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Renegociação da dívida interna mobiliária: uma proposta* * Os autores agradecem os comentários e/ou reparos de Adroaldo Moura da Silva, Antônio Delfim Netto, Bruno Freire, Décio Kadota, Dionísio Dias Carneiro, Fernando de Holanda Barbosa, Joaquim Eloy C. de Toledo, José Cláudio Ferreira da Silva, Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Renato Fragelli, Rogério Werneck, sem que isso signifique concordância necessária de qualquer dos citados com o trabalho. Como de hábito, as opiniões e os erros remanescentes são de responsabilidade exclusiva dos autores.

Domestic public bond’s debt: an alternative

RESUMO

Este artigo desenvolve argumentos a favor da recomposição do prazo de vencimento da dívida pública nacional e apresenta cálculos sobre o valor do imposto exigido pelos diferentes termos de pagamento dessa dívida, assumindo que ela seja remarcada. Duas alternativas são apresentadas e avaliadas. A primeira alternativa oferece uma garantia para o principal em dívida e calcula o fluxo de juros em relação ao PIB durante o período de reembolso. A segunda alternativa baseia-se em efetuar pequenos e graduais adiantamentos para pagar a dívida antiga dentro de uma nova estrutura institucional. A taxa de juros nos dois casos flutuaria e seria reajustada a cada semestre. Ambas as alternativas produzem um alívio substancial da carga de juros em comparação com a política atual. A principal conclusão é que, com uma taxa de juros de longo prazo em dólar semelhante à observada nos mercados internacionais (cerca de 8% ao ano), mais 2% do risco-país e uma taxa de crescimento do PIB de 3% ao ano, a dívida pública doméstica poderia ser pago em 20 anos se uma provisão anual de apenas 0,7% do PIB for alocada ao seu pagamento. Os cálculos também mostram que o excedente do orçamento primário necessário diminuiria para uma faixa de 2,1% a 2,7% do PIB, facilitando o equilíbrio do orçamento.

PALAVRAS-CHAVE:
Dívida pública; estabilização

ABSTRACT

This article develops arguments in favor of recomposing the time to maturity of the domestic public bond’s debt and present calculations on the amount of tax required by different terms of payment of that debt, assuming that it is rescheduled. Two alternatives are presented and evaluated. Alternative one offers a collateral for the principal owed and calculates the flow of interest in relation to GDP during the repayment period, Alternative two is based on making gradual and small down-payments to repay the old debt within a new institutional framework. The interest rate in the two cases would fluctuate and be readjusted each semester. Both alternatives yield a substantial alleviation of the interest burden compared to the present policy. The main conclusion is that with a dollar long-term interest rate similar to the ones observed in the international markets (about 8% a year) plus 2% of country risk and a 3% a year GDP growth rate, the domestic public debt could be paid in 20 years if a yearly provision of only 0.7% of GDP is allocated to its payment. The calculations also show that the required primary budget surplus would decrease to the range of 2.l% to 2.7% of GDP, facilitating the balancing of the budget.

KEYWORDS:
Public debt; stabilization

1. INTRODUÇÃO

A estabilização da economia brasileira enfrenta desafios de duas dimensões. Por um lado, é praticamente consensual que um ajuste fiscal de natureza estrutural, envolvendo a eliminação do déficit público ou, pelo menos, sua redução a um nível baixo financiável por uma pequena senhoriagem, é condição sine qua non para retomar o crescimento com níveis de inflação baixos. Por outro, um número crescente de economistas de formações diversas acredita que a austeridade fiscal isoladamente não seja suficiente para reduzir a inflação, sem que haja uma mudança no perfil da dívida pública doméstica que, entre outras coisas, afaste a permanente ameaça de monetização da dívida mobiliária e permita uma política de controle dos agregados monetários.

O presente trabalho subscreve a tese de que, para combater a inflação e recuperar a economia, é necessária uma reforma das normas monetárias e fiscais que possibilite recuperar as condições de controle da expansão dos meios de pagamentos. As características desestabilizadoras da dívida doméstica financiada por depósitos bancários, mais as distorções na correção monetária, exigem um novo equacionamento de modo a transitar para um novo regime monetário.

Este artigo tem por objetivo estimular a discussão mais precisa dos contornos de uma renegociação da dívida pública mobiliária interna que altere o padrão de financiamento do governo. Pretende-se oferecer elementos novos para o debate por meio da avaliação quantitativa do comprometimento tributário de alternativas de amortização da dívida interna mobiliária- fundada em novas bases-, estabelecendo cronogramas de desembolsos associados a objetivos fiscais. Um procedimento que permite levar à renegociação, sem impor confisco ou alongar compulsoriamente os prazos, é proposto e avaliado. Suas características principais são apresentar uma engenharia financeira sólida, afastar o risco de não-pagamento e superar o problema da desconfiança no indexador. Ademais, o esquema proposto permite dar substância a uma opção estratégica para o crescimento da economia brasileira baseado no fortalecimento da integração com a economia mundial. Por fim, o desenho esquematizado aqui seria completado com uma política anti-inflacionária eficaz e bem-sucedida em outras economias, qual seja, um ajuste fiscal aliado a uma política de rendas e a uma âncora monetária para elidir a retransmissão da inflação e reformas estruturais para consolidar a estabilidade (integração da economia junto à economia internacional e redimensionamento do papel do Estado). Dados esses atributos e o fato de que traria uma substancial economia nos juros pagos pelo setor público, os autores inferem que a proposta possibilita a adesão dos credores internos quando houver maior entendimento dos custos da não-solução atual, bem como das garantias associadas à sua solução.

O texto está organizado em cinco partes: na seção 2, a seguir, são expostas as razões e os fundamentos para o alongamento dos prazos de pagamento da dívida interna mobiliária usando princípios de securitização; na seção 3, explica-se como a proposta de renegociação pode ser colocada em prática; na quarta, se calculam os requisitos de comprometimento tributário associados ao pagamento da dívida interna de acordo com diversos prazos; a seção 5 apresenta considerações quanto às condições de mercado para a colocação dos títulos; finalmente, expõem-se as conclusões.

2. SOBRE OS PROBLEMAS DA DÍVIDA MOBILIÁRIA DOMÉSTICA E A PROPOSTA DE ALONGAMENTO DO PRAZO DE PAGAMENTO

O presente trabalho baseia-se no diagnóstico do caráter inflacionário do financiamento público via endividamento interno de curto prazo discutido em Zini (1992ZINI Jr., Álvaro Antônio (1992). “Reforma monetária, intervenção estatal e o Plano Collor”. Texto para discussão IPE 3/92. São Paulo: IPE-USP. A ser publicado em Álvaro A. Zini Jr., org. O Mercado e o Estado no Desenvolvimento Econômico nos Anos Noventa. Brasília: Ipea). Por outro lado, a proposta a ser elaborada tomou por pontos de partida sugestões prévias expostas em Zini (1989ZINI Jr., Álvaro Antônio (1989). “Fundar a dívida pública”, Planejamento e Políticas Públicas 1 (2): 39-60.) e Lara Resende (1991LARA Resende, André (1991). “Para evitar a dolarização”, Revista Exame, 26, junho.), mas tenta esboçar uma alternativa para enfrentar o problema que diminua as perdas potenciais temidas pelos agentes. Adota-se o pressuposto de que a elevada liquidez (o caráter de quase-moeda) e o risco permanente de remonetização da dívida interna mobiliária federal, apesar de seu nível não muito elevado, implicam o pagamento de juros altos e conspiram contra a possibilidade de sucesso da estabilização da economia. O tratamento convencional da questão sugere que, eliminado o desequilíbrio fiscal e seguindo-se um período de estabilidade, os prazos dessa dívida se alongariam e o problema representado pela existência de uma massa de quase-moeda da ordem de 10 a 12% do PIB tenderia a desaparecer. Mas tal postulação tem sido contraditada pelos dados disponíveis. Por exemplo, segundo Brasil - Programa Econômico, de março de 1992, pela nova metodologia acordada com o FMI, apurou-se que o setor público brasileiro atingiu um superávit operacional de 1,4% do PIB em 1991, a preços constantes. Assim, pelo segundo ano consecutivo registrou-se um superávit (1,3% do PIB em 1990), o que sugere, porém, que a hipótese do alongamento espontâneo não decorre naturalmente. O risco de basear toda a política econômica nesse tipo de suposição reside em não alcançar a estabilidade dos preços por vários anos, posto que o refinanciamento diário da dívida mobiliária torna endógena a oferta monetária e tende a ser intrinsecamente instável, sujeitando a economia a “ondas” de demanda especulativa, com efeitos imediatos sobre os preços.

