende, 2018WENDE, Pablo. Luis Caputo viajó a Nueva York y dejó fuertes señales para los inversores. [S. l.]: 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.infobae.com/economia/2018/03/09/luis-caputo-viajo-a-nueva-york-y-dejo-fuertes-senales-para-los-inversores/ . Acesso em: 12 ago. 2021.
https://www.infobae.com/economia/2018/03...
). O fato serviu como gatilho da crise: a cotação do dólar norte-americano disparou no mercado cambiário e a fuga de capitais impôs uma queda de mais de 20% nas reservas internacionais em dois meses.

No momento mais tenso da crise, enquanto o governo argentino negociava um socorro com o FMI, o Banco Central operou fortemente no mercado cambial para tentar conter a volatilidade no preço da moeda estrangeira. No curto período entre os dias 23 de abril e 15 de maio (quinze dias úteis), o Banco vendeu cerca de US$ 8 bilhões de suas reservas internacionais, antes de perceber que a pressão sobre o peso não cessaria no curto prazo. Mesmo assim, não conseguiu impedir que o peso argentino desvalorizasse cerca de 22% no mesmo período (BCRA, 2021BCRA. Informe monetario diario. [Buenos Aires]: 2021a. Disponível em: Disponível em: http://www.bcra.gob.ar/PublicacionesEstadisticas/Informe_monetario_diario.asp . Acesso em: 20 out. 2021.
http://www.bcra.gob.ar/PublicacionesEsta...
). A Figura 9 mostra o comportamento das reservas internacionais durante o ano, onde os saltos positivos a partir do fim do segundo trimestre resultam de aportes realizados pelo FMI.

Figura 9:
Reservas internacionais do BCRA, 2018 (US$ milhão)

A par do ativismo cambial, o Banco Central tentou conter a fuga de capitais por meio de aumentos nas taxas de juros. No início de maio, promoveu uma alta de 10 p.p. na taxa de política monetária, que passou a 40% a.a., porém sem lograr sucesso no intento de evitar o vazamento das reservas. Curiosamente, em janeiro, a autoridade monetária havia reduzido a taxa básica de juros, possivelmente na esteira do sentimento de normalização compartilhado no governo e que transpareceu nas declarações suscitadas pela mencionada reunião de Chapadmalal.

No mesmo sentido, a interpretação do choque pelo BCRA, publicada no Informe de política monetaria de abril, sustentava que a política econômica se mantinha em um rumo confortável e que a depreciação do peso argentino estaria relacionada a um problema de interpretação do mercado:

Sin embargo, el cambio de horizonte de las metas de inflación y la baja en la tasa de interés de política en el inicio del año fueron interpretados por el mercado como la antesala de un relajamiento excesivo de la política monetaria. Esto derivó en una dinámica de depreciación del peso que reflejaba una visión del mercado sobre el futuro de la política monetaria que no se correspondía con la visión del Banco Central (BCRA, 2018BCRA. Informe de política monetaria. Buenos Aires: abril 2018a.).

Nesse informe, o BCRA argumenta ainda que o choque seria temporário, e que futuras depreciações do peso não estariam associadas aos fundamentos macroeconômicos, tampouco às ações do Banco Central.

O acordo celebrado pelo governo Macri com o Fundo Monetário Internacional foi o décimo sexto empréstimo concedido pela instituição à Argentina desde os anos 1950 (FMI, 2019FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL - FMI. Argentina: history of lending commitments as of August 31, 2019. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.imf.org/external/np/fin/tad/extarr2.aspx?me mberKey1=30&date1key=2019-08-31 . Acesso em: 20 out. 2021.
https://www.imf.org/external/np/fin/tad/...
). Embora tornado oficial apenas em junho, o anúncio da busca pelo socorro foi feito pelo presidente no dia 8 de maio, em meio a uma acentuada e rápida desvalorização do peso argentino (BCRA, 2021BCRA. Informe monetario diario. [Buenos Aires]: 2021a. Disponível em: Disponível em: http://www.bcra.gob.ar/PublicacionesEstadisticas/Informe_monetario_diario.asp . Acesso em: 20 out. 2021.
http://www.bcra.gob.ar/PublicacionesEsta...
). Nele, o mandatário apontou o cenário internacional como o principal responsável pela desvalorização, especialmente o ciclo de alta da taxa de juros nos EUA (Molina, 2018MOLINA, Federico R. Argentina recorre ao FMI após valor do peso despencar. 2018. Disponível em: Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05/08/internacional/1525792674_832004.amp.html . Acesso em: 14 out. 2021.
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/05...
).

