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Heterossexualidade e homossexualidade: prescrições sobre o uso do corpo das mulheres evangélicas

Heterosexuality and Homosexuality: The Use of the Body among Protestant Women

Resumo:

Os evangélicos são bem conhecidos por seu recato e pudicícia. Mas, nem por isso, deixam de elaborar prescrições bem específicas sobre como o sexo pode ser vivenciado, contrariando a imagem que deles é feita pelo senso comum. É do conjunto de orientações envolvendo a hetero e a homossexualidade que trata este artigo. A análise traçada evidencia o modo como a religião se põe como recurso pedagógico de construção e reforma do corpo feminino, não apenas monitorando-o e controlando-o, mas produzindo um tipo específico de sexualidade. Os dados foram reunidos principalmente a partir de observação participante, realizada entre os anos 2011-2014, na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte. Foram acompanhados todos os eventos destinados a mulheres e organizados pela pastora Ana Paula Valadão.

Palavras-chave:
mulher evangélica; heterossexualidade; homossexualidade; sociologia da religião; sociologia do corpo.

Abstract:

Protestants, although in general known by their modesty and prudery, do not cease to develop very specific regulations about sex. This article draws on the set of guidelines involving hetero and homosexuality. The analysis highlights how religion is an educational resource for the construction and reformation of the female body, not just monitoring it and controlling it, but producing a specific kind of sexuality. Data were gathered mainly from participant observation, held between 2011-2014, in Lagoinha Baptist Church, localized in Belo Horizonte. I attend and have notes on all of the events aimed at women and organized by Pastor Ana Paula Valadão.

Keywords:
Protestant Woman; Heterosexuality; Homosexuality; Sociology of Religion; Sociology of the Body.

Introdução

Deus criou [o sexo] para a procriação, mas também para o prazer. (...) O sexo é uma benção, é um presente de Deus dentro da moldura do casamento. (...) Se houver a separação desse relacionamento, que pode ter sido de uma noite, um pedação dele está nela, e um pedaço dela está nele. (...) Os demônios que agem na vida daquele rapaz passam a perturbar a sua vida se você se ligar a ele assim [via sexo]. Agora não pense que o ato sexual é só a penetração. Porque existe uma ligação de alma quando há o quê? As carícias. (Pastora Ana Paula Valadão, Igreja Batista da Lagoinha, abril de 2012)1 1 Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=7cLMurDMNuY, acesso em 06 de janeiro de 2016.

Você que é cristão, cuidado para não cair em uma prática muito comum que chama-se [sic] perversão sexual. Essa linha, essa questão de sexo oral, sexo anal, brinquedos eróticos, fantasias, ela é uma linha muito fina. Porque ela é uma linha que pode ser só fruto da nossa imaginação, recursos para que um casal alcance ou melhore o desempenho sexual, como também pode cair do outro lado de lá, que é a linha só mesmo de pura promiscuidade, onde o casal tem uma mente suja, têm péssimas referências sexuais, tudo que é fruto de vídeos pornôs e vídeos eróticos que inspiram o casal a querer representar as mesmas coisas. (Pastor Nelson Júnior, Igreja em Vitória, maio de 2015)2 2 Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=BvV6DsuAFmo, acesso em 06 de janeiro de 2016.

Posso usar uma fantasia [erótica]? Não tem nada que desabone a fantasia não. Ah, eu queria apimentar, me vestir de onça, então se vista de onça. Ele pega a espingarda dele e vai caçar você. (...) O que não pode é o desejo ser transferido para a fantasia. (...) Posso levar a minha esposa no motel? Não, motel não é lugar de levar mulher. (...) 99,9% dos relacionamentos mantidos em motel são extraconjugais, homossexuais e o ambiente de um motel é totalmente demoníaco. Sexo oral pode fazer ou não pode? (...) É com entendimento. Sexo oral é tu e tua esposa. (...) Agora, pode fazer sexo anal? Aí não pode não. Sexo anal é sodomia, aí também é um absurdo, né, gente? Você com um playground na frente tão limpinho, tão cheirosinho, tão pertinho, por que você vai brincar na fossa? Poxa gente. (Pastor Cláudio Duarte, Igreja Batista Monte Horebe, fevereiro de 2014)3 3 Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=9lzhqZL_HUw, acesso em 06 de janeiro de 2016.

Embora no imaginário turístico o Brasil figure como o país do carnaval, da exposição da nudez feminina, da sedução e do acentuado contato entre os corpos (Heilborn 1999HEILBORN, Maria Luiza. (1999), “Corpos na cidade: sedução e sexualidade”. In: VELHO, Gilberto (ed.). Antropologia urbana: cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.), nem por isso a maioria cristã (católicos e evangélicos, que perfazem 86,8% da população4 4 64,6% dos brasileiros se declaram católicos, enquanto 22,2% são evangélicos, segundo os dados do Censo 2010. ) absorve esses valores sem reservas. Ao contrário, a intensa devoção religiosa de certos grupos se choca frontalmente com os valores culturais de liberdade e devoção ao corpo. De modo geral, cristãos pensam que o corpo é o “templo do Espírito Santo”, isto é, abriga a divindade. Portanto, deve ser e estar “santificado”, visto que, ao mesmo tempo, guarda o potencial de se tornar um “antro de perdição”. Para esses religiosos, as “obras da carne” são assim denominadas: adultério, fornicação, impureza, lascívia e coisas semelhantes a estas5 5 Trechos bíblicos que embasam tal perspectiva: I Coríntios 6:19, Filipenses 3:18-21 e Gálatas 5:19-21. Fonte: Bíblia Online, acesso em janeiro de 2016. . Diante disso observa-se que, com algumas exceções de agremiações e/ou denominações, católicos e evangélicos se irmanam na posição contrária à união de casais homoafetivos, à infidelidade marital, ao divórcio, a certas expressões de vaidade consideradas sensuais, ao aborto, à eutanásia, e assim por diante (Machado 2006______. (2006), Política e religião: a participação dos evangélicos nas eleições. Rio de Janeiro: FGV.; Machado e Piccolo 2010MACHADO, Maria das Dores Campos; PICCOLO, Fernanda Delvalhas (ed.). (2010), Religiões e homossexualidades. Rio de Janeiro: FGV .; Ogland e Verona 2011OGLAND, Curtis P.; VERONA, Ana Paula. (2011), “Religion and Attitudes Toward Abortion and Abortion Policy in Brazil”. Journal for the Scientific Study of Religion , nº 50(4): 812-21.; Machado 2012______. (2012), “Aborto e ativismo religioso nas eleições de 2010”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 7(janeiro-abril): 25-54.; Luna 2014LUNA, Naara. (2014), “Aborto no congresso nacional: o enfrentamento de atores religiosos e feministas em um Estado laico”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 14(maio-agosto): 83-109.; Ogland e Verona 2014_______. (2014), “Religion and the Rainbow Struggle: Does Religion Factor into Attitudes Toward Homosexuality and Same-sex Civil Unions in Brazil?” Journal of Homosexuality, nº 61(9): 1334-49.).

Neste artigo mostrarei que a moralidade religiosa também se expressa em prescrições bem específicas sobre sexo (vaginal, oral e anal; intra e extraconjugal), prazer e fantasias, como já sugerem os excertos supracitados. Meu recorte será o conjunto de orientações, dadas por evangélicos batistas, de vertente carismático-pentecostal6 6 O protestantismo histórico brasileiro, no qual os batistas podem ser enquadrados (Jacob et al. 2003), remete a meados do século XIX, quando da chegada de missionários e seus esforços para converter indivíduos. Os batistas aportaram no Brasil em 1867, com os refugiados da Guerra Civil Americana. Os protestantes enfatizavam a distribuição de bíblias, a formação de salas de aula dominicais e o trabalho de alfabetização. Entre os anos 1950-1960, vários religiosos, entre eles diversas agremiações que atendiam e atendem sob a égide batista, a fim de arregimentar novos membros ou, ao menos, evitar perder seguidores, adotaram teologia e práticas pentecostais. Herdaram a crença na contemporaneidade dos dons do Espírito Santo e o apelo às emoções, aos rituais de cura e exorcismo e à pregação da prosperidade. A literatura faz referência a eles como protestantes renovados ou carismático-pentecostais. , envolvendo a hetero e a homossexualidade.