Sem ter confiança de que a dívida interna vá ser paga, além de estar incerto quanto ao indexador que melhor mede a inflação, o mercado reage de duas formas: recusando-se a financiar o governo a prazos mais dilatados e exigindo um prêmio de risco elevado, implícito nas taxas de juros. Os papéis do governo não chegam a assumir, então, a função de reserva de valor confiável, similar à que têm os títulos dos Tesouros Nacionais dos países desenvolvidos.

Devido aos juros elevados, o custo do carregamento da dívida interna tem se tornado bastante alto nos momentos em que não se aplicam redutores à correção monetária. O Banco Central estima que, em 1992, o setor público pagará cerca de US$ 21 bilhões de juros reais aos credores internos, ou 5% do PIB (v. Banco Central, 1992BANCO CENTRAL DO BRASIL (1992). “Evolução recente da dívida pública”. Brasília: Banco Central, mimeo.). Por outro lado, a correção monetária não evita a ocorrência de perdas patrimoniais substantivas para os poupadores nos momentos de aceleração mais intensa da inflação. Ou seja, o atual sistema de indexação generalizada, que culminou com a moeda indexada, não impede os prejuízos financeiros que classicamente se associam à inflação. Por exemplo, os dados da Tabela 1 registram que a hiperinflação de 1989 causou perdas reais de monta aos poupadores, maiores inclusive que o imposto sobre o capital trazido pelo Plano Collor 1. Enquanto esse plano, por meio de seus diversos mecanismos de taxação explícita e subindexação dos depósitos, impôs uma tributação sobre os ativos financeiros e capital de giro das empresas estimada em US$ 32 bilhões por Mendonça de Barros et al. (1991MENDONÇA de Barros, José Roberto, Luís C. M. de Barros, Maria Cristina Pinotti e Maria Cristina de Mello (1991). “Perdas de capital de giro do setor privado desde março de 1990”. São Paulo: M.B. Associados, mimeo.), os dados da Tabela 1 mostram que o valor real do total dos haveres financeiros (M4) sofreu uma perda de US$ 75,2 bilhões (46,6%) entre abril de 1989 e fevereiro de 1990, ou seja, ainda no governo Sarney e sem a retenção de depósitos. Esse valor se divide entre uma queda de US$ 9,7 bilhões em Ml (63,4%), de US$ 29,7 no estoque da dívida pública (38,6%), de US$ 34,6 bilhões (58,4%) na caderneta de poupança e de US$ 1,2 bilhões (12,1%) nos títulos privados (CDBs e letras imobiliárias)1 1 Os valores estão expressos em dólares constantes de dezembro de 1991. O valor em dólar foi calculado inflacionando os valores correntes no final de cada mês pela variação do IGP-DI, centrado no dia 30 (denominado IGP-30) e dividindo-os pela taxa de câmbio comercial (flutuante) de 30 de dezembro de 1991. O valor de US$ 32 bilhões de Mendonça de Barros et alli está expresso em dólares de meados de 1991. . Zini (1992ZINI Jr., Álvaro Antônio (1992). “Reforma monetária, intervenção estatal e o Plano Collor”. Texto para discussão IPE 3/92. São Paulo: IPE-USP. A ser publicado em Álvaro A. Zini Jr., org. O Mercado e o Estado no Desenvolvimento Econômico nos Anos Noventa. Brasília: Ipea) estima as perdas na correção monetária: enquanto, entre 1967 e 1974, esta basicamente acompanhou a variação do IGP-DI, entre janeiro de 1975 e janeiro de 1992 se verifica uma defasagem real de 86,4% em relação à inflação. Ou seja, a sistemática atual não tem impedido os danos associados aos processos de aceleração da inflação.

TABELA 1
Agregados monetários em dólares de 1991ª (US$ bilhões)

Devido aos diversos artifícios ocorridos na segunda metade dos anos 80, Giambiagi (1992aGIAMBIAGI, Fabio (1992a). “O financiamento do setor público: qual deve ser a meta fiscal de longo prazo?”. Rio de Janeiro, mimeo.) calcula que a dívida total do setor público, excluindo a base monetária e dívidas não registradas (parte da dívida com fornecedores e outros passivos não contabilizados), caiu de 47,5% do PIB, em 1985, para 37,7%, em 1990. Paradoxalmente, durante esse período o governo incorreu em déficits operacionais de 3,9% do PIB, em média, por ano. Esses números se explicam pela seignorage elevada (média de 3,4% do PIB no período), pela apreciação da taxa de câmbio real e pela subindexação da dívida pública.2 2 Sobre a senhoriagem e simulações do tamanho desse imposto para diferentes taxas inflacionárias no Brasil, v. Giambiagi (1992b).

Os problemas mencionados nos parágrafos anteriores indicam que o modo de tratar a dívida pública nos últimos anos não aponta para uma solução eficaz.3 3 Para a análise do processo inflacionário brasileiro e como a crise econômica está relacionada com o esgotamento do padrão de financiamentos da economia, v. Zini (1992).

Para reduzir de forma duradoura a inflação no Brasil, o problema da alta liquidez da dívida interna mobiliária terá de ser enfrentado. Nesse sentido, deve-se entender a proposta aqui detalhada como pertencente a um conjunto articulado de medidas que abrangem a obtenção de um ajuste fiscal e de um superávit primário dos governos federal, estaduais e municipais, consistente com os compromissos futuros de pagamento da dívida, e uma política de rendas que possibilite cortar o elo de transmissão da inflação.4 4 Sobre a efetividade da política anti-inflacionária baseada em um ajuste fiscal acompanhado por políticas de rendas e reformas estruturais, v. Bruno (1991), Dornbusch (1992) e Kieguel e Liviatan (1992a e 1992b). A experiência internacional comparada não deixa dúvidas de que o conhecimento necessário para reduzir os processos de inflação elevada como o brasileiro é disponível e bem testado. Atendidas essas condições, um programa que adote uma âncora monetária poderá reduzir rapidamente a inflação.

Quanto ao último aspecto, cabe ressaltar que, para vencer a inflação elevada, se requer uma mudança efetiva no regime monetário do país. Por mudança no regime monetário se entende um novo conjunto de regras que permita estabelecer que o Tesouro Nacional deverá respeitar uma rígida disciplina orçamentária, que o Banco Central não será corresponsável por cobrir desequilíbrios nos balanços dos agentes financeiros públicos, que haverá normas bem delimitadas da política de controle da liquidez e que as dívidas públicas estarão consolidadas e com perfil de pagamentos adequado ao orçamento do setor público. A emissão de moeda, então, ficará condicionada primordialmente pela existência de senhoriagem não-inflacionária e pela administração das reservas externas.

A consistência da proposta necessita, consequentemente, de uma mudança institucional que isente o Tesouro Nacional de responsabilidade por eventuais déficits de outras unidades do setor público, que não o governo federal. Isso implica supor que, se as demais unidades do setor público - estados, municípios e empresas estatais - incorrerem em desequilíbrios de caixa, seu financiamento deve se dar como se fossem causados por entidades privadas, ou seja, através de dívida própria e de crédito bancário ou de fornecedores, mas sem afetar a emissão de moeda ou as contas do Tesouro Nacional. Ficaria legalmente vedada, portanto, toda e qualquer transferência de compromissos dessas unidades - seja em termos de fluxo de despesa ou de estoques de dívida - para o Tesouro Nacional ou o Banco Central. Consequentemente, o conceito amplo de NFSP- Necessidades de Financiamento do Setor Público deixaria de ser um critério relevante para o acompanhamento da política monetária, que dependeria apenas (i) da evolução das contas do governo federal, (ii) das contas do sistema previdenciário federal e (iii) do resultado das operações com o setor externo. Nesse quadro, o novo tratamento da dívida mobiliária criaria as condições para o controle necessário dos agregados monetários.