A narrativa do governo Macri sobre as causas da crise obedece a uma determinação estrita da luta pelo poder político, quer seja atribuindo responsabilidades a terceiros - no caso, o cenário de restrição externa -, quer seja apontando para uma suposta má interpretação do mercado quanto à trajetória de ajustamento da economia argentina. Pode ser considerada, na melhor das hipóteses, como uma explicação parcial. Em busca de uma interpretação para a crise, procuramos avançar a partir da caracterização do fenômeno como uma sudden stop crisis e indicar que o choque argentino deve ser visto sob as condições estruturais da hierarquia monetária no sistema monetário e financeiro internacional e da vulnerabilidade externa. Sob tais condições, a adoção de políticas econômicas que fragilizem ainda mais a economia - como foi o caso da política de endividamento externo do governo Macri - tem o dom de preparar a antessala para a próxima crise cambial.

INTERPRETAÇÃO DA CRISE ARGENTINA

Uma crise de parada súbita

Uma caracterização precoce da crise argentina de 2018 apareceu em artigo de autoria de Paul Krugman publicado no The New York Times (Krugman, 2018KRUGMAN, Paul. What the hell happened to Brazil? (Wonkish). The New York Times, 09 nov. 2018b. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/11/09/opinion/what-the-hell-happened-to-brazil-wonkish.html . Acesso em: 23 fev. 2021.
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b). Ao tratar não exatamente das condições da economia argentina, mas do desempenho brasileiro em anos anteriores, Krugman escreveu que:

Over the past few decades, those who follow international macroeconomics have grown more or less accustomed to “sudden stop” crises in which investors abruptly turn on a country they’ve loved not wisely but too well. That was the story of the Mexican crisis of 1994-5, the Asian crises of 1997-9, and, in important ways, the crisis of southern Europe after 2009. It’s also what we seem to be seeing in Turkey and Argentina now.

Este tipo de nomenclatura - sudden stop - fora adotado, num primeiro momento, para referir os casos das economias latino-americanas do início da década dos 1990 (Eichengreen, 2016EICHENGREEN, Barry; GUPTA, Poonam. Managing sudden stops. [S. l.]: Banco Mundial, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/877591468186563349/pdf/WPS7639.pdf >. Acesso em: 04 out. 2021.
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), aproveitando um ditado atribuído a banqueiros segundo o qual “it’s not speed that kills but the sudden stop”. Não se limitou, entretanto, aos choques ocorridos na última década do século XX, sendo utilizada também para descrever outras paradas repentinas que afetaram, principalmente, as economias que se encontram na periferia do sistema capitalista com maior inserção no sistema financeiro global e, adiante, no contexto da crise financeira global (Calvo et al., 2004CALVO, Guillermo A.; IZQUIERDO, Alejandro; MEJIA, Luis-Fernando. On the empirics of sudden stops: the relevance of balance-sheet effects. National Bureau of Economic Research, NBER Working Papers n. 10520, 2004. ; Bordo, 2006BORDO, Michael D. Sudden stops, financial crises, and original sin in emerging countries: déjà vu? NBER Working Paper n. w12393, 2006. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=921559.
https://ssrn.com/abstract=921559...
; Cavallo et al., 2013CAVALLO, Alberto; BERTOLOTTO, Manuel. Série completa de inflación de Argentina de 1943 a 2016. [Buenos Aires]: maio 2016. Disponível em: Disponível em: https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2787276 . Acesso em: 12 abr. 2019.
https://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2787276...
; Accominotti & Eichengreen, 2016ACCOMINOTTI, Olivier; EICHENGREEN, Barry. The mother of all sudden stops: capital flows and reversals in Europe, 1919-32. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.nber.org/papers/w19580 . Acesso em: 04 out. 2021.
https://www.nber.org/papers/w19580...
). Nesta linha de abordagem, Eichengreen e Gupta (2016EICHENGREEN, Barry; GUPTA, Poonam. Managing sudden stops. [S. l.]: Banco Mundial, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/877591468186563349/pdf/WPS7639.pdf >. Acesso em: 04 out. 2021.
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) identificaram 46 episódios de sudden stop crisis (SSC) entre 1991 e 2015, três quartos dos quais correspondiam a economias periféricas.