Os protestantes históricos renovados têm concentração urbana, em capitais e nas regiões metropolitanas. Trata-se de um grupo de indivíduos majoritariamente de classe média, dentre os quais os batistas podem ser considerados cultivadores de um ethos próprio a essa classe, mas cuja prática religiosa se aproxima sobremodo do pentecostalismo, que se caracteriza por arregimentar sujeitos oriundos das camadas populares (Jabor apud L.Duarte 2005DUARTE, Luiz Fernando Dias. (2005), “Ethos privado e justificação religiosa: Negociações da reprodução na sociedade brasileira”. In: HEILBORN, Maria Luiza; DUARTE, Luiz Fernando Dias; PEIXOTO, Clarice; BARROS, Myriam Lins de (ed.). Sexualidade, família e ethos religioso, edited by Rio de Janeiro: Garamond. ). Os batistas perfazem mais de 3 milhões de fiéis no Brasil e são conhecidos por sua diversidade teológico-doutrinária7 7 Os batistas se organizam principalmente por meio de duas entidades religiosas sem fins lucrativos (Convenção Batista Brasileira e Convenção Batista Nacional), que dividem as igrejas tradicionais daquelas que aceitam a “renovação” (ou seja, que se pentecostalizaram). Contudo, há muitas comunidades batistas independentes ou que estão vinculadas a outros organismos, como a Comunhão Batista Bíblica Nacional e a Comunhão Reformada Batista no Brasil. e por uma maior abertura, quando comparados a certas denominações evangélicas, à hierarquia feminina e à discussão de temas como política, ciência, mídia etc. E sexualidade é um assunto que não fica para trás. Uma série de vídeos que se popularizaram na Internet discutindo sexo, gêneros e conjugalidade registra o ponto de vista de líderes batistas8 8 Ver, por exemplo, a participação do pastor Cláudio Duarte no programa Danilo Gentili (https://www.youtube.com/watch?v=jLox_XUF8Yc), o vídeo de Ana Valadão sobre pureza sexual, do qual se retirou o trecho citado na abertura, (https://www.youtube.com/watch?v=7cLMurDMNuY), e os vários vídeos relacionados ao projeto Eu escolhi esperar, idealizado pelo pastor Nelson Júnior e que conta com o apoio de religiosos batistas (https://www.youtube.com/channel/UCpbTOU0CEi-mTpH0zj2JNEQ) (todos os links foram acessados em 06 de janeiro de 2016). .

No presente texto, abordarei o modo como uma pastora belo-horizontina vem tratando da relação religião e sexo. A investigação se valeu de observação participante, realizada na Igreja Batista da Lagoinha (IBL), entre 2011-2014. Foram acompanhados todos os eventos destinados a mulheres e criados pela pastora Ana Paula Valadão durante o período (ao todo foram quatro congressos anuais e 29 cultos mensais nos quais Valadão esteve à frente como preletora). Como os encontros eram longos e repletos de informações e orientações que julguei muito importantes para a pesquisa que tinha desenhado, produzi inumeráveis relatos e anotações, registrados em cadernos de campo. Este material foi analisado de modo temático, para a produção da minha tese de doutorado e, posteriormente, para a escrita de artigos. Também recorri à entrevista que realizei com Valadão em 20149 9 Ainda que muitos evangélicos esperem que tanto homens quanto mulheres adotem uma “sexualidade casta” (oposta aos valores da sociedade brasileira), conforme observou Mafra (1998), quando analisei os cultos da IBL especificamente orientados a homens e presididos pelo esposo de Valadão (Rosas 2015), percebi que preceitos moralizadores do corpo recaíam muito mais sobre a audiência feminina que sobre a masculina. .

O discurso de Valadão está alinhado à moral sexual que atualmente vigora entre os evangélicos e que já é menos rígida que nas décadas precedentes (Machado 1995MACHADO, Maria das Dores Campos. (1995), “Corpo e moralidade sexual em grupos religiosos”. Revista de Estudos Feministas , nº 3(1): 7-27.; Mariano 2005______. (2005), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 2ª edição [1999]. [1999]). Para ela e os batistas que pesquisei, o sexo é visto como uma união de duas almas e uma obrigação conjugal, embora também seja enfatizado como uma fonte de satisfação. O prazer que ele proporciona aparece como legítimo desde que restrito à heterossexualidade, ao ato vaginal, ao casamento e à monogamia. Se há apatia sexual durante o namoro (espera-se que o homem não concretize, mas tente ter contato íntimo com sua parceira), considera-se isso indício de homossexualidade, e esta, sem a menor margem de manobra, é rechaçada. A homoafetividade é interpretada como antinatural, pecado, doença, opressão demoníaca, uso imoral do corpo, enfim, uma deformidade do padrão afetivo e reprodutivo divinamente estabelecido (como mostraram as pesquisas de Natividade 2006NATIVIDADE, Marcelo. (2006), “Homossexualidade, gênero e cura em perspectivas pastorais evangélicas”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 21(61): 115-32.; Natividade e Oliveira 2007NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. (2007), “Religião e intolerância à homossexualidade: tendências contemporâneas no Brasil”. In: SILVA, Vagner Gonçalves da (ed.) Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: EDUSP . e Natividade 2009______. (2009), “Sexualidades ameaçadoras: religião e homofobia(s) em discursos evangélicos conservadores”. Sexualidad, Salud y Sociedad, nº 2: 121-61.). Todavia, na IBL, há uma “ex-homossexual” que tem espaço na liderança e serve de exemplo para uma espécie de reinvenção dos gêneros, que se dá via transformação religiosa.

Embora esses dados não permitam dizer em que medida as peculiaridades do discurso de Ana Valadão são oriundas de sua posição enquanto mulher, esposa e filha de pastor, interessa pôr em evidência que tais ensinamentos são articulados ao público feminino no sentido de disciplinar a expressão do corpo e da sexualidade. A narrativa apresentada nas páginas seguintes ilustra como a religião contribui de maneira significativa para a construção e “reforma” do corpo (the re-formation of the body) das mulheres, dos quais se espera que se controle a menstruação, a gravidez, a menopausa (Martin e Laws apudShilling 1993SHILLING, Chris. (1993), The body and Social Theory. Londres: SAGE Publications.), a sexualidade e o prazer. Será visto que por meio de “pedagogias do corpo”, ou seja, meios pelos quais são transmitidas técnicas corporais, disposições e crenças (Mellor e Shilling 1997MELLOR, Philip A.; SHILLING, Chris. (1997), Re-forming the Body: Religion, Community and Modernity. Thousand Oaks: SAGE Publications.; Shilling e Mellor 2007), a fé evangélica produz um tipo específico de sexualidade (identidade, orientação e prática sexual) à qual se deve dar a devida atenção. Não é à toa que uma das direções nos estudos de sociologia da religião nos dias de hoje seja a da percepção da religião em sua forma vivenciada, em especial enfatizando as emoções e as práticas corporais (McGuire 1990MCGUIRE, Meredith B. (1990), “Religion and the Body: Rematerializing the Human Body in the Social Sciences of Religion”. Journal for the Scientific Study of Religion, nº 29(3): 283-96.; Smith 2008SMITH, Christian. (2008), “Future Directions in the Sociology of Religion”. Social Forces, nº 86(4): 1561-89.; Edgell 2012EDGELL, Penny. (2012), “A Cultural Sociology of Religion: New Directions”. Annual Review of Sociology, nº 38: 247-65.)10 10 O corpo e seus usos são fundamentais para a compreensão da (re)produção simbólica e das representações sociais e vêm sendo objeto exaustivo de reflexão na antropologia, sobretudo da que trata da noção de pessoa (ver, entre muitos textos, os argumentos de Goldman 1996, Maluf 2001 e Heilborn 2006). Este artigo, todavia, não se valerá dessa chave interpretativa, mas sim da chamada “sociologia do corpo” – área acadêmica que se consolidou nos últimos 30 anos e que tem como seus principais expoentes (ainda que com contribuições de bases incompatíveis): Michel Foucault, Bryan Turner, Judith Butler, Drew Leder, Iris Marion Young, Arthur Frank, Anthony Giddens, Pierre Bourdieu e Elizabeth Grosz (ver a análise de Shilling 2005; Le Breton 2007; Turner 2012 e Turner 2014). .

Religião e sexo

As representações eróticas e a sexualidade não são naturais, são fenômenos culturais, socialmente aprendidos. Como são definidos e vividos de modo passível a ser refutado (Heilborn 2002______. (2002), “Fronteiras simbólicas: gênero, corpo e sexualidade”. Cadernos Cepia, nº 5: 73-92.; L.Duarte 2005DUARTE, Luiz Fernando Dias. (2005), “Ethos privado e justificação religiosa: Negociações da reprodução na sociedade brasileira”. In: HEILBORN, Maria Luiza; DUARTE, Luiz Fernando Dias; PEIXOTO, Clarice; BARROS, Myriam Lins de (ed.). Sexualidade, família e ethos religioso, edited by Rio de Janeiro: Garamond. ; Figari 2007FIGARI, Carlos. (2007), Sexualidad, religión y ciencia: discursos científicos e religiosos acerca de la sexualidad. Córdoba: Encuentro Grupo Editor.), vê-se que as religiões continuamente elaboram seus códigos morais e rituais a respeito do sexo.

