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Perspectivas do capitalismo e do socialismo na busca de uma teoria de classe do estado e da democracia

Perspectives of capitalism and socialism in the search for a class theory of the state and democracy

RESUMO

A crise da ciência política contemporânea e da ciência social, em geral, reflete a crise tanto do capitalismo quanto do socialismo. A busca de alternativas teóricas para resolver a crise envolveu um redirecionamento e não uma nova direção. Este artigo primeiro examina várias pós-formas de sociedade, especificamente pós-liberalismo, pós-imperialismo e pós-marxismo e afirma que, embora essas concepções possam ser inovadoras e provocativas, elas não permitem a formação de novos paradigmas. Em segundo lugar, o artigo examina criticamente os principais temas da década de 1990 e conclui com a observação de que os intelectuais divergem sobre a direção do desenvolvimento, uma vez que as questões se tornam de preferência fundamental para o capitalismo ou o socialismo; sobre questões do Estado por causa do uso de análises de classe ou não de classe; e sobre questões de socialismo e democracia por causa de sua inclinação a favorecer formas indiretas ou diretas de participação no processo político. Assim, a preferência pelo capitalismo ou pelo socialismo pode moldar ideais e distorcer realidades, de modo que a produção de novas ideias não pode ser outra coisa que a reprodução de velhas ideias sob uma nova roupagem.

PALAVRAS-CHAVE:
Sistemas econômicos comparados; economia política

ABSTRACT

The crisis of contemporary political science and social science, in general, reflects the crisis in both capitalism and socialism. The search for theoretical alternatives in order to resolve the crisis has involved redirection rather than a new direction. This paper first examines various post-forms of society, specifically post-liberalism, post-imperialism, and post-Marxism and affirms that, while these conceptions may be innovative and provocative, nevertheless they do not allow for the shaping of new paradigms. Second, the paper critically examines major themes of the 1990s and concludes with the observation that intellectuals differ over the direction of development once questions become of fundamental preference for capitalism or socialism; over questions of the state because of their use of either class or non-class analyses; and over questions of socialism and democracy because of their inclination to favor either indirect or direct forms of participation in the political process. Thus, the preference for either capitalism or socialism may shape ideals and distort realities so that the production of new ideas may be nothing other than the reproduction of old ideas in a new guise.

KEYWORDS:
Comparative analysis of economic systems; political economy

Quaisquer que sejam as dificuldades em conceituar a ciência política, não há dúvida de que o estudo de política é essencialmente comparativo, quer sejamos especialistas em América, Europa, Ásia, África, América Latina, Oriente Médio ou o que for. Nossa disciplina tem sofrido tanto de paroquialismo, em sua ênfase sobre a política norte-americana, quanto de falta de visão, em sua preocupação com o empirismo e a negligência de considerações teóricas. No âmago desse mal-estar, reside a defesa sistemática da democracia política em sua forma representativa indireta e do capitalismo como base de nossa economia. Nosso idealismo e os mitos sobre a política norte-americana têm sido minados pelos escândalos Watergate e Irã-Contras. Nossa confiança no capitalismo tem sido desafiada pelo declínio da economia norte-americana dentro de um contexto mundial (Kennedy, 1988KENNEDY, Paul (1988). The Rise and Fall of Great Powers: Economic Change and Military Conflict from 1500 to 2000. Nova York, Random House. ). Desta forma, a crise da ciência política contemporânea reflete tanto a dimensão nacional como a internacional. A luta para transcender a crise tem envolvido mais um redirecionamento que um novo direcionamento: um retorno aos problemas tradicionais de política e sociedade, alguma reflexão e conceitualização sobre exemplos históricos em seus aspectos políticos e econômicos, um retorno a teorias de Estado, um foco no desenvolvimento capitalista e socialista e suas respectivas transições e uma séria análise da democracia em suas formas indireta e representativa, de um lado, e direta e participativa de outro. Neste ensaio, procuro argumentar sobre a importância do estudo comparativo contemporâneo e reflito, após avaliação crítica, sobre uma tendência a obscurecê-lo com pseudo-idealismo e falsas teorias de uma nova sociedade.

PÔS-FORMAS DA SOCIEDADE

Desde 1960, aproximadamente, os intelectuais têm invocado rótulos para sugerir que o passado foi superado, à medida que avançamos para uma nova sociedade. As noções tradicionais de ordem burguesa, os dilemas do capitalismo e socialismo e a luta de classes tornam-se obscuros, na proporção em que um pensamento futurista se estabelece nos círculos acadêmicos. A defesa de Daniel Bel! do fim da ideologia (1960) prenuncia preocupações com as contradições culturais do capitalismo e sua tese de “sociedade pós-industrial” (1976). Essa ideia visionária percebe melhoria nos níveis de vida, estreitamento dos hiatos entre as classes, através da educação, da produção e do consumo em massa, e atenuação das lealdades religiosas, regionais, linguísticas e étnicas, paralelamente à marginalização das ideologias totalizantes. Surgem muitas variantes desse pensamento. Amitai Etzioni fala de era “pós-moderna”, George Lichtheim de “sociedade pós-burguesa”, Herman Kahn de “sociedade pós-econômica”, Murray Bookchim de “sociedade pós-escassez”, Kenneth Boulding de “sociedade pós-civilizada” (Kumar, 1978KUMAR, Krishan (1978). Prophecy and Progress. Harmondsworth, Penguin . : 193-194, citado em Frankel, 1987FRANKEL, Boris (1987). The Post-Industrial Utopians, Madison, University of Wisconsin. Press. : 2). Aplicações empíricas do “pós-materialismo” estão em Inglehart (1983INGLEHART, Ronald (1983). The Persistence of Materialism and Postmaterialíst Value Orientations: Comments on Van Deth’s Analysis. European Journal of Political Research, 11 (março), 81-91. ), Bakvis e Nevitte (1987BAKVIS, Herman e NEVITTEN, Neil. (1987). ln Pursuit of Postbourgeois Man: Post-materialism and Intergenerational Chance in Canada. Comparative Political Studoes, n. 20, out., 357-389. ); os últimos estendem suas análises em busca do homem “pós-burguês”. Muitas dessas ideias têm sido criticadas como idealistas ou defensivas da ordem capitalista (Jameson, 1984JAMESON, Fred (1984). Postmodernism or the Cultural Logic of Late Capital. New Left Review , n. 146, 53-90. ; Miller, 1975MILLER, S. Michael (1975). Notes on Neo-Capitalism. Theory and Society, 2, n. 1, 1-35. ; Page, 1972PAGE, B. S. (1972). Anatomy of a Theory: The Post-Industrial Theory. Critical Anthropology, vol. 2, n. 2, 29-57. ; e Schroyer, 1974SCHROYER, T. (1974). Review of Coming of Post-Industrial Society. Telos, 19, 162-176. ). Censuras radicais das visões liberal e conservadora do “pós-industrialismo” não impedem que alguns teóricos de esquerda assimilem esta noção em seus esforços de transcender o capitalismo, como sugere Frankel - que atribui o termo a Artur Penty, um seguidor de William Morris no século XIX - e as ideias de socialismo de ofício baseado na descentralização e na sociedade artesanal. Frankel insinua que aí repousa uma base para um socialismo contemporâneo pós-industrial e utópico, tal como representado por Rudolf Bahro (1984BAHRO, Rudolf. (1984). From Red to Green, Londres, Verso. ), André Gorz (1980GORZ, Andre (1980). Farewell to the Working Class. Londres, Pluto Press. ) e Barry Jones (1982JONES, Barry (1982). Sleepers Wake! Melbourne, Oxford University Press. ), cujo anticapitalismo e cujo apoio a um mundo mais igualitário e democrático não podem ser ignorados, mesmo por marxistas (Frankel, 1987FRANKEL, Boris (1987). The Post-Industrial Utopians, Madison, University of Wisconsin. Press. : 13-16). Os utopistas transcendem a sociedade industrial nacional em direção a uma sociedade integrada mais globalmente; alguns privilegiam sociedades de economia mista, enquanto Gorz advoga uma combinação de planejamento socialista de Estado e produção descentralizada. A maioria deles enfatiza a autossuficiência e a oposição ao crescimento danoso ao meio ambiente e fortalecedor das corporações transnacionais (lbid.: 32-22). Suas discussões sobre economias alternativas descentralizadas e cooperativas, serviços de bem-estar social, sistemas de renda garantida, desarmamento e outras ideias, contribuem para a busca de novos caminhos, como uma política de transição numa era de reorganização capitalista nacional e internacional, introdução de novas tecnologias e mudanças no processo de trabalho, erosão do planejamento, aumento da alienação e do protesto. Neste processo, tendem a centralizar-se nas instituições do Estado, entendidas como aparatos políticos e administrativos distintos da sociedade civil, visão que não responde aos trabalhadores, empregados nas instituições do Estado, que a este se opõem em nome da sociedade civil, como no caso do movimento “Solidariedade” na Polônia; nem sua rejeição da teoria de classe do marxismo, em favor de uma teoria de novos movimentos sociais, nem a concepção de uma tecnoestrutura burocratizada, na qual ninguém detém o poder, provaram-se convincentes: “os teóricos pós-industriais negligenciam seriamente algumas questões vitais relativas a políticas de transição e formas alternativas de representação e participação ... [eles] fracassaram em tratar adequadamente a questão vital do poder do Estado, assim como os problemas estratégicos envolvidos e de como as instituições do Estado, burocratizado e dominado por uma classe, podem ser transformadas. Embora as políticas e as práticas desenvolvidas por feministas, ambientalistas e outros movimentos não possam ser reduzidos à anterior política de classe, os teóricos pós-industriais visivelmente fracassam na tentativa de explicar como as organizações da classe trabalhadora se enquadram em seus cenários transitórios. . . [eles] são abertamente hostis para com as organizações dos trabalhadores, ou as veem como irrelevantes na configuração do futuro” (Frankel, 1987FRANKEL, Boris (1987). The Post-Industrial Utopians, Madison, University of Wisconsin. Press. : 241-242). Fred Block adota o pós-industrialismo para sugerir uma mudança básica na relação entre o Estado e a economia. Vê o Estado como compreendendo menos hierarquias tradicionais, caracterizado por menos autoridade e controle e maior autonomia no processo de tomada de decisões. Esta “desburocratização” é consequência da necessidade da organização pós-burocrática, que enfrenta a necessidade contínua de ajustar-se a condições vulneráveis: a “desburocratização” do Estado depende da renovação da participação política, na qual a coletividade desempenha um papel ativo na “regulação da vida social” (1987: 32). A despeito de suas deficiências, as perspectivas pós-industriais estão incorporadas ao debate recente sobre o pós-liberalismo, pós-imperialismo e pós-marxismo.