A elevada incidência de crises descritas como de parada repentina abriu espaço para uma ampla gama de estudos sobre o assunto. Quanto à descrição do fenômeno, Calvo (1998CALVO, Guillermo A. Balance of payments crises in emerging markets: large capital inflows and sovereign governments. NBER Conference on Currency Crises, fev. 1998. ) define as crises de sudden stop como oscilações negativas nas entradas de capital, num perigoso movimento que pode resultar em falências e destruição do capital humano e dos canais de crédito. Eichengreen e Gupta (2016EICHENGREEN, Barry; GUPTA, Poonam. Managing sudden stops. [S. l.]: Banco Mundial, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/877591468186563349/pdf/WPS7639.pdf >. Acesso em: 04 out. 2021.
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), de modo semelhante, destacam a reversão na entrada de capitais de que resultam efeitos financeiros (depreciação da moeda e queda nos preços dos ativos) e efeitos econômicos reais no produto nacional. Já Hutchison e Noy (2006HUTCHISON, Michael; NOY, Ilan. Sudden stops and the Mexican wave: currency crises, capital flow reversals and output loss in emerging markets, Journal of Development Economics, v. 79, n. 1, p. 225-248, 2006. Disponível em: Disponível em: https://econpapers.repec.org/article/eeedeveco/v_3a79 _3ay_3a2006_3ai_3a1_3ap_3a225-248.htm . Acesso em: 04 out. 2021.
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) definem a sudden stop crisis como uma ocorrência conjunta de crise monetária e reversão na conta corrente.

Ademais de caracterizar a crise pelo fenômeno da parada súbita, sugeriram-se hipóteses quanto às suas origens determinantes. Assim, Calvo et al. (2004CALVO, Guillermo A.; IZQUIERDO, Alejandro; MEJIA, Luis-Fernando. On the empirics of sudden stops: the relevance of balance-sheet effects. National Bureau of Economic Research, NBER Working Papers n. 10520, 2004. ) argumentam que a parada brusca na entrada de capitais tem origem em choques de crédito nos mercados internacionais. Os autores também sustentam que políticas domésticas implementadas como resposta às oscilações podem tanto mitigar quanto acentuar os problemas exógenos, de sorte que o desenrolar ou não de uma crise poderia ser administrado no âmbito interno. Na mesma linha de lidar com os antecedentes ou precondições de uma sudden stop crisis, apontam-se para os processos de elevação da taxa de juros reais e de valorização da moeda doméstica (Dorn­bush et al., 1995) e para a ampliação prévia dos fluxos líquidos de capital (Efremidze et al., 2011EFREMIDZE, L.; SULA, O; SCHREYER, S. Sudden stops and currency crises. Working Papers, Claremont Institute for Economic Policy Studies, Claremont Graduate University, 2011. ; Krugman, 2018KRUGMAN, Paul. What the hell happened to Brazil? (Wonkish). The New York Times, 09 nov. 2018b. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/11/09/opinion/what-the-hell-happened-to-brazil-wonkish.html . Acesso em: 23 fev. 2021.
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b). Esses fluxos de capitais se findariam em determinado momento, marcando a parada repentina.

A razão imediata da parada repentina abriga um leque amplo de motivos: eventos domésticos adversos, aumento nas taxas de juros dos EUA, crise em outro país que os investidores acreditam apresentar vulnerabilidades semelhantes às do país em questão. Qualquer que seja o motivo, tem-se que o crescimento anterior do passivo externo deflagra uma “espiral mortal” em que SS gera perda de confiança, a moeda doméstica perde valor, fica mais difícil honrar as dívidas em moeda estrangeira, a economia real é prejudicada, e isso, por sua vez, reduz ainda mais a confiança. Em consequência, a dívida externa aumenta consideravelmente como parcela do PIB (Krugman, 2018KRUGMAN, Paul. What the hell happened to Brazil? (Wonkish). The New York Times, 09 nov. 2018b. Disponível em: Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/11/09/opinion/what-the-hell-happened-to-brazil-wonkish.html . Acesso em: 23 fev. 2021.
https://www.nytimes.com/2018/11/09/opini...
a), ao mesmo tempo que a desaceleração do crescimento e programas de estabilização resultam em elevação da taxa de desemprego (Efremidze et al., 2011EFREMIDZE, L.; SULA, O; SCHREYER, S. Sudden stops and currency crises. Working Papers, Claremont Institute for Economic Policy Studies, Claremont Graduate University, 2011. ).