No conhecido texto de Weber (2002WEBER, Max. (2002), Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC.), Rejeições religiosas do mundo e suas direções, temos um primeiro quadro sociológico a respeito da profunda tensão entre a ética fraternal da religião de salvação, baseada em princípio, e a esfera erótica. Para Weber, o conflito entre essas duas dimensões teve origem no culto à castidade dos sacerdotes e na subsequente regulação, pelas religiões proféticas, das relações sexuais em favor do matrimônio. Somou-se a isso o fato de ambas as esferas terem experimentado “fatores evolucionários” próprios, envolvendo a racionalização universal e a intelectualização da cultura. A sexualidade foi intensificada e valorizada, e foi desligada do “orgiasticismo mágico”, do “naturalismo ingênuo do sexo”, “do ciclo da velha existência simples e orgânica do camponês” (Weber 2002:239-241). O amor do amante ganhou a conotação de sacramento que veio a se chocar com a ética de salvação, uma vez que essa passou a apostar na vitória do espírito sobre o corpo (mediante a devoção a um Deus eticamente racional) e a enxergar a comunhão erótica como uma negativa do amor fraternal e da servidão a Deus. Segundo Weber: “o delírio erótico só está em uníssono com a forma orgiástica e carismática de religiosidade, que, porém, num sentido especial, é interiorizada. A aceitação do ato do matrimônio, da copula carnalis, como sacramento da Igreja Católica, é uma concessão a esse sentimento” (2002:243, realce original).

Da análise de Weber para cá, o binômio religião e sexo continuou muitas vezes sendo posto como antagonista. Nos anos 1960, mediante a visibilidade do movimento feminista, da “revolução sexual”, da expressão corporal, do body-art, da crítica do esporte e da emergência de novas terapias” (Le Breton 2007:9), isso foi nuançado. Embora haja quem argumente que a “revolução sexual” não produziu uma reviravolta nos princípios (Bozon 2004BOZON, Michel. (2004), Sociologia da sexualidade. Rio de Janeiro: FGV.), não se pode negar que passou a haver maior liberdade em relação aos códigos de conduta prescritos às mulheres e ao trato da sexualidade (Heilborn 2006______. (2006), “Entre as tramas da sexualidade brasileira”. Estudos Feministas, nº 14(1): 43-59.). E isso teve impactos importantes no campo da religião.

Os evangélicos, objeto deste artigo, são um bom ilustrador. Segundo Machado (1995MACHADO, Maria das Dores Campos. (1995), “Corpo e moralidade sexual em grupos religiosos”. Revista de Estudos Feministas , nº 3(1): 7-27.), até a década de 1950 prevalecia entre eles, como próprio à tradição sexual cristã, uma visão negativa quanto ao corpo e a sua sexualidade, pautada na separação teológica entre corpo e alma, desfavorecendo o primeiro. Condenava-se o desejo, atrelava-se o sexo à procriação e não ao prazer, e enfatizava-se a capacidade fisiológica das mulheres em ter filhos, o que cooperava para a inferiorização delas em relação aos homens. Com o tempo, o molejo e a riqueza gestual se tornaram cada vez mais evidentes. Houve uma tendência à liberalização dos costumes (particularmente em relação ao vestuário e ao cabelo das mulheres), e as igrejas acentuaram a oferta de orientações sobre sexualidade e reprodução por meio de palestras, vigílias, cultos temáticos, encontros de casais, cursos aos noivos e conversas informais. Assuntos como menstruação, masturbação, relações sexuais e métodos contraceptivos passaram a ser tratados pelas igrejas11 11 A tradição começou a ser revista já na década de 1930, quando igrejas, como a anglicana, advogaram pelo uso de métodos contraceptivos para o caso de a procriação representar um risco à vida materna. O efeito não intencional dessa postura foi o de dar início à disjunção entre sexo marital e procriação. As dificuldades socioeconômicas trazidas pela Segunda Guerra, além da urbanização e da modernização, favoreceram o deslocamento das definições e responsabilidades da contracepção para o indivíduo e a ciência (Machado 1995). .

Contudo, a maior consideração sobre o ato sexual e sua reinterpretação para além da reprodução não deixou de confiná-lo ao matrimônio e à heterossexualidade. Além disso, as dificuldades sexuais enfrentadas foram frequentemente tidas como um problema das mulheres, reforçando o conformismo aos padrões estabelecidos pelos parceiros e a ideia de que as mulheres possuem obrigações sexuais que devem ser cumpridas. A castidade até o casamento e a fidelidade, por sua vez, passaram a ser consideradas deveres de mulheres e homens, algo diferente da moral sexual brasileira, que controla o corpo feminino e dá mais liberdade ao masculino. Muitos dos comportamentos rotulados como desvios morais (traição, homossexualidade e sexo antes do casamento) foram associados à influência demoníaca, embora isso fosse menos frequente entre os setores médios. O uso de métodos contraceptivos, como a ingestão de pílulas e a esterilização (tanto masculina quanto feminina), se mostrou expressivamente mais acentuado entre os evangélicos que entre os católicos (Machado 1995MACHADO, Maria das Dores Campos. (1995), “Corpo e moralidade sexual em grupos religiosos”. Revista de Estudos Feministas , nº 3(1): 7-27.).

Examinando a inserção religiosa na mídia eletrônica, Machado (1999______. (1999), “SOS Mulher - a identidade feminina na mídia pentecostal”. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, nº 1(1): 167-88.) mostrou que igrejas, como a Universal e a Assembleia de Deus, ampliaram a participação feminina, passando a dar espaço, nas pautas abordadas, a assuntos como casamento, saúde da mulher, prostituição, adultério e homossexualidade. Mariano (2005______. (2005), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 2ª edição [1999].) observou, semelhantemente, que, entre os pentecostais mais recentes, havia defesa do planejamento familiar, adesão a métodos contraceptivos e vinculação entre sexo (ainda que conjugal e heterossexual) e prazer. Jacqueline Teixeira, investigando a Universal, fez coro a essas asserções, ao argumentar que a vida e o nascimento, em vez de serem compreendidos como ação direta de Deus, eram vistos como um “processo de gerenciamento humano sobre o mundo” (Teixeira 2012:58).

A autora aponta o surgimento, na Folha Universal (maior veículo de circulação da igreja), dos cadernos Seu corpo e Folha Mulher, que se destinaram a abordar sobre doenças sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos. Ela elenca em seu texto uma considerável lista de livros escritos recentemente por mulheres líderes, voltados à audiência feminina, e cujos temas são corpo, sexualidade, conjugalidade e reprodução. Segundo Mariano, isso faz parte de um amplo processo de dessectarização, ou seja, de acomodação da religião evangélica aos “interesses mundanos das sociedades capitalistas” (Mariano 1996MARIANO, Ricardo. (1996), “Os neopentecostais e a Teologia da Prosperidade”. Novos Estudos CEBRAP, (44): 24-44.: 28), como também apostou Machado (1999______. (1999), “SOS Mulher - a identidade feminina na mídia pentecostal”. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, nº 1(1): 167-88.). Já Teixeira considera a produção desse novo repertório simbólico como indicador da produção de um programa disciplinador dos corpos, pautado na defesa da vida em prosperidade e abundância. Seu enfoque está em pensar que a regulação coletiva “suscita disposições subjetivas”, isto é, ela se volta ao “conjunto de tecnologias para a produção de modos de subjetivação” (Teixeira 2014______. (2014), “Mídia e performances de gênero na Igreja Universal: o desafio Godllywood”. Religião e Sociedade, nº 34(2): 232-256. :252).

Abrindo a lente da análise para outros contextos que não o brasileiro, verifica-se que, nos dias de hoje, a maior parte das discussões sobre religião e sexo continua a se concentrar em torno da relação entre os preceitos cristãos e algumas formas de sexualidade que são criticadas por muitas religiões, mas que já têm mais espaço na sociedade abrangente, como a homoafetividade (Yip e Page 2013YIP, Andrew Kam-Tuck; PAGE, Sarah-Jane. (2013), Religious and Sexual Identities: A Multi-faith Exploration of Young Adults. Burlington: Ashgate.). Heather Shipley et al. (2014SHIPLEY, Heather; BEAMAN, Lori G.; BEYER, Peter. (2014), Globalized Religion and Sexual Identity: Contexts, Contastation, Voices. Leiden: Brill .), em coletânea intitulada Globalized Religion and Sexual Identity, mostram que, nos anos 2000, o casamento entre pessoas do mesmo sexo levantou calorosos debates na França, Nova Zelândia, Nigéria, Rússia, no Brasil e nos Estados Unidos. Na Alemanha, questionou-se se a circuncisão masculina seria um hábito cultural ou religioso, e se deveria ser vista como ilegal. Na China, o que vem sendo alvo do debate é a condição do(a) transexual enquanto sujeito e as atitudes contra indivíduos homossexuais - assunto que também está na ordem do dia nos países africanos (Shipley 2014SHIPLEY, Heather; BEAMAN, Lori G.; BEYER, Peter. (2014), Globalized Religion and Sexual Identity: Contexts, Contastation, Voices. Leiden: Brill .).

Enfim, embora em alguns grupos religiosos possa haver maior flexibilidade no trato do “sexo”, ainda são numerosos os casos de tensão, de modo que não cabe cessar o pensamento sobre em que medida a religião promove liberdades, igualdades e direitos, e molda, transforma ou desafia as identidades (Shipley 2014SHIPLEY, Heather; BEAMAN, Lori G.; BEYER, Peter. (2014), Globalized Religion and Sexual Identity: Contexts, Contastation, Voices. Leiden: Brill .). Como já apostava Foucault (1985______. (1985b), História da sexualidade. Volume 3: o cuidado de si. São Paulo: Graal.a; 1985b), a sexualidade se tornou uma dimensão fundamental para a definição do sujeito. Vejamos, então, o que pode ser dito sobre os batistas que me propus a investigar.

IBL e Ana Paula Valadão

Dentro do amplo escopo das denominações evangélicas brasileiras, destaca-se a batista, que está atrás apenas da pentecostal Assembleia de Deus em número de fiéis. Uma das maiores igrejas desse segmento é a Batista da Lagoinha, que surgiu em 1957 e está situada em Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais (um dos bastiões do catolicismo no país). A IBL atrai um público de aproximadamente 20 mil pessoas; brancas, pardas e negras, de classe média e média baixa. A igreja possui mais de cem serviços (“ministérios”), desempenhados por seus membros, tais como: grupos de evangelismo, coral, missões, cursos para casais, reuniões caseiras, cultos de libertação, grupos de música, assistência a surdos e mudos, trabalhos de cura etc. Uma das atividades de mais destaque e que tem potencializado a projeção da Lagoinha no cenário nacional é o Diante do Trono (DT), criado pela pastora e cantora Ana Paula Machado Valadão Bessa, filha mais velha do pastor Márcio Valadão12 12 Quando apenas a palavra Valadão aparecer no texto, ela fará referência à pastora, também chamada apenas de Ana Paula Valadão, como é mais comumente citada. , que está à frente da igreja há mais de 40 anos.

O DT foi iniciado em 1998, como uma banda de música religiosa, mas atualmente funciona para além do campo musical; é uma rubrica que reúne os projetos eclesiásticos de Ana Valadão. Entre eles, destaca-se: o congresso anual de música (Congresso Adoração e Intercessão Diante do Trono), o congresso anual para mulheres (Congresso Mulheres Diante do Trono), os cultos mensais para mulheres (Culto Mulheres Diante do Trono, realizados entre 2012 e 2014), uma escola de artes (Fábrica de Artes), um centro de formação de missionários (CTMDT) e viagens a Israel e região.

Valadão, que associa notável habilidade carismática, está com 42 anos, é mãe de dois filhos e é casada há mais de quinze anos com Gustavo Bessa, um pastor menos expressivo do que ela. Enquanto cantora, Valadão alcançou impressionante vendagem de seus álbuns (os do Diante do Trono), e assim adquiriu visibilidade midiática por sua participação em diversos programas de TV do país, como no Domingão do Faustão e no Caldeirão13 13 Sobre as controvérsias envolvendo a participação de religiosos, incluindo Valadão, em mídias seculares, ver (Rosas 2013). . Seu sucesso advém ainda da parceria com igrejas e trabalhos religiosos de fora do Brasil, como a Gateway Church (do Texas), o grupo musical australiano Hillsong, e o projeto Kingdom Global - iniciativa paradenominacional e missionária estadunidense que visa treinar líderes mundo afora. Valadão morou nos Estados Unidos em 1996 e em 2009, vivendo por lá por quase dois anos em cada um dos períodos. No final de 2015, ela e a família se mudaram para o Texas, a fim de passar uma temporada recebendo e dando treinamentos para líderes. No segundo semestre de 2017, a migração aconteceu para Orlando. Frequentemente, a cantora é vista retornando ao país para atender aos compromissos de sua agenda.

No Brasil, ainda que as mulheres pentecostais/carismáticas possam ser consideradas protagonistas na conversão dos maridos (Machado 1996______. (1996a), Carismáticos e pentecostais: adesão religiosa na esfera familiar. São Paulo: ANPOCS.a), foi só a partir da década de 1990 que as evangélicas começaram de fato a encabeçar projetos eclesiásticos de grande porte, como fundando igrejas (Machado 2005_______. (2005), “Representações e relações de gênero nos grupos pentecostais”. Revista de Estudos Feministas, nº 13(2): 387-96.). Mesmo que recentemente já haja muitas mulheres ocupando posições de pastorado, não é tão comum que elas experimentem o sucesso de Ana Paula Valadão. Embora existam exceções, como a da episcopisa Sônia Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo, em grande parte das denominações evangélicas as mulheres líderes ainda assumem uma posição coadjuvante. Em algumas instituições, por exemplo, a atuação feminina é controlada por mecanismos, como o da pregação de sermões em parceria com os maridos e o entendimento de que o trabalho religioso é um “chamado” do casal (Machado 2005).

Sendo assim, cabe observar quais os significados dos ensinamentos dados por mulheres como Valadão. Tomou-se como referência os pontos de vista sobre hetero e homossexualidade, defendidos nos congressos anuais destinados à audiência feminina (2011-2014) e nos cultos mensais para mulheres (2012-2014). Esses eventos atraíam cerca de seis mil pessoas (apenas um dos congressos aconteceu fora da igreja, em um local que comportou 9 mil mulheres), e foram televisionados e transmitidos pela Internet, tornando-se, assim, uma referência para diversas outras religiosas do Brasil. Neles, Valadão promovia doação de brindes, bate-papos com outras líderes, dicas de moda e comportamento, além de pregar às fiéis.

Heterossexualidade

Na maior parte das vezes, o tema da sexualidade foi abordado em momentos de bate-papo - conversas informais organizadas ocasionalmente, precedendo às prédicas, e que tinham cerca de 40 minutos de duração. Para tais diálogos, Valadão convidava mulheres proeminentes, algumas com projeção nacional. Quase todas eram membros da Lagoinha; a maioria era casada e com filhos, pertencente à classe média ou alta, e tendo acima de 30 anos14 14 Eis as principais: Márcia Resende, apresentadora da TV Rede Super (de propriedade da IBL); Helena Tannure, ex-integrante do DT e que tem se destacado como escritora e preletora; Priscila Guerra, pastora de jovens da igreja; Iara Diniz, pastora e coordenadora, juntamente com o marido, do trabalho eclesiástico Rede da Família; pastora Ezenete Rodrigues, emblema das atividades de “batalha espiritual”; e pastora Ana Lúcia Melo, responsável por assistir as casadas. .

Em sintonia com o que mostra a literatura, a moral sexual defendida era rígida, havendo limites quanto ao exercício da sexualidade. Pregava-se que, conquanto se respeite determinados padrões (que serão descritos abaixo), “a mulher cristã é mais apta a ser feliz na vida sexual”, pois foi Deus quem criou o sexo, tanto para a procriação quanto para o prazer (caderno de campo, 25 de abril de 2012). O sexo é interpretado como uma aliança, um compromisso, uma forma de estabelecer um vínculo muito forte com uma pessoa, permitindo com que o afeto do casal aumente e se fortaleça. Isso é o que é chamado “ligação de alma”, “tornar-se uma só carne”, algo que deve acontecer na medida em que os parceiros “abandonam” pai e mãe e passam a viver de maneira autônoma e madura. O sexo, todavia, se feito de forma “errada”, ou seja, fora do casamento, carrega fortes consequências negativas. Acredita-se que, uma vez que se rompe com uma relação que agrega práticas sexuais, a alma dos envolvidos fica “retalhada” (estraçalhada), e precisa ser “resgatada”, “desvinculada”, por meio de libertação e cura espiritual. Salvo contrário, com a alma dividida, a pessoa não pode usufruir plenamente das intimidades e alegrias de uma união. É por isso que Valadão e as demais religiosas defendem enfaticamente a virgindade pré-marital, pois o tipo de elo que o sexo proporciona só deve ser estabelecido com uma única pessoa. A sensualidade também é tida como exclusiva ao matrimônio, que deve ser uma relação monogâmica e durar a vida inteira (caderno de campo, 25 de abril de 2012).

Além do reforço à virgindade, entendida como uma forma de ser fiel ao futuro marido, ensina-se às solteiras que os prazeres devem ser supridos somente por Deus. Semelhantemente ao que mostrou Machado (1996______. (1996a), Carismáticos e pentecostais: adesão religiosa na esfera familiar. São Paulo: ANPOCS.a), diz-se que isso garante equilíbrio emocional. Caso a pessoa esteja namorando, deve se precaver ao máximo das carícias íntimas, embora se ensine que a moça se preocupe com a orientação sexual do rapaz, caso ele nunca tente ultrapassar os limites defendidos pela igreja. Embora os solteiros de modo algum devam ter quaisquer tipos de relações sexuais, reitera-se que o respeito demasiado às interdições pode ser um forte indício de homossexualidade - isto é, naturalizam-se os impulsos sexuais masculinos e espera-se que os homens tenham um menor controle sobre eles (caderno de campo, 25 de abril de 2012)15 15 Cabe dizer que, nos cultos de mulheres, defendia-se a virgindade feminina, enquanto a masculina não era objeto direto dos sermões de Gustavo Bessa nos cultos dos homens. Essa menor pressão sobre os homens se aproxima mais da moral sexual brasileira que da expectativa de castidade direcionada a ambos os sexos, como apontou Machado (1995) ser observada entre os evangélicos a partir dos anos 1950. .

No casamento, há certa obrigatoriedade da mulher em satisfazer o desejo sexual do marido. Isso fica explícito inclusive nas orientações dadas às fiéis de que a melhor forma de “sustentar” o esposo é por meio do sexo. Valadão recomenda: “se você quer ver seu marido feliz, entregue-se a ele na intimidade sexual”. Apartar-se da prática por mero interesse é considerado um pecado. Ensina-se que as mulheres devem manter bastante cumplicidade com seus cônjuges para que, quando não tiverem vontade de ter relação sexual, possam “rejeitá-los” com o consentimento deles e sem causar ofensa (caderno de campo, 28 de novembro de 2012, 26 de junho de 2013).

Por outro lado, as mulheres casadas não precisam atender a certas exigências eventualmente feitas pelos esposos. Elas são ensinadas que não devem frequentar motel, considerado “um lugar contaminado”, nem devem fazer sexo anal, que é visto como impuro. Quanto ao sexo oral, não há uma menção direta, mas parece haver concordância de que é uma prática em torno da qual deve haver reservas (caderno de campo, 25 de abril de 2012)16 16 Embora Valadão não cite o ponto de vista do pastor C. Duarte, que consta na abertura do artigo, ele parece bem compatível com o que é defendido (com sutileza) na Lagoinha. . Se o marido insistir em tais atividades, a mulher é orientada a buscar aconselhamento espiritual e terapia de casal religiosa. Na Casa Rosada, um dos “ministérios” da IBL, voluntárias ajudam as mulheres a lidar com os conflitos, evitando a separação.

Outro direcionamento percebido diz respeito à satisfação sexual. Explica-se que, em função dos hormônios, as mulheres demoram a estar prontas para o sexo, pois esquentam como fogão de lenha, enquanto os homens são comparados a fornos de micro-ondas. Por isso, elas devem se preparar para a relação, podendo estimular a si próprias. É dito assim:

A lenha pega fogo mais rápido quando você começa a trabalhar na mente. Seu marido tá quase chegando em casa, você começa a pensar, humm, tal, começa a alimentar sua mente daquilo que você gosta que ele faz com você, do seu momento gostoso com ele. As solteiras tampem os ouvidos, por favor. Aí você vai esquentando a lenha mais rápido”. (Márcia Resende, 25 de abril de 2012)

Vez ou outra é pregado que a mulher pode ter a expectativa de que o esposo faça demonstrações de afeto e cortesia e proporcione uma boa relação sexual de modo a cultivar o desejo dela. É dito que “quando o homem faz um trabalho [sexo] bem feito, a mulher vai querer sempre mais” (caderno de campo, 26 de junho de 2013). Incentiva-se que, nos primeiros anos do casamento, o casal aproveite para namorar (fazer sexo antes da chegada dos filhos). Desse modo, pode-se usar métodos contraceptivos, ainda que não se fale de planejamento familiar pelo uso de camisinha ou esterilização masculina, de modo que a restrição da natalidade via intervenções artificiais recai apenas sobre a mulher. Ainda que o prazer se limite em grande parte ao sexo vaginal, fala-se do orgasmo feminino, da possibilidade de a mulher conduzir o toque do marido em seu corpo e, não obstante, desaprova-se que se ela finja a satisfação sexual.

A traição (relação afetiva e/ou sexual extraconjugal) é entendida como um ato decorrente de apreciação por outra pessoa e carência emocional. Fala-se que essas circunstâncias podem ser evitadas pela manutenção de uma vida sexual ativa e pela postura da mulher de depender do marido, afinal, acredita-se que os homens não toleram por muito tempo as mulheres que são ousadas e autônomas. Defende-se que a postura de sujeição da esposa é um instrumento eficaz para garantir a fidelidade de ambos (caderno de campo, 25 de abril de 2012).

O padrão descrito é o que se compreende como “pureza sexual”, “santidade”, quanto ao qual enfatiza-se a maior responsabilidade da mulher. A pornografia, a masturbação, o adultério e a homossexualidade são tidos como pecados e, se antes eram considerados quase restritos à esfera masculina, hoje são reconhecidos como permeando o universo feminino e, portanto, como tentações que devem ser combatidas. Ensina-se que a insubmissão da mulher e o consequente rompimento da relação (o divórcio) só devem acontecer em ocasiões muito raras, como em casos de violência, ameaça de morte, patologias clinicamente comprovadas (como bipolaridade e psicopatia) e se houver o que é considerado perversão sexual, a saber, sadismo, traições contínuas e sem arrependimento, swing, pedofilia e zoofilia (caderno de campo, 25 de abril de 2012, 01 de agosto de 2012).

Por fim, orienta-se a não se antecipar o casamento por medo da solidão, para que se tenha um rótulo ou para satisfazer desejos sexuais. Quaisquer dessas motivações aumentariam a chance de uma relação equivocada - aqui entendida como um matrimônio estabelecido com pessoas de comportamento muito difícil, e/ou com escolaridade e renda bem desiguais. Encoraja-se que as solteiras estudem, façam cursos e se dediquem à igreja. Embora a aquisição de um marido não seja defendida como uma forma de afirmação da identidade da mulher, uma vez que ela deve buscar seu valor apenas em Deus, o casamento não deixa de ser sinônimo de realização, reputação e dignidade. Mesmo que não se pregue abertamente que a felicidade feminina é encontrada na relação conjugal, observa-se que as mulheres são ensinadas a esperar para que, um dia, se Deus assim quiser, elas tenham o direito à vida sexual (caderno de campo, 30 de maio de 2012, 25 de agosto de 2012, 30 de agosto de 2013, 29 de agosto de 2014).

Uma lista de bibliografia religiosa é recomendada para que se possa aprender sobre o assunto. Entre os livros, é possível citar: Amor, sexo, cumplicidade e outros prazeres a dois (Driscoll e Driscoll 2012DRISCOLL, Mark; DRISCOLL, Gracie. (2012), Amor, sexo, cumplicidade e outros prazeres a dois: transforme o casamento dos sonhos em realidade. São Paulo: Thomas Nelson Brasil.); A linguagem do sexo (Smalley e Cunningham 2008SMALLEY, Gary; CUNNINGHAM, Ted. (2008), A linguagem do sexo: experimentando a beleza da intimidade sexual. Belo Horizonte: Bello Publicações.); O cristão e o prazer sexual (Fernandes 2012FERNANDES, Calvino Coutinho. (2012), O cristão e o prazer sexual: respostas que você gostaria de conhecer mas nunca soube a quem perguntar. Curitiba: AD Santos.); O sexo que Deus criou (Arévalo 2008ARÉVALO, Waldir Moreno. (2008), O sexo que Deus criou. São José: Edições Inteligentes.); Sexualidade sem censura (C.Duarte 2011DUARTE, Cláudio. (2011), Sexualidade sem censura. Rio de Janeiro: Central Gospel.); O sexo começa na cozinha (Leman 2009LEMAN, Kevin. (2009), O sexo começa na cozinha. São Paulo: Mundo Cristão.) e O ato conjugal (LaHaye e LaHaye 1989LAHAYE, Tim; LAHAYE, Beverly. (1989), O ato conjugal. Belo Horizonte: Editora Betânia.).

Como já notara Machado (1995MACHADO, Maria das Dores Campos. (1995), “Corpo e moralidade sexual em grupos religiosos”. Revista de Estudos Feministas , nº 3(1): 7-27., 1999) e Mariano (2005______. (2005), Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 2ª edição [1999].), o aparecimento do direito ao prazer no discurso evangélico se conjuga com, embora não aliene, a justaposição entre sexualidade e reprodução. Junto disso, a possibilidade de uso de métodos contraceptivos reforça o maior controle da mulher sobre seu corpo, tendo em vista a rigidez e a contrição corporal vividas pelos cristãos das décadas anteriores. Para as líderes da Lagoinha, todavia (e certamente para muitas outras pastoras e fiéis), a sexualidade “legítima” permanece enquadrada dentro do matrimônio, da fidelidade, da expressão heteroafetiva e da obrigação da mulher de fazer sexo no casamento. Em suma, parte da fé evangélica continua a produzir uma moralidade restritiva do corpo e de suas expressões e desejos.

Homossexualidade 17 17 Uma versão preliminar deste tópico foi publicada em inglês (Rosas e Castro 2014).

Faz pouco tempo que as expressões da sexualidade que se contrapõem à normatividade heterossexual saíram do campo das ciências “psis”, no qual eram tratadas como doenças ou perversão (Machado e Piccolo, 2010MACHADO, Maria das Dores Campos; PICCOLO, Fernanda Delvalhas (ed.). (2010), Religiões e homossexualidades. Rio de Janeiro: FGV .). A homoafetividade, então, foi sendo posta como alvo recorrente de debate, e isso não apenas para militantes dos movimentos sociais, mas também para os carismáticos em questão e para diversos outros religiosos pelo Brasil. Um exemplo é a discussão em torno de um projeto de lei originado na Câmara dos Deputados (PLC 122/2006PLC 122. “Pela equiparação da LGBTfobia ao racismo”. Disponível em: <Disponível em: http://www.plc122.com.br/ >. Acesso em 18 de janeiro de 2016.
http://www.plc122.com.br/...
), que visa punir a discriminação por orientação sexual, de gênero e identidade de gênero (acréscimo à Lei nº 7.716/1989)18 18 Para esclarecimentos sobre o projeto, ver: http://www.plc122.com.br/, acesso em 18 de janeiro de 2016, e: http://legis.senado.leg.br/mateweb/servlet/PDFMateServlet?m=79604&s=http://www.senado.leg.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0, acesso em 21 de janeiro de 2016. . Vários evangélicos têm combatido fortemente as iniciativas de apoio ao PLC 122/2006, alegando que a alteração na lei privilegiaria os homoafetivos. Para alguns evangélicos, por exemplo, a criminalização da homofobia impediria pastores e padres de pregarem contra a homossexualidade, cerceando, assim, a liberdade de expressão das opiniões (uma boa retomada das controvérsias envolvendo a PLC 122 foi feita por Campos et al. 2015CAMPOS, Roberta Bivar Carneiro; GUSMÃO, Eduardo Henrique Araújo de; MAURÍCIO JÚNIOR, Cleonardo Gil de Barros. (2015), “A disputa pela laicidade: uma análise das interações discursivas entre Jean Wyllys e Silas Malafaia”. Religião e Sociedade, nº 35(2): 165-88.). Esse alvoroço vem sendo acompanhado pelo crescimento, em diversos estados do país, de igrejas evangélicas conhecidas como “inclusivas” (que aceitam gays e não gays), e pelo debate público a respeito da união matrimonial homoafetiva e da adoção de crianças por casais homossexuais. Desse modo, não surpreende que nos cultos e congressos da IBL também se quisesse tratar do assunto, embora seja interessante notar quais foram as orientações destinadas especificamente às mulheres.

Apesar de em diversos setores sociais haver avanços no modo como a homossexualidade é pensada, segundo Natividade (2006NATIVIDADE, Marcelo. (2006), “Homossexualidade, gênero e cura em perspectivas pastorais evangélicas”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 21(61): 115-32.), a maior parte dos evangélicos ainda a considera algo antinatural, aprendido, um problema espiritual ligado à imoralidade, ao sofrimento e à desordem. Os homossexuais são associados a imagens de impureza e à maior probabilidade de contágio e transmissão de doenças. Os homens, por exemplo, muitas vezes são vistos como tendentes a crimes, pedófilos, promíscuos, deprimidos, inseguros e potencialmente suicidas. Para o autor, em função de os evangélicos rejeitarem a ideia de predisposição a essa identidade de gênero e orientação sexual, eles buscam identificar a causa do que “deu errado”. E apontam que abusos sexuais eventualmente sofridos, dificuldades na relação com os progenitores (como pai ausente e mãe dominadora) e adesão a rituais e crenças não evangélicas aumentam a propensão à homoafetividade. Desse modo, a veem como passível de ser revertida por meio da “restauração sexual” (volta ao gênero “natural”), da “cura das memórias” e da “libertação” (Natividade 2006).

A forma como a homossexualidade é concebida na IBL é muito semelhante à descrita. Ela é considerada uma deformidade do padrão afetivo e reprodutivo divinamente estabelecido. Prega-se que Deus fez apenas macho e fêmea, tanto no que concerne aos animais quanto aos humanos. A partir da metáfora de Adão e Eva, defende-se que Deus criou homem e mulher para formar um casal heterossexual e com determinações específicas e imutáveis quanto aos gêneros e ao desempenho da sexualidade, de modo que quaisquer formas de expressão que não se encaixem nessa referência são vistas como maldição.

Enfatiza-se que a homossexualidade é fruto de rejeição, é algo demoníaco, é uma doença, uma “corrente do inferno” que deve ser combatida, uma moral depravada exemplificada pelas cidades de Sodoma e Gomorra19 19 Estas ficaram conhecidas como locais de imoralidade sexual, conf. Bíblia, Gênesis 19. (caderno de campo, 25 de abril de 2012). Para Valadão, o afeto homossexual é fruto de alguma decepção com homens, carência e até mesmo desejo de experimentar algo novo (caderno de campo, 24 de agosto de 2012). Por isso, ela defende o acolhimento a esses indivíduos. Em entrevista, afirmou: “eu acredito que todos são bem-vindos. E Deus não classifica os pecados como pecadinho ou pecadão. Então, às vezes, ali no culto eu tenho um adúltero, um pedófilo, eu tenho um homossexual, eu tenho um mentiroso” (06 de outubro de 2014).

Para a pastora, os pecados sexuais, embora não sejam piores que os demais atos considerados delituosos, acarretam consequências mais graves, pois são cometidos no corpo, que é o templo do Espírito Santo. Deus teria, assim, uma preocupação e um cuidado especial com o destino que se dá ao local que o abriga. A homossexualidade é pregada ainda como algo que se aceita e se ensina. As campanhas de “orgulho gay”, vistas no Brasil e em outros países, são entendidas como a homossexualização dos gêneros (caderno de campo, 25 de abril de 2012).

Nos eventos pesquisados, defendia-se que, por meio da fé e de um processo de disciplina, seria possível romper com determinadas práticas e reinterpretar experiências à luz de uma nova identidade. Machado (1996_______. (1996b), “Conversão religiosa e a opção pela heterossexualidade em tempos de AIDS: notas de uma pesquisa”. Sociedad y Religión, nº 14/15: 33-50.b) já havia mostrado que, para os pentecostais, esse tipo de discurso permite buscar um espaço de “proteção” no qual haveria a possibilidade de o fiel se libertar dos demônios que supostamente causam o comportamento “desviante”. O argumento utilizado é que a procriação e as funções biológicas são restituídas por Deus e determinam um novo desempenho da sexualidade (Machado 1996b_______. (1996b), “Conversão religiosa e a opção pela heterossexualidade em tempos de AIDS: notas de uma pesquisa”. Sociedad y Religión, nº 14/15: 33-50.). Valadão bate nessa tecla ao dizer que “geralmente [os homossexuais são] um grupo mais sensível, com, às vezes, até mesmo um anseio por mudança. E o evangelho oferece essa mudança. (...) E nós deixamos bem claro, como cristãos, o que nós acreditamos, o que a Bíblia diz a respeito dos gêneros” (Valadão, entrevista, 06 de outubro de 2014).

Essa espécie de reinvenção dos gêneros pode ser ilustrada pelo relato de uma líder religiosa, dado em um dos cultos de mulheres:

“Eu posso me usar como exemplo dessa questão de ter me envolvido de várias maneiras com várias coisas, sexualmente dizendo. (...) Eu estava acostumada a viver dos 14 aos 23 anos totalmente envolvida com sexo, não era só com homem, era com mulheres, com tudo ao mesmo tempo. (...) Eu não entendia como um dia, eu, que só vivia com mulher e só amava mulher poderia viver com um homem, e como eu conseguiria viver sem uma mulher. (...) Quando eu dei o meu primeiro testemunho nessa igreja eu era um menino, mesmo. A minha mente pensava como homem, eu queria coisas que homens queriam, eu queria mulher, sabe? E o Senhor veio trabalhando, trabalhando, e hoje ele é tão Deus que ele me usa naquilo que eu ainda sou fraca. (...) Isso é pra dar esperança, porque a gente tá convivendo num tempo, onde eu tenho certeza que a gente tá aqui numa igreja, falando sobre Jesus e tem mulheres que pensam sobre isso. O homossexualismo tá em todos os lugares, você sai, tá ali na esquina, tá aqui, tá ali, você vai na igreja a gente percebe as pessoas diferentes (...) e é um assunto totalmente importante porque mulher é muito sensível, mulher é muito romântica e os homens, aqueles que não têm o Senhor e até aqueles que têm, estão grosseiros e tratam as mulheres mal, então ela começa com uma amiguinha aqui, e aí começa a conversar e quando se vê, quando menos percebe, tá envolvida por aquela amiga; dentro da igreja, tendo Jesus. Então eu sei que o Senhor me trouxe aqui pra alertar”. (Priscila Coelho, 25 de abril de 2012)

Segundo Natividade (2006NATIVIDADE, Marcelo. (2006), “Homossexualidade, gênero e cura em perspectivas pastorais evangélicas”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 21(61): 115-32.), o dispositivo acionado pelas religiões é de um “construtivismo moral”, mas que acaba por endossar ainda mais o princípio hierárquico e a assimetria dos gêneros entre os fiéis. Alargando o conceito de “homofobia cordial”, proposto por Luís Osvaldo Fernandes, Natividade defende que a aproximação dos evangélicos com a homossexualidade se dá em uma relação de assujeitamento, pois visa a libertação e a cura das pessoas por meio de um processo “regenerativo”, isto é, via transformação. Natividade compreende as ações dos religiosos em direção às minorias sexuais como parte de uma estratégia política higienista expressa por violências, ainda que sutis (Natividade 2009).

Se o que se tem em mente é o empoderamento de gays, lésbicas, travestis, transexuais etc. no âmbito evangélico, apenas as chamadas “igrejas inclusivas” parecem ser uma opção de reconhecimento e possibilidade de vivência da fé a partir de outros gêneros que não o masculino e o feminino heterossexuais. E, mesmo assim, é preciso chamar atenção para o fato de que, nessas comunidades, o que se valoriza são os atributos tradicionais, como a monogamia e a fidelidade, em contraposição a um comportamento menos regrado, tido como imoral e promíscuo (Natividade 2009______. (2009), “Sexualidades ameaçadoras: religião e homofobia(s) em discursos evangélicos conservadores”. Sexualidad, Salud y Sociedad, nº 2: 121-61.; Machado e Piccolo 2010MACHADO, Maria das Dores Campos; PICCOLO, Fernanda Delvalhas (ed.). (2010), Religiões e homossexualidades. Rio de Janeiro: FGV .). Entretanto, se o foco da análise estiver nas diferentes respostas que se oferece à questão da homossexualidade em contexto contemporâneo, é possível dizer, com base no caso da IBL, que a reinvenção dos gêneros possibilita a escrita de uma história de vida a partir, inclusive, da ascensão na hierarquia religiosa. Afinal, por lá, a construção da carreira evangélica pode ocorrer sem que o processo de transformação esteja “terminado” (caderno de campo, 25 de abril de 2012), o que ajuda a reforçar ainda mais a autocontenção dos desejos e a castidade. Isto é, em troca das várias mudanças que o crente terá que fazer em sua vida de acordo com a proposta desses batistas, é possível usufruir antecipadamente, como um bom incentivo, do destaque religioso. O relato acima, por exemplo, é dado por uma apresentadora de televisão da Rede Super, que tem influenciado muitos jovens da IBL e de outras regiões do país. Só resta saber se o que aconteceu com ela também se daria com outros homoafetivos. Embora não caiba ampla generalização20 20 Em entrevistas aos líderes do DT, observei que um dos homens era afeminado e outro enfatizava em demasia o cuidado com a aparência. Em alguns “ministérios” da IBL, como no de teatro, também vi jovens (garotos) com trejeitos femininos. Os dados que possuo não me permitem afirmar a respeito da orientação ou trajetória sexual desses indivíduos. Apesar disso, posso dizer que certa tolerância quanto à feminilização da audiência masculina, somada à maior flexibilidade quanto à sexualização dos homens (vide nota 14), parece apontar para o reforço do machismo. , se assim não o for, a repressão estimulada pode ser lida apenas como meramente dogmática.

Tendo em vista os preceitos defendidos sobre hetero e homossexualidade, vejamos o que mais é possível acrescentar à interpretação desses ensinamentos.

A regulação religiosa como recurso pedagógico de moralização da sexualidade

Chris Shilling e Philip Mellor, especialistas na relação religião e corporeidade21 21 Na sociologia, a notável atenção ao corpo é relativamente recente e engendra um vasto volume de teorias que estão longe de serem consensuais. Embora o corpo esteja ligado ao dilema ação-estrutura, teve uma espécie de “presença ausente” (absent presence, Shilling 1993:17) nos primórdios da disciplina, uma vez que o foco, de maneira geral, repousava sobre as mudanças sociais de nível “macro” (Le Breton 2007). Marx até chegou a mencionar a relação entre a classe trabalhadora e o maquinário capitalista; Simmel falou dos corpos sensíveis nas metrópoles; Durkheim cunhou a noção de efervescência coletiva, fonte incorporada de criatividade social; e Weber mostrou como uma ética religiosa disciplinada em direção ao corpo constitui o fundamento da ética de trabalho racional moderna (Shilling 2007). Mesmo assim, a grande influência exercida por Parsons na interpretação dos autores clássicos fazia com que as ações fossem vistas como escolhas motivadas por normas e não como resultado de paixões ou disposições corporais (Shilling 2007). O corpo passou a ganhar maior visibilidade quando Norbert Elias (1994 [1939]; 2001 [1969]) se debruçou sobre a civilização dos costumes; análise que se tornou matéria-prima para o estudo da moral e da interação, feito por Erving Goffman (1988; 2001). O trabalho de Michel Foucault (1985a; 1985b; 1999) sobre a história da sexualidade e o desenvolvimento das tecnologias de poder para a regulação do corpo também foi um marco. Pierre Bourdieu (2007), de modo não menos importante, tratou da aquisição de disposições particulares, gostos e habilidades, evidenciando a relação entre compleições físicas e capital cultural, o que fez com que a categoria corpo passasse a ficar definitivamente em evidência. , defendem que a religião, assim como a ciência/tecnologia, ainda é uma das principais “estruturas culturais” vigentes (cultural framework, Shilling e Mellor 2007:532). Sendo assim, ela atua como instrumento pedagógico capaz de afetar diretamente o corpo. Ela cria, portanto, “pedagogias do corpo”, ou seja, “os recursos fundamentais por meio dos quais uma cultura procura transmitir suas principais técnicas corporais, habilidades, disposições e crenças; as experiências tipicamente associadas com a aquisição destes atributos e as verdadeiras alterações corporais resultantes do processo” ”22 22 “the central means through which a culture seeks to transmit its main corporeal techniques, skills, dispositions and beliefs, the experiences typically associated with acquiring these attributes, and the actual embodied changes resulting from this process”. (idem:533). A ideia, embora seja uma simplificação do intricado e multifacetado processo de desenvolvimento e transmissão da cultura, é uma espécie de caminho “típico-ideal”, sensível ao corpo e passível de acessar elementos fundamentais da reprodução cultural, permitindo comparações. Segundo os autores, essa noção avança a de “técnicas corporais”, proposta por Mauss, ao realçar a relação entre as pedagogias e as experiências culturais vividas. Também enfatiza a dimensão ontológica e experimental da encarnação humana, ou seja, como as pessoas experimentam emocional e cognitivamente a incorporação - aspectos que teriam sido negligenciados por Foucault em seu conceito de “tecnologias do eu” (Shilling e Mellor 2007).

Ao tratar especificamente do cristianismo, os autores argumentam que o instrumento pedagógico por excelência a disciplinar o corpo é o processo de comunhão com Deus (oração, toque, música, experiência emocional etc.). O resultado (the embodied outcome) é uma reforma do corpo no sentido de o indivíduo passar a andar, falar, desejar, sentir e pensar de modo completamente diferente do que fazia antes. O “renascimento espiritual”, tão pregado entre os cristãos e cujo marco é o batismo, implicaria em um “renascimento do corpo físico”, em uma completa reforma deste (Shilling e Mellor 2007______; MELLOR, Philip A. (2007), “Cultures of embodied experience: technology, religion and body pedagogics”. The Sociological Review, nº 55(3): 531-49.:541-42). Por meio do sacrifício divino e corporal da redenção, passa-se a pertencer ao corpo de Cristo, do qual se “consome” o sangue e a carne nos momentos de eucaristia. Assim, os fiéis são encorajados a buscar a Deus através de todos os sentidos (audição, visão, paladar, tato e olfato), e a se “encherem do Espírito Santo”, recebendo e manifestando a divindade no corpo, que se torna, então, um corpo cristão (Mellor e Shilling 2010______. (2010), “Body Pedagogics and the Religious Habitus: A New Direction for the Sociological Study of Religion”. Religion 40, (1): 27-38.). Vê-se que incorporações/encarnações similares (possessão espiritual, outros estados de consciência, mimese) são adotadas entre aqueles que se declaram cristãos em sociedades das mais diferentes (conf. Miller e Yamamori 2007MILLER, Donald E.; YAMAMORI, Tetsunao. (2007), Global Pentecostalism: The New Face of Christian social engagement. Berkeley Los Angeles London: University of California Press.).

Isso posto, se tomarmos os ensinamentos sobre sexualidade apresentados nas seções anteriores tendo em vista a noção de “pedagogias do corpo”, é possível dizer que a igreja e seu trabalho educacional monitoram, regulam, disciplinam, gerenciam e moralizam os corpos e seus usos, mostrando-se eficientes na produção e na transmissão de uma forma particular de cultura. Jacqueline Teixeira (2012TEIXEIRA, Jacqueline Moraes. (2012), “Corpo e sexualidade: os direitos reprodutivos na Igreja Universal do Reino de Deus”. Mandrágora, nº 18(18): 53-80.), embora não use esses mesmos referencias teóricos, com base em Foucault, chega a uma conclusão análoga ao tratar da Igreja Universal. Ela diz: “a produção por parte da IURD [Igreja Universal do Reino de Deus] de uma “eticização” do cotidiano, tendo como foco central o cuidado com o corpo - baseado em prescrições para o controle sexual, o casamento, o desenvolvimento de metodologias para o controle dos filhos com o intuito de se produzir um modelo familiar ideal -, está diretamente relacionada à formação de uma razão pedagógica cujos corpos são educados mediante os sentidos atribuídos à prosperidade” (Teixeira 2012:77-78, realce original).

E, no caso dos dados expostos, vê-se que, entre as transformações, o “corpo evangélico” passa pela forma e reforma de sua sexualidade. A acolhida do prazer no casamento, a agência da mulher em relação ao estímulo de seu corpo, as possibilidades não apenas de discutir, mas de vivenciar sem culpa algumas modalidades de intercurso sexual mostram haver mais liberdade e dedicação ao corpo, o que pode ser visto como certo alinhamento dos preceitos evangélicos a mudanças que ocorrem na sociedade brasileira. Mas a aproximação para por aí. Pesa sobre os solteiros, divorciados e viúvos a proibição de viverem qualquer tipo de sexualidade, assim como infringe sobre os casados a interdição a certas práticas sexuais. Há ainda uma rejeição explícita à homoafetividade (orientação, identidade, papel e comportamento sexual), aliada ao construtivismo moral da reinvenção dos gêneros, o que limita o uso do corpo, enquadrando-o e “civilizando-o”.

Considerações finais

Os ensinamentos dados pela pastora batista Ana Valadão não são menos conservadores pelo fato de ela ser uma mulher. Eles estão de acordo com o que a literatura especializada chama de “uma moral generalizada de contenção da sexualidade” (Fernandes apud L. Duarte 2005DUARTE, Luiz Fernando Dias. (2005), “Ethos privado e justificação religiosa: Negociações da reprodução na sociedade brasileira”. In: HEILBORN, Maria Luiza; DUARTE, Luiz Fernando Dias; PEIXOTO, Clarice; BARROS, Myriam Lins de (ed.). Sexualidade, família e ethos religioso, edited by Rio de Janeiro: Garamond. :163), embora cumpra negritar que essa moral já é bem menos rigorosa do que aquela que predominava entre os evangélicos nas décadas anteriores. Como ressalta Luiz Fernando Duarte, os pentecostalismos brasileiros, dos quais a IBL não deixa de ser uma expressão, são tanto “repressores” do corpo quanto dão vazão à sua exuberância.

É sabido que o pertencimento religioso influencia o início da vida sexual, os padrões de reprodução, o uso de métodos contraceptivos e os comportamentos afetivos, ainda que seja preciso lembrar que a heterogeneidade evangélica limita substancialmente as generalizações quanto a tais efeitos (Birman 1996BIRMAN, Patrícia. (1996), “Mediação feminina e identidades pentecostais”. Cadernos Pagu, (6-7): 201-26.; Rohden e equipe Gravad 2005ROHDEN, Fabíola; EQUIPE GRAVAD. (2005), “Religião e iniciação sexual em jovens de camadas populares”. In: HEILBORN, Maria Luiza; DUARTE, Luiz Fernando Dias; PEIXOTO, Clarice; BARROS, Myriam Lins de (ed.). Sexualidade, família e ethos religioso . Rio de Janeiro: Garamond .). Para os fins propostos neste artigo, interessou ressaltar o detalhado nível de prescrições envolvendo as expressões do ato, dos prazeres e das fantasias sexuais; orientações dadas sobretudo durante os cultos e congressos direcionados a mulheres da Lagoinha. É interessante notar ainda que se espera certa pudicícia dos(as) fiéis, e que a homoafetividade e suas correlatas formas de sexualidade permanecem inegociáveis. Percebe-se, desse modo, que a religião tem um impacto bem diferente tendo em vista os gêneros das pessoas.

Foi possível fazer coro ao que várias pesquisas precedentes mostraram, como o fato de haver associação entre sexo e prazer, mas sem que se abandone a ligação entre certas experiências sexuais e a culpa (além dos autores citados, ver também a observação de Lewgoy 2009LEWGOY, Bernardo. (2009), “Do sacrifício ao bem-estar: autoajuda, sexualidade e psicologia na recente literatura evangélica”. In: ISAIA, Artur Cesar (ed.). Crenças, Sacralidades e Religiosidades: entre o consentido e o marginal. Florianópolis: Insular. nesse sentido). E pôde-se acrescentar a ênfase de que a religião é um instrumento pedagógico de bastante importância, não apenas para o controle e a regulação do corpo, mas para a reforma e moralização deste, criando um tipo específico de sexualidade ideal (ao menos para os batistas que pesquisei) - aquela que acontece entre homem e mulher, dentro de uma união matrimonial, com sexo vaginal (quem sabe até oral?) que leve ao orgasmo, podendo permitir que a mulher conheça um pouco melhor seus pontos de prazer e o que lhe incita o desejo, e anulando todas as formas de experimentação de afetividades e sexualidades que ultrapassem essas fronteiras. Vê-se, enfim, que o corpo é uma base sobre a qual se produz um “habitus religioso criativo” (Mellor e Shilling 2010______. (2010), “Body Pedagogics and the Religious Habitus: A New Direction for the Sociological Study of Religion”. Religion 40, (1): 27-38.:28); daí ser possível afirmar que, para se compreender adequadamente o fenômeno da fé nos dias de hoje - a conversão, as crenças, os significados e os rituais -, é preciso observar criteriosamente como se dá a experiência corporal (Smith 2008SMITH, Christian. (2008), “Future Directions in the Sociology of Religion”. Social Forces, nº 86(4): 1561-89.).

Este texto contemplou o discurso elaborado por aquelas que ocupam posições privilegiadas na hierarquia religiosa, mas pesquisas futuras terão que dar conta de responder se isso é ou não levado às últimas consequências pelos(as) fiéis. Abre-se a discussão.

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  • 1
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    .
  • 2
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  • 3
    Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=9lzhqZL_HUw, acesso em 06 de janeiro de 2016______. “Pr. Cláudio Duarte: Quatro perguntas”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9lzhqZL_HUw>. Acesso em 06 de janeiro de 2016.
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  • 4
    64,6% dos brasileiros se declaram católicos, enquanto 22,2% são evangélicos, segundo os dados do Censo 2010IBGE. Censo 2010. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br>. Acesso em 05 de janeiro de 2016.
    http://www.censo2010.ibge.gov.br...
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  • 5
    Trechos bíblicos que embasam tal perspectiva: I Coríntios 6:19, Filipenses 3:18-21 e Gálatas 5:19-21. Fonte: Bíblia Online, acesso em janeiro de 2016BÍBLIA ONLINE. Livros: Gênesis, I Coríntios e Gálatas. Disponível em: <Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/ >. Acesso em 06 e 15 de janeiro de 2016.
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  • 6
    O protestantismo histórico brasileiro, no qual os batistas podem ser enquadrados (Jacob et al. 2003), remete a meados do século XIX, quando da chegada de missionários e seus esforços para converter indivíduos. Os batistas aportaram no Brasil em 1867, com os refugiados da Guerra Civil Americana. Os protestantes enfatizavam a distribuição de bíblias, a formação de salas de aula dominicais e o trabalho de alfabetização. Entre os anos 1950-1960, vários religiosos, entre eles diversas agremiações que atendiam e atendem sob a égide batista, a fim de arregimentar novos membros ou, ao menos, evitar perder seguidores, adotaram teologia e práticas pentecostais. Herdaram a crença na contemporaneidade dos dons do Espírito Santo e o apelo às emoções, aos rituais de cura e exorcismo e à pregação da prosperidade. A literatura faz referência a eles como protestantes renovados ou carismático-pentecostais.
  • 7
    Os batistas se organizam principalmente por meio de duas entidades religiosas sem fins lucrativos (Convenção Batista Brasileira e Convenção Batista Nacional), que dividem as igrejas tradicionais daquelas que aceitam a “renovação” (ou seja, que se pentecostalizaram). Contudo, há muitas comunidades batistas independentes ou que estão vinculadas a outros organismos, como a Comunhão Batista Bíblica Nacional e a Comunhão Reformada Batista no Brasil.
  • 8
    Ver, por exemplo, a participação do pastor Cláudio Duarte no programa Danilo Gentili (https://www.youtube.com/watch?v=jLox_XUF8Yc______. “Pr. Cláudio Duarte no Agora é Tarde com Danilo Gentili”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=jLox_XUF8Yc>. Acesso em 06 de janeiro de 2016.
    https://www.youtube.com/watch?v=jLox_XUF...
    ), o vídeo de Ana Valadão sobre pureza sexual, do qual se retirou o trecho citado na abertura, (https://www.youtube.com/watch?v=7cLMurDMNuYYOUTUBE. “A Pureza Sexual da Mulher - Pra. Ana Paula Valadão - Culto Mulheres Diante do Trono”. Disponível em: <Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7cLMurDMNuY >. Acesso em 06 de janeiro de 2016.
    https://www.youtube.com/watch?v=7cLMurDM...
    ), e os vários vídeos relacionados ao projeto Eu escolhi esperar, idealizado pelