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O Brasil e o ciclo de Kondratieff e Juglar segundo a obra de Ignácio Rangel*

Brazil and the Kondratieff’s and Juglar’s cycle according to the work of Ignácio Rangel

RESUMO

Ignácio Rangel é um dos poucos economistas brasileiros a refletir sobre a relação entre ciclos de negócios e a história da economia brasileira. Neste artigo, utilizamos esse assunto como um “fio” de conexão de parte de seu trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:
Ciclos econômicos; Kondratieff; Juglar

ABSTRACT

Ignácio Rangel is one of the few Brazilian economists to reflect on the relationship between business cycles and the history of Brazilian economics. In this article, we utilize this subject as a connecting “thread” of part of his work.

KEYWORDS:
Economic cycles; Kondratieff

I. INTRODUÇÃO

lgnácio Rangel foi um dos primeiros economistas brasileiros a refletir sobre a relação entre teoria dos ciclos e a história da economia brasileira. Isso nos incitou a escolher o tema como fio condutor de uma leitura de seus trabalhos.

A primeira parte deste artigo procura reproduzir a visão de Rangel sobre a dinâmica do “Kondratieff” nos países desenvolvidos. O entendimento do papel da tecnologia como fator promotor das grandes metástases tecnológico-econômicas e o seu conceito de subdesenvolvimento tornam-se indispensáveis para entender a sua posição sobre o papel da tecnologia no desenvolvimento brasileiro e a exogeneidade do nosso “Kondratieff”. Após descrever sua periodização dos ciclos longos brasileiros, passamos a apresentar sua descrição de nossos ciclos endógenos. Para isso, desenvolvemos uma explicação do mecanismo teórico do que Rangel chama de “dialética da capacidade ociosa” e apresentamos os principais “ciclos de Juglar”, inclusive o atual.

Ao traçar um fio de união entre diversos trabalhos de Rangel, procuramos a maior fidelidade possível aos seus escritos. As ideias, fatos e opiniões aqui expostos são, pois, retirados dos seus trabalhos, não coincidindo necessariamente, aliás, com o nosso ponto de vista sobre a questão.

II. OS “CICLOS DE KONDRATIEFF” E O CENTRO DINÂMICO

Segundo a teoria de Nicolai D. Kondratieff nos anos 20, a economia capitalista se desenvolve em ciclos de aproximadamente 50 anos. A ideia contraria tanto os dogmas leninistas da crise geral quanto a posição dos teóricos do liberalismo, de prosperidade indefinida da economia.1 1 Na União Soviética, foi destituído dos seus cargos, preso e deportado para a Sibéria. No Ocidente, seu trabalho foi recebido com reservas, sendo que seu nome não aparece, por exemplo, na bibliografia do livro A Contribution to the Theory of the Trade Cycles, de J. H. Hicles.

Esses ciclos longos estão intimamente relacionados ao processo de efetivação tecnológica. A implantação da “nova técnica” se utiliza intensamente das instalações arcaicas preexistentes, engendrando o crescimento econômico e do emprego. Num primeiro momento, dado o aumento da demanda, não há competição entre as novas instalações e as anteriores (o que provocaria o seu consequente sucateamento), com um ganho social líquido de produtividade. Terminada a primeira onda de investimentos, no entanto, há uma saturação do mercado e a convivência inicial das diferentes gerações de técnicas empregadas é rompida, a nova técnica tendendo a generalizar-se. Dessa forma, a cada vez se tem de sucatear uma nova instalação mais moderna, com sacrifício de recursos materiais e humanos (rebaixamento de mão-de-obra para semi ou não qualificada). Ou seja, a produtividade marginal do capital diminui, desestimulando novos investimentos.

Apesar de com as pesquisas para implantação de projetos específicos e o acúmulo de experiência de sua implantação surgir uma “novíssima técnica”, seu emprego encontra grande resistência, devido ao alto custo do capital utilizado para implantação da “nova técnica” e a consequente inviabilidade do seu sucateamento. A economia passa então a um estado de estagnação (fase b do ciclo).

A economia tenderá a ficar num estado de letargia até o desgaste físico dos recursos imobilizados e o surgimento de “novíssimas técnicas” suficientes para compensar o sucateamento dos capitais anteriormente criados. A partir desse momento, ocorrerá uma vaga geral de renovação do parque produtivo, com crescimento da formação de capital, da demanda efetiva, do emprego e do dividendo social.

A superação dos ciclos econômicos de longo prazo só seria possível pelo rigoroso planejamento da economia, que disciplinasse a introdução da “nova técnica” de forma a que coexistissem unidades produtivas de diferentes idades, cristalizadoras de tecnologias de gerações diferentes, condicionando custos muito díspares. Isso permitiria a preservação de suficientes oportunidades de inversão que pudessem ser portadoras das “novíssimas técnicas”.

Na economia de mercado o ciclo é inevitável, pois o esmagamento das unidades marginais é o modo pelo qual o progresso técnico faz valer os seus direitos, levando a uma homogeneização tecnológica de cada setor em determinado período.