Assimetria de poder e vulnerabilidade externa

O fenômeno das paradas súbitas deve ser contemplado no quadro mais amplo da inserção de países da periferia no sistema monetário e financeiro internacional. Dada a existência de assimetrias de poder nesse sistema (Prates, 2005PRATES, D. M. As assimetrias do sistema monetário e financeiro internacional, Revista de Economia Contemporânea, v. 9, n. 2, p. 263-288, 2005.), os países que se encontram na periferia do sistema são caracterizados por uma vulnerabilidade externa estrutural. Essa vulnerabilidade atinge tanto a dimensão propriamente monetária, uma vez que as moedas desses países não possuem liquidez internacional - e algumas economias registram um alto grau de dolarização -, quanto a dimensão financeira, manifestada na maior passividade em frente aos ciclos internacionais de liquidez. Nesses ciclos, os países centrais ditam o volume e a direção dos fluxos de capitais. Em termos conjunturais, pode-se conceber graus diferentes de vulnerabilidade em cada país, associados a maior ou menor fragilidade financeira conforme o fluxo das transações correntes, o tamanho de seu passivo externo e o nível das reservas internacionais. Assim, países com uma trajetória de altos e crescentes déficits correntes, elevado passivo externo e baixo nível de reservas se situariam numa condição relativamente mais frágil ou vulnerável aos ciclos internacionais de liquidez, sujeitando-se a súbitas reversões do fluxo de capitais.

Em décadas recentes, com o crescente número de países abrindo suas contas de capital, o sistema monetário e financeiro internacional tornou-se ainda mais assimétrico. A volatilidade e o nível dos fluxos de capitais internacionais aumentaram consideravelmente; em consequência, aprofundaram-se as dificuldades enraizadas na formação das economias que não se encontram no centro do sistema, aumentou a volatilidade da taxa de câmbio e se sucederam inúmeras crises financeiras (Fritz; De Paula & Prates, 2018FRITZ, Bárbara; DE PAULA, Luiz Fernando; PRATES, Daniela M. Currency hierarchy and policy space: a framework for peripheral economies, European Journal of Economics and Economic Policies, v. 15, n. 2, p. 208-218, 2018.). A posição das economias periféricas no sistema constitui um fator estrutural relevante nas crises de parada súbita, uma vez que essas economias são mais vulneráveis às oscilações internacionais e gozam de menor autonomia na gestão macroeconômica (Vermeiren, 2013VERMEIREN, Mattias. The crisis of US monetary hegemony and global economic adjustment, Globalizations, v. 10, n. 2, p. 245-259, 2013. ).

Os fatores específicos da vulnerabilidade estrutural que acabam, quando agravados, por se manifestarem numa parada súbita recebem diferentes ênfases na literatura. Bordo (2006BORDO, Michael D. Sudden stops, financial crises, and original sin in emerging countries: déjà vu? NBER Working Paper n. w12393, 2006. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=921559.
https://ssrn.com/abstract=921559...
) aponta a abertura comercial, o original sin e o descasamento cambial10 10 Original sin, ou pecado original, é uma condição atribuída aos países que emitem moedas periféricas. O termo se refere à incapacidade de tomar empréstimos de outros países na moeda doméstica por parte das economias menos privilegiadas no sistema monetário internacional. Uma das principais consequências do original sin é o descasamento cambial, entendido como a incapacidade de um país se endividar na sua própria moeda (Carneiro, 2008). Para maiores detalhamentos, ver Eichengreen et al. (2007) e Kuruc et al. (2016). como elementos que ocasionam paradas repentinas e, posteriormente, crises financeiras. Para Caballero, Cowan e Kearns (2004CABALLERO, R.; COWAN, K; KEARNS, J. Fear of sudden stops: lessons from Australia and Chile. Research Discussion Paper 2004-03, Reserve Bank of Australia, 2004. ), a forte desvalorização cambial, os picos inflacionários e os choques nos termos de troca são tanto causa como consequência de reversões bruscas na entrada de capitais. Somado a isso, o alto volume de obrigações contraídas em moeda estrangeira, característico de países como a Argentina, faz com que a dívida seja ainda mais suscetível às mudanças nos direcionamentos internacionais.