Uma decorrência do que está dito no último parágrafo é que tanto a Federação como os estados e municípios não poderiam emitir títulos mobiliários por alguns anos. Somente após consolidado o saneamento financeiro do setor público, haveria uma recuperação natural do crédito, sendo possível então sua volta ao mercado.

Pode-se frisar, por fim, que o problema da dívida interna não se situa em seu montante (estoque), mas no potencial de instabilidade associado à sua elevada liquidez. Devido aos problemas que causa, a dívida tem sofrido “soluções” improvisadas - por exemplo, na forma de impostos implícitos ou explícitos sobre o capital. A renegociação proposta neste trabalho permite mostrar que, assim como a dívida externa após sua renegociação recente, a dívida interna também tem condições de ser honrada, requerendo, porém, um cronograma consistente de amortização. Seria desnecessário dizer que não se trata de uma proposta de “calote”, mas de uma alternativa corriqueira nos mercados financeiros desenvolvidos, qual seja, renegociar o prazo do principal e dos juros em troca de maiores garantias.

3. A PROPOSTA DE FUNDAÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA

A proposta a ser definida parte dos seguintes pressupostos:

  1. A dívida interna mobiliária em poder do público está estimada em cerca de 12% do PIB (US$ 48 bilhões), incluindo as obrigações emitidas pela Federação, por estados e por municípios. Esse valor será usado nos raciocínios numéricos subsequentes.

  2. A monetização que decorreria dessa reestruturação seria da ordem de 2% do PIB, o que reduziria a dívida remanescente a l0% do PIB. (Esses percentuais serão justificados na seção 4.)

  3. Os compromissos de desembolso associados ao cronograma de reescalonamento da dívida devem ser legalmente assegurados por meio de dotação orçamentária específica, com caráter obrigatório, em moldes similares às transferências constitucionais - com valores, porém, a ser fixados em função do cronograma de desembolsos a se apresentar e não como percentagem da receita.

  4. Concluído o reescalonamento da dívida, o governo central - inclusive a Previdência Social - obriga-se a ter um superávit primário próximo àquele requerido para o pagamento das prestações das dívidas (interna e externa) a vencer a cada ano, eliminando seu déficit estrutural. O Banco Central terá graus de liberdade para emitir cruzeiros quando houver entrada de divisas e poderá, dentro de margens estreitas, coletar seignorage.5 5 A compra de dólares pelo Banco Central, por sua vez, será pautada pelas necessidades de reservas internacionais, evitando-se tanto o acúmulo excessivo de divisas quanto sua queda acentuada. Esse controle pode ser feito ou se deixando a taxa de câmbio real flutuar ou, se se mantiver a paridade real do câmbio, o que seria mais adequado, tornando-se onerosa a entrada/saída de capital especulativo de curto prazo.

  5. A partir da implementação da reforma, o Banco Central passaria a ter como atribuição exclusiva o controle da saúde da moeda, transferindo ao Tesouro a gestão do passivo não-monetário, atualmente sob sua responsabilidade.

  6. O Tesouro Nacional e o Banco Central ficarão vedados de assumir qualquer compromisso financeiro de responsabilidade de estados, municípios ou empresas estatais. A cláusula deverá ser cercada de força legal, pois o valor dos novos títulos no mercado secundário dependerá da confiança com que o país passará a observar a disciplina orçamentária.

  7. Os governos estaduais e municipais poderão solicitar a inclusão de suas dívidas mobiliárias junto à dívida federal. Em compensação, assumirão compromissos de pagamentos proporcionais à dimensão de suas dívidas nas mesmas condições definidas para o governo federal. Diante da substancial economia de juros que haveria, é de prever que tais dívidas façam parte do acordo. Devido a esse raciocínio, o valor da dívida mobiliária dos estados e municípios (aproximadamente US$ 10 bilhões) foi somado ao total a reescalonar nos exercícios a serem apresentados.

  8. A renegociação proposta não prescinde do papel de intermediação do sistema bancário. Para poder exercer um papel de refinanciador de títulos públicos mais longos, entretanto, será necessário compatibilizar a captação bancária (CDBs e poupança) à nova situação.

A implementação da reforma se daria da seguinte maneira:

  1. Em um contexto de solução política negociada, chega-se a um acordo sobre a extensão dos prazos da dívida mobiliária articulado a um programa estratégico de crescimento. Pelo acordo negociado, ficaria estabelecida uma data para o lançamento de títulos públicos de longo prazo, conforme discutido nos itens de (iii) a (v).

  2. Feita a negociação política, em certa data a dívida interna mobiliária em poder do público seria remonetizada, isto é, os depósitos do FAF, os Depósitos Especiais Remunerados, as aplicações dos tomadores finais, os recursos de CDBs aplicados em títulos do Banco Central e outros depósitos aplicados em títulos públicos teriam seus saldos, inclusive juros devidos até aquela data, creditados em cruzeiros. Os depósitos de poupança e CDBs que financiam operações comerciais permaneceriam aplicados, mudando, porém, o indexador para a variação da taxa de câmbio. Também o prazo de crédito da correção monetária se ajustaria às condições de intermediação que se consolidariam no novo cenário, para o prazo mínimo de noventa dias.

  3. Nessa ocasião se ofereceria aos investidores a possibilidade de adquirir títulos do Tesouro com maiores garantias e prazos maiores. Esses títulos, em duas modalidades, teriam por característica tomar por referencial o dólar. O primeiro deles seria lastreado por títulos do Tesouro Americano e asseguraria o pagamento de taxa de juros flutuante em dólares correntes (v. item v) mais 2% de risco para o país. O segundo, com a mesma taxa de juros, seria emitido com diversos cupons de pagamento, resgatáveis um por ano até o vencimento do papel, escalonando os desembolsos ao longo do tempo (dez a vinte anos).6 6 No presente trabalho se estudam duas opções de títulos longos. Papéis com outras características que venham a facilitar a adesão dos credores também podem ser estudados. Por exemplo, o esquema é inteiramente consistente com o pagamento mensal de l/12 do valor presente do desembolso anual previsto. Os juros flutuantes visam eliminar o risco de descasamento das taxas pagas nas operações ativas/passivas do sistema bancário.

  4. Provisoriamente tais títulos serão denominados “bônus de consolidação”, nos próximos parágrafos. Esses ativos seriam títulos a resgatar em cruzeiros, com opção de resgate em dólares, como se resultassem de uma aplicação na moeda americana. Contudo, a utilização dessa moeda para transações domésticas continuaria vedada. Não se trata, portanto, de uma proposta de dolarização (entendida como a circulação da moeda americana em substituição à local).

  5. Os bônus serão expressos em cruzeiros, com paridade inicial de um para um em relação ao dólar, e corrigidos a partir de então pela variação da taxa de câmbio, rendendo taxa de juros equivalente a uma média das taxas de juros dos títulos de longo prazo no mercado internacional (atualmente de 8%) mais um adicional de 2% de risco Brasil, sendo a taxa de juros repactuada semestralmente. Alternativamente, pode-se usar a libor como taxa-base.

  6. Pela Alternativa A se lançariam títulos cujo principal seria lastreado desde a emissão, passíveis portanto de negociação no mercado internacional. Pela Alternativa B, os títulos seriam resgatados em parcelas a definir por uma fórmula matemática que tem como objetivo calcular o desembolso do Tesouro como uma percentagem fixa do PIB (salvo no caso de os parâmetros de inflação externa e da taxa de crescimento da economia serem maiores/menores que os usados nos cálculos da reprogramação financeira).