Recuando no tempo ao período das duas Guerras Mundiais e tomando como referência a Europa, observa-se que à primeira se seguiu uma reconstrução simples, enquanto na segunda houve uma reconstrução ampliada. Enquanto a Primeira Guerra Mundial, como guerra de posições, preservou as retaguardas dos beligerantes, deixando relativamente intactas suas instalações produtivas, a Segunda Guerra Mundial foi uma guerra de movimento, com grande extensão dos estragos. Após a Primeira Guerra Mundial, os frutos da reconstrução somaram-se simplesmente às instalações preservadas, tecnicamente homogêneos em relação a essas. O período posterior a esta guerra conhecerá uma depressão sem precedentes, que constituirá a fase b do “Terceiro Kondratieff”. Já no período posterior à Segunda Guerra Mundial, os frutos da primeira vaga de reconstrução, tecnicamente heterogêneos em relação às instalações preservadas graças a um hiato tecnológico tão grande que resultava em diferenciação qualitativa, não se podiam somar pacificamente a eles. Criaram-se, assim, precondições para um movimento sem precedentes de renovação do capital fixo social, marcando o início da fase a do “Quarto Kondratieff” (1948).

III. AS GRANDES “METÁSTASES”2 2 Rangel pega o termo “metástases” da medicina, que utiliza para indicar a situação em que o tumor, aparentemente adormecido em um órgão, projeta-se bruscamente em outro órgão, com consequências geralmente fatais. TECNOLÓGICO-ECONÔMICAS

“Já Lênin havia observado que o desenvolvimento desigual é uma lei do capitalismo. Contra a noção vulgar de um desenvolvimento fazendo-se com a ordem de uma parada militar, guardando cada unidade as distâncias regulamentares relativamente às que a precedem ou sucedem, mostrou ele que, na vida real, as posições se trocam, se embaralham, mudam continuamente os balanços mundiais de forças, passando inopinadamente um retardatário para uma posição de vanguarda, e vice-versa” (Rangel, 1982RANGEL, I. (1982). Ciclo, Tecnologia e Crescimento. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. , p. 2).

No período da Segunda Guerra Mundial, a corrida armamentista pré-bélica e o esforço de guerra engendraram um ritmo intenso de pesquisa e desenvolvimento, aproveitando o imenso acervo de precondições científicas e técnicas existentes. Alguns países, principalmente os Estados Unidos, aproveitaram a técnica disponível para reestruturar o seu parque produtivo. Isto foi possível graças às colossais reservas de capacidade ociosa de que dispunham e que foram exploradas para atender à situação de guerra, gerando um excedente econômico suficiente para compensar os dispêndios improdutivos, os efeitos das destruições e a formação de capital implícita na implantação de indústrias novas e tecnologicamente renovadas.

Os EUA se capitalizaram à base de “técnica nova”, necessariamente condenada à superação pela “técnica novíssima” que nasceria com a sua implantação. A Alemanha e o Japão estavam com seus parques produtivos superados e destruídos, e com um desemprego disfarçado virtual, isto é, um potencial produtivo imediato, decorrente do emprego de recursos existentes, mas só disponíveis com o uso de uma técnica desenvolvida no período da guerra. A implantação da nova tecnologia num parque produtivo semidestruído e arcaico detonaria um crescimento explosivo da economia.

Se a Europa, com a Alemanha à frente, foi a sede da primeira leva de “milagres”, ao Japão coube fazer um “milagre” maior, expresso por ritmos ainda mais fortes de crescimento. Isto porque a implantação da “novíssima tecnologia’’ na Alemanha possibilitou o surgimento de uma tecnologia mais nova ainda, resultante da sua experiência.

Não basta que em algum lugar exista uma tecnologia mais sofisticada para que um país tenha seu domínio virtual. Para que a tecnologia se viabilize, são necessários recursos materiais e humanos com ela compatíveis e a competente motivação que desencadeie o processo de renovação.

“Os países periféricos do Terceiro Mundo, ao se iniciar a segunda reconstrução pós-bélica, estavam incomensuravelmente mais atrasados que os do centro dinâmico. Não obstante, seu atraso virtual, vale dizer, a distância entre sua tecnologia aplicada e a que estaria ao seu alcance com os meios então a seu dispor, não era tão grande. Com esses meios, mesmo que uma catástrofe destruísse suas instalações industriais existentes, essas seriam, provavelmente, substituídas por outras semelhantes, pois a tecnologia posta ao alcance dos países do Grupo B (Europa Ocidental, menos Associação de Livre Comércio e Japão), pela guerra, não estava ao seu alcance” (Rangel, 1982RANGEL, I. (1982). Ciclo, Tecnologia e Crescimento. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. , p. 56).