A situação dos países que se encontram na periferia do sistema é, geralmente, agravada pelo ciclo de ativos em um contexto de dominância do âmbito financeiro em detrimento da esfera produtiva. São os países centrais que ditam o volume e a direção dos fluxos de capitais pelo sistema internacional: os investidores buscam rendimentos maiores em ativos denominados em moeda periférica; porém, a demanda é condicionada às fases do ciclo internacional de liquidez. Com a ­mobilidade de capitais acentuada pela liberalização financeira, os primeiros ativos a serem abandonados são justamente os denominados em moedas periféricas, fazendo com que os países que não se encontram no centro do sistema se encontrem mais vulneráveis e dependentes dos movimentos internacionais (De Conti, Prates, Plihon, 2014DE CONTI, Bruno M.; PRATES, Daniela M.; PLIHON, Dominique. A hierarquia monetária e suas implicações para as taxas de câmbio e de juros e a política econômica dos países periféricos, Economia e Sociedade, v. 23, n. 2, p. 341-372, 2014.).

Ocampo (2001OCAMPO, J. A. International asymmetries and the design of the international financial system, Series Temas de Coyuntura, n. 15. Santiago do Chile: CEPAL, 2001., p. 3) sustenta que “o centro gera o choque global (em termos de atividade, fluxos financeiros, preços de commodities, e da instabilidade da taxa de câmbio), aos quais os países em desenvolvimento devem se ajustar”. Esse motivo faz com que Eichengreen e Gupta (2016EICHENGREEN, Barry; GUPTA, Poonam. Managing sudden stops. [S. l.]: Banco Mundial, 2016. Disponível em: <Disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/en/877591468186563349/pdf/WPS7639.pdf >. Acesso em: 04 out. 2021.
https://documents1.worldbank.org/curated...
) enfatizem que os fatores globais, em particular a aversão ao risco global, parecem ter se tornado mais relevantes para a incidência de paradas repentinas. Principalmente naquelas economias mais vulneráveis, há um aumento na importância relativa das condições econômicas globais e das características políticas dos países na incidência dos choques. Uma vez que o processo de globalização expandiu os fluxos de capitais (principalmente especulativos e de curto prazo) e os tornou mais voláteis, houve um agravamento da vulnerabilidade externa dos países da periferia, deixando-os ainda mais expostos a choques externos (Baumann, Canuto, Gonçalves, 2004BAUMANN, Renato; CANUTO, Otaviano; GONÇALVES, Reinaldo. Economia internacional: teoria e experiência brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 2004.).

A vulnerabilidade externa pode ser entendida tanto como o risco de uma economia sofrer fortes impactos negativos devido a choques externos, quanto como uma consequência das condições de solvência e liquidez (Ribeiro, 2016RIBEIRO, Fernando José da S. P. Reavaliando a vulnerabilidade externa da economia brasileira: indicadores e simulações. Carta de Conjuntura, IPEA, n. 32, jul.-set. 2016. ). Considerando ambas as dimensões, Essers (2013ESSERS, Dennis. Developing country vulnerability in light of the global financial crisis: shock therapy? Review of Development Finance, v. 3, n. 2, p. 61-83, abr. 2013.) decompõe essa vulnerabilidade (V) entre probabilidade de choques (P), exposição (E) e resiliência (R), propondo uma relação simples: V = P x (E - R). Nesta relação, a exposição relaciona-se a fatores estruturais resultantes da trajetória econômica de longo prazo dos países, enquanto a resiliência está associada às condições de exercício da política econômica no curto prazo. Assim, fatores como o nível de exposição da economia doméstica em frente à economia global e os indicadores do setor externo explicariam o desempenho econômico desses países.

Voltemos aos fatos. Na crise argentina de 2018, o momento da parada repentina - da reversão no fluxo de capitais e desvalorização do peso - está associado à fracassada busca do Ministro da Fazenda por recursos para a rolagem da dívida do país. A negativa dos principais credores em aceitar novos títulos que viabilizassem a rolagem encontrou a economia argentina numa condição de maior fragilidade em decorrência dos crescentes déficits em transações correntes e do ciclo de endividamento externo que aumentara substancialmente o passivo do setor público em moeda estrangeira sem, todavia, recuperar as reservas de modo robusto.