  7. Esses títulos teriam livre circulação na economia para a realização de transações entre particulares (mercado secundário), vedando-se a realização de pagamentos correntes ao setor público. Ademais, como se explicará posteriormente, os detentores dos títulos serão parceiros prioritários de um plano estratégico de crescimento que permite aliar bancos e detentores de títulos em uma opção de crescimento que reforça a integração da economia brasileira com a mundial (formando a base política para a renegociação contemplada).

  8. O bônus de consolidação ficaria explicitamente isento de tributação por ganho de capital durante sua validade.

  9. Os pequenos poupadores (depósitos de até US$ 2 mil ou algum outro limite a definir) teriam um tratamento diferenciado, devido ao caráter de poupança pessoal e de seguridade dessas aplicações. Tais depósitos seriam automaticamente transformados em cadernetas de poupança, com correção cambial trimestral e taxa de juros anual de 6%. Ficaria facultada, a esses e demais aplicadores, a compra de bônus de consolidação que, por suas características, apresentariam uma rentabilidade mais elevada.

Está implícita na concepção de reforma posta em discussão a ideia de que o procedimento requer um razoável acordo político que, em essência, permita superar o hiato de credibilidade existente ex-ante. A viabilidade da estratégia, portanto, depende da existência de pré-condições, tanto do lado fiscal quanto do lado político. Os autores da proposta acreditam que passar a uma situação de dívida consolidada é possível e viável, caso se leve em consideração a perda de produto potencial acarretada pela crise atual. No entanto, o passo será tanto menos aflitivo quanto mais se demonstrar aos agentes econômicos o encadeamento entre essa ação e a possibilidade de estabilizar a economia.

4. CÁLCULO DO COMPROMETIMENTO TRIBUTÁRIO: DUAS ALTERNATIVAS

4.1. Proposta A: securitização do principal e pagamento dos juros

A primeira alternativa inspira-se na experiência secular de fundação das dívidas públicas e em sua faceta contemporânea, que é a securitização das dívidas externas dos países em desenvolvimento. O valor do principal é reescalonado e garantido pela compra de títulos do Tesouro americano (títulos da série especial com maturidade de trinta anos e taxa de juros capitalizada ao principal de 8% ao ano), sendo o montante necessário para a comprado lastro pago na emissão dos bônus de consolidação. O fluxo de juros sobre o principal é pago anualmente com recursos explicitamente alocados no orçamento (juros pagos em cruzeiros, com opção de conversão em dólar).

Dado que esses serão títulos lastreados em dólar desde a emissão e com uma taxa de rentabilidade mais alta que a libor, poderão ser negociados no mercado internacional e devem ter boa aceitação. Com isso, seria possível a um aplicador que necessite resgatar a aplicação fazê-lo diretamente no mercado internacional e converter as divisas junto ao Banco Central, recebendo os cruzeiros correspondentes. Esse aspecto garante também que haja um mercado secundário dentro do país para conferir liquidez ao papel.

Supondo que seja reescalonado um valor equivalente a US$ 40 bilhões pelo prazo de trinta anos e que a taxa de capitalização do título americano seja de 8% ao ano, seriam necessários pouco menos de US$ 4 bilhões para a compra do colateral. A escolha do período de trinta anos para o vencimento do papel corresponde ao prazo com que são emitidos os títulos da série especial do Tesouro americano usados para a securitização.

A quantia de US$ 4 bilhões, como se sabe, pode ser retirada das reservas internacionais do país, sem maior prejuízo aos graus de liberdade necessários para as autoridades monetárias defenderem a moeda doméstica.7 7 Para lançar títulos resgatáveis em vinte anos seriam necessários US$ 8,6 bilhões para o lastro inicial. Embora pareça alta, mesmo essa quantia pode ser obtida sem dificuldades impeditivas: uma parcela vinda das reservas do país, e outra, complementar, vinda de instituições como o FMI e o Banco Mundial-aspecto que reforçaria a credibilidade do bônus. Esses recursos poderiam ainda ser cobertos com parte da receita futura da privatização. Dado que as reservas internacionais brasileiras atingiram mais de US$ 18 bilhões no conceito de caixa em junho de 1992 e cerca de US$ 21 bilhões no conceito de liquidez internacional, a dedução de US$ 4 bilhões ainda deixaria um saldo bastante folgado.

O montante de US$ 40 bilhões a reescalonar é dado pelo valor da dívida interna mobiliária do governo federal - US$ 38 bilhões em julho de 1992, incluindo os cruzados ainda bloqueados e o recolhimento especial remunerado associado aos DERs -, mais o estoque de títulos estaduais e municipais em poder do mercado - estimado em US$ 10 bilhões. Supondo que a monetização seja de cerca de US$ 8 bilhões, obtém-se o valor citado. No tocante à emissão de cruzeiros da ordem de US$ 8 bilhões, cabe observar que o valor é compatível com o acréscimo da demanda por moeda observado nos episódios de queda rápida da inflação. Para ilustrar esse ponto, a Tabela 2 mostra o valor da base monetária e dos meios de pagamentos (Ml), em dólares constantes8 8 O cálculo do valor em dólar se obteve inflacionando os valores nominais em final de mês pela variação do IGP-DO centrado no dia 30, tomando junho de 1992 como base, e dividindo esses valores pela taxa de câmbio comercial de venda do dia 30 de junho, equivalente a Cr$ 3.447,70. , nos meses anteriores e subsequentes aos planos Cruzado e Collor 1. A emissão de cruzeiros mencionada no texto corresponderia a um aumento real da base; a variação de M1, ao aumento da demanda por saldos reais pelos agentes (sendo a diferença entre os dois explicada pelo processo do multiplicador bancário). A Tabela 3 mostra o valor da base e do Ml em proporção ao PIB, por trimestre, de 1985 a 1992, e permite observar que o coeficiente de monetização da economia se encontra atualmente em níveis mínimos.

TABELA 2
Base monetária e meios de pagamentos em dólares de junho de 1992 (US$ bilhões)
TABELA 3
Coeficientes de monetização em relação ao PIB (em %)

Para efetuar o cálculo do comprometimento tributário para o pagamento dos juros anuais, será suposto que o PIB brasileiro seja de US$ 400 bilhões em 19929 9 O valor do PIB de 1992 em dólares foi estimado com base no PIB de 1991 (Cr$ 168 trilhões), inflacionado pelo IGP-DI médio previsto para 1992 e dividido pela taxa de câmbio média prevista para o mesmo ano. Supõe-se ainda estabilidade da taxa de inflação mensal e da desvalorização cambial em 22% ao mês, a partir de julho, e um crescimento de 2% da economia no ano. . O valor em dólares desse produto, supondo uma paridade real constante da taxa de câmbio, cresce ao longo do tempo pela taxa de crescimento real da economia mais a inflação média dos países industrializados. Adotando alguns parâmetros ilustrativos para a taxa de crescimento da economia e para a taxa de inflação internacional, uma taxa de juros de 10% para o bônus de consolidação (remuneração elevada, mas que equipara a taxa paga a títulos longos no mercado internacional) e o valor de US$ 40 bilhões para a dívida interna mobiliária a ser reescalonada, chega-se à estimativa do fluxo de juros a pagar e sua proporção em relação ao PIB (v. Tabela 4).

TABELA 4
Pagamentos de juros pelo esquema securitizado(em US$ bilhões)

Esta primeira alternativa apresenta a caraterística de que os encargos com os juros em proporção ao PIB diminuem ao longo do tempo. No caso de 3% a.a. de crescimento da economia e 3% a.a. de inflação internacional, os encargos seriam de 0,94% do PIB após o primeiro ano e iriam se reduzindo paulatinamente. Caso se adote a taxa de 5% para o crescimento do PIB, os pagamentos representariam 0,92% do PIB no primeiro ano, declinando rapidamente a partir de então.

A segunda alternativa reescalona o principal e os juros devidos e estabelece uma programação bem definida de pagamentos parcelados da dívida. Para calcular o comprometimento tributário dessa alternativa, é necessário apresentar a engenharia financeira que dá base aos cálculos.