Dessa forma, pode-se conceituar o “subdesenvolvimento como atraso relativo de um país, não comparativamente a outro país qualquer, mas sim a um estágio superior do seu próprio desenvolvimento, para o qual já estejam criadas precondições essenciais, à vista da tecnologia já amadurecida no mundo e da própria capacidade de organização do acesso à tecnologia de vanguarda ... ‘’ (Rangel, 1982RANGEL, I. (1982). Ciclo, Tecnologia e Crescimento. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. , p. 27).

IV. OS “CICLOS DE KONDRATIEFF” E O BRASIL

Implantar uma “novíssima tecnologia” no processo produtivo implica sacrificar parte dos meios de produção existentes. Desta forma, o custo social dessa implantação tende a ser maior nos países desenvolvidos, onde o hiato tecnológico é menor, que nos países subdesenvolvidos, onde esse hiato é grande e o equipamento a ser sucateado é mais arcaico.

É grande ilusão pensar que o Brasil tem condições de fundar sua independência tecnológica imediatamente. Em primeiro lugar, ciência e técnica, como forças produtivas em si mesmas, isto é, independentemente de onde atuam, são produtos da civilização. Em segundo lugar, a ciência e a técnica só frutificam como tecnologia de ponta onde exista um capitalismo financeiro estruturado ou o socialismo. Dado o caráter embrionário de nosso capitalismo financeiro, não podemos produzir tecnologia de ponta. Assim, antes de produzir tecnologia, devemos nos tornar importadores dessa mercadoria. Não apenas “importadores virtuais” como sempre fomos - dado que a tecnologia engendrada pelos países de vanguarda é insumo obrigatório, ainda quando não explícito, dos produtos importados finais -, mas importadores de “tecnologia pura”.

Até hoje, ao importar indiretamente tecnologia na forma de equipamentos predeterminam-se as funções de produção, em razão de sua densidade tecnológica, e, a partir daí, condenamo-nos a importar também outros integrantes das funções de produção, de densidade tecnológica mais baixa, embora o seu suprimento interno já esteja ·ao nosso alcance.

O Brasil, nas últimas décadas, desenvolveu um Departamento I potente, que, pela aquisição de tecnologia em estado puro, possibilita acompanhar de perto a revolução técnico-científica.

O “Kondratieff” brasileiro é de origem exógena, com a vantagem de já existir a tecnologia que deverá informar a vaga de investimentos.

Nos períodos de crise (fase b), há um estrangulamento do comércio exterior devido à piora nos termos de intercâmbio, ou seja, o Brasil reduz sua participação na divisão internacional do trabalho. O país volta sua economia “para dentro”,3 3 A CEPAL foi quem primeiro estudou o tipo de crescimento latino-americano “para fora”. Contudo, os seus economistas geralmente se referem ao “crescimento para fora” como forma passada de desenvolvimento, cabendo o presente e o futuro ao “crescimento para dentro”. Rangel associa a eles a ideia de alternância. promovendo um processo de substituição de importações, que passa a ser o motor da economia.

Nas épocas de prosperidade internacional (fase a), a economia volta a crescer “para fora”, aumentando a produção exportável, que passa a ser o centro dinâmico da economia.

Associada à fase recessiva do ciclo está a mudança dos parceiros da aliança de poder que dominam as relações político-econômicas de cada ciclo mais longo. Ou seja, cada ciclo traz consigo mudanças sociais, isto é, políticas, jurídicas, institucionais. O coroamento das mudanças faz-se no pacto fundamental de poder da sociedade, isto é, na composição de classe do próprio Estado.

Historicamente, o poder no Estado brasileiro é exercido pela coalizão de duas classes que refletem o· estágio das forças produtivas no país. Conforme o estágio de desenvolvimento da economia brasileira avança, a dualidade que exerce o poder muda. Nunca os dois “sócios” mudam ao mesmo tempo: cada nova dualidade é formada pelo parceiro secundário da dualidade anterior, que passa a ter papel preponderante na nova, e por uma dissidência da classe anteriormente hegemônica.

Na fase b do Primeiro Kondratieff (1815-48), a relativa autossuficiência foi buscada através da diversificação das fazendas de escravos: aumentou-se a parte do produto destinado ao autoconsumo e diminuiu-se a parte exportável, tornando a economia nacional mais independente com relação às importações. Do ponto de vista nacional, houve uma espécie de substituição de importações. Desse período resultou a primeira dualidade, isto é, um pacto de poder pela aliança entre as classes dos senhores de escravos, que passara do regime colonial, com a classe de comerciantes, dissidente do capitalismo mercantil português.

Na fase a do Segundo Kondratieff (1848-73), com nova fase expansiva da economia mundial, o país voltou a crescer “para fora”, aumentando a produção de produtos exportáveis. O crescimento da renda monetária da fazenda e da receita cambial do país engendrou um movimento de urbanização. Participaram dessa movimentação não só as famílias de senhores, pela transferência da casa-grande para cidade, mas também a mão-de-obra escrava e semi-livre, antes ocupada na casa-grande rural, em atividades substitutivas de importações.