A mudança no patamar dos déficits em transações correntes, como regra geral, contribui para ampliar a vulnerabilidade externa (Ribeiro, 2016RIBEIRO, Fernando José da S. P. Reavaliando a vulnerabilidade externa da economia brasileira: indicadores e simulações. Carta de Conjuntura, IPEA, n. 32, jul.-set. 2016. ). Concomitantemente, sobretudo desde o início de 2017, as taxas de juros de curto prazo norte-americanas apresentaram um aumento sistemático, num cenário de retirada dos estímulos monetários adotados como resposta à crise financeira global. A sinalização do Federal Reserve de que logo haveria uma mudança na política monetária data de 2015. Em meio a este cenário adverso que não lhe era desconhecido, a opção do governo argentino por liberalização cambial, acomodação às demandas dos fundos buitres, retorno ao mercado internacional de capitais, e aumento do endividamento público externo se fez acompanhar pela expectativa de colher resultados favoráveis. No entanto, sucedeu-se o oposto: a reversão no fluxo de capitais, que levou à forte desvalorização do peso, à perda considerável de reservas e à necessidade de alocar uma fatia maior do orçamento para fazer frente às exigibilidades de uma dívida pública dolarizada, encontrou a economia argentina numa condição mais frágil - como legado direto da política macrista - e o governo sem autonomia para definir uma solução de curto prazo que não fosse o socorro do FMI.

A economia argentina de 2016-2018 evidencia um caso de agravamento da vulnerabilidade estrutural de um país periférico em decorrência de decisões governamentais, as quais foram tomadas no contexto conhecido de piora das condições externas e cuja consequência imediata foi a exposição do país a uma crise de parada brusca. Enquanto a vulnerabilidade externa se associa a uma dimensão estrutural da posição de cada país no sistema monetário e financeiro internacional - e, como tal, não se altera no curto prazo, devendo ser considerada como uma premissa para a tomada de decisões -, a fragilidade financeira resulta, também, de opções domésticas que aumentam a exposição da economia a instabilidades e reversões cíclicas internacionais. A parada brusca nos fluxos de capitais pode ter um gatilho externo; porém, são políticas econômicas que fragilizam a condição financeira de um país que transformam as restrições externas em uma sudden stop crisis.

Essa importância do espaço político é destacada por Calvo et al. (2004CALVO, Guillermo A.; IZQUIERDO, Alejandro; MEJIA, Luis-Fernando. On the empirics of sudden stops: the relevance of balance-sheet effects. National Bureau of Economic Research, NBER Working Papers n. 10520, 2004. ), ao afirmarem que a instabilidade econômica pode ter origem no comportamento de credores estrangeiros, mas a maior ou menor vulnerabilidade a estes movimentos resta condicionada por fatores domésticos, como políticas fiscais e monetárias mal administradas. A abertura das economias e a dolarização do passivo estão dentre os principais agravantes de uma parada brusca (Calvo et al., 2004CALVO, Guillermo A.; IZQUIERDO, Alejandro; MEJIA, Luis-Fernando. On the empirics of sudden stops: the relevance of balance-sheet effects. National Bureau of Economic Research, NBER Working Papers n. 10520, 2004. ). Uma dívida denominada em dólar está vulnerável à desvalorização cambial, o que não se passa de modo direto com uma dívida em moeda nacional, e quanto menor for o prazo de vencimento dessa dívida, maior será a probabilidade de uma sudden stop crisis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao fim de 2015, a economia argentina combinava estagnação do produto, que se prolongava desde o ano de 2011, com taxas de inflação oscilando em torno a 30% a.a. Neste contexto, o candidato de oposição Mauricio Macri foi eleito à Presidência da país, pondo termo - pelo menos momentaneamente - ao ciclo kirchnerista ou era K. As orientações programáticas enunciadas na campanha eleitoral e as primeiras manifestações das novas autoridades indicaram expressamente a “mudança de eixo” na política econômica. Já nos primeiros dias imediatamente após a posse, adotaram-se medidas de liberalização cambial e financeira, as quais se aprofundaram ao longo do biênio 2016-17.