Considere-se o valor do fluxo de desembolsos do Tesouro Nacional em divisas com o pagamento do serviço da dívida mobiliária interna (serviço definido como a soma dos juros mais o principal devidos no período). Esse desembolso tem como contrapartida um volume de recursos tributários que se deve gerar para pagar a prestação anual da dívida. Chamando (R) a esses recursos tributários, cada prestação pode ser entendida como uma fração constante (a) do PIB (Y), de modo que:

R 1 = a · Y 1 R 2 = a · Y 2 R N = a · Y N

e, genericamente,

R n = a · Y n (1)

onde (R) e (Y) são expressos em dólar corrente e (n) é o período considerado. O valor da renda nacional em dólar, por sua vez, é dado por:

Y n = Y 0 · 1 + q n · 1 + p n (2)

onde o subíndice (0) refere-se ao período inicial, (q) é a taxa de crescimento real da economia e (p) é a inflação externa. Substituindo (2) em (1), chega-se a:

R n = a · Y 0 · 1 + q n · 1 + p n (3)

A dívida inicial pode ser entendida como o valor presente dos fluxos futuros de pagamentos a serem feitos pelo Tesouro, descontados a uma taxa de juros nominal (i) expressa em dólar:

D 0 = R 1 1 + i + R 2 1 + i 2 + + R N 1 + i N

ou

D 0 = n = 1 N R N 1 + i N ; 1 n N (4)

onde (D) é a dívida interna mobiliária em poder do público e (N) é o número de anos contemplados no exercício.

Substituindo (3) em (4), (D) pode ser reescrito como:

D 0 = n = 1 N a · Y 0 1 + q n · 1 + p n 1 + i n ; 1 n N (5)

Esta equação deve ser interpretada como a soma de uma progressão geométrica. O primeiro termo da progressão, correspondente ao valor presente da primeira prestação a preços do período zero, pode ser representado pela expressão (b), e a razão multiplicativa, por (c). Ou seja:

D 0 = b · 1 - c N 1 - c (6)

onde

b = a · Y 0 · 1 + q · 1 + p 1 + i (7)

e

c = 1 + q · 1 + p 1 + i (8)

Substituindo (7) e (8) em (6), chega-se a:

D 0 = a · Y 0 · 1 + q · 1 + p 1 + i - 1 + q · 1 + p · 1 + i N · 1 + q · 1 + p N 1 + i N ; i q + p + q · p (9)

Consequentemente, após algumas manipulações de (9), o valor da parcela (a) do PIB a se comprometer a cada ano pelo Tesouro com o pagamento da prestação anual da dívida interna é dado por:

a = d 0 · 1 + i - 1 + q · 1 + p 1 + q · 1 + p · 1 + i N 1 + i N - 1 + q · 1 + p N ; i q + p + q · p (10)

onde d0=D0/Y0.

Quando [(1+i)=(1+q).(1+p)], por (3), o valor de (4) é D0=N.a.Y0. Neste caso,

a = d 0 N ; i = q + p + q · p (11)

Conhecendo (d) e estabelecendo a duração do período de repagamento (N), é possível, com base em (10) ou (11), calcular (a) para diferentes valores de (i) e (q).

O valor de (d) utilizado no exercício que se apresenta a seguir foi de 10%, que corresponde à estimativa da dívida interna mobiliária que permaneceria na forma de títulos depois da remonetização. No entanto, como se explicará adiante, o montante de recursos que permanecerá aplicado em títulos públicos dependerá da demanda por papéis que se expressar no mercado, mas isso não impede que se simulem as exigências tributárias caso 10% do PIB permaneça aplicado em bônus. Os resultados de (a) para (N) igual a dez e a vinte anos, diversos valores da taxa de juros nominal em dólar e da taxa de crescimento da economia estão expostos nas Tabelas 5 e 6.

TABELA 5
Valores de (a) para (N) de 10 anos e (p=3%), em %

TABELA 6
Valores de (a) para (N) de 20 anos e (p=3%), em %

Supondo que se adote uma taxa de juros para os títulos brasileiros igual à dos títulos de longo prazo no mercado internacional, de 8%, mais um risco do Brasil de 2%, que a economia brasileira cresça 3% ao ano e a inflação internacional seja de 3% ao ano, a receita tributária de que o Tesouro precisaria para pagar as prestações de sua dívida seria de O, 72% do PIB, quando a dívida é paga em vinte anos, e de 1,21 % do PIB, quando em dez anos. Se se supõe que o crescimento da economia deva ser de 5% ao ano, com a mesma inflação internacional de 3% a.a., essas frações se reduzem para 0,59% e 1,10% do PIB, respectivamente. O valor do parâmetro (q) escolhido para o primeiro exemplo é reconhecidamente baixo, a fim de sublinhar a mensagem que não é necessário projetar um cenário brasileiro superavaliado para facilitar a aceitação da proposta. O exercício supôs, ademais, que a desvalorização cambial conserva a paridade do poder de compra (PPP- purchasing power parity), de modo que o valor real de cada dólar segue o diferencial da inflação interna e externa.

Supondo um PIB inicial de US$ 400 bilhões, os valores dos compromissos financeiros do governo federal com o total das prestações da dívida a serem pagas a cada ano seriam determinados por (3’), conforme:

R n = a · 400 · 1 + q n · 1 + p n (3’)

onde (a) é obtido por (10) ou (11), (n) é o período e o resultado é expresso em US$ bilhões correntes. Os valores do fluxo de pagamentos (amortizações mais juros) ficam definidos no ato do reescalonamento para os anos seguintes, independentemente da eventual diferença entre os valores utilizados para os parâmetros (q) e (p) e os que efetivamente se observarem ao longo do tempo. Isto é, os parâmetros usados na determinação do valor inicial da fração (a) estabelecem os valores subsequentes de (R); a vantagem dessa caraterística é que permite uma programação de gastos bem definida e facilita a compreensão, pelos credores, do fluxo de recebimentos em haver. Ademais, a alternativa não exige conceitualmente o desembolso inicial de dólares para garantia do principal, embora, se necessário, isso possa ocorrer10 10 A fim de reforçar a atratividade inicial dos papéis, o governo pode, por exemplo, se propor a lastrear, já na emissão, metade do valor do fluxo de pagamentos dos primeiros três anos. Necessitaria, nesse caso, de reservas de US$ 4,1 bilhões (valor do fluxo de pagamentos mostrado na coluna C da Tabela 7 para os três primeiros anos, descontados à taxa de 8% a.a.). A utilidade dessa ação decorre de que esses títulos também se tornariam negociáveis no mercado internacional, de forma semelhante à alternativa A. .

Para visualizar melhor o funcionamento do esquema proposto, a Tabela 7 mostra como evoluiriam ao longo do tempo a cotação do bônus de consolidação em dólar, o fluxo de dispêndio do Tesouro Nacional com o pagamento dos juros e amortizações e a dívida interna mobiliária remanescente. Nesse exemplo foram adotados os seguintes valores: (N=20), (i=10%), (q=3%) e (p=3%). Assim, por (10), (a=0,715476%) do PIB. A variável chave é a coluna (C), obtida com base na multiplicação do termo (a) pelo PIB previsto para o ano, respeitadas as hipóteses referentes aos valores de (p) e (q). A cotação do bônus aumenta 10,0% e 6,80% a.a. em termos nominais e reais, respectivamente, o valor real dos desembolsos do Tesouro cresce em linha com o PIB e a dívida é totalmente quitada no final do prazo acordado. A Tabela 8 mostra quais seriam esses valores com (i=10%), (q=5%) e (p=3%).

TABELA 7
Evolução da dívida e dos desembolsos do Tesouro em dólares, supondo prazo de amortização de 20 anos, (p=3%) e (q=3%)
TABELA 8
Evolução da dívida e dos desembolsos do Tesouro em dólares, supondo prazo de amortização de 20 anos, (p=3%) e (q=5%)

Tanto a alternativa A como a B, discutidas nesta seção, levam à criação de um título de boa qualidade e de perfil longo. As alternativas podem ser complementadas com alguns atributos que permitam diferenciar um cardápio de opções que seria então aberto aos aplicadores. Ou seja, pode-se adotar um enfoque parecido com o usado na renegociação da dívida externa, oferecendo uma lista de opções diversas para escolha dos credores.

5. CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS CONDIÇÕES DE MERCADO DO NOVO TÍTULO

A fundação da dívida pública aqui recomendada apoia-se no princípio de que há um trade-off entre a rentabilidade exigida pelos agentes e a confiabilidade dos papéis como reserva de valor. Atualmente, os títulos públicos não são totalmente confiáveis e, em consequência, para serem colocados junto ao público, devem pagar um prêmio de risco considerável. O esquema sugerido acarreta uma redução da rentabilidade nominal das aplicações em troca de maior segurança, tanto pela eliminação da desconfiança no indexador, quanto pela força legal das garantias oferecidas. Do ponto de vista do governo federal, este deixa de contar com a alternativa da corrosão do estoque da dívida, mas, em compensação, substitui uma dívida interna cara por outra não tão onerosa. Do ponto de vista dos aplicadores, há que se considerar que o novo papel permitirá uma rentabilidade efetiva superior à verificada na média dos últimos anos, se se consideram as perdas de capital sistemáticas decorrentes da aceleração da inflação.

Cabe indagar quais seriam os principais tomadores do novo título. Basicamente os mesmos que os atuais: pessoas jurídicas, bancos e algumas pessoas físicas. Para que os agentes aceitem carregar o novo papel, além das garantias dadas, precisam saber que poderão contar com algumas possibilidades de sair, quando necessário, da posição de estoque para a de fluxo (isto é, obter liquidez em troca do papel).

As maneiras previstas nesta proposta são três. A primeira delas é a venda do título no mercado internacional e a conversão dos dólares em cruzeiros (uma das razões para oferecer um lastro em dólares e pagar uma taxa de juros superior à da libor); a segunda é por meio do resgate antecipado para projetos de investimento compreendidos em um novo programa de desenvolvimento brasileiro. A terceira é via surgimento de um mercado secundário. Este operará exclusivamente entre agentes privados, ficando vedadas operações de redesconto ou quaisquer outras que resultem em emissão de moeda ou em pressão sobre o Banco Central.

O sistema bancário, por exemplo, pode carregar uma boa carteira de títulos longos, reordenando o modo como compatibiliza seus ativos e passivos. Uma das funções básicas do sistema financeiro é intermediar riscos e melhorar a alocação de recursos da economia ao exercer essa atividade. Faz isso financiando uma carteira de ativos de maior prazo e risco com passivos que, embora de menor prazo, tenham uma composição e média de refinanciamento consistentes com os ativos detidos; a rentabilidade advém do spread com a intermediação.

O spread bancário fica preservado na medida em que os bancos compatibilizem os prazos e taxas pagas a seus passivos, tornando-os consistentes com a estrutura da carteira de aplicações. Por exemplo, supondo que a captação via CDBs seja usada para carregar a carteira de ativos longos, ficaria definido que o prazo mínimo legal dos CDBs passaria noventa dias. Os CDBs, assim como as demais aplicações financeiras, teriam correção cambial (ex-post) mais juros. A taxa de juro de captação seria determinada pelo mercado e pela concorrência; o spread bancário continuaria positivo toda vez que essa taxa medida em dólares não ultrapassasse 10% ao ano (rentabilidade bastante razoável em condições de crescimento econômico). Mesmo algumas situações de curto prazo que resultem em uma taxa de juros um pouco mais alta não devem ser consideradas impeditivas, pois o importante para o banco é que a rentabilidade média de seu ativo supere o custo médio do passivo.

A atratividade dos títulos será bastante acrescida se a mudança de política for acompanhada por uma formulação que permita a concessão de preferência aos detentores dos bônus de consolidação em um novo programa de crescimento a ser anunciado quando da reforma. Isto é, seriam concedidos estímulos a projetos privados de investimento em áreas de maior inserção junto à economia mundial, como em modernização dos portos, meios de transporte, telecomunicações, armazenagem etc. O incentivo poderia ser dado através do financiamento pelo BNDES, complementado com o resgate antecipado de parte dos valores aplicados (limitado a um determinado percentual do valor do estoque de títulos). A utilização dos bônus nos leilões de privatização seria possível.

A razão de ser dessa formulação estratégica é que será bastante benéfico para o país acoplar a renegociação a um projeto de crescimento que hoje já está identificado. Uma opção dessa ordem permitirá gerar a coesão política exigida para a superação da crise e a adesão dos credores internos.

No caso de uso do expediente de monetizar as aplicações lastreadas em títulos públicos para deflagrar a renegociação, pode-se fazer um raciocínio baseado no reconhecimento de que, uma vez em circulação, os encaixes monetários não podem fugir da economia, salvo por via da inflação. Isto é, os saldos monetários despendidos por um agente se transformam em saldos de outro; o valor nominal não deixa a economia.11 11 Exceto quando as cédulas de papel-moeda são fisicamente destruídas ou transportadas para fora das fronteiras. mas esses casos-limites não afetam o raciocínio. Por essa razão, a monetização das aplicações colocaria os agentes diante do dilema de uma hiperinflação ou de uma renegociação. Havendo confiança na consistência do ajuste fiscal e nas garantias oferecidas para os novos títulos, seria baixa a possibilidade de não prevalecer a racionalidade econômica, principalmente no caso dos grandes aplicadores que têm interesse na continuidade do funcionamento da economia monetária.

Como tratar do problema dos free-riders que poderiam surgir?12 12 Free-riders seriam aqueles agentes que prefeririam ficar com a liquidez à disposição, enquanto os grandes aplicadores se veriam, pela lógica da proposta, obrigados a tomar títulos. É possível pensar mecanismos que minimizem o problema, utilizando mecanismos de preço.

Por exemplo, suponha-se que o governo passe a vender somente títulos longos. Estes seriam vendidos com valor de face indexado ao dólar e em valores redondos equivalentes a $100, $1000, $10.000 etc. O governo declararia que, por dois dias úteis, venderia seus títulos longos à taxa de câmbio comercial vigente no último dia útil anterior ao lançamento dos bônus. A partir do terceiro dia útil, os títulos seriam vendidos pelo câmbio comercial flutuante. Caso se espere que a taxa de câmbio suba até a complementação do programa anti-inflacionário que ancore os preços, haverá um incentivo claro para os aplicadores comprarem o título público sem maiores delongas. Para aumentar a atratividade do bônus, pode-se oferecer um desconto extra, definido em leilão até um certo teto, para incentivar a compra. Assim, há uma perda potencial para os que se retardarem e um ganho de capital aos que comprarem nos primeiros dias (subsequentemente remunerado à taxa de 10% ao ano, mais a variação cambial).

A referência ao preço de compra permite enfocar o tema do eventual deságio do título após a fundação da dívida. Evidentemente, poderá haver um deságio se houver pouca confiança de que a consolidação não seja acompanhada pela geração de um superávit primário vinculado ao pagamento da dívida e de um vigoroso programa anti-inflacionário. Haverá, ainda, que se ter confiança de que o esforço se manterá nos anos subsequentes para fazer face aos compromissos de pagamento assumidos. Conforme já apontado, o procedimento requer um razoável acordo político e condições fiscais que permitam superar o hiato de credibilidade existente ex-ante.

Por outro lado, não se deve exagerar na estimativa prévia desse deságio. Além do superávit primário, ele dependerá das garantias dadas, das condições de liquidez da economia e da existência de um mercado secundário. Os novos títulos, como se discutiu, possuem engenharia financeira sólida e serão parcialmente financiados por garantias reais, algo que as aplicações de curto prazo atuais não têm. Ademais, a proposta contém elementos que permitem prever a existência de um mercado secundário, dadas as características de ativo dolarizado e com lastro. E, por fim, a economia estará remonetizada. Por essas razões, não se deve prever um deságio tão elevado que ultrapasse um percentual aceitável.