Pós-liberalismo. Bowles e Gintis criticam a teoria política liberal e marxista contemporâneas, buscando espaço para uma síntese democrática radical. Segundo eles, capitalismo e democracia são incompatíveis; o Estado do bem-estar social não oferece aos cidadãos o poder de tomar decisões democráticas na esfera econômica; e a teoria democrática está em desordem: “O Liberalismo, no entanto, merecidamente entesourou o princípio democrático de que a escolha e a representação são as pedras angulares da liberdade, enquanto que o Marxismo nos mostra que a escolha individual e a representação são falsas liberdades na ausência de ação coletiva” (1986: 13). Acreditam que nem o liberalismo nem o marxismo têm dado prioridade para a democracia: ao passo que gera liberdade, o liberalismo “abriga cidadelas de dominação”, enquanto o marxismo obscurece “as formas de dominação não-econômicas e não-classistas” (17-18). Advogam um pós-liberalismo, uma síntese “tanto do compromisso jeffersoniano com o controle descentralizado do aparato produtivo, como o reconhecimento marxista de que, sendo a produção social, sua descentralização não pode tomar a forma de um atributo individual de posse!” Os direitos democráticos individuais devem substituir os direitos de propriedade porque “nem a universalização da propriedade individual jeffersoniana, nem a coletivização da propriedade privada marxista são aceitáveis” (178).

Quatro proposições constituem este pós-liberalismo: “Primeiro, a economia capitalista ... é uma arena pública cuja estrutura regula os projetos distributivos, apropriativos, políticos, culturais e outros. . . Segundo, a ausência de um acesso seguro ao sustento é uma, forma de dependência que confere poder àqueles que controlam os meios de vida [e] arbitrariamente limitam as escolhas individuais e corroem a responsabilidade democrática. . . Terceiro,. . . um compromisso com a democracia acarreta a defesa de instituições que promovem, mais do que impedem, o desenvolvimento de uma cultura democrática. . . Quarto, ... o processo de tomada de decisão democrática nas unidades de produção substituirá a irresponsável hierarquia com uma participação democrática e de compromisso” (204-205). Assim, a promessa de uma democracia pós-liberal seria a expansão dos direitos pessoais através da reafirmação das formas políticas tradicionais de democracia representativa e liberdade individual, ao mesmo tempo em que seria assegurado o estabelecimento de liberdades econômicas inovadoras e democraticamente responsáveis na comunidade e no trabalho (197).

Pós-imperialismo. Num esforço de mover-se além das explicações de dependência e neo-imperalismo do subdesenvolvimento capitalista (Frank, 1966FRANK, André Gunder (1966). The Development of Underdevelopment. Monthly Review , n. 18 (setembro), 17-31. ) ou desenvolvimento capitalista associado (Cardoso e Falleto, 1979CARDOSO, F. H. e FALETTO, E. (1970). Dependência e Desenvolvimento na América Latina; Ensino de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro, Zahar. ), Becker, Frieden, Schatz e Sklar (1987BECKER, Davis G., FRIEDEN, Jeff, SCHATZ, Sayre P. e SKLAR, Richard L. (1987). Post-imperialism, International Capitalism and Development in the Late Twentieth Century. Boulder, Lynne Rienner Publishers. ) argumentam que as instituições globais tendem a promover a integração de diversos interesses nacionais numa nova base internacional, oferecendo acesso a recursos de capital e tecnologia; isto implica a localização tanto da mão-de-obra operária como da administração no país dependente, assim como a participação local na propriedade da corporação. Neste contexto, surgem dois segmentos de uma nova classe social: os cidadãos nacionais privilegiados ou uma burguesia gerencial - composta de gerentes de empresas, altos funcionários públicos, políticos, membros de associações profissionais -, outras pessoas proeminentes e estrangeiros que administram os negócios e as organizações transnacionais. Essa combinação de elementos das classes dominantes através das fronteiras nacionais sugere o surgimento de uma oligarquia internacional. Uma teoria do pós-imperialismo serve como alternativa à interpretação leninista determinista do imperialismo e à ortodoxia da dependência, segundo Becker (52). A teoria postula uma burguesia nacional nos países menos desenvolvidos, como parte de uma burguesia transnacional nascente, ligada pelos laços do capital estrangeiro. Frieden chama isso de “um grande avanço teórico e um exemplo interessante de como a análise de classe, uma vez libertada da doutrina, pode aclarar nossa compreensão da vida social” (181).