Com a fase b do Segundo Kondratieff (1873-96), nova fase de substituição de importações, só que sem retorno expressivo ao sistema de subsistência em torno da economia da casa-grande. A sede desse novo esforço foram as cidades, com a proliferação de unidades artesanais e algumas manufaturas pré-industriais. O promotor desse movimento não foram os senhores de escravos, mas sim o capital mercantil, que passava a assumir a liderança da segunda dualidade, com uma dissidência da classe de senhores de escravos, a nova classe dos latifundiários feudais.

Na fase a do Terceiro Kondratieff (1896-1921), o coeficiente de abertura da economia voltou a crescer, aumentando o intercâmbio com o exterior.

Na fase b do Terceiro Kondratieff (1921-48), o esforço mercantil de substituição de importações ultrapassou os quadros primitivos e começou a ter caráter propriamente industrial.

“Com o advento do capitalismo industrial, entrava em cena um novo complicador, visto que no corpo da economia surgia um centro dinâmico, capaz de engendrar ciclos diferentes e independentes dos ciclos longos, que tinham sua origem no centro dinâmico da economia mundial. Por sua natureza, esses ciclos filiam-se, obviamente, à família dos ‘Ciclos de Juglar’ “(Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , p. 21).

A fase b do Terceiro Kondratieff revelou a incompetência do capitalismo mercantil para enfrentar os novos desafios, que impunham um tipo superior de substituição de importações, isto é, a industrialização. A classe dos capitalistas industriais, dissidência progressista da classe de comerciantes, negociou com a classe dos latifundiários, surgida da segunda dualidade, novo pacto de poder, sob a hegemonia desta.

O movimento de substituição de importações, contrariamente aos seus predecessores, não se interrompeu com o advento da fase expansiva do quarto ciclo longo (1948-73), em consequência de dois fatos simultâneos:

  • a) O comércio internacional dos países desenvolvidos recomeçou a crescer, pois suas exportações cresceram 2,9 vezes entre 1950 e 1965, mas essa reativação interessou essencialmente ao comércio entre os próprios países desenvolvidos, que, no mesmo período, cresceu de 3,2 vezes. O Brasil, país não exportador de petróleo, manteve suas exportações virtualmente constantes (US$ 1.085 milhões em 1950, para US$ 1.096 milhões em 1965).

  • b) No mesmo período, o PIB continuou a expandir-se (cresceu 2,4 vezes), em óbvio descompasso com a capacidade de importar. Em outras palavras, as condições propícias à substituição de importações se mantiveram mesmo fora da fase b do ciclo longo, revelando considerável autonomia da economia brasileira em relação aos impulsos do centro dinâmico, autonomia essa intimamente relacionada ao movimento de industrialização iniciado no ciclo longo precedente.

Com o início da fase b do Quarto Kondratieff, em 1973, chegou ao fim a terceira dualidade. A até então classe menor dos capitalistas industriais, em plena maturidade, não pôde não aspirar à hegemonia; para isso, aliou-se ao jovem latifúndio capitalista, dissidência progressista da classe dos latifundiários feudais. Esse novo pacto de poder caracterizará a quarta dualidade.

V. O “CICLO JUGLAR” E O BRASIL

Os ciclos de Juglar brasileiros, como já dito, surgiram com a industrialização, substituindo importações em cada setor da economia, a cada um correspondendo um ciclo.4 4 Segundo Rangel, “o conceito de setor”, em economia brasileira, não apenas não se compagina com os de indústria (W. Leontieff) e departamento (Marx), como tende a mudar com o tempo, isto é, com a passagem de uma etapa da industrialização a outra. No processo de industrialização ou de implantação do capitalismo industrial, na esteira da Grande Depressão Mundial, posta em marcha sob a forma de substituição de importações, torna-se indispensável recorrer a um conceito de setorialização, estritamente pragmático. Por “setor”, devemos entender grupos de atividades econômicas suscetíveis de dinamização por elencos de inovações institucionais (jurídico-políticas) postas em marcha nas condições das crises do processo geral de industrialização (Rangel, 1979, rodapé da p. 98).

De certa maneira, o ciclo breve modula o ciclo longo, somando-se a ele algebricamente - ora atenuando, ora acentuando o seu efeito. O Juglar brasileiro tem duração aproximada de dez anos, geralmente sendo depressivos os primeiros anos da década e ascendentes os da segunda metade.

Os ciclos de Juglar brasileiros são causados pelo acentuado desajustamento estrutural, próprio do nosso processo de industrialização. Esse desajustamento decorre da definição, no corpo do organismo econômico nacional, de um polo de ociosidade e de um polo de estrangulamento. Condições jurídico-institucionais favorecem a expansão de um grupo de atividades econômicas, até que estas ultrapassem as forças da demanda efetiva específica. Com a capacidade ociosa setorial, escasseiam (no setor favorecido) as oportunidades de investimentos, não se tendo o que fazer com as sobras de caixa. Isso determina geralmente a fase b do ciclo.