Passados pouco mais de dois anos, no início de 2018, o governo Macri exibia certo otimismo quanto aos resultados da estabilização da economia e às possibilidades abertas para o desenvolvimento de longo prazo a partir de então. No entanto, tais expectativas foram logo revertidas. Em abril e maio, intensificou-se o fluxo de saída de capitais, o peso sofreu grande desvalorização e as reservas internacionais tiveram forte contração, levando o governo a celebrar um acordo de socorro com o FMI. A narrativa oficial identificou duas fontes explicativas da crise, ambas exógenas à política econômica em curso, a saber: efeitos adversos originados no mercado financeiro internacional, como a alta nas taxas de juros norte-americanas, e incompreensão do mercado quanto aos objetivos e métodos do Banco Central.

Neste artigo, procuramos sistematizar elementos de uma interpretação para a crise que a relacionam diretamente às opções de política econômica do governo Macri. Em síntese, argumentamos que a posição da economia argentina no sistema monetário e financeiro internacional é a de um país periférico e, portanto, sujeita a uma condição estrutural de vulnerabilidade. Economias deste tipo estão não apenas submetidas aos ditames dos ciclos internacionais de liquidez de forma muito mais intensa do que os países centrais, como se expõem, conforme suas especificidades, a eventos de parada súbita. A política econômica do governo Macri ampliou esses riscos estruturais mediante forte liberalização cambial e recurso ao endividamento externo como mecanismo de financiamento de déficits fiscais, os quais se viram, ademais, pressionados diante da elevação no pagamento de juros associada à “mudança de eixo” da política monetária.

Nenhuma medida, todavia, foi mais emblemática da fragilização financeira a que foi lançada a economia argentina do que a renegociação com os fundos buitres e, no contexto aberto por essa renegociação, a escolha preferencial pelo endividamento externo público. As facilidades conferidas a movimentações na conta financeira, a fraca recomposição das reservas e a crescente exposição do passivo do governo às flutuações da taxa de câmbio formaram, deste modo, o palco para uma nova crise. Quando a missão do Ministro das Finanças à Nova York, no início de março, não logrou sucesso em seu intento de atrair investidores para a rolagem de parcela da dívida, acendeu-se a luz que costuma anunciar um conhecido roteiro: fuga de capitais, queda de divisas, desvalorização da moeda, salto nas despesas públicas. E, na sequência, acordo com o FMI.