No tocante à colocação dos bônus via mercado, um raciocínio analítico permitirá ressaltar alguns outros pontos importantes. A colocação dos bônus via mercado teria de deixar em aberto a quantia final de títulos que seria vendida: os aplicadores decidiriam quanto de seus depósitos ficaria sob a forma de liquidez (moeda sem rendimento) e quanto seria canalizado para a poupança financeira. Supera-se assim um dilema: a proposta estabelece a taxa de juros (flutuante, repactuada de seis em seis meses) e deixa a quantidade a ser determinada pelo mercado.

No Gráfico 1 se esboçam seis figuras que representam situações possíveis de mercado, considerando a oferta e a demanda por títulos públicos. A demanda é uma função negativamente correlacionada com o preço do bônus (o preço é o valor de Cr$ 1,00, descontado pela taxa de juros paga). As figuras de 1.1 a 1.3 mostram situações em que o preço (p,) está fixado e a quantidade (q), não; as figuras de 1.4 a 1.6 representam o caso em que a quantidade é fixa e o preço se ajusta. As figuras 1.2 e 1.5 mostram dois casos em que demanda é insuficiente, dadas as condições da oferta. Nesse caso, podem ocorrer duas alternativas: (i) oferecer incentivos de rentabilidade efetiva para deslocar a curva da oferta, como na figura 1.3; ou (ii) reduzir a colocação de títulos, como na figura 1.6.

GRÁFICO 1

Na situação atual de baixa credibilidade, a demanda por títulos públicos de longo prazo é bastante reduzida ou mesmo nula (como representado nas figuras 1.2 ou 1.5). A demanda por títulos longos depende também da taxa de rentabilidade alternativa em ativos de curto prazo. Por essa razão, para haver uma demanda significativa por títulos longos (equivalente a deslocar a curva da demanda para uma posição como a representada nas figuras 1.1 ou 1.4), é preciso impedir as aplicações de curtíssimo prazo com rentabilidade positiva, como o FAF, DER, overnight etc. Os agentes com forte preferência pela liquidez manteriam seus saldos em depósitos à vista, abrindo mão da rentabilidade real.

Com um acordo político sólido, pode-se usar ainda um outro caminho: definir um período de algumas semanas para consolidar a dívida. Nesse período se permitiria aos aplicadores a compra dos bônus de consolidação na medida em que forem vencendo as aplicações antigas. Pode-se estabelecer que no final de, por exemplo, quinze dias, ficarão extintos o overnight, o FAF e os títulos públicos de curto prazo, paralelamente ao anúncio de que o governo só irá vender títulos de longo prazo para captar a moeda devolvida ao sistema. Não há, no contexto atual da economia brasileira, outro tomador capaz de absorver igual volume de recursos e ofertar o mesmo nível de garantias. Também nesse caso se irá verificar o fato de que, ao se eliminar a opção fácil das aplicações de curto prazo de alta liquidez e juros elevados, os grandes depósitos serão canalizados para outras aplicações financeiras, sem fuga em massa do sistema monetário, se ficar claro que a alternativa oferecida propicia segurança e que haverá um mercado secundário13 13 Uma transição com alguma semelhança deu-se em fevereiro de 1991, após a criação do FAF.

Um dos benefícios importantes da reestruturação da dívida pública sugerida neste trabalho é resultar em uma substancial economia dos juros pagos pelo setor público, comparativamente ao gasto em 1991 e 1992. Isso permitiria uma diminuição do montante de superávit primário necessário para equilibrar as contas do setor público.

Os números são eloquentes. No caso da dívida externa, Giambiagi e Simas (1992GIAMBIAGI, Fabio e Carlos Gustavo Simas (1992). “Renegociação da dívida externa e cashflow dos serviços financeiros do Brasil: projeções para o período 1993/ 2022”. Texto para discussão, PUC/RJ, a publicar.) estimam que o desembolso com o pagamento de juros e amortizações líquidas da dívida externa será de 1,6% do PIB, em média, no período 1993/2000. Considerando que 80% dessa dívida seja de responsabilidade direta ou indireta do governo federal, este teria que comprometer um fluxo médio de aproximadamente 1,3% do PIB para a realização do desembolso até o final da década. O item “outras dívidas internas” do governo federal, conforme informações do Banco Central, era de US$ 5 bilhões em junho de 1992. Esse passivo pode ser quitado gradualmente em dez anos, comprometendo não mais que 0,2% do PIB, em média, ao longo do período de pagamento. Portanto, somados 1,3% do PIB para os juros a pagar aos credores externos com os desembolsos associados com as dívidas internas (de 0,6 a 1,2% do PIB para o pagamento da dívida mobiliária e cerca de 0,2% para o pagamento dos encargos de outras dívidas do governo federal), chega-se a uma necessidade de superávit primário entre 2,1 % e 2,7% do PIB14 14 As despesas com juros da dívida fundada representariam inicialmente encargos de 0,9% do PIB no caso da proposta A (títulos de vinte anos com o principal securitizado), supondo crescimento da economia brasileira de 3% e 3% de inflação internacional. No caso da alternativa B (amortização gradual dos juros e do principal), esses dispêndios ficariam entre 0,7% do PIB (supondo crescimento da economia brasileira de 3% e inflação externa de 3%), se os títulos forem de vinte anos, e 1,2% do PIB, se os títulos forem de dez anos; os valores se alteram para ,6% do PIB (supondo crescimento da economia brasileira de 5% e inflação externa de 3%), se os títulos forem de vinte anos, e 1,1 % do PIB, se os títulos forem de dez anos. .

Esse número se contrapõe a avaliações como, por exemplo, do ex-ministro M. H. Simonsen, de que, para estabilizar a economia, o governo necessitaria gerar um superávit primário de 6 a 8% do PIB, sustentado por vários anos, a fim de poder repetir os caminhos da estabilização mexicana.15 15 Entrevista a Armando Ourique, Folha de S. Paulo, 4 de dezembro de 1991. Convém atentar que gerar um superávit dessa magnitude equivale a transferir renda de uma parte da sociedade para o Estado e desse para os credores públicos, o que gera resistência política nos diversos segmentos sociais. Com um superávit fiscal primário requerido após a consolidação da dívida da ordem de 2,5% do PIB, o próprio ajuste fiscal necessário se torna politicamente factível, por ser menor e mais fácil de sustentar no tempo.

6. CONCLUSÕES

Levando em conta os números apresentados neste trabalho e a opção estratégica de crescimento via reforço da integração na economia mundial, pode-se concluir que o esquema de amortização proposto não implicaria uma carga excessiva para a União ou em dolo junto aos credores. Mesmo no caso pouco favorável de amortização em dez anos, o comprometimento de receitas tributárias - supondo um crescimento da economia de 3% a.a. e inflação externa de 3% a.a. - seria da ordem de 1,2% do PIB. Observe-se que isso - que soma não apenas os juros, mas também as amortizações - é menos do que o governo federal paga hoje apenas na forma de juros reais, por conta do prêmio de risco relacionado com o temor da eventual insolvência do governo e do “confisco implícito” que pode decorrer de uma subindexação dos títulos, em caso de aceleração inflacionária. Não se deve esquecer também o impacto extremamente regressivo sobre a distribuição de renda que decorre de manter o enfoque atual de rolar a dívida no curto prazo e pagar a elevada taxa de juros real requerida pelo mercado.

Naturalmente, para que o governo incorra em despesas com o pagamento de juros e amortizações inferiores às que paga atualmente, é preciso que a taxa real de juros caia. Isso, porém, será viável se o governo, além de oferecer maiores garantias ao principal, se comprometer legalmente a fazer o pagamento dos vencimentos com opção cambial, possibilitando condições de remuneração similares às aplicações no exterior. Com a rentabilidade e o pagamento garantidos em dólar, os credores internos não terão motivos para fugir dessas aplicações. Do ponto de vista do governo, tal fato equivaleria a trocar uma dívida cara, mas incerta para o credor, por outra barata, cujo pagamento, porém, não causasse dúvidas.