Ao mesmo tempo que medidas jurídico-institucionais estimulam um setor, bloqueiam o desenvolvimento de outro. Ou seja, paralelamente à acumulação de capacidade ociosa num polo do sistema econômico, revela-se outro polo, com atividades carregadas de pontos de estrangulamento. É nesse segundo polo que, a certa altura do processo, se deverão revelar oportunidades para investimento de fundos surgidos no primeiro polo. O aproveitamento desses recursos ociosos deverá abrir a fase a do ciclo breve e endógeno subsequente.

Os ciclos, apesar de terem características próprias, guardam todos um ar de família. A fase recessiva de cada ciclo apresenta dois problemas gêmeos. “Com efeito, na fase expansiva que precede a recessão, um setor ou grupo de atividades econômicas cresce até pôr em evidência excesso de capacidade. Mas, durante a mesma fase expansiva, a estrutura de demanda do sistema modifica-se de modo que, simultaneamente, são postos em evidência pontos de estrangulamento, cuja superação exigirá investimentos, os quais, por um lado, deverão promover a utilização do excesso de capacidade acumulada num polo e, por outro, impelirão a economia para nova fase expansiva. Mudam os setores polares, mas não o fato de que estejam presentes ambos em oposição dialética” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , p. 38).

Esse jogo de revelação simultânea de capacidade excessiva (condenada a tornar-se ociosa) e de criação de novas necessidades (que suscitam novos pontos de estrangulamento) é o que Rangel vem estudando sob o título de “dialética de capacidade ociosa”.

“Os ciclos desenvolvem-se ao modo de espiras, como roscas de um parafuso. Repetem-se, por certo, mas noutros planos, envolvendo grupos sempre novos de atividades econômicas, ou setores. O que é hoje uma área de estrangulamento será, no próximo ciclo, ou no subsequente, um polo de ociosidade” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , in J. IERJ).

“Cada ciclo em sua fase final ou recessiva (fase b), ao pôr em marcha as diversas classes sociais, acaba por introduzir no sistema mudanças institucionais, com múltiplos efeitos, inclusive sobre o mecanismo financeiro do país, com o resultado final de permitir a captação de recursos oriundos da utilização de capacidade ociosa acumulada no ciclo em via de encerramento, ou noutro, para o fim especial de alimentar os investimentos voltados para o rompimento dos pontos de estrangulamento postos em evidência nos quadros do crescimento do sistema, na fase a, ou ascendente do ciclo” (Rangel, 1979RANGEL, I. (1979a). Recursos Ociosos e Política Econômica. Rio de Janeiro, Conselho de Desenvolvimento. , p. 137).

VI. OS CICLOS ENDÓGENOS BRASILEIROS

Foi a crise do chamado “modelo exportador”, ligada à fase b do Terceiro Kondratieff (1921-48), que engendrou o primeiro hemiciclo b endógeno brasileiro (juglariano), em 1930, abrindo novo “modelo”, ou seja, inaugurando, com a industrialização, a terceira dualidade brasileira. Nesse primeiro ciclo, o investimento aconteceu na área da indústria leve substitutiva de importações, sendo a poupança suprida basicamente pela agricultura produtora de exportações e serviços conexos, além das numerosas instalações de tipo pré-industrial surgidas nos quadros das crises passadas. O controle físico das importações, tornado possível pelo controle do mercado de divisas pelo Estado, nos anos 30, ao mesmo tempo que dificultava, ou pelo menos encarecia as importações de bens de consumo, liberava (e barateava) divisas para importação de bens de equipamentos necessários à industrialização das atividades que haviam tido suas importações proibidas ou encarecidas. Assim, o Estado orientava o esforço de industrialização para certas áreas do sistema econômico, embora inibindo essa mesma industrialização em outras áreas da economia.

O instrumento de transferência intersetorial de recursos, no primeiro ciclo, foi estritamente pessoal. Ou seja, o fazendeiro de café dos anos 30, pressionado de diversos modos pelo Estado e pelo corpo social, em vez de plantar novos pés de café, confiou aos filhos os recursos livres, oriundos da venda de café (eventualmente para ser queimado), e eles, atraídos pelo incentivo dado à produção interna de artigos industriais antes importados, os investiam na indústria nacional em via de implantar-se, instrumentalizando uma transferência intersetorial de recursos, no ato de levar a cabo uma simples redistribuição intrafamiliar de recursos.

Desta forma a industrialização começou pelas atividades supridoras de bens de consumo, indo, de ciclo em ciclo, aproximando-se das atividades supridoras de bens de produção. “Tudo isso desenvolvendo-se espontaneamente, sem qualquer intencionalidade - e até sem consciência social clara do que estava acontecendo, mas muito consistentemente, revelando uma lógica objetiva impecável” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , p. 53). Como o que importávamos principalmente eram bens de consumo, o esforço de restrição de importações foi dirigido para eles, incentivando a produção prioritária desses bens.