Pós-marxismo. Esta é a mais articulada das pós-formas e desenvolve-se a partir das tendências do eurocomunismo e euro-socialismo dos anos 70 e 80. Suas raízes encontram-se no pensamento de marxistas europeus e antigos marxistas, incluindo Fernando Claudín, Nicos Poulantzas e Ernesto Laclau. Claudín, um marxista espanhol, escreve sobre e eurocomunismo em termos de conjuntura histórica, a última sendo a crise econômica de superprodução e recessão e transição democrática no sul da Europa, durante meados da década de 70, quando o movimento internacional de trabalhadores é incapaz de conduzir a crise capitalista a uma transição socialista. Numa reunião em Roma, em meio à crise de novembro de 1975, os partidos comunistas francês e italiano decidem que o socialismo se constituirá numa fase mais avançada da democracia, devendo haver contínua democratização da economia, da política e da vida social; que a transição socialista envolverá o controle público sobre os principais meios de produção, enquanto que pequenos e médios produtores agrários e industriais participarão da constituição do socialismo; e que a democratização do Estado deverá prover de forma crescente um papel para os governos local e regional, a pluralidade de partidos e a liberdade e autonomia dos sindicatos (Claudín, 1978: 65-66). Poulantzas, um marxista grego que viveu muitos anos exilado em Paris, publica um estudo comparativo (1976) da abertura democrática que se tornou possível pela crise e pela queda das ditaduras na Espanha, Portugal e Grécia. Influenciado especialmente pela ênfase de Antonio Gramsci (1957GRAMSCI, Antonio (1957). The Modem Prince and Other Writings. Nova York, New York University Press. ) sobre a hegemonia burguesa na sociedade civil e de Louis Althusser ( 1971ALTHUSSER, Louis. (1971). Lenin and Philosophy and other Essays. Nova York, Monthly Review Press. ) sobre os níveis estruturais da sociedade, inclusive uma superestrutura político-legal e ideológica, Poulantzas aplica uma análise de classe a uma teoria estrutural do Estado. Seu estudo de casos - especialmente aquele do período revolucionário em Portugal durante 1974 e 1975 - o induz a mudar de uma posição marxista-leninista, que enfatiza o poder individual e uma tomada do Estado pelos trabalhadores e forças populares, que tinham construído sua base revolucionária fora do aparato de Estado, para a possibilidade de uma revolução sem derramamento de sangue, através da penetração e ocupação dos aparatos-chave do Estado. O argumento de que a luta dentro do aparato do Estado é necessária para romper o equilíbrio de forças e trazer à tona uma transição ao socialismo aparece mais explicitamente em seu último trabalho, Estado, Poder e Socialismo (1978) e pode ter inspirado alguns intelectuais de esquerda no início dos anos 80 a mover-se além das interpretações estruturais e desenvolver uma teoria num âmbito pós-marxista.

A inclusão de muitas dessas ideias em uma estrutura analítica explicitamente pós-marxista é evidente no recente trabalho de Laclau, um sociólogo político argentino, atualmente lecionando na Inglaterra, e influente em círculos de esquerda. Junto com Chantal Mouffe, argumenta que “não é mais possível manter a concepção de subjetividade e classes elaboradas pelo marxismo, nem sua visão do curso histórico do desenvolvimento capitalista” (1985: 4). Suas ideias emanam especialmente da experiência inglesa, principalmente do abrandamento da posição marxista entre alguns intelectuais, que pode ser verificada através de Marxism Today, o periódico teórico do eurocomunismo britânico, New Socialist e The New Statesman, bem como através de seu afastamento de algumas posições socialistas básicas. Ralph Miliband (1985MILIBAND, Ralph (1985). The New Revisionists in Britain. New Left Review , n. 150 (março-abril), 5-26. ) os chama de “os novos revisionistas” e Ellen Meiksins Wood (1986WOOD, Ellen Meiksins (1986). The Retreat from Class: a New “True” Socialism. Londres, Verso . ) os define como “os novos socialistas verdadeiros”. Sua classe inclui Gareth Steadman Jones do grupo History Workshop de Oxford, Paul Hirst e Barry Hindess, que abjuraram de suas interpretações ortodoxas anteriores do modo de produção (1975HINDESS, B. e HIRST, P. (1975). Pre-Capitalism Modes of Production. Londres, Routledge and Kegan Paul. ), e o próprio Laclau, que é talvez mais conhecido por seu ataque (1971) à tese de subdesenvolvimento de André Gunder Frank. Embora esses intelectuais apresentem divergências em muitos aspectos, parecem concordar que: o primado da organização da força de trabalho deve ser repudiado porque a classe trabalhadora nos países capitalistas fracassou em manter suas expectativas revolucionárias (veja Gorz, 1982, como exemplo); e o modelo de luta deve agora incorporar uma variedade de interesses emanando de diversos estratos, grupos e movimentos sociais. Alguns deles acreditam que o pós-marxismo é uma forma de expressar o compromisso com o desenvolvimento e a superação do marxismo: “as questões que Marx colocou permanecem centrais para a compreensão e a transformação do nosso mundo social. Contudo, as respostas que Marx ofereceu não satisfazem mais e, assim como Marx buscou transcender Hegel, aqueles que adotam o projeto pós-marxista buscam transcender Marx” (Block, 1987BLOCK, Fred. (1987). Revising State Theory: Essays in Politics and Postindustrialism. Filadélfia, Temple University Press. : 35).

Laclau e Mouffe destacam uma nova política para a esquerda baseada num projeto de democracia radical. Seu recuo do conflito de classes e o que Wood caracteriza como a degradação do projeto podem ser sintetizados em algumas proposições: a classe trabalhadora desenvolveu-se em um movimento revolucionário; os interesses econômicos de classe são relativamente independentes da ideologia e da política; a classe trabalhadora não tem qualquer posição básica dentro do socialismo; um movimento socialista pode desenvolver-se independente de classe; uma força política pode formar-se independente de elementos ideológicos e políticos populares, independente de vínculos de classe; os objetivos do socialismo transcendem o interesse de classes; e a luta pelo socialismo compreende uma pluralidade de resistências à desigualdade e à opressão (parafraseado de Wood, 1986WOOD, Ellen Meiksins (1986). The Retreat from Class: a New “True” Socialism. Londres, Verso . : 3-4).

Estas três pós-formas de compreensão teórica afastam-se das ideologias e arcabouços teóricos tradicionais, em particular do marxismo e da análise de classes, e vão em direção a um desenvolvimento econômico tecnológico e uma democracia apolítica.

A síntese democrática radical de Bowles e Gintis tenta relacionar democracia tanto com propriedade privada como com família patriarcal, que são vistas como políticas e, além disso, sugerem que as pessoas agem não somente para satisfazer suas necessidades enquanto indivíduos, mas trabalham em união com outras pessoas. Sua síntese rejeita muitas ideias do marxismo, em particular uma visão de consciência de classe e democracia direta (ignorando a defesa de Marx da democracia representativa em algumas instâncias ou sua associação de democracia com atividades de participação direta). Seu argumento de que o marxismo reduz as instituições a relações de classe leva à ênfase sobre o pluralismo conflitante, enquanto obscurece o interesse de classes, reduzindo o papel do Estado e as contradições internas do capitalismo, que afetam as relações de produção e frequentemente conduzem à luta de classes. Dessa forma, eles não examinam a democracia reacionária (ilustrativa das guerras de Reagan e Thatcher) ou formas pelas quais os dominados podem unir-se para superar a opressão (críticas que são elaboradas sucintamente por James N. Devine, numa resenha em Science e Society (número 51, outono 1987, pp. 362-364).