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    » https://www.pagina12.com.ar/113357-deuda-fmi-ajuste-fuga
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    Em artigo anterior, apresentado no Congresso da Latin American Studies Association - LASA de 2019, nós mesmos nos circunscrevemos a descrever a crise argentina de 2018 como um caso de sudden stop crisis (Horn, Valenti, Petry, Capuano, 2019).
  • 2
    No percurso que levou à forma final deste artigo, os autores beneficiaram-se de debates ocorridos no Núcleo de Estudo e Pesquisa dos Países da América do Sul - NEPPAS, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Cabe, sobretudo, referir os seminários coordenados pelo professor Andrés Ferrari, no segundo semestre de 2018, com Hernán Neyra, professor da Universidad de Buenos Aires, e Martin Granovsky, colunista do diário Página 12. Nossos agradecimentos se estendem, de modo muito especial, ao colega de Núcleo Leonardo Beria Capuano, cujas contribuições e permanente otimismo marcaram as versões iniciais do presente texto. Mais recentemente, o trabalho contou com o auxílio do acadêmico de Economia da UFRGS Pedro Henrique Vier.
  • 3
    Em nossa análise, adotamos o qualificativo de periférico para referir à economia argentina, seguindo a tradição cepalina. Nessa tradição, em linhas gerais, as assimetrias no âmbito do sistema capitalista mundial trazem como consequência direta a divisão de dois grupos de países: os centrais e os periféricos (PREBISCH, 1949). Entende-se que os países do centro são economicamente ricos, possuem maiores graus de industrialização, caracterizam-se por instituições fortes e apresentam melhores indicadores sociais. Já os países inseridos na economia mundial de forma periférica apresentam pouca dinamicidade na sua estrutura produtiva, maiores graus de renda per capita, baixo desenvolvimento tecnológico e maiores dificuldades para a industrialização e a capacitação da sua mão de obra (Prebisch, 1962; Bielschowsky, 2000).
  • 4
    Não deixa de ser curiosa a reiteração, ao longo do informe, da primazia supostamente conferida ao objetivo de estabilidade monetária nos estatutos do BCRA. O art. 3° da Carta Orgánica del Banco Central de la República Argentina estipula que “El banco tiene por finalidad promover, en la medida de sus facultades y en el marco de las políticas establecidas por el gobierno nacional, la estabilidad monetaria, la estabilidad financiera, el empleo y el desarrollo económico con equidad social”. No texto do informe, há um repetido destaque à suposta precedência da finalidade de estabilização monetária, a exemplo da afirmação de que “(...) queda claro de dicho artículo que la misión primordial será velar por la estabilidade monetaria de la economia” (BCRA, 2015, p. 14), o que, não obstante a relevância da finalidade, mais parece uma interpretação específica da nova administração, uma vez que não se encontra tal juízo de precedência na Carta Orgânica do BCRA. Ver, também, o prefácio do primeiro Informe de política monetaria (BCRA, 2016). Ainda de acordo com essa interpretação, a administração do BCRA no governo de Cristina Kirchner teria perdido o foco das funções estatutárias da instituição, o que configurou um aspecto-chave na deterioração macroeconômica do país ao longo dos anos anteriores (BCRA, 2015, p. 6).
  • 5
    Na versão inicial das metas, tal como sistematizada no Informe de política monetaria de maio de 2016, o BCRA estimava reduzir as taxas anuais de inflação para 25% em 2016 (período de transição) e, a partir da adoção do regime, para intervalos entre 12%-17% em 2017, 8%-12% em 2018 e 3,5%-6,5%, com centro da meta em 5%, em 2019 (BCRA, 2016, p. 32).
  • 6
    Segundo a base de dados do Banco Mundial (World Development Indicators), o PIB anual argentino, medido em moeda doméstica a preços correntes, foi de 5.954 bilhões de pesos em 2015 e de 14.543 bilhões de pesos em 2018.
  • 7
    A decisão da justiça norte-americana manteve a condição estipulada pelo juiz de primeira instância, Thomas Griesa, segundo a qual a Argentina não poderia honrar os acordos das canjes de 2005 e 2010 sem, ao mesmo tempo, satisfazer a demanda dos fundos litigantes. A par dos efeitos profundos dessa decisão sobre o caso argentino, Guzman e Stiglitz (2016) destacam que se trata de “un peligroso precedente para el sistema financiero internacional pues puede fomentar que otros fondos se resistan a negociar y así logren que las reestructuraciones de la deuda sean prácticamente imposibles”.
  • 8
    O processo foi bastante festejado pelo governo. O presidente Macri declarou que “se trata de un hito importante, el cierre de una etapa que termina después de más de una década de aislamiento y conflicto”. E o ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, destacou que “este arreglo nos vuelve a conectar con el mundo” (Ruiz, 2016).
  • 9
    Os indicadores de resultado do setor público nacional são mensurados de seguinte forma: (a) o resultado corrente equivale à diferença entre as receitas correntes e as despesas correntes; (b) o resultado financeiro é obtido pela diferença entre as receitas totais (correntes e de capital) e as despesas totais (correntes e de capital); e (c) o resultado primário é igual à diferença entre as receitas totais e as despesas primárias (despesas totais exclusive despesas de juros). Os valores monetários dos resultados do setor público utilizados na Figura 3, extraídos da base do INDEC, seguem a metodologia da Dirección de Proyecciones y Estadísticas, Oficina Nacional de Presupuesto, do Ministério da Fazenda argentino.
  • 10
    Original sin, ou pecado original, é uma condição atribuída aos países que emitem moedas periféricas. O termo se refere à incapacidade de tomar empréstimos de outros países na moeda doméstica por parte das economias menos privilegiadas no sistema monetário internacional. Uma das principais consequências do original sin é o descasamento cambial, entendido como a incapacidade de um país se endividar na sua própria moeda (Carneiro, 2008). Para maiores detalhamentos, ver Eichengreen et al. (2007) e Kuruc et al. (2016).
  • JEL Classification: E32; G01; H12.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2021
  • Aceito
    23 Fev 2022
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