A industrialização a partir de um Departamento II se apoiou na existência de um Departamento I pré-industrial, construído através de esforço de substituição de importações da fase b do Segundo Kondratieff e da Primeira Guerra Mundial. Constava de oficinas mecânicas independentes ou de oficinas anexas a estabelecimentos industriais ou dos serviços de utilidade pública a cargo de concessionários estrangeiros, ou ainda de estabelecimentos de apoio aos estabelecimentos militares de terra e mar.

“O estudo do Departamento I pré-industrial é importante, sob diversos pontos de vista. Mas no caso brasileiro, visto como a industrialização foi empreendida sem reforma agrária, reveste-se de especial importância o fato de que, nesse D I, a função básica de produção é fortemente labour intensive. Com efeito, o D I pré-industrial é capaz de suprir bens de capital, mas sob certas condições, dentre as quais se destacam, em primeiro lugar, o congelamento da tecnologia e, em segundo lugar, a função de produção intensiva quanto ao trabalho. Se há um caso em que a definição marxista de capital - como trabalho cristalizado - é especialmente verdadeira, é no caso em que o Departamento I do sistema é pré-industrial: em toda a primeira etapa de nossa industrialização, até o surgimento recente de um D I industrial, tínhamos o paradoxo da implantação de um parque poupador de mão-de-obra, pelo uso de instalações intensivas quanto à mesma mão-de-obra. Por esse motivo, a crise agrária somente assumia formas agudas nas fases recessivas do ciclo, isto é, quando declinava o esforço de formação de capital. Precisamente isso mudou quando, depois do implantada a indústria leve, empreendemos a implantação da indústria pesada: depois do D II industrial, um D I também industrial” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , p. 56-57).5 5 Esta visão de lgnácio Rangel sobre a questão agrária é uma espécie de autocrítica. Em 1930, ele participava da ANL (Aliança Nacional Liberadora), representante de parte do pensamento marxista brasileiro, que postulava a incontornável necessidade da reforma agrária como condição essencial para a industrialização brasileira. Segundo sua atual visão do problema, porém, como a industrialização ocorreu escalonadamente setor após setor, “o esforço de formação de capital do sistema podia desencadear-se, mesmo na hipótese de insuficiência da demanda global, desde que houvesse insuficiência da oferta específica de um grupo historicamente determinado de produtos e, em segundo lugar, o fato de que, procedendo-se à industrialização de cima para baixo, isto é, a começar pela indústria leve, o multiplicador de emprego do esforço de formação de capital era muito grande” (Rangel, 1985, p. 83-84). Neste ponto torna-se possível entender a aliança, por ele indicada, entre o latifúndio feudal e a burguesia industrial, uma vez que a reforma agrária não era condição necessária à industrialização

O período de extraordinário crescimento da economia brasileira (1968 a 1973),6 6 Neste período, a taxa média de crescimento do PIB foi de 11,11% a.a., com uma taxa média de crescimento do produto industrial de 12,40% a.a. conhecido como o “milagre brasileiro”, é um outro período que serve de exemplo à compreensão do mecanismo do ciclo juglariano brasileiro. Neste ciclo o setor dinâmico viria a ser a construção residencial e os bens duráveis de consumo, inclusive automóveis e eletrodomésticos.7 7 Nos textos de Ignácio Rangel não fica totalmente claro quais os setores com capacidade ociosa geradores da poupança a serem utilizados pelo setor dinâmico. A impressão que se tem da leitura é que os setores com capacidade ociosa seriam os mesmos a serem desenvolvidos, ou seja, não fica clara a tese de transferência de recursos intrasetoriais. Num dos trechos em que se refere à questão ele diz: “No Brasil de 1962, o problema da capacidade ociosa emerge como a questão capital a resolver. Esta ocorre nas principais atividades exportadoras, na indústria de bens de consumo e, já agora, também no setor industrial de bens de produção” (Rangel, 1979, p. 99). “ Não importa que muitas das instalações, candidatas a compor o Departamento I (produção) da economia, tenham surgido com vistas ao atendimento de uma demanda de consumo. Afinal, muitos desses “bens de consumo”, cuja produção se estivera organizando no período citado, são máquinas, elas próprias virtuais bens de investimento, se como convém decidirmos estudar a casa de família, também como unidade produtiva” (Rangel, 1979, rodapé da p. 100).

A existência de uma inflação extremamente elevada e da “Lei da Usura”, que determinava um teto à taxa de juros, em 12%, tornava totalmente sem efeito o papel da hipoteca. Ou seja, a taxa de juros reais negativa inviabilizava os financiamentos: “Operações formalmente muito seguras, como, por exemplo, a venda com a entrega ao vendedor da hipoteca do próprio imóvel negociado, ficavam inteiramente privadas de sentido. Com efeito, com uma inflação de 51,9% (1962), o valor do débito, expresso em valor do ano-base, teria caído a 26,3%, ao cabo de apenas cinco anos, ao passo que o valor de mercado do mesmo imóvel deixado em garantia, abstraída a pequena depreciação, permaneceria constante” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , p. 43).8 8 Em 1980, teve início a fase recessiva do nosso ciclo endógeno, extremamente violenta dada sua coincidência com a fase recessiva do ciclo longo. “Se extrapolarmos para o ano 1983 o crescimento verificado no decênio 1970-80, teremos, para o PNB, um índice 33 por cento maior que o desempenho observado e, para a produção industrial, um índice de 58 por cento maior” (Rangel, 1985, in J. IERJ, p. 8).