O pós-imperialismo de Becker et al. tenta construir uma teoria de economia política internacional isenta do determinismo leninista e da ortodoxia de dependência. Enquanto Frieden reconhece sua utilidade, ele propõe três críticas. Primeiro, há uma contradição entre capital nacional e internacional; historicamente, o capital internacional tem dominado as situações do Terceiro Mundo e há poucas evidências para afirmar que uma burguesia gerencial nacional emergirá como hegemônica enquanto as outras classes declinarão. Segundo, a posição do pós-imperialismo apoia-se mais em relações de poder do que em relações de produção: “Seria autocontraditória se uma abordagem que começa com uma impassível chamada por análise de classe fosse recorrer a argumentos que não se apoiam em ações em interesse próprio das classes sociais”. Finalmente, a tese pós-imperialismo é “inerentemente oligárquica”, e não está claro se a burguesia nacional favorece a democracia ou a autoridade (Becker, Frieden, Schatz e Sklar, 1987BECKER, Davis G., FRIEDEN, Jeff, SCHATZ, Sayre P. e SKLAR, Richard L. (1987). Post-imperialism, International Capitalism and Development in the Late Twentieth Century. Boulder, Lynne Rienner Publishers. : 184). Sua teoria ignora importante literatura marxista sobre internacionalização do capital, sendo o trabalho de Palloix (1975PALLOIX, Christian (1975). L’economic des jeunes nations, industrialisation et groupements des nations, Paris, n.p. ) um exemplo representativo, ainda que pareça que as duas teorias reflitam características e tendências similares. Um problema com o pós-imperialismo é sua implicação de que o imperialismo está morto e que nem o capitalismo nem o socialismo necessitam ser decisivos no desenvolvimento do Terceiro Mundo.

O pós-marxismo de Laclau e Mouffe reflete o pensamento intelectual que tem acompanhado o discurso político sobre a democracia social e o socialismo democrático, no qual os partidos socialistas chegaram ao poder (especialmente na França, Itália, Espanha, Portugal e Grécia desde meados de 1970). Esse discurso concentra-se na transição ao socialismo, evidenciando a necessidade de blocos de forças políticas de centro-esquerda assegurarem maioria política dentro de um multipartidarismo fragmentado, estabelecendo reformas populares para mitigar as exigências das classes populares (trabalhadores e camponeses), e a tolerância para promover e desenvolver as forças de produção no atual estágio do capitalismo. As realidades da política tradicional parecem ter atenuado a retórica revolucionária ao ponto de expressões como “luta de classes”, “classe trabalhadora”, “ditadura do proletariado” e mesmo “marxismo” serem abdicados do discurso da esquerda.

A contradição básica em extirpar as classes da perspectiva socialista é o que distingue o novo pensamento do marxismo, segundo o qual a visão tradicional de que a classe trabalhadora é essencial por seu potencial revolucionário e por sua posição estrutural como a classe que produz o capital. Os pós-marxistas evitam análises de relações de exploração entre capital e trabalho como centrais para a acumulação e a reprodução do capitalismo como um modo de produção. Adicionalmente, a ênfase na política e na ideologia como independentes da economia enfraquece a atenção dada à economia política, de interesse dos marxistas clássicos e contemporâneos. O debate sobre a natureza do modo de produção capitalista não aparece mais como importante. Consequentemente, classes e luta de classe são deslocadas pela ênfase dada ao pluralismo político, organizações políticas e interesses de grupos. A análise do Estado pode ressaltar as diferenças entre o bloco do poder e o povo, enquanto negligencia a oposição entre capital e poder. Pode haver também uma tendência a centralizar a atenção em uma ou algumas instituições políticas; a segmentação de forças políticas pede limitar as possibilidades de uma visão panorâmica da sociedade. Os movimentos políticos tentando penetrar o pensamento dominante podem ser isolados; as estratégias populistas planejadas para desafiar o sistema podem ser dispersadas e enfraquecidas pela separação de interesses particulares.

Esses conceitos e pós-formas paradigmáticas da sociedade sugerem uma tese fundamental sobre a teoria e a análise da política comparativa contemporânea. Por mais inovadoras e úteis que possam ser, estas revisões parecem refletir o que é moda e temporariamente atraente, talvez reflexo dos parâmetros de nossa profissão em particular e das restrições de forma de governo em geral, e, portanto, provavelmente incapazes de delinear um novo paradigma para o futuro. O apoio para esta afirmação pode estar associado às pressões sobre intelectuais por razões de idade e status, a necessidade de reconhecimento por parte de acadêmicos e o impacto de um meio-ambiente conservador que induz a uma fuga das ideias revolucionárias. Norman Geras caracteriza este dilema: “Em meados de 1960 uma geração de intelectuais radicalizou-se e converteu-se ao marxismo. Muitos se desapontaram e há algum tempo temos testemunhado uma procissão de antigos marxistas na busca de desistência. Esta saída é sempre apresentada, naturalmente, sob a máscara de um avanço intelectual” (1987: 41). Geras vê não uma diminuição do compromisso político, mas a necessidade do intelectual de traçar um novo caminho para uma nova maneira de pensar. Miliband entende o recuo desses marxistas como reflexo da confusão e desespero que afetou a esquerda nos últimos anos: “o fenômeno não está confinado à Inglaterra e assumiu formas muito mais violentas e destrutivas em outros países, notadamente na França, onde tem-se constituído agora não um “novo revisionismo”, mas um recuo indiscriminado em direção a um anticomunismo histérico e obscurantista” (1985: 6). James Petras observa que os centros intelectuais mais importantes estão deixando o marxismo e abraçando crenças e ideias liberais e conservadoras na base de uma “verdade” recém-descoberta. Ele atribui o problema dos intelectuais ao papel do Estado e das fundações educacionais (1987: 16).

REPRODUZINDO VELHOS TEMAS

A mística das pós-formas, o recuo do marxismo e a degradação do projeto socialista, acredito, são manifestações de ideias e práticas prevalecentes no pensamento dominante (mainstream) da ciência social, incluindo a política comparada nos últimos trinta anos. A herança das contribuições de 1960 arrastam-se ao presente, e a amplitude do campo, bem como a nossa insuficiência em compreender os distintos Estados-nações além dos sistemas anglo-americano familiares, têm contribuído para incertezas de como proceder e que paradigmas considerar em uma averiguação comparativa proveitosa. Minhas experiências pessoais sugerem uma estratégia para a solução desse problema. Primeiro, deveríamos conscientemente relacionar teoria e prática, possibilitando formar criticamente nossa opinião e reavaliar nosso pensamento segundo experiências reais. Tenho verificado, tanto no magistério como em meus trabalhos, que o pensamento crítico é estimulado através da dicotomia de ideias. Em política comparada, por exemplo, a justaposição de um paradigma liberal central a um paradigma radical alternativo para mostrar a diversidade de aspectos, interpretações e questões; ou, no campo do desenvolvimento, contrastar teorias capitalistas reformistas com teorias socialistas revolucionárias de desenvolvimento; ou, na América Latina, distinguir o desenvolvimento capitalista (difusionista) com subdesenvolvimento (dependente). Segundo, como comparativistas, as pesquisas de campo parecem essenciais. Isso pode, é claro, ser frustrante. Minha pesquisa pessoal se tem desenvolvido do colonialismo à interdependência na África Lusofone, até os regimes ditatoriais e autoritários e a abertura democrática no Brasil e em Portugal. Estas situações não apenas revelam a complexidade de eventos em rápidas transformações, mas têm-me exposto à pobreza e à repressão sofridas por povos fora do mundo desenvolvido, sensibilizando-me a respeito das mudanças revolucionárias. Ao mesmo tempo, parece-me importante compreender a complexidade das economias políticas do capitalismo avançado e perceber o quão lentamente os problemas dos povos são resolvidos.

No fim dos anos 60 e início dos 70, o surgimento da nova esquerda nos Estados Unidos introduziu perspectivas inéditas no tocante ao trato com os problemas sociais e profundo interesse pelo socialismo. Surgiram divergências no âmbito de disciplinas acadêmicas e houve a formação de associações profissionais alternativas e radicais. Ao longo das administrações Nixon, Ford e Carter, o caso Watergate e o fim da guerra no Vietnã propiciaram aos acadêmicos radicais produzirem significativas críticas e análises a respeito da economia política americana. Embora sua presença na ciência política americana não fosse substancial, as ideias radicais e alternativas de fato desafiavam e eventualmente plantavam raízes no pensamento dominante. Três temas prometem atrair ainda por algum tempo a nossa atenção: o desenvolvimento capitalista e socialista; as teorias de classe de Estado; e socialismo e democracia. Este artigo os examina a seguir como principais temas do passado, do presente e do futuro.