A formulação proposta visualiza um Brasil mais integrado aos fluxos internacionais de capitais, o que, para não ser um elemento de instabilidade, deve se complementar pela geração adicional de divisas, via intensificação dos fluxos de trocas com o exterior. A opção estratégica apoia-se no crescimento do comércio exterior.

Em termos econômicos mais precisos, a renegociação da dívida interna objetiva permitir uma maior distinção entre o que é moeda e o que são as quase-moedas, de modo a possibilitar o controle de um dos agregados monetários no bojo de um plano de combate à inflação. Ao mesmo tempo, embora amplie a menção ao dólar como indexador e implique uma maior liberdade aos fluxos de capital, evita-se a dolarização radical (circulação local da moeda americana). O trabalho pretendeu mostrar ainda que o problema é solúvel e que é possível desenhar ativos financeiros com garantias sólidas e engenharia financeira correta, que não precisam impor perdas aos aplicadores.

Em conclusão, o ponto principal do trabalho consiste em que a renegociação da dívida interna é factível, ao contrário do que comumente se acredita, na medida em que se ganhe compreensão do impasse econômico representado pela atual sistemática de refinanciamento da dívida pública baseada em depósitos bancários de curto prazo. Esse aparato acarreta a existência de uma moeda indexada na economia que retira eficácia aos planos de combate à inflação. Os filósofos e outros estudiosos do comportamento humano costumam ressaltar que uma das maneiras sábias para vencer uma crise, quer ela seja pessoal, quer da sociedade, é transformar o problema em parte da solução. A proposta apresentada aqui propõe tornar uma dívida líquida, cara, instável e que vem inviabilizando sucessivos programas anti-inflacionários, em uma dívida estabilizada, mais barata, que permitirá alavancar o crescimento da economia e desenvolver um mercado de títulos de longo prazo, algo há muito requerido diante do estágio de desenvolvimento da estrutura produtiva do Brasil.

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  • 1
    Os valores estão expressos em dólares constantes de dezembro de 1991. O valor em dólar foi calculado inflacionando os valores correntes no final de cada mês pela variação do IGP-DI, centrado no dia 30 (denominado IGP-30) e dividindo-os pela taxa de câmbio comercial (flutuante) de 30 de dezembro de 1991. O valor de US$ 32 bilhões de Mendonça de Barros et alli está expresso em dólares de meados de 1991.
  • 2
    Sobre a senhoriagem e simulações do tamanho desse imposto para diferentes taxas inflacionárias no Brasil, v. Giambiagi (1992bGIAMBIAGI, Fabio (1992b). “Financiamento do governo através de senhoriagem em condições de equilíbrio: algumas simulações”. Revista Brasileira de Economia, próximos números.).
  • 3
    Para a análise do processo inflacionário brasileiro e como a crise econômica está relacionada com o esgotamento do padrão de financiamentos da economia, v. Zini (1992ZINI Jr., Álvaro Antônio (1989). “Fundar a dívida pública”, Planejamento e Políticas Públicas 1 (2): 39-60.).
  • 4
    Sobre a efetividade da política anti-inflacionária baseada em um ajuste fiscal acompanhado por políticas de rendas e reformas estruturais, v. Bruno (1991BRUNO, Michael (1991). “High inflation and the nominal anchors of an open economy”. Princeton Essays in International Finance, n2 183. Princeton: Princeton University Press.), Dornbusch (1992DORNBUSCH, Rudiger (1992). “Lessons from experiences with high inflation”. The World Bank Economic Review 6(1): 13-32.) e Kieguel e Liviatan (1992aKIEGUEL, Miguel e Nissan Liviatan (1992a). “When do heterodox stabilization programs work? Lessons from experience”. The World Bank Research Observer 7(1): 35-57. e 1992bKIEGUEL, Miguel e Nissan Liviatan (1992b). “The Business Cycle Associated with Exchange Rate-Based Stabilizations”. The World Bank Economic Review 6(2): 279-306.). A experiência internacional comparada não deixa dúvidas de que o conhecimento necessário para reduzir os processos de inflação elevada como o brasileiro é disponível e bem testado.
  • 5
    A compra de dólares pelo Banco Central, por sua vez, será pautada pelas necessidades de reservas internacionais, evitando-se tanto o acúmulo excessivo de divisas quanto sua queda acentuada. Esse controle pode ser feito ou se deixando a taxa de câmbio real flutuar ou, se se mantiver a paridade real do câmbio, o que seria mais adequado, tornando-se onerosa a entrada/saída de capital especulativo de curto prazo.
  • 6
    No presente trabalho se estudam duas opções de títulos longos. Papéis com outras características que venham a facilitar a adesão dos credores também podem ser estudados. Por exemplo, o esquema é inteiramente consistente com o pagamento mensal de l/12 do valor presente do desembolso anual previsto.
  • 7
    Para lançar títulos resgatáveis em vinte anos seriam necessários US$ 8,6 bilhões para o lastro inicial. Embora pareça alta, mesmo essa quantia pode ser obtida sem dificuldades impeditivas: uma parcela vinda das reservas do país, e outra, complementar, vinda de instituições como o FMI e o Banco Mundial-aspecto que reforçaria a credibilidade do bônus. Esses recursos poderiam ainda ser cobertos com parte da receita futura da privatização.
  • 8
    O cálculo do valor em dólar se obteve inflacionando os valores nominais em final de mês pela variação do IGP-DO centrado no dia 30, tomando junho de 1992 como base, e dividindo esses valores pela taxa de câmbio comercial de venda do dia 30 de junho, equivalente a Cr$ 3.447,70.
  • 9
    O valor do PIB de 1992 em dólares foi estimado com base no PIB de 1991 (Cr$ 168 trilhões), inflacionado pelo IGP-DI médio previsto para 1992 e dividido pela taxa de câmbio média prevista para o mesmo ano. Supõe-se ainda estabilidade da taxa de inflação mensal e da desvalorização cambial em 22% ao mês, a partir de julho, e um crescimento de 2% da economia no ano.
  • 10
    A fim de reforçar a atratividade inicial dos papéis, o governo pode, por exemplo, se propor a lastrear, já na emissão, metade do valor do fluxo de pagamentos dos primeiros três anos. Necessitaria, nesse caso, de reservas de US$ 4,1 bilhões (valor do fluxo de pagamentos mostrado na coluna C da Tabela 7 para os três primeiros anos, descontados à taxa de 8% a.a.). A utilidade dessa ação decorre de que esses títulos também se tornariam negociáveis no mercado internacional, de forma semelhante à alternativa A.
  • 11
    Exceto quando as cédulas de papel-moeda são fisicamente destruídas ou transportadas para fora das fronteiras. mas esses casos-limites não afetam o raciocínio.
  • 12
    Free-riders seriam aqueles agentes que prefeririam ficar com a liquidez à disposição, enquanto os grandes aplicadores se veriam, pela lógica da proposta, obrigados a tomar títulos.
  • 13
    Uma transição com alguma semelhança deu-se em fevereiro de 1991, após a criação do FAF.
  • 14
    As despesas com juros da dívida fundada representariam inicialmente encargos de 0,9% do PIB no caso da proposta A (títulos de vinte anos com o principal securitizado), supondo crescimento da economia brasileira de 3% e 3% de inflação internacional. No caso da alternativa B (amortização gradual dos juros e do principal), esses dispêndios ficariam entre 0,7% do PIB (supondo crescimento da economia brasileira de 3% e inflação externa de 3%), se os títulos forem de vinte anos, e 1,2% do PIB, se os títulos forem de dez anos; os valores se alteram para ,6% do PIB (supondo crescimento da economia brasileira de 5% e inflação externa de 3%), se os títulos forem de vinte anos, e 1,1 % do PIB, se os títulos forem de dez anos.
  • 15
    Entrevista a Armando Ourique, Folha de S. Paulo, 4 de dezembro de 1991. Convém atentar que gerar um superávit dessa magnitude equivale a transferir renda de uma parte da sociedade para o Estado e desse para os credores públicos, o que gera resistência política nos diversos segmentos sociais.
  • 18
    JEL Classification: H63; E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1993
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