A criação da correção monetária permitiu a estruturação de um aparelho financeiro, em parte sob a supervisão do Estado, via Sistema Nacional de Habitação, movendo fundos privados que possibilitaram a construção de milhões de residências novas, e em parte sob o auspício do setor privado que financiou a venda de milhões de veículos, geladeiras, televisores etc.

O ciclo atual será provavelmente o último da série de ciclos breves, cujo resultado deverá ser o último capítulo do processo de industrialização. Os setores com capacidade ociosa são a indústria pesada, a indústria (moderna) da construção e a grande agricultura mecanizada e quimificada, capaz de gerar grandes excedentes exportáveis, permutando-os por bens de produção estrangeiros.

“A indústria pesada (no ciclo breve em via de encerrar-se), ao desenvolver-se, teve entre outras coisas o efeito de reequipar a agricultura, e esta, em consequência, tornou excedentes novos milhões de trabalhadores, os quais, com os membros inativos de suas famílias eventualmente desfeitas foram forçados a migrar para o único lugar possível, isto é, para as cidades, em violento processo de metropolização. Ora essa urbanização - perto de 70 milhões de pessoas nos dois decênios da ditadura militar - tornou amplamente insuficientes os serviços infraestruturais urbanos. Por outro lado, a industrialização subverteu os cânones de localização das atividades produtivas, exigindo a implantação de um esquema de nova planta de serviços de transportes e comunicações etc.” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , in J. IERJ).

A especificidade das atividades a serem desenvolvidas agora é que se trata de serviços de utilidade pública, os quais atualmente são concedidos a empresas públicas. Contrariamente aos serviços públicos de administração direta, que apenas dependiam do imposto para formar o próprio capital, as novas empresas públicas podiam recorrer a nova fonte, a saber, a captação de recursos de terceiros, como antecipação dos impostos formais e informais (cobrados pelo tesouro público e pelo próprio serviço, respectivamente). Porém, o apelo a recursos de terceiros - nacionais ou estrangeiros - como antecipação de recursos fiscais e parafiscais foi usado abusivamente. A brutal elevação da taxa real de juros é uma resposta da vida real a esse abuso.

A solução consiste em recriar o essencial do instrumento de garantia real. “Legalmente, e também por exigência técnica, a hipoteca somente poderá ser eficaz no caso de ser o Estado o seu tomador. Entretanto, como a empresa pública é ela também Estado, o oferecimento da garantia hipotecária por ela fica privado de sentido, porque, em última instância, o Estado estará oferecendo a hipoteca a si mesmo. Aqui está o problema a resolver, em sua forma mais sintética” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , p. 79).

Com a concessão de serviços públicos passando à empresa privada, esta poderá emitir títulos hipotecariamente garantidos, graças à interveniência do Estado como tomador da hipoteca, trocando-a pelo seu aval. Com o aval do Estado, os títulos serão lançados no mercado. “Em caso de inadimplência, o Estado, como credor hipotecário, tomará os bens ao concessionário e, como poder concedente, tomar-lhe-á a concessão” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , p. 80).

Desta forma, se estaria instrumentalizando os excedentes de caixa que surgiriam de um aumento da demanda nas indústrias do Departamento I pelo setor a desenvolver, que é o de serviços públicos.

VII. COMENTÁRIOS FINAIS

Ao termo desta releitura de uma parte dos trabalhos de Rangel, é necessário dizer que sua obra ultrapassa o quadro desta análise. O motivo de ele ter influenciado diversas gerações de economistas deve-se ao fato de ter sabido analisar a realidade cotidiana da economia brasileira.

Sobre os ciclos da atividade econômica brasileira propriamente dita, sua posição é cheia de determinismo histórico. Esta visão é contestada por outras correntes do pensamento econômico contemporâneo, que veem nisto uma abordagem extremamente mecanicista. Arbitrar este debate, que se encontra no coração mesmo da ciência econômica, seria muita presunção de nossa parte e escaparia ao objetivo deste trabalho.