Desenvolvimento capitalista versus desenvolvimento socialista. As diferenças entre as perspectivas de desenvolvimento socialista e capitalista podem ser encontradas em outras análises de minha autoria (Chilcote, 1981CHILCOTE, Ronald H. (1981). Theories of Comparative Policies: The Search for a Paradigm. Boulder, Westview Press. e 1894CHILCOTE, Ronald H. (1984). Theories of Development and Underdevelopment. Boulder, Westview Press . ). As interpretações ideológicas liberal e conservadora do desenvolvimento permeiam de início a literatura sobre o desenvolvimento político, enfatizando o pluralismo e um modelo anglo-americano de cultura cívica. Consequentemente, a difusão do capital e da tecnologia das nações avançadas para as nações menos desenvolvidas levaria, presumivelmente, à modernização e à industrialização semelhantes às da experiência do Ocidente. O progresso ocorreria através de estágios predeterminados de desenvolvimento, à medida que os Estados-nações fossem surgindo no Terceiro Mundo, e através de um processo de independência, nacionalismo e consolidação do capitalismo. Em última análise, a democracia em sua forma representativa surge como indício de desenvolvimento político. As fontes intelectuais para essa visão originam-se no pensamento de Max Weber (autoridade), James Madison (juros) e Adam Smith (mão invisível). A visão ocidental do desenvolvimento capitalista contrastava com o sectarismo de. esquerda do Partido Comunista Soviético e sua rede internacional de partidos em todo o mundo; a orientação tradicional também previa um progresso linear, com desenvolvimento econômico via estágio de capitalismo, que fomentaria as forças de produção e inevitavelmente possibilitaria a evolução do socialismo e do comunismo, enquanto que o desenvolvimento político ocorreria através de um estágio democrático anterior à socialização dos meios de produção e consolidação do poder sob um partido de vanguarda e uma classe trabalhadora.

Na sequência da revolução cubana, intelectuais no Terceiro Mundo reagiram tanto às prescrições difusionistas do modelo anglo-americano, quanto às fórmulas reducionistas dos partidos comunistas tradicionais, resposta radical que evoluiu sob duas formas. Um grupo de ideias advogava uma mistura de nacionalismo e autonomia, na defesa de reformas e da implementação da infraestrutura capitalista. Raul Prebish (1980) e economistas latino-americanos, como Oswaldo Sunkel (1972), defendiam esta posição. Por sua vez, Cardoso e Faletto (1979CARDOSO, F. H. e FALETTO, E. (1970). Dependência e Desenvolvimento na América Latina; Ensino de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro, Zahar. ) argumentavam que uma combinação de capital doméstico e internacional, alinhada com políticas· e ações influenciadas pelo Estado, poderia promover o capitalismo em um país, apesar de seus laços de dependência ao sistema internacional, Bill Warren (1980WARREN, Bill (1980). lmperalism: Pioneer of Capitalism. Londres, NLB . ) postulava que mais imperialismo seria necessário para desenvolver as forças de produção e conquistar o desenvolvimento no Terceiro ·Mundo. Embora ideologicamente muito diferentes nas respectivas posições, todos parecem convergir a temas de autonomia e de necessidade imediata no sentido de reformar e vencer o atraso via o desenvolvimento capitalista. Um segundo grupo de ideias rejeitava esta perspectiva capitalista reformista em favor de uma transição imediata ao socialismo via revolução; entre seus proponentes estavam Frank (1966FRANK, André Gunder (1966). The Development of Underdevelopment. Monthly Review , n. 18 (setembro), 17-31. ), que argumentou que o capitalismo promovia o subdesenvolvimento no Terceiro Mundo; Dos Santos (1970DOS SANTOS, Theotônio (1970). The Structure of Dependence. American Economic Review, 60 (maio), 231-236. ), que interpretava a nova dependência em termos de multinacionais que exploram as nações menos dependentes, e Marini (1978MARINI, Ruy Mauro (1978). World Capitalism Accumulation and Sub-imperalism. Two Thirds, 1 (outono) 29-39. ), que identificou o sub-imperialismo como um meio através do qual algumas nações dependentes do Terceiro Mundo poderiam explorar outras nações.

Deveria estar claro para a maioria· de nós que, embora as teorias difusionistas e de modernização estejam desacreditadas há muito tempo (Bodenheimer, 1970BODENHEIMER, Susanne. (1970). The ideology of Developmentalism: American Political Science’s Paradigmsurrogate for Latin American Studies. Berkeley Journal of Sociology, 95-137. ; Frank, 1968FRANK, André Gunder (1968). Sociology of Development and Underdevelopment of Sociology. Catalyst, n. 3 (verão), 20-73. Também Londres: Pluto Press, 1971. ; e Bernstein, 1979BERNSTEIN; Henry. (1979). Sociology of Underdevelopment vs. Sociology of Development, pp. 77-106. In LEHMANN, David (ed.), Development Theory: Four Critical Studies. Londres, Frank Cass. ), sua influência continua forte na política comparativa de hoje. Curiosamente, catedráticos radicais, mesmo alguns marxistas, no Terceiro Mundo, assimilam a terminologia de modernização em sua análise do capitalismo emergente; sua visão do socialismo assume o desenvolvimento das forças capitalistas de produção (veja, por exemplo, Silva, 1984SILVA, José F. Graziano da (1984). Capitalism Modernization and Employment in Brazilian Agriculture, 1960-1975: the Case of São Paulo, Latin American Perspectives , 11 (inverno), 117-136. ). Da mesma forma, não há dúvida de que interpretações de dependência ocupam lugar de destaque no pensamento dominante de política comparada, como os ensaios em Weiner e Huntington (1987WEINER e Huntington, S. (1987). Understanding Political Development. Boston, Little Brown. ) deixam bem claro, embora suas avaliações da teoria do desenvolvimento omitam pesquisas importantes sobre a teoria do modo de produção (veja Foster-Carter, 1978FOSTER-CARTER, Aiden (1978). The Modes of Production Controversy. New Le]t Review, n. 107 (janeiro-fevereiro), 47-77. , para uma síntese dessas tendências) e uma teoria da internacionalização do capital (por exemplo, Palloix, 1975PALLOIX, Christian (1975). L’economic des jeunes nations, industrialisation et groupements des nations, Paris, n.p. ).

Teoria de classe do Estado. David Easton (1968EASTON, David (1968). Política! Science. International Encyclopedia of the Social Sciences, 12, 282-297. ) nos lembra que a ciência política deve muito à concepção de Marx sobre o Estado: “Em parte, a ciência política poderia emergir como uma disciplina separada das outras ciências sociais por causa do ímpeto que Marx tinha dado à ideia de diferenças entre Estado e sociedade, uma ideia virtualmente inaudita antes dessa época” (Easton, 1968EASTON, David (1968). Política! Science. International Encyclopedia of the Social Sciences, 12, 282-297. : 295). Ainda uma geração atrás, Gabriel Almond e companheiros nos instaram a renunciar inteiramente ao conceito: “ao invés do conceito de Estado”, limitado como é pelo sentido legal e institucional, nós preferimos “sistema político” (Almond, 1960ALMOND, Gabriel A. (1960). Introduction: A Functional Approach to Comparative Politics, pp. 3-64. ln ALMOND and COLEMAN, James S., (eds.), The Politics of Developing Areas. Princeton, Princeton University Press. ). Apenas recentemente Evans, Rueschemeyer e Skocpol (1985EVANS, Peter B., RUESCHEMEYER, Dietrich e SKOCPOL, Theda (eds.) (1985). Bringing the State Back ln. Cambridge, Cambridge University Press . ) pressionaram pela volta do Estado na análise política, apesar das fortes objeções de Almond (in Weiner e Huntington, 1987WEINER e Huntington, S. (1987). Understanding Political Development. Boston, Little Brown. ). Embora estimando as contribuições de Poulantzas a uma teoria do Estado, Easton (1981EASTON, David (1981). The Política) System Besieged by the State. Political Theory, 9, (agosto), 303-325. ) também nos levou a sustentar sua própria ênfase no sistema político. Persistem, embora.: as diferenças sobre o que é relevante e enquanto se questiona sobre o que seja relevante, sistema ou Estado, para a análise comparativa, acredito que a política comparada interessa-se profundamente pela teoria do Estado. Fica em debate o elo entre Estado e classe.

