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1992 - A estabilização necessária

1992 - The necessary stabilization

RESUMO

Este ensaio tenta responder à pergunta: por que o Brasil não consegue estabilizar sua economia? Três respostas complementares podem ser avaliadas: i) um ajuste fiscal é necessário, mas não promulgado; ii) não há capacidade técnica suficiente; e, iii) o país carece de vontade política. Estes não são mutuamente exclusivos e são tratados ao longo do texto ao mesmo tempo que se mostra que a abordagem gradualista não é possível.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilização

ABSTRACT

This essay tries to respond to the question: what is the reason for Brazil be unable to stabilizes its economy? Three complementary responses can be assessed: i) a fiscal adjust is necessary but not enacted; ii) there is not sufficient technical capacity; and, iii) the country lacks political will. These are not mutually exclusive and are treated along the text at the same time it is shown that the gradualist approach is not possible.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization

De um lado as elites aprendem com os erros anteriores a definir melhores programas. Do outro, indivíduos - como agentes econômicos e atores políticos - aprendem com os fracassos anteriores que as novas reformas Também falharão. Se isto é verdade, deveríamos esperar que programas cada vez mais amplos e coerentes fossem apresentados a uma população cada vez mais cética.

Przeworski, 1991: 179

O Plano Marcílio é o décimo primeiro plano de estabilização aplicado no Brasil desde que, em 1979, se desencadeou a crise atual. Trata-se, no entanto, de um clássico plano de estabilização ortodoxo, aprovado em janeiro de 1992 pelo Fundo Monetário Internacional. Vem sendo posto em prática desde meados de 1991. Durante os primeiros meses, até outubro, a inflação continuou a se acelerar. A partir de novembro, estabilizou-se em torno de 24 por cento. Em fevereiro e março caiu para cerca de 21 por cento. Em abril, subiu para 22 por cento.

Enquanto isto a recessão se aprofundava. A não ser que sofra uma forte guinada, passando a combinar política fiscal e monetária com um ataque radical à inflação, minha previsão é a de que fracassará.

Por que o Brasil não consegue estabilizar a sua economia? Seria porque o ajustamento fiscal é inviável ou muito difícil, dado o tamanho da dívida pública externa e interna? Ou por incompetência técnica? Ou por falta de vontade política em nível da sociedade? Cada uma destas três perguntas corresponde a uma hipótese ou a uma teoria sobre a causa da não-estabilização. A inflação alta e inercial, autônoma da demanda, existente no Brasil há tantos anos, não seria vencida (1) porque a dívida pública é excessiva, caracterizando uma situação de grave crise fiscal, (2) porque falta competência aos economistas para enfrentar o problema, e (3) porque o governo não conta com o apoio político necessário da população e dos políticos para implementar os ajustes e reformas necessárias.

Estas três teorias, entretanto, não são excludentes. São complementares. Para podermos analisá-las, examinarei o Plano Marcílio, a partir da teoria neo-estruturalista da inflação inercial, e em seguida farei uma breve revisão dos planos de estabilização desde 1979, ano em que três choques externos quase simultâneos (segundo choque do petróleo, brutal elevação da taxa de juros internacional e recessão nos Estados Unidos) inviabilizam a continuação da estratégia de endividamento externo.

Desde esse ano até hoje tivemos dez planos de estabilização. Uns foram de emergência, outros puderam ser tranquilamente planejados. Uns adotaram a estratégia do choque, geralmente do choque “heterodoxo”1 1 Esta expressão, criada em 1984 por Francisco Lopes, a rigor deveria ser abandonada, já que a necessidade de algum tipo de congelamento, quando a inflação atinge níveis muito altos, passou a ser aceita consensualmente por um grande número de economistas geralmente classificados como “ortodoxos”. De qualquer forma, podemos definir uma estratégia heterodoxa de inflação como aquela que combina política fiscal e monetária com um choque na forma de um congelamento ou de uma âncora nominal. , outros buscaram o gradualismo. Em alguns, utilizou-se o recurso do congelamento, mas na maior parte dos casos adotou-se uma estratégia ortodoxa. Em certos casos, embora a inflação não tenha sido debelada, a situação econômica melhorou, em outros, a crise apenas se agravou. Em alguns casos só houve custos, em outros, custos e benefícios. O décimo primeiro está sendo tentado atualmente. Teve início em abril de 1991 e acaba de completar um ano. Depois de analisá-lo e de uma breve registro dos planos anteriores, procurarei demonstrar a inefetividade das políticas gradualistas para combater inflações altas e inerciais como a brasileira, e apresentarei, para concluir, duas alternativas de política econômica: uma incluindo um congelamento temporário e uma âncora cambial, a outra, evitando o congelamento através da introdução de uma segunda moeda equiparada ao dólar, que possibilitará a rápida dolarização da economia e facilitará o uso exclusivo da âncora cambial.

1. 1991: REPETIÇÃO DE 1990

O Plano Marcílio, da mesma forma que a segunda fase do Plano Collor I, entre maio e dezembro de 1990, caracterizou-se pela ortodoxia monetarista e pelo gradualismo.2 2 A segunda fase do Plano Collor I estava começando quando escrevi com Nakano o capítulo anterior. Uma análise mais completa dessa segunda fase encontra-se em meu livro Os tempos heroicos de Collor e Zélia (1991). Esta opção derivou não apenas das convicções do novo ministro, mas principalmente do fracasso dos dois congelamentos anteriores: o Plano Collor I, de março de 1990, e o Plano Collor II, de janeiro de 1991. Em vez de procurar aprender com os erros passados, o governo decidiu voltar a um plano rigorosamente ortodoxo.

Aproveitando a insatisfação da sociedade, condenou indiscriminadamente todos os planos heterodoxos, identificando-os com “pajelança” ou magia. Dessa forma, a afirmação de Adam Przeworski, de que elites aprendem com os erros cometidos e aperfeiçoam os seus programas de estabilização e reforma, não se confirmou.

Em 1990 tivemos um congelamento em março e um programa de estabilização ortodoxo, monetarista, a partir de maio; em 1991 tivemos um congelamento em janeiro e um programa ortodoxo a partir de abril. Em consequência a economia brasileira repetiu, em 1991, de forma previsível, o que ocorreu em 1990: a aceleração lenta e gradual da inflação, ao mesmo tempo que a economia mergulhava na recessão. Em junho a inflação alcançou os dois dígitos. Em outubro alcançou 25 por cento. Por um lado, esta repetição é natural, já que estamos diante da mesmo tipo de inflação - a inflação “alta”, “inercial”, “autônoma”, “crônica”3 3 Qualquer desses quatro nomes é aceitável. O mais comum é “inercial”. Pessoalmente prefiro a expressão “autônoma”, para salientar sua autonomia em relação à demanda e à oferta de moeda. Foi a expressão que utilizei originalmente (1981) para definir esse tipo de inflação. - , que se contrapõe tanto à inflação “comum”, “moderada”, existente na maioria dos países, quanto à “hiperinflação”, que caracteriza os momentos de crise aguda. Por outro, é muito surpreendente, já que o governo mudou radicalmente seu estilo de um ano para o outro e, no entanto, os resultados serão os mesmos.

Sem dúvida há uma diferença entre essa segunda fase e o Plano Marcílio. Na segunda fase do Plano Collor I havia uma política definida (embora equivocada): uma política monetarista clássica, baseada na definição de uma meta de crescimento da base monetária, que tudo subordinava ao atingimento dessa meta. Afinal, como previa a teoria neo-estruturalista da inflação inercial ou autônoma, essa meta não foi cumprida. Mas, até dezembro, tudo foi feito para que ela fosse atingida: o ajuste fiscal foi forte, produzindo consecutivos superávits de caixa do Tesouro e, afinal, um superávit operacional (NFSP) de aproximadamente 1 por cento do PIB; as emissões foram severamente controladas, exceto em setembro quando a ameaça de falências em cascata no sistema financeiro obrigou o Banco Central a afrouxar seus controles; a política cambial foi subordinada à meta monetária; a taxa de juros real foi mantida sempre alta; e, finalmente, o governo “logrou”, porque este era seu objetivo, provocar uma forte recessão na economia.

2. HIPERINFLAÇÃO INDEXADA

No Plano Marcílio a inflação se acelerou até outubro de 1991. A partir desse mês até pelo menos o momento em que este paper está sendo revisto (maio, 1992), a taxa de inflação estabilizou-se e caiu um pouco. Esta foi a primeira vez, desde 1987, que a inflação no Brasil deixou de se acelerar durante alguns meses e chegou mesmo a cair um pouco.

O motivo básico pelo qual a inflação se acelerava sistematicamente depois de cada plano de estabilização é a perda do crédito público. É o agravamento da crise fiscal do Estado, que leva os agentes econômicos a perder a confiança na moeda, a prever que a inflação se acelerará, e a se proteger dessa eventualidade. Logo, se a inflação deixou de se acelerar nos últimos cinco meses, esta talvez seja uma indicação de que a crise fiscal foi parcialmente contornada, que o crédito público foi em parte recuperado.

A previsão da aceleração da inflação não decorre de uma perspectiva convencional - monetarista ou keynesiana - porque a economia continua em recessão, porque o governo continua a apresentar superávits de caixa no Tesouro. Sempre pode ser explicada pelo monetarismo estrito senso e tautológico, que, utilizando a relação de trocas, MV = Yp, relaciona diretamente a inflação com o aumento da oferta de moeda. De fato, a base monetária continua a aumentar, mas como consequência e não como causa da inflação. Na verdade, esse tipo de explicação faz pouco sentido quando lembramos que a equação de trocas tem caráter definitório, não estabelecendo relação causal. Consideradas constantes V e Y, tanto M pode causar o aumento de p, conforme querem os monetaristas, como p pode causar o aumento de M, como afirmam os neo-estruturalistas.

Para a teoria neo-estruturalista da inflação inercial, foi possível prever a aceleração da inflação em 1990, após o Plano Collor I, e em 1991, após o Plano Collor II, a partir da dinâmica própria dos preços relativos, que se equilibram e se desequilibram sucessivamente, enquanto se desenrola o conflito distributivo entre os agentes econômicos.4 4 A explicação para a aceleração da inflação anterior encontra-se no capítulo anterior, “Hyperinflation and stabilization in Brazil: the first Collor Plan”. Esta aceleração ocorreu em 1991 (1) porque o último congelamento, com seu tarifaço, já trazia embutido o desequilíbrio dos preços relativos que funciona como motor da inflação inercial ou autônoma; (2) porque o “resíduo inflacionário” pós-congelamento superior a 5 por cento deixava claro que não restaria outra alternativa aos agentes econômicos após o plano senão se engajarem novamente no jogo inercial de indexar seus preços e aumentá-los defasada e alternadamente, de forma a garantir sua participação na renda5 5 Para o conceito de “resíduo inflacionário pós-plano”, ver Bresser-Pereira e Nakano (1991). ; (3) porque, neste processo de conflito distributivo, os agentes econômicos, a partir de sua experiência anterior de aceleração inflacionária, ao indexar seus preços acrescentam um adicional à inflação passada de forma a se protegerem contra a provável aceleração da inflação; (4) porque, ao assim agir, transformam suas expectativas em uma profecia auto confirmatória; e, finalmente, (5) porque sabem que, estando o Estado falido, não tem condições de garantir a estabilidade da moeda, e acabará sancionando a inflação em curso com o aumento da base monetária.

Esta última característica define uma situação de “hiperinflação indexada” ou de “hiperinflação reprimida” (Bresser-Pereira, 1989BRESSER-PEREIRA, L.C. (1989). “Hiperinflação indexada”. IstoÉ Senhor, 30 de agosto, 1989.) ou o que André Lara Resende chamou de “processo hiperinflacionário” (1988). Na verdade, a economia brasileira experimenta, desde o fracasso do Plano Cruzado, uma situação intermediária entre a inflação inercial ou autônoma e a hiperinflação. Os mecanismos indexadores, relacionados à inflação passada, continuam a operar, mas expectativas extremamente voláteis, geralmente apontando para a aceleração da inflação, se somam a eles, em função da crise fiscal e do desaparecimento do crédito público, levando os agentes econômicos a prever uma inflação crescente e a se comportar como tal.

A partir de novembro de 1991, entretanto, a inflação deixou de se acelerar. Por que? Vejo duas razões para isto, uma de caráter real, a outra, expectacional. Em primeiro lugar, o Plano Collor I, embora tenha fracassado, teve um grade mérito: em 1990 foram cancelados 50 por cento da dívida mobiliária interna. Cerca de 28 bilhões de dólares foram eliminados. Em função disto a crise fiscal foi objetivamente reduzida. Em segundo lugar, o ministro Marcílio conseguiu afinal impor seu estilo calmo e confiável. No final de outubro de 1991 houve um ataque especulativo contra o cruzeiro. O ágio no paralelo, que estava próximo a zero, subiu para 50 por cento em três dias. Nesse momento, o Banco Central, que sempre que isso acontecia vendia ouro no mercado paralelo, tomou uma decisão arriscada e correta: decidiu deixar o mercado livre. Para surpresa do sistema financeiro brasileiro, a medida funcionou bem. O ataque especulativo fracassou. O ágio no mercado paralelo rapidamente voltou a zero. E a partir desse fato houve uma mudança de expectativas por parte dos agentes econômicos. Eles reconheceram que não tinham mais o poder de que dispunham em 1989 para realizar ataques especulativos contra o cruzeiro.

Uma terceira causa para que a inflação tenha parado de se acelerar a partir de novembro foi a recessão causada pelas elevadíssimas taxas de juros. A inflação inercial é autônoma da demanda. Isto significa que uma forte recessão tem pouco efeito em baixar o patamar da inflação. Pode, entretanto, a ajudar a evitar que a inflação continue a se acelerar. Isto deve ter acontecido a partir de novembro de 1991.

A parcial recuperação de crédito público e a forte recessão interromperam o processo de aceleração de inflação. Não quebraram, entretanto, a inércia inflacionária. Não eliminaram o caráter indexado da economia. Esta continua informalmente indexada. Os agentes econômicos estão profundamente habituados a corrigir seus preços de acordo com a inflação passada. É um equívoco, portanto, supor que, dada a volatilidade das expectativas, a “reversão das expectativas” levará a inflação gradualmente para próximo de zero. Os monetaristas, e particularmente os adeptos das expectativas racionais, confundem expectativas com decisão.6 6 Ver a respeito Tokeshi (1991). Nesse trabalho o autor busca os “microfundamentos” da inflação inercial ou da indexação informal da economia. Imaginam que toda expectativa é auto confirmatória, na medida em que se transforma automaticamente em decisão econômica. Há, entretanto, um passo importante entre a expectativa e a decisão, um passo que nem sempre é dado. Para a teoria neo-estruturalista da inflação, o agente econômico, preocupado em se proteger no processo generalizado de conflito distributivo que caracteriza a inflação alta, é muito cauteloso em mudar suas decisões. Ele pode mudar suas expectativas, admitir que a inflação poderá baixar, mas, como estas são voláteis e pouco confiáveis inclusive para ele próprio, não mudar suas decisões. Avesso ao risco, preocupado em se proteger, sabendo que a economia é um processo real de repartição de renda, ou, como me disse uma vez um comerciante de arroz criticando os economistas, sabendo que “com dinheiro não se brinca”, o agente econômico mantém conservadoramente suas decisões de aumentar preços. Como esse tipo de comportamento racional será adotado pela grande maioria dos agentes econômicos, a reversão das expectativas dificilmente se transformará em realidade.

No caso brasileiro, a reversão das expectativas foi capaz de reduzir o componente hiperinflacionário da inflação brasileira. Não quebrou, entretanto, a sua inércia.

3. CHOQUE POSITIVO EXTERNO E RECESSÃO DOENTIA

Uma das bases em que se assenta o Plano Marcílio é a crença no “choque positivo externo”. Segundo essa perspectiva (approach), a aproximação com os Estados Unidos, a assinatura de um acordo com o FMI e a renegociação da dívida de acordo com o Plano Brady provocaria a recuperação da credibilidade do Brasil no exterior, e com isto se produziria uma “externalidade positiva” que facilitaria o processo de estabilização e retomada do desenvolvimento do país.

Não há dúvida de que um acordo com os credores e o FMI é muito útil para o processo de estabilização. É um equívoco, entretanto, supor que um acordo com os bancos credores no quadro do Plano Brady assegure a credibilidade ao governo que facilitaria a estabilização. Geralmente, quando se afirma tal coisa, se pensa no México e na Venezuela. Ora, nesses dois países, primeiro foi alcançada a estabilização e depois se fez o acordo da dívida. O mesmo ocorreu recentemente com a Argentina.

Por outro lado, o que caracteriza o Plano Marcílio é a acomodação recessiva, a partir de uma confusão entre política monetária, que se demonstrou inviável em 1990, e política de juros altos, que é viável, mas perversa: não atinge o objetivo de controlar a inflação. O FMI, seja devido à sua ansiedade em ter o Brasil sob seu monitoramento, seja por uma crença entranhada nos poderes das políticas ortodoxas, particularmente da política monetária, aceitou a carta de intenções do Brasil de janeiro de 1992. Nesta carta está prevista a redução gradual da taxa de inflação e um déficit público operacional de 2,3 por cento do PIB. Ora, como a inflação dificilmente se reduzirá da maneira prevista, e como a recessão reduzirá as receitas do governo, é pouco provável que a meta fiscal também seja atingida. É por essa razão que Francisco Lopes observa, muito justamente: “Trata-se de total absurdo estabelecer metas de inflação declinante numa economia com evidentes elementos de inflação (ou talvez mesmo de hiperinflação) reprimida e na qual o desequilíbrio fiscal permanecerá alimentando a acomodação passiva da quantidade nominal de moeda (incluindo a quase moeda) ao ritmo da inflação” (1991aLOPES, F.L. (1991a). “Panorama conjuntural”. Macrométrica, outubro, 1991.: 1.3).

Há uma justificativa intuitiva para a recessão como instrumento de combate à inflação: seria a forma de reduzir a demanda e assim obrigar as empresas a aumentar menos os preços. Ocorre, entretanto, que não há demanda aquecida no Brasil desde o Plano Cruzado, em 1986, e, não obstante, a inflação não parou de se acelerar. Na verdade, é possível distinguir recessão sadia de doentia. Em três situações a recessão será sadia. Se a inflação for de demanda, as medidas restritivas da procura agregada e, portanto, recessivas, ou, mais precisamente, desaceleradoras, serão corretas. Se a inflação, como quase sempre acontece, estiver associada ao déficit público, a necessária redução da despesa pública ou o aumento dos impostos terão como consequência inevitável a recessão. Finalmente, se, ao se controlar a oferta de moeda, decorre daí a elevação da taxa de juros e a recessão, esta também poderá ser considerada uma recessão sadia, pois mesmo que, naquele momento, a oferta de moeda não seja a causa, mas a consequência da inflação, é necessário exercer controle sobre ela para debelar a inflação.

4. POLÍTICA MONETÁRIA E FISCAL

A recessão atual - a terceira do governo Collor - deriva fundamentalmente dos juros extremamente altos. O governo, portanto, provavelmente imagina que sua política se enquadra no terceiro caso citado. Os juros altos seriam consequência da política monetária. Ocorre, entretanto, que não há, de fato, política monetária no Brasil. Há apenas política de juros altos. Política monetária é política de controle da oferta de moeda, é a definição e o razoável atingimento de uma meta monetária. Ora, isto não existe no Brasil. Dada a alta inflação e a inexistência de crédito público, a oferta de moeda é rigorosamente endógena ou passiva. As autoridades monetárias não têm, nas condições atuais, a menor possibilidade de cumprir uma meta monetária. Isto ficou dramaticamente demonstrado na gestão lbrahim Éris, do Banco Central, em 1990. Tão dramaticamente que neste ano o governo desistiu inteiramente de definir meta para o crescimento dos agregados monetários.

A carta de intenções ao FMI está, sem dúvida, na linha correta, ao estabelecer como meta um superávit fiscal operacional para 1993 de 0,5 por cento do PIB7 7 Para 1992 a previsão da carta é ainda de um déficit público operacional de 2,7 por cento do PIB, apesar da aumento da carga tributária provocado pela reforma fiscal antecipando impostos, aprovada pelo Congresso em dezembro de 1991. e um superávit primário (excluídos juros) de 2,3 por cento já em 1992 e de 4 por cento do PIB em 1993. Estas metas seriam factíveis se a inflação estivesse sob controle. Não estando, as dificuldades já existentes de controlar as finanças públicas aumentam. É mais fácil reduzir o déficit público ao mesmo tempo que se estabiliza do que, primeiro, eliminar o déficit e em seguida levar a inflação a zero. Não apenas devido ao efeito Olivera-Tanzi, mas também porque a alta inflação é acompanhada por recessão e, portanto, por receita fiscal reduzida, a alta inflação tende a perpetuar o déficit público.

No processo de estabilização a redução do déficit público é a tarefa mais importante, mas, paradoxalmente, quando estamos diante de uma inflação alta ou inercial, o equilíbrio fiscal torna-se muito mais viável a partir da estabilização. Esta é uma das razões por que, quando a inflação é muito alta, é necessário atacá-la radicalmente, é necessário um tratamento de choque.

A carta de intenção é, entretanto, irrealista ao prever, com base no atingimento das metas fiscais e de correspondentes metas monetárias, que a inflação se desacelerará gradualmente durante 1992, estabilizando-se em torno de 2 por cento ao mês no final de 1992. Conforme observou Francisco Lopes (1991bLOPES, F.L. (1991b). “Panorama conjuntural”. Macrométrica, dezembro, 1991.), aplica-se aqui o teorema do segundo melhor (“second best”), de acordo com o qual a adoção de medidas “na direção correta” pode ser pior que nada se forem incompletas, se não satisfizerem todas as condições necessárias. Uma política fiscal dura, mas que ainda prevê um déficit substancial para 1992, e uma política de juros altos estão na direção certa, mas não são suficientes. E provavelmente acabarão se demonstrando inefetivas senão desastrosas.

Essa política é coerente com o gradualismo do Plano Marcílio - gradualismo que, no entanto, é equivocado. Afinal, não existe, na história do capitalismo, nenhuma inflação de dois dígitos mensais que tenha sido controlada gradualmente. Sempre terminou abruptamente, através de um choque. Não há nenhuma razão para imaginar que o Brasil possa constituir exceção a essa regra. Não ocorreu nenhum fato novo dramático que possa levar os agentes econômicos a deixar de indexar seus preços e de acrescentar a esta indexação um delta, um aumento adicional, que os proteja de uma inflação mais alta esperada para o mês seguinte.

5. PREFIXAÇÃO GRADUAL

A partir de março de 1992, entretanto, diante da resistência da inflação em cair, as autoridades monetárias adicionaram ao plano ortodoxo em curso um elemento heterodoxo: a prefixação de preços e salários de acordo com uma previsão de inflação decrescente. Fizeram esta mudança sem qualquer publicidade, sem qualquer sugestão de que estavam fazendo uma mudança importante na orientação da política econômica. Começaram interrompendo o processo de correção dos atrasos nos preços públicos e passando a corrigi-los ligeiramente abaixo da inflação. No início de maio o governo conseguiu aprovar no Congresso uma nova lei salarial que prevê a prefixação dos salários de acordo com uma inflação declinante. Ao adotar essa nova estratégia da prefixação gradual, a equipe econômica reconheceu o caráter inercial da inflação brasileira.

No segundo artigo sobre a inflação inercial que escrevi com Nakano, “Política administrativa de controle da inflação” (1984BRESSER-PEREIRA, L.C. e NAKANO, Y. (1984), “Política administrativa de controle da inflação”. Revista de Economia Política, 4(3), julho, 1984.), dizíamos que, diante de uma inflação dessa natureza, impunha-se uma política de rendas que agisse diretamente sobre os preços e salários - uma política administrativa, portanto. Esta política deveria ser gradual, através de um processo de indexação de preços e salários de acordo com uma previsão de inflação declinante. Entretanto, acrescentávamos, se a inflação se tornasse muito alta, superior a 200 por cento ao ano, seria necessário recorrer à “solução heroica” de congelar temporariamente preços e salários.

Considero, portanto, a política de rendas gradualista como uma possível alternativa para combater uma inflação de caráter inercial. Seria, entretanto, necessário que a inflação fosse relativamente baixa para que a prefixação funcionasse. Quando a inflação é alta, a prefixação dificilmente é efetiva porque os agentes econômicos são avessos ao risco e tomam decisões nos termos de um dilema do prisioneiro. Para que a estratégia de prefixação tenha êxito é necessário que os agentes econômicos acreditem que a inflação é declinante, tenham, portanto, a expectativa de que a inflação cairá, e corrijam seus preços de acordo, ou seja, por uma taxa mais baixa que a do mês anterior. Ocorre, entretanto, que, se a inflação não se comportar de acordo com o previsto, o agente econômico que acreditou na previsão terá uma perda. Se a inflação for baixa - digamos 2 por cento mensais - e se prefixar informalmente uma redução de 10 por cento ao mês, se um agente econômico seguir a orientação, corrigir seus preços em apenas 1,8 por cento, e a inflação continuar no mesmo patamar anterior, seu prejuízo será de apenas 0,2 por cento. Entretanto, se a inflação for alta - digamos, 20 por cento ao mês - sua perda será muito grande: 2 por cento. Por isso é pouco provável que o agente econômico obedeça à orientação do governo e reduza gradualmente seus preços de acordo com metas ou uma expectativa de inflação declinante. Não é impossível, entretanto, que isto ocorra. Enquanto uma estratégia meramente convencional, que ignora o caráter inercial da inflação brasileira, é inviável, uma política dessa natureza tem um pouco mais de possibilidade de dar certo.

6. OS PLANOS DE ESTABILIZAÇÃO

O Plano Marcílio, o décimo primeiro plano desde 1979 a tentar estabilizar a economia brasileira, até o momento resultou em estabilizar a inflação em um patamar ainda muito alto, próximo a 21 por cento ao mês, e a aprofundar a recessão. A razão principal para o seu provável fracasso está na recusa ou na incapacidade de se utilizar de forma firme e coerente uma combinação de política fiscal e monetária com uma política de rendas. Esta se encarregará da inércia e, portanto, dos agentes econômicos que, principalmente no setor real da economia, olham para trás e indexam seus preços, enquanto a política fiscal e a monetária se encarregará dos agentes econômicos, situados principalmente no mercado financeiro, que olham para frente, orientando-se por expectativas.8 8 Devo essa observação sobre os dois tipos de agentes econômicos a Fernando Holanda Barbosa.

A ideia de que um programa de estabilização que contenha um novo congelamento possa ser eficiente para controlar a inflação, quando cinco congelamentos anteriores não lograram a façanha, é naturalmente recebida hoje com ceticismo no Brasil. Acontece, porém, que outros cinco planos, sem contar a segunda fase do Plano Collor I, foram rigorosamente ortodoxos, e também fracassaram. Façamos, pois, um rápido balanço dos nove planos anteriores. Por que fracassaram? Qual daquelas três hipóteses que apresentei inicialmente sobre o porquê da não-estabilização tem maior força explicativa?

  • 1º) Plano Delfim I (1979), um programa populista de direita, desenvolvimentista, e ao mesmo tempo ortodoxo, monetarista, baseado na prefixação da taxa de câmbio que, na época, era a palavra de ordem de Chicago: a inflação passa de 50 para 100 por cento, e a dívida externa cresceu de 40 para 60 bilhões de dólares em dois anos.

  • 2º) Plano Delfim II (1981), um programa ortodoxo clássico, acompanhado de forte recessão: o PIB cai 3 por cento em 1981, a inflação permanece no patamar de 100 por cento até o final de 1982.

  • 3º) Plano Delfim III (1983), um programa ortodoxo monitorado pelo FMI e novamente marcado pela recessão: dado o caráter inercial da inflação, que este plano, como os dois anteriores, ignora, e a maxidesvalorização de fevereiro de 1983, a inflação dobra de patamar passando para 200 por cento, ou 10 por cento ao mês; a balança comercial, entretanto, se equilibra e em seguida passa a apresentar grandes superávits.

  • 4º) Plano Dornelles (abril, 1985), um plano heterodoxo parcial, baseado no estranho congelamento dos preços públicos e de alguns setores oligopolísticos privados, correspondentes a cerca de 40 por cento do PIB, combinado com uma política estritamente monetarista a nível do Banco Central: a inflação cai de 12 para 7 por cento durante três meses, voltando, como era de se esperar, para o patamar anterior assim que os preços congelados são afinal corrigidos; este erro mais o populismo então dominantes tornam inviável a permanência do ministro no novo governo democrático.

  • 5º) Plano Cruzado (março, 1986), um programa heterodoxo, baseado no congelamento de preços, que, embora bem formulado e contando com enorme apoio popular, acabou se perdendo no populismo e no excesso de demanda: a inflação, de 14 por cento ao mês, vai próximo de zero devido ao congelamento; quando este é rompido, em dezembro, a inflação explode.

  • 6º) Plano Bresser (junho, 1987), um plano heterodoxo de emergência e provisório, sem desindexação nem reforma monetária, apoiado em congelamento curto e em ajuste fiscal: como era esperado, a inflação volta a crescer lentamente; o plano deveria ser completado com a gradual correção dos preços públicos (o que foi feito) e uma reforma tributária no final do ano, que serviriam de preparação para um congelamento definitivo no início de 1988; por falta de apoio político, o plano deixou de ser completado; demiti-me do ministério em dezembro desse ano.

  • 7º) Plano Arroz com Feijão (janeiro, 1988), um plano ortodoxo, baseado principalmente na tentativa de ajuste fiscal, e na celebração, em agosto de 1988, de um equivocado acordo convencional sobre a dívida externa, quando já estavam adiantadas as discussões sobre redução da dívida: a inflação, de 14 por cento em dezembro do ano anterior, acelerou-se através de pequenos saltos em alguns retornos, para atingir 30 por cento no final do ano.

  • 8º) Plano Verão (janeiro, 1987), um plano heterodoxo, porque baseado no congelamento, na desindexação e na reforma monetária, e monetarista, porque apoiado em uma taxa de juros real extraordinariamente alta (16 por cento mensais no primeiro mês); explode a partir de junho e leva o país à hiperinflação em dezembro.

  • 9º) Plano Collor I (março, 1990), um plano em duas fases, a primeira heterodoxa, combinando a retenção de ativos monetários com um rápido congelamento, e a segunda, a partir de maio, baseada em rigorosa estratégia ortodoxa de ajuste fiscal e de definição e perseguição de uma meta monetária, ignorando-se inteiramente o caráter inercial da inflação brasileira: apesar da enorme recessão, a inflação volta a subir gradualmente até 20 por cento em dezembro.

  • 10º) Plano Collor II (janeiro, 1991), plano heterodoxo de emergência, combinado com tarifaço, um mero remendo: a inflação volta a crescer imediatamente após, chegando a cerca de 7 por cento em abril e a 10 por cento em junho.

Não vou discutir as causas do fracasso de cada um dos planos. Não é difícil, entretanto, perceber que as três hipóteses acima propostas ajudam a explicar cada insucesso. A explicação baseada na existência de uma dívida pública excessiva é poderosa. Não há dúvida de que uma dívida externa e interna elevada demais torna em grande parte self-defeating (autoderrotantes) os esforços de estabilização. A forte redução da dívida pública interna ocorrida em função do Plano Collor I (quase 30 bilhões de dólares) procurou resolver esse problema. No plano da dívida externa, entretanto, as limitações a uma redução expressiva são muito fortes. Países como o México e a Venezuela obtiveram reduções insatisfatórias de sua dívida externa, via Plano Brady, mas foram capazes de fazer, compensatoriamente, o ajuste interno necessário. O Brasil não terá outra alternativa.

Atrás da teoria política está, de um lado, todo o problema do populismo econômico e, de outro, a falta de poder político para impor os “custos de transição” implícitos no ajuste fiscal e nas reformas orientadas para o mercado que são necessárias. Não há dúvida de que todos os planos enfrentaram dificuldades graves nesta área. É preciso salientar, entretanto, que, no caso dos três planos ortodoxos do regime autoritário e dos dois planos após a transição democrática (Plano Cruzado e Plano Collor 1), não faltou poder político para quem devia implementá-los. Por que fracassaram esses cinco planos então? Basicamente, por incompetência técnica. Porque quatro deles ignoraram o caráter inercial da inflação brasileira, e o Plano Cruzado, porque imaginou que bastava congelar para estabilizar, ignorando que é necessário, em seguida, adotar rígidas políticas fiscais e monetárias que garantam o efetivo controle da base monetária e a estabilização da taxa de câmbio.

Examinados os planos de estabilização, restam algumas perguntas fundamentais: A economia brasileira tem saída? É correto afirmar que os planos de estabilização fracassaram simplesmente porque foram heterodoxos? ou por que foram ortodoxos? Afinal, existe saída para a inflação brasileira através de uma política gradualista, ou não há outra alternativa senão o tratamento de choque, combinando-se ortodoxia com heterodoxia?

Estou convencido de que esta alternativa existe, que há hoje uma oportunidade concreta para que ela seja posta em prática, mas estou convencido também de que esta oportunidade terá vida curta. A oportunidade deriva da confiança que o ministro Marcílio e sua equipe inspiram e da credibilidade renovada de todo o governo a partir da reforma promovida pelo presidente Collor. Esta credibilidade e esta confiança, entretanto, entrarão em rápida erosão na medida em que a sociedade se convença de que a inflação não cederá apenas com a política atual. Apresentarei inicialmente a estratégia que venho defendendo há algum tempo, combinando ajuste fiscal, âncora cambial e um congelamento temporário. Dadas, entretanto, as objeções que vêm sendo levantadas ao congelamento, apresentarei uma segunda alternativa, que me foi proposta por André Lara Resende.

7. A COMBINAÇÃO DE ORTODOXIA E HETERODOXIA

Está claro para mim que uma inflação superior a dois dígitos mensais só pode ser controlada através de um tratamento de um ataque radical. E que, se esta inflação for caracterizada por um forte componente inercial, decorrente da indexação informal da economia, deverá fazer parte do plano de estabilização uma forma qualquer de coordenação dos preços, em princípio um congelamento muito rápido, que quebre a inércia inflacionária. Teoricamente seria possível estabilizar uma economia nestas condições gradualmente, através de simples política fiscal e monetária. Os custos, entretanto, seriam grandes demais, politicamente incompatíveis com um regime democrático.9 9 A experiência mais conhecida de estabilização de uma inflação alta de forma gradual e ortodoxa é a do Chile (1973-1979). Os custos sociais, entretanto, foram altíssimos, só compatíveis com uma ditadura feroz como a do general Pinochet. E no Chile a inflação, embora alta, não chegou a inercializar-se, não houve a indexação informal da economia.

A estabilização de inflações altas e inerciais ou autônomas é o resultado de um processo que pode ser dividido em três fases:

  • (1) Preparação, constituída de (a) ajuste fiscal que elimine o déficit público e permita evitar o financiamento inflacionário, (b) correção dos preços públicos e da taxa de câmbio, de forma a evitar um tarifaço e uma máxi no dia do choque, e (c) um acordo social mínimo a respeito de salários.

  • (2) Execução, constituída (a) de um congelamento temporário, (b) da definição de uma âncora cambial fixando-se a taxa de câmbio e garantindo-se convertibilidade a essa taxa, e (c) da garantia de independência do Banco Central através de medida provisória.10 10 Esta medida deveria, basicamente, reproduzir o projeto César Maia modificado por sugestões do deputado José Serra. Dessa forma, interrompe-se, de maneira sincronizada, a espiral preços-salário-câmbio que caracteriza a inflação inercial, ao se estabelecer um nível único de equilíbrio para os valores-chave nominais da economia (preços, salários, câmbio, contratos).

  • (3) Consolidação, apoiada (a) na continuidade da política fiscal austera, (b) em uma política monetária muito rígida, só permitindo a emissão de moeda para a compra de reservas internacionais, e (c) no prosseguimento da abertura comercial, de forma a controlar os oligopólios preferivelmente através da concorrência que do monitoramento de preços.11 11 Uma definição de fases semelhante foi formulada por Yoshiaki Nakano (1990).

Creio não haver maiores dúvidas sobre os três pré-requisitos do plano. O ajuste fiscal, implicando a eliminação do déficit público, é hoje um consenso nacional. O equilíbrio prévio dos preços relativos, particularmente dos preços públicos e da taxa de câmbio, é essencial, dada a natureza inercial da inflação, ou seja, dado o fato de que a inflação é um permanente e dinâmico processo de desequilíbrio e de tentativa de correção dos preços relativos, que, assim, jamais se equilibram estaticamente. Sendo assim, o plano, como fator coordenador dos preços, pode interromper essa dinâmica viciosa. Entretanto, se no momento do choque houver desequilíbrios de preços relativos mais graves do que as simples defasagens nos aumentos de preços, o plano terá embutido dentro dele as sementes da retomada da inflação.

O acordo social mínimo é fundamental em relação aos salários. De nada adianta montar uma fórmula razoavelmente correta de atualização dos salários para o dia do plano se os trabalhadores não a entendem ou não a aceitam. A dificuldade em chegar a um acordo desse tipo é grande, mas estou convencido de que tem relativamente diminuído, na medida em que os custos para todas as classes de empurrar com a barriga a crise superam os custos de colaborar com a estabilização.

Não há também maior disputa quanto à necessidade de se garantir independência ao Banco Central no momento do Plano (esta medida fez parte de muitos planos de estabilização de hiperinflação bem-sucedidos) e quanto ao imperativo, após a estabilização, de se manter uma política fiscal e, agora, também senão principalmente, monetária absolutamente rigorosa. A liberalização comercial, por sua vez, é essencial porque sabemos que o monitoramento dos setores oligopolísticos pelo Estado é sempre problemático.

8. QUANDO A ESTRATÉGIA HETERODOXA É APROPRIADA

O eventual desacordo reside no ponto (2) do plano: o congelamento temporário. Uma estratégia heterodoxa, combinando ajuste fiscal com congelamento temporário, se justifica principalmente quando a inflação é alta e crônica ou inercial. É certo que Israel, que alcançou a estabilização em 1985 graças a um congelamento de preços, e México, que pelo mesmo método estabilizou sua economia em dezembro de 1987, não se caracterizavam por um alto índice de indexação de suas economias.12 12 No México o congelamento, acompanhado de um acordo social, recebeu o nome de “prefixação”. Pretendia-se, com essa palavra, evitar a expressão “congelamento” e, ao mesmo tempo, dar ao fenômeno uma conotação de processo gradual. Na verdade, foi um clássico congelamento. A inflação só não foi reduzida para cerca de 2 por cento ao mês - nível no qual se estabilizou - no mês seguinte ao congelamento porque há sempre um resíduo inflacionário estatístico, dado o foto de que os índices de preços não são calculados ponta, a ponta, mas média do mês contra média do mês. Eram, no entanto, economias informalmente indexadas. Nesses casos o congelamento foi extremamente efetivo, ao produzir o estancamento da inflação sem os enormes custos econômicos e sociais que, durante praticamente cinco anos, entre 197 4 e 1979, o Chile, por exemplo, foi obrigado a suportar por ter adotado uma estratégia puramente ortodoxa.

Ora, no Brasil a inflação é muito mais elevada do que foi nesses países e seu componente inercial é muito mais forte. Não resta, portanto, dúvida de que é através da combinação de um novo congelamento preparado e aberto e da definição de uma âncora cambial com uma política fiscal e, após o plano, uma política monetária muito rígidas que será possível estabilizar a economia brasileira.

Sei que congelamentos são coisas desagradáveis. Em certas circunstâncias, porém, são um mal necessário. Um mal inevitável como uma intervenção cirúrgica, quando a doença é grave e aguda. O Plano Bresser, pelo qual me responsabilizei, foi um plano de emergência, que deveria ser completado por um segundo congelamento, uma vez os preços relativos estivessem equilibrados e o déficit público sob controle. No Brasil a alta inflação é uma doença muito grave, que só poderá ser debelada através de medidas heroicas.

Os economistas do Primeiro Mundo já reconheceram há muito o caráter inercial da inflação alta ou crônica. Em consequência, um número cada vez maior deles vem recomendando a combinação de política de rendas com políticas convencionais. Ver, por exemplo, os trabalhos de Dornbusch e Fischer (1986DORNBUSCH, R. e FISCHER, S. (1986). “Stopping hyperinflation: past and present”. Weltwirshaftliches Archiv, vol. 22, janeiro.), Kiguel e Liviatan (1988KIGUEL, M.A. e LIVIATAN, N. (1988). “Inflationary rigidities and orthodox stabilization policies: Lessons from Latin America”. The World Bank Economic Review, 2(3), setembro.) e Bruno (1989BRUNO, M. (1989). “Econometrics and design of economic reform”. Econometrica 57(2), março., 1991BRUNO, M.; FISCHER, S.; HELPMAN, E.; LIVIATAN, N., (orgs.) (1991). Lessons of economic stabilizations and its aftermath. Cambridge, Mass.: MIT Press.). Este último, na introdução de um excelente livro editado por ele próprio, Fischer, Helpman e Liviatan, com o sugestivo título Lessons of economic stabilization and its aftermath, afirma: “Dada a inércia inflacionária, a cura ortodoxa é necessária, mas não suficiente. A correção das variáveis econômicas fundamentais não remove por si só a inércia inflacionária, como o recente exemplo do México demonstrou. Intervenção direta suplementar no processo nominal, como o congelamento temporário de salários, preços e da taxa de câmbio, pode reduzir substancialmente o custo inicial da desinflação”. Não é possível ser mais claro. Em um artigo recente com o sugestivo título “When do heterodox stabilization programs work? Lessons from experience”, Kiguel e Liviatan apresentam duas circunstâncias de alta inflação em que um plano heterodoxo não é apropriado: quando a inflação se tornou alta subitamente e quando temos uma hiperinflação. Em ambos os casos a inércia não é relevante. E concluem: “A única situação na qual a estratégia heterodoxa pode ser útil, portanto, é nas economias sofrendo de inflação crônica alta” (1992KIGUEL, M.A. e LIVIATAN, N. (1992). “When do heterodox stabilization programs work? Lessons from experience”. The World Bank Research Observer 7(1) janeiro.: 54). Ora, não há nenhum país que mais se ajuste a essa descrição que o Brasil.

9. ALTERNATIVA: ÂNCORA CAMBIAL E CURRENCY BOARD

Uma alternativa também heterodoxa ao congelamento seria a adoção de uma âncora nominal. Podemos ter uma âncora monetária ou uma âncora cambial.

Fernando Holanda Barbosa (1991BARBOSA, Fernando Holanda. (1991) “A morte anunciada da hiperinflação”, Folha de S.Paulo, 17/11/91.) propõe a âncora monetária, acompanhada da independência do Banco Central. Esta proposta, que, como qualquer outra, pressupõe o equilíbrio fiscal, não considera, porém, o problema fundamental: a inércia inflacionária. Esta, ao manter a inflação elevada por algum tempo, implicaria uma redução muito forte da oferta real de moeda, e rapidamente se revelaria economicamente inviável, ao provocar uma violenta elevação da taxa de juros, recessão e quebra de instituições. Por outro lado, a continuidade da inflação por algum tempo, em função da inércia, implicaria aumento dos custos do governo e afetaria o equilíbrio fiscal eventualmente alcançado.

O mesmo argumento se aplica à definição de uma âncora cambial, como substituto do congelamento. Esta proposta foi feita no Brasil inicialmente por André Lara Resende, em 1989, de maneira informal, e em 1991, em um artigo em Exame. Muito corretamente ele tem afirmado que sem “uma âncora coordenadora das expectativas” é impossível controlar uma inflação crônica como a existente no Brasil. Na verdade, no Brasil, a âncora cambial deve ser pensada não como um substituto, mas como um complemento do congelamento de preços e salários. Nem mesmo na Argentina a âncora cambial substituiu inteiramente a política de rendas. Houve ali um acordo com os principais grupos empresariais que correspondeu a “uma espécie de congelamento de preços”. Por outro lado, como a economia era totalmente dolarizada, a ponto de o indexador da economia ser o dólar, a fixação e a conversibilidade da taxa de câmbio serviam para controlar todos os demais preços. No Brasil isso não ocorre, a economia não é dolarizada. É a taxa de inflação que determina a taxa de câmbio, e não o inverso, de forma que a simples definição da conversibilidade do cruzeiro - ou de qualquer outra nova moeda que o substitua - não terá o condão de paralisar imediatamente os preços. Estes continuarão a aumentar inercialmente por algum tempo. Quando o resíduo inercial se esgotar e os preços se estabilizarem devido à fixação da taxa de câmbio, esta já estará irremediavelmente valorizada e não poderá ser mantida fixa.13 13 Um pouco antes do Plano Cavallo, Aldo Ferrer e eu publicamos na Revista de Economia Política (janeiro 1991) artigo mostrando como na Argentina a economia já estava dolarizada, enquanto o mesmo não ocorria no Brasil. Na Argentina o indexador era a taxa de câmbio, enquanto no Brasil a taxa de câmbio é determinada pela taxa de inflação. Nunes e Cavalcanti (1991) confirmaram econometricamente esta hipótese.