Se devêssemos determinar a chave da compreensão da visão rangeliana dos ciclos econômicos no Brasil, diríamos que ela se encontra no conhecimento dos mecanismos de formação e desaparecimento dos pontos de capacidade excessiva e de estrangulamento do aparelho produtivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • RANGEL, I. (1979a). Recursos Ociosos e Política Econômica. Rio de Janeiro, Conselho de Desenvolvimento.
  • RANGEL, I. (1979b). Inflação Brasileira. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro.
  • RANGEL, I. (1982). Ciclo, Tecnologia e Crescimento. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
  • RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores.
  • RANGEL, I. (1986b). “A Presente Problemática da Economia Brasileira”. Boletim IERJ (Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro), n. 31, março-agosto.
  • 1
    Na União Soviética, foi destituído dos seus cargos, preso e deportado para a Sibéria. No Ocidente, seu trabalho foi recebido com reservas, sendo que seu nome não aparece, por exemplo, na bibliografia do livro A Contribution to the Theory of the Trade Cycles, de J. H. Hicles.
  • 2
    Rangel pega o termo “metástases” da medicina, que utiliza para indicar a situação em que o tumor, aparentemente adormecido em um órgão, projeta-se bruscamente em outro órgão, com consequências geralmente fatais.
  • 3
    A CEPAL foi quem primeiro estudou o tipo de crescimento latino-americano “para fora”. Contudo, os seus economistas geralmente se referem ao “crescimento para fora” como forma passada de desenvolvimento, cabendo o presente e o futuro ao “crescimento para dentro”. Rangel associa a eles a ideia de alternância.
  • 4
    Segundo Rangel, “o conceito de setor”, em economia brasileira, não apenas não se compagina com os de indústria (W. Leontieff) e departamento (Marx), como tende a mudar com o tempo, isto é, com a passagem de uma etapa da industrialização a outra. No processo de industrialização ou de implantação do capitalismo industrial, na esteira da Grande Depressão Mundial, posta em marcha sob a forma de substituição de importações, torna-se indispensável recorrer a um conceito de setorialização, estritamente pragmático. Por “setor”, devemos entender grupos de atividades econômicas suscetíveis de dinamização por elencos de inovações institucionais (jurídico-políticas) postas em marcha nas condições das crises do processo geral de industrialização (Rangel, 1979RANGEL, I. (1979a). Recursos Ociosos e Política Econômica. Rio de Janeiro, Conselho de Desenvolvimento. , rodapé da p. 98).
  • 5
    Esta visão de lgnácio Rangel sobre a questão agrária é uma espécie de autocrítica. Em 1930, ele participava da ANL (Aliança Nacional Liberadora), representante de parte do pensamento marxista brasileiro, que postulava a incontornável necessidade da reforma agrária como condição essencial para a industrialização brasileira. Segundo sua atual visão do problema, porém, como a industrialização ocorreu escalonadamente setor após setor, “o esforço de formação de capital do sistema podia desencadear-se, mesmo na hipótese de insuficiência da demanda global, desde que houvesse insuficiência da oferta específica de um grupo historicamente determinado de produtos e, em segundo lugar, o fato de que, procedendo-se à industrialização de cima para baixo, isto é, a começar pela indústria leve, o multiplicador de emprego do esforço de formação de capital era muito grande” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , p. 83-84). Neste ponto torna-se possível entender a aliança, por ele indicada, entre o latifúndio feudal e a burguesia industrial, uma vez que a reforma agrária não era condição necessária à industrialização
  • 6
    Neste período, a taxa média de crescimento do PIB foi de 11,11% a.a., com uma taxa média de crescimento do produto industrial de 12,40% a.a.
  • 7
    Nos textos de Ignácio Rangel não fica totalmente claro quais os setores com capacidade ociosa geradores da poupança a serem utilizados pelo setor dinâmico. A impressão que se tem da leitura é que os setores com capacidade ociosa seriam os mesmos a serem desenvolvidos, ou seja, não fica clara a tese de transferência de recursos intrasetoriais. Num dos trechos em que se refere à questão ele diz: “No Brasil de 1962, o problema da capacidade ociosa emerge como a questão capital a resolver. Esta ocorre nas principais atividades exportadoras, na indústria de bens de consumo e, já agora, também no setor industrial de bens de produção” (Rangel, 1979RANGEL, I. (1979b). Inflação Brasileira. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro. , p. 99). “ Não importa que muitas das instalações, candidatas a compor o Departamento I (produção) da economia, tenham surgido com vistas ao atendimento de uma demanda de consumo. Afinal, muitos desses “bens de consumo”, cuja produção se estivera organizando no período citado, são máquinas, elas próprias virtuais bens de investimento, se como convém decidirmos estudar a casa de família, também como unidade produtiva” (Rangel, 1979RANGEL, I. (1979b). Inflação Brasileira. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro. , rodapé da p. 100).
  • 8
    Em 1980, teve início a fase recessiva do nosso ciclo endógeno, extremamente violenta dada sua coincidência com a fase recessiva do ciclo longo. “Se extrapolarmos para o ano 1983 o crescimento verificado no decênio 1970-80, teremos, para o PNB, um índice 33 por cento maior que o desempenho observado e, para a produção industrial, um índice de 58 por cento maior” (Rangel, 1985RANGEL, I. (1985a). Economia: Milagre e Antimilagre. Rio de Janeiro, Zahar Editores. , in J. IERJ, p. 8).
  • *
    Meus agradecimentos ao Prof. Rangel por toda a colaboração.
  • 10
    JEL Classification: P16; O40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1991
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