No seu sistemático criticismo a Hegel em 1843, Marx distinguiu Estado de sociedade civil e, juntamente com Engels em A Ideologia Alemã (1845-1846) e Manifesto (1848), conceituou brevemente o Estado, ao passo que em Lutas de Classe na França, 1848-1850 (1850) e o Dezoito Brumário (1852) desenvolveu a complexidade de uma teoria de classe do Estado. Nas ideias teóricas desses trabalhos as bases econômicas distinguem-se da superestrutura política; o Estado aglutina interesse de classe na formação social; e em períodos excepcionais de ditadura e forte jurisdição, o Estado pode funcionar autonomamente. Em Sobre a Origem da Família, Propriedade e Estado (1884), Engels mostra que ao legitimar. o direito dos indivíduos de procurar interesses pessoais através da posse de propriedade privada, o Estado promove desigualdade e desunião. Em Estado e Revolução (1918), Lenin argumentou que o Estado não intermedia o conflito de classe, mas facilita a repressão de uma classe por outra; somente pela edificação de uma estrutura de força paralela a classe trabalhadora consegue destruir o Estado através de uma violenta revolução. Em O Príncipe Moderno (1957), Gramsci conceitua o Estado como o coordenador de atividades complexas que a classe dominante utiliza para assegurar seu domínio e obter o consentimento daqueles sobre quem legisla. Ele demonstrou que através da hegemonia a classe dominante estabelece sua visão e forma os interesses e as necessidades de outras classes.

Marxistas contemporâneos extraíram várias teorias do Estado a partir dessas ideias, incluindo o Estado como um instrumento da classe dominante que exerce sua influência através do controle dos meios de produção (Miliband, 1969MILIBAND, Ralph (1969). The State in Capitalism Society. Nova York, Basic Books .); como autônomo e não uma ferramenta passiva da classe trabalhadora em períodos “excepcionais” de governo, como o de Napoleão Bonaparte de 1852 a 1870 (Poulantzas, 1976POULANTZAS, Nico (1976). Crisis of the Dictatorships. Londres, NLB . ); o Estado como uma matriz do aparato institucional e organizações burocráticas, normas e. regras para legitimar autoridade (Offe, 1985OFFE, Claus (1985). Disorganized Capitalism. Cambridge, MIT Press. ); o Estado como interventor na forma de governo para construir e assegurar a acumulação de capital; e o Estado como um meio de assegurar a democracia burguesa e mistificar ações administrativas (veja Carnoy, 1984CARNOY, Martin (1984). The State and Political Theory. Princeton, Princeton University Press . ), para elaboração destas e de outras perspectivas.

Todas essas teorias do Estado fazem uso de categorias de classes. Marx referiu-se a três grandes classes (proprietários de terras, capitalistas industriais e trabalhadores) no breve último capítulo do volume três d’ O Capital, e· incorporou outras classes - a burguesia industrial, a pequena burguesia e o campesinato - em seus estudos sobre a França de meados do século dezenove. Os pensadores marxistas contemporâneos, no entanto, elaboram teorias de classe diferentes e conflitantes a partir da análise de Marx. A posição de classe dos trabalhadores assalariados intermediários e seu papel potencial na luta de classe, por exemplo, tem provocado um debate, incluindo-se aí a teoria de Poulantzas de pequena nova burguesia (1975POULANTZAS, Nico (1975). Classes in Contemporary Capitalism. Londres, NLB . ); a teoria de Erik Olin Wright de estruturas de classe e exploração; a teoria de Guglielmo Carchedi da nova classe média (1977); e a teoria de Barbara e John Ehrenreich da classe gerencial-profissional (1977) (veja Burris, 1987BURRIS, Val. (1987). Class Structure and Political Ideology. Insurgent Sociologist, 14, verão, (pp. 5-46). , para uma síntese destas várias teorias).

Uma outra controvérsia envolve o problema das análises de classe reducionistas e deterministas. Embora aderindo ao marxismo, Poulantzas (1978POULANTZAS, Nico (1978). State, Power, Socialism. Londres, NLB . ) reviu sua teoria de classe do Estado, baseado em sua experiência e interpretação da transição para democracia no sul da Europa e especialmente em Portugal, onde os trabalhadores e as forças populares foram capazes de penetrar no aparato de Estado durante 1974-1975. Esta revisão do pensamento de Poulantzas, associado ao impacto da ecologia, paz, feminismo e outros movimentos populares e à fragilidade e ineficiência da organização trabalhadora nos países de capitalismo avançado, desviou alguns teóricos da análise de classes. Laclau e Mouffe (1985LACLAU, E. e MOUFFE, C. (1985). Hegemony and Socialist Strategy: Towards a· Radical Democratic Politics. Londres, Verso . ) exemplificam bem este “recuo das classes”, da mesma forma que Wood (1986WOOD, Ellen Meiksins (1986). The Retreat from Class: a New “True” Socialism. Londres, Verso . ) caracterizou sua polêmica, e o debate seguinte revela a profundidade das diferenças entre proponentes e oponentes de uma análise de classes (veja Geras, 1987GERAS, Norman (1987). Post-Marxism? New Left Review , n. 163 (maio-junho), 40-82., por exemplo). Baudrillard eleva seu ataque tanto contra o estruturalismo como contra o materialismo histórico; em sua desconstrução do marxismo, ele argumenta que “todos os conceitos fundamentais da análise marxista devem ser questionados” (1975: 21). Jon Elster, outro crítico, preocupado com a reconceituação do marxismo, reconhece que “a teoria de Marx da consciência de classe, luta de classe e política está vibrantemente viva”, mas acredita que os grupos de interesse devem também ser levados em consideração: “não se pode simplesmente defender a visão marxista tradicional, a despeito de estes interesses de grupo não-classistas perderem importância à medida que as classes adquirem consciência de classe e organização” (1987: 196-197). John Roemer centra-se na exploração e na consciência de classe, mas desconsidera a teoria marxista do valor trabalho. As relações de propriedade, acredita, determinam a renda da classe e o bem-estar. As pessoas têm uma escolha racional: “uma pessoa ingressa numa certa classe em virtude de uma atividade racional de sua parte, em virtude de escolher a melhor opção disponível sujeita às limitações que enfrenta, que é determinada pelo valor da propriedade que ela possui” (Roemer, 1988ROEMER, John D. (1988). Free to Lose: An Introduction to Marxist Economic Philosophy, Cambridge, Cambridge University Press . : 10; veja Przeworski, 1985PRZEWORSKI, Adam (1985). Capitalism and Social Democracy. Cambridge, Cambridge University Press . , e Carling, 1986CARLING, Alan (1986). Rational Choise Marxism. New Left Review, n. 90 (novembro-dezembro), 24-62. , para revisão e crítica da escolha racional no marxismo). James O’Connor argumenta, por outro lado, que o individualismo americano sobreviveu à sua utilidade: “Num regime de capitalismo de consumo, as ideologias individualistas tornaram-se, em termos econômicos, demasiado caras. No Estado liberal baseado no interesse de grupo, o individualismo tornou-se uma extravagância política” (1984: 4). Embora confrontando críticas, Michael Buroway propõe uma penetrante análise do processo de produção num esforço de “reintroduzir os trabalhadores”. Postula a tese de que o “processo de produção decididamente dá forma ao desenvolvimento das lutas da classe trabalhadora”, e este mostra que, da mesma forma que as pessoas “transformam matéria-prima em bens úteis, eles também reproduzem relações sociais particulares” (1985: 7).