Mais recentemente, diante da crítica de que a fixação da taxa de câmbio poderia provocar a valorização do cruzeiro, inviabilizando o programa de estabilização, Lara Resende passou a propor a adoção, em um período de transição, de duas moedas: uma moeda forte, equiparada ao dólar, e o cruzeiro. A moeda forte seria emitida por um Currency Board e teria como lastro pelo menos cem por cento em divisas fortes, em troca de cruzeiros. Seriam permitidos e estimulados pagamentos e depósitos na nova moeda. A velha moeda, o cruzeiro, continuaria a ser administrado normalmente; os depósitos em cruzeiros continuariam indexados e a taxa de juros real, alta. A inflação inercial, portanto, deveria continuar a ocorrer na moeda velha. Entretanto, como seria possível realizar as transações na nova moeda, haveria rapidamente uma “dolarização” da economia, ou seja, todos os preços em cruzeiros seriam logo indexados pela nova moeda. No momento em que isto ocorresse bastaria fixar a taxa de câmbio entre as duas moedas, como foi feito na Argentina, para a inflação ser eliminada.14 14 Estas ideias me foram apresentadas oralmente por Lara Resende, em maio de 1992. Ele ainda não as escreveu. Esta é uma alternativa viável ao congelamento, que respeita a natureza inercial da inflação. É também uma solução heterodoxa, que terminará a inflação de forma abrupta.

Já apresentei todos os argumentos econômicos a favor de uma solução de choque para controlar a inflação alta e inercial existente no Brasil. Termino com um argumento político. Reformas demoradas acabam sendo extremamente custosas e se inviabilizam politicamente a meio do caminho. Adam Przeworski, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Chicago, no livro Democracy and the market, afirma que hoje, nos regimes democráticos da América Latina e do Leste Europeu, “programas radicais têm maior probabilidade de fazer avançar as reformas sob condições democráticas” (1991: 174). A razão para isto é clara. Não é possível manter o mínimo de apoio político para reformas que se prolongam, implicam custos, e não convencem a sociedade de que a melhora das condições econômicas está próxima. Hoje existe uma oportunidade política para se controlar a inflação no Brasil. Daqui a alguns meses esta oportunidade desaparecerá ou implicará custos muito maiores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • TOKESHI, H. (1991). Indexação informal, probabilidade e comportamento convencional. Campinas: Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Dissertação de Mestrado, agosto 1991.
  • 1
    Esta expressão, criada em 1984 por Francisco Lopes, a rigor deveria ser abandonada, já que a necessidade de algum tipo de congelamento, quando a inflação atinge níveis muito altos, passou a ser aceita consensualmente por um grande número de economistas geralmente classificados como “ortodoxos”. De qualquer forma, podemos definir uma estratégia heterodoxa de inflação como aquela que combina política fiscal e monetária com um choque na forma de um congelamento ou de uma âncora nominal.
  • 2
    A segunda fase do Plano Collor I estava começando quando escrevi com Nakano o capítulo anterior. Uma análise mais completa dessa segunda fase encontra-se em meu livro Os tempos heroicos de Collor e Zélia (1991).
  • 3
    Qualquer desses quatro nomes é aceitável. O mais comum é “inercial”. Pessoalmente prefiro a expressão “autônoma”, para salientar sua autonomia em relação à demanda e à oferta de moeda. Foi a expressão que utilizei originalmente (1981BRESSER-PEREIRA, L.C. (1981). “A inflação no capitalismo de Estado (e a experiência brasileira recente)”. Revista de Economia Política, 1(2), abril 1981.) para definir esse tipo de inflação.
  • 4
    A explicação para a aceleração da inflação anterior encontra-se no capítulo anterior, “Hyperinflation and stabilization in Brazil: the first Collor Plan”.
  • 5
    Para o conceito de “resíduo inflacionário pós-plano”, ver Bresser-Pereira e Nakano (1991BRESSER-PEREIRA, L.C. e NAKANO, Y. (1991). “Resíduo inflacionário pós-congelamento e política monetária”. In Clóvis de Faro (org.) (1991).).
  • 6
    Ver a respeito Tokeshi (1991TOKESHI, H. (1991). Indexação informal, probabilidade e comportamento convencional. Campinas: Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Dissertação de Mestrado, agosto 1991.). Nesse trabalho o autor busca os “microfundamentos” da inflação inercial ou da indexação informal da economia.
  • 7
    Para 1992 a previsão da carta é ainda de um déficit público operacional de 2,7 por cento do PIB, apesar da aumento da carga tributária provocado pela reforma fiscal antecipando impostos, aprovada pelo Congresso em dezembro de 1991.
  • 8
    Devo essa observação sobre os dois tipos de agentes econômicos a Fernando Holanda Barbosa.
  • 9
    A experiência mais conhecida de estabilização de uma inflação alta de forma gradual e ortodoxa é a do Chile (1973-1979). Os custos sociais, entretanto, foram altíssimos, só compatíveis com uma ditadura feroz como a do general Pinochet. E no Chile a inflação, embora alta, não chegou a inercializar-se, não houve a indexação informal da economia.
  • 10
    Esta medida deveria, basicamente, reproduzir o projeto César Maia modificado por sugestões do deputado José Serra.
  • 11
    Uma definição de fases semelhante foi formulada por Yoshiaki Nakano (1990NAKANO, Y. (1990). “As fragilidades do Plano Collor de estabilização”. In Clóvis de Faro (org.) (1990).).
  • 12
    No México o congelamento, acompanhado de um acordo social, recebeu o nome de “prefixação”. Pretendia-se, com essa palavra, evitar a expressão “congelamento” e, ao mesmo tempo, dar ao fenômeno uma conotação de processo gradual. Na verdade, foi um clássico congelamento. A inflação só não foi reduzida para cerca de 2 por cento ao mês - nível no qual se estabilizou - no mês seguinte ao congelamento porque há sempre um resíduo inflacionário estatístico, dado o foto de que os índices de preços não são calculados ponta, a ponta, mas média do mês contra média do mês.
  • 13
    Um pouco antes do Plano Cavallo, Aldo Ferrer e eu publicamos na Revista de Economia Política (janeiro 1991) artigo mostrando como na Argentina a economia já estava dolarizada, enquanto o mesmo não ocorria no Brasil. Na Argentina o indexador era a taxa de câmbio, enquanto no Brasil a taxa de câmbio é determinada pela taxa de inflação. Nunes e Cavalcanti (1991NUNES, J.M.M. e CAVALCANTI, M.C. (1991). “Dolarização crônica: uma nota”. Revista de Economia Política 11 (4), outubro.) confirmaram econometricamente esta hipótese.
  • 14
    Estas ideias me foram apresentadas oralmente por Lara Resende, em maio de 1992. Ele ainda não as escreveu.
  • 15
    JEL Classification: E31; E42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1992
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