Esta crítica reflete essencialmente as teorias estruturais de Althusser, Poulantzas e outros escritores franceses, que foram influentes nos anos 60 (veja Hirsh, 1981HIRSH, Arthur (1981). The French New Left: An Intellectual History from Sartre to Gorz: Boston, South End Press. , para uma excelente avaliação destes desenvolvimentos). Althusser argumenta que devemos a Marx a compreensão de nossa história como uma história da luta de classes e que “Marx concebia a estrutura de toda sociedade como constituída por níveis ou instâncias articuladas por uma determinação específica: a infraestrutura ou base econômica (a unidade das forças produtivas e as relações de produção) e a superestrutura que em si contém dois ‘níveis’ ou ‘instâncias’: o político-legal (lei e o Estado) e o ideológico (as diferentes ideologias, religiões, éticas político-legais etc.)” (Althusser, 1971ALTHUSSER, Louis. (1971). Lenin and Philosophy and other Essays. Nova York, Monthly Review Press. : 134).

Simpatizantes do estruturalismo e desejosos de renovar a teoria de classe do Estado de Marx, Wolff e Resnick relançam o debate, fazem a distinção entre teoria neoclássica e marxismo: “o que diferencia os marxistas é sua visão de que as teorias e as explicações são todas parciais, inclusive a sua própria, enquanto os teóricos neoclássicos presumem que as causas finais dos eventos existem e que sua teoria pode e irá revelá-las em uma explicação completa e acabada” (1987: 21).

Insistem que a teoria marxista é uma teoria de · classes em termos de supra determinação, um conceito derivado de Freud e Althusser: “A visão marxista não aponta prioridade para os aspectos econômicos sobre os não econômicos da sociedade como determinantes uns dos outros. Todos os diferentes aspectos formam ou são formados por todos os outros. Nenhuma parte da sociedade, nem a econômica, nem qualquer outra, determina a sociedade como um todo. Cada aspecto da sociedade, incluindo o econômico, é supra determinado por todos os outros” (Wolff e Resnick, 1987WOLFF, Richard D. and STEPHEN, Resnick (1986). Power, Property and Class. Socialist Review, n. 86 (março-abril), 97-124. : 134). Eles enfatizam a centralidade da classe como processo na teoria marxista e a necessidade de concentrar-se na classe, a fim de compreender o método de análise da exploração de Marx.

A busca de uma teoria de classe do Estado deveria beneficiar-se da abordagem de Wolff e Resnick, que são sensíveis a críticas de teorias simplistas e reducionistas. Seria útil centrarmo-nos nas formas do Estado que evoluem de relações de produção na sociedade capitalista, nas quais o Estado é a expressão política da estrutura de classes, e nas contradições da acumulação capitalista inerentes à produção (veja Anglade e Fortin, 1985ANGLADE, Christian and FORTIN Carlos. (1985). The State and Capital Formation in Latin America. Pittsburgh, University of Pittsburgh Press. , para uma aplicação útil de tal modelo para experiências do Brasil, Chile e México). Os economistas políticos desejam evitar uma superenfatização de conceitos políticos, tais como o Estado e seu aparato, a ideologia etc., sem se voltarem a uma crítica materialista: uma concentração em instituições políticas pode conduzir a análises estáticas, como, por exemplo, o surgimento de partidos políticos e grupos de interesse desviam a atenção do local exato de poder no Estado e na economia. Da mesma forma, os economistas políticos são cautelosos quanto a análises economicistas que se concentram na base econômica da sociedade isolados das relações de classe da produção. Alguns dos problemas de serem atualmente observados por uma abordagem equilibrada são: 1. a extensão na qual a forma e a função do Estado são determinadas por relações de classe dentro do modo capitalista de produção; 2. se a classe capitalista mobiliza o Estado como contrapartida à crise do capitalismo; 3. como a burocracia do Estado opera separadamente dos interesses da classe capitalista ou, ao contrário, como a burguesia em algumas instâncias delega poder à burocracia para agir em seu favor; e, finalmente, 4. que contradições aparecem entre as restrições de um Estado autônomo e uma burguesia que, não mais contente com a ordem bonapartista em períodos “excepcionais”, ou um proletariado irrequieto, ameaça com revolução.

Socialismo e democracia. O interesse de cientistas políticos americanos em democracia tem-se concentrado no sistema anglo-americano, de Alexis de Tocqueville até o presente. Robert Dahl contribuiu para essa tendência em seus primeiros trabalhos e modificou mais tarde (1978DAHL, Robert (1978). Pluralism Revisited. Comparative Politics, 10 (janeiro), 191-203. ) sua concepção de pluralismo para abraçar o socialismo democrático e sugerir comparações, por exemplo, com os governos socialistas no sul da Europa e os conselhos de trabalhadores na Iugoslávia. Cohen e Rogers (1986COHEN, Joshua and ROGERS, Joel (1986). On Democracy: Toward a Transformation of American Society. Harmondsworth, Penguin Books. ) explora essas teses em sua pesquisa por uma transformação da sociedade americana. Estamos também fascinados por experiências revolucionárias que acompanham expectativas por democracia e socialismo. A América Latina, Cuba (1959), Chile (1971) e Nicarágua (1979) atraíram a atenção de cientistas sociais que escreveram sobre as condições favoráveis ao socialismo e à democracia (sobre Cuba ver Harnecker, 1980HARNECKER, Marta, 1980). Cuba: Dictatorship or Democracy? Westport, Lawrence Hill. ; sobre o Chile, veja Stallings, 1978STALLINGS, Barbara (1978). Class Conflict, Economic Development in Chile, 1958-1973. Stanford, Stanford University Press. ; sobre a Nicarágua, Fagen, Deere e Coraggio, 1986FAGEN, Richard R., DEERE, Carmen Diana e CORAGGIO, Jose Luís (eds.) (1986). Transition and Development. Nova York, Monthly Review Press . ). Na Europa as manifestações de maio de 1986 foram precedidas e seguidas por uma ruptura com a ortodoxia da esquerda e um novo pensamento (por exemplo, Althusser e Sartre) apareceu no espaço aberto pelo socialismo tradicional e movimentos comunistas. Cerca de uma década mais tarde, Poulantzas (1976POULANTZAS, Nico (1976). Crisis of the Dictatorships. Londres, NLB . ) explorou o confronto do movimento popular com regimes capitalistas excepcionais e subscreveu uma criteriosa análise comparativa do regime de transição no sul da Europa. Influenciados pelo desenvolvimento do eurocomunismo, Poulantzas e outros começaram a reconceituar estas experiências em termos de uma formação de interesse de grupos e classe. Norberto Bobbio, um socialista italiano profundamente consciente das armadilhas e obstáculos à democracia, escreveu (1987) sobre a necessidade de uma transição, não de uma democracia representativa para uma direta, mas de uma democracia política para uma democracia social, através da ampliação do poder para várias esferas da sociedade civil.

A problemática para os intelectuais de esquerda é, primeiro, como realizar uma transição para uma sociedade melhor, através da democracia e do socialismo. Nos casos da Espanha, Portugal e Grécia, uma transição para a democracia representativa ocorreu em meados dos anos 70. A retórica dos tempos sugeria algum tipo de transição política que combinava a queda das ditaduras tradicionais com a democracia e a ilusão de uma possibilidade socialista. Todavia, nenhuma verdadeira transição socialista da política econômica se realizou, porque os meios de produção privados não foram socializados e as classes populares não chegaram ao poder, com ou sem a vanguarda do movimento de trabalhadores ou do partido proletário; no fim, os interesses econômicos capitalistas e a burguesia foram decisivos, enquanto que novos regimes evoluíram de possibilidades radicais para formas parlamentares e sociais democráticas, e partidos políticos obscureceram os movimentos populares e revolucionários. Tentativas de democracia direta representativa foram minadas pelas formas representativas indiretas. Uma pergunta essencial era se as soluções poderiam ser encontradas para as crises políticas e econômicas sem mais democracia direta e participativa. A chegada ao poder de governos socialistas e social-democratas na França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha não significou um fim para essa crise; os movimentos comunistas estilhaçaram-se e enfraqueceram-se (especialmente na França e Espanha) bem como a esquerda intelectual (especialmente na França e Inglaterra, mas também em Portugal onde, devido a meio século de ditadura, a esquerda não tinha estabelecido profundas raízes fora do partido comunista e uma oposição social-democrata moderada).

Devemos também perguntar que tipo de democracia e socialismo pode desenvolver-se na medida em que as forças políticas burguesas insistem num processo parlamentar e na dominância de partidos políticos. Mais ainda, se o pluralismo é baseado na escolha individual, na barganha e nos compromissos, debilitam-se as possibilidades de alianças e coalisões de movimentos populares fora do sistema partidário. Neste caso, quais são as possibilidades de rejeitar o projeto socialista por inteiro? Bobbio defende um socialismo pluralista e uma maior distribuição do poder que conduza a uma democratização da sociedade civil, que, por sua vez, estenda e integre· finalmente a democracia política. Ele afirma que democracia é “um conjunto de leis ... para a solução de conflitos sem derramamento de sangue” (1987BOBBIO, Norberto. (1987). The Future of Democracy, Minneapolis, University of Minnesota Press. : 156), Bobbio tenta assim reconciliar a demanda por justiça social, comum aos marxistas, com liberdades civis e políticas, essenciais ao liberalismo. Despreza argumentos, baseados em Marx e Lenin, de que a abolição de diferenças de classe através da superação da propriedade privada aliviará a necessidade por liberdades burguesas do indivíduo. Ele acredita na tradição do pensamento socialista que não crê na solução marxista de identificar interesses individuais com interesses coletivos. Ao mesmo tempo, reconhece a preocupação marxista com a responsabilidade democrática em face das desigualdades de riqueza e influência e a crescente complexidade da sociedade burocrática. Existe também a questão da estratégia revolucionária em uma transição para a democracia e o avanço em direção ao socialismo. Tenho enfatizado o papel da classe e da luta de classe na busca de uma teoria da transformação. Está em jogo a classe trabalhadora enquanto agência de execução de revolução. Boyte (1981BOYTE, Harry C. (1981). Populism and the Left. Democracy; n. 1, abril, pp. 53-66. ) defende uma síntese de duas abordagens na busca de um radicalismo democrático, de um lado, através de ações da classe trabalhadora, e, do outro, através das exigências do povo ou populismo. Wood prefere a ideia de que a classe trabalhadora tem interesses e crenças objetivas e que, na condição de classe explorada e produtora, tem um lugar especial no capitalismo. Laclau e Mouffe, contudo, argumentam que a luta dos trabalhadores é uma luta democrática e não uma luta de classe; ela representa mais uma extensão da democracia do que a emancipação de uma classe; eles voltam-se para Bernstein porque “entendeu claramente que futuros avanços da sociedade dependeriam de iniciativas autônomas ... Visto que a crescente produtividade do trabalho e as bem-sucedidas lutas dos trabalhadores estavam tendo o efeito combinado de que os trabalhadores estavam deixando de ser ‘proletários’ e tornando-se cidadãos’ (1987: 105). Enfatizam também a necessidade não de atacar o aparato de Estado, mas de consolidar e reformar democraticamente o Estado liberal e sua divisão de poder, o sufrágio universal, os sistemas multipartidários, os direitos civis e assim por diante; a transcendência do capitalismo envolve situar o capitalismo numa revolução democrática “fundada na pluralidade dos agentes sociais e em suas lutas” (106).

Norman Geras acredita que esta visão “virtualmente arrola todas as posições-chave de um setor da esquerda europeia que está se movendo para a direita” (i’987: 43). Ele rejeita essa posição como apresentando “um vácuo tanto teórico como normativo, cercado de pontos de vista antiquados, preconceitos e caricaturas” (45), e mostra que a preocupação deles com a etnicidade, a ecologia, a energia nuclear, a guerra e a paz também é partilhada pela oposição marxista, não somente com relação à exploração da classe trabalhadora mas com relação a todas as formas de opressão capitalista, e conclui que estas “atitudes preconceituosas levam à visão mais desagradável possível do liberalismo” (82; veja Fisk, 1987FISK, Milton (1987). Why the Anti-Marxists are Wrong. Monthly Review, 38 (março), 7-17, with subsequent debate in 39 (dezembro), 41-55. , para uma crítica similar).

Qualquer que seja a forma da democracia, a via de acesso ao socialismo será difícil, quer se tome um rumo evolucionista, quer revolucionário. As perspectivas de rápidas mudanças previstas na França em 1968 e em Portugal em 1974-75 são obscurecidas no capitalismo em desenvolvimento e em consolidação da Europa Ocidental, de forma que o processo de edificação do socialismo será incrementado. No Terceiro Mundo, o nível das forças produtivas e os problemas aparentemente insuperáveis de dívida externa e interna, inflação, desemprego etc. parecem abafar o avanço em direção ao socialismo e à democracia. Enquanto as condições para uma transição para democracia e o socialismo são identificáveis nas experiências revolucionárias do Terceiro Mundo, Richard Harris (1988HARRIS, Richard L. (1988). Maxism and the Transition to Socialism in Latin America. Latin American Perspectives, 15 (inverno), 7-54. : 16) as sintetizou em uma estrutura geral para entender o processo de uma transição ao socialismo. Primeiro, uma resolução ao nível político envolve a tomada de poder por um bloco de forças populares, incluindo a classe trabalhadora, a destruição do aparato de Estado burguês, o estabelecimento de um regime que funcione como uma democracia para as massas populares e como uma ditadura para aqueles que resistem ao regime. Segundo, uma revolução nas relações de produção envolve trabalho para todos, eliminando a propriedade privada nas grandes indústrias e na agricultura; o planejamento econômico para satisfazer as necessidades humanas e desenvolver as forças de produção; a participação dos trabalhadores na produção e o pagamento de acordo com o trabalho realizado. Terceiro, uma revolução na esfera cultural e ideológica envolve a luta contra a ideologia burguesa; educação popular e treinamento vocacional para trabalhadores; e a combinação de trabalho com estudo.

A diversidade de perspectivas revistas revela que a realização de uma transição socialista pode precisar de um estágio intermediário, envolvendo formas representativas indiretas de democracia na esfera política e o desenvolvimento de forças de produção capitalista na economia. Suponho que alguns intelectuais tenham disfarçado esta realidade com concepções pós marxistas, na medida em que se pretende reconhecer a dificuldade de implantação do socialismo por causa da persistência do capitalismo e seu impacto pervasivo. Sua relutância em empregar uma interpretação estrutural da saciedade implica um esforço em evitar análises reducionistas e deterministas e favorecer um pluralismo amplamente concebido, que abrange da classe trabalhadora a movimentos como feminismo, ecologismo e pacifismo.

O exame que faço destes velhos temas sugere adicionalmente que os intelectuais diferem porque as questões sobre o desenvolvimento tornaram-se de fundamental importância para a preferência pelo capitalismo ou o socialismo. Divergem sobre a questão do Estado em função do uso tanto da análise de classes como da análise não-classista; e sobre a questão do socialismo e da democracia por causa de sua inclinação a favorecer formas ou diretas ou indiretas no processo político. Assim, concluo com a proposição de que a preferência por um sistema ou outro (capitalismo ou socialismo) é confundida com as oportunidades e as realidades, e que a produção de novas ideias tende a ser nada mais do que a reprodução de velhas ideias em uma nova vestimenta.

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    JEL Classification: P51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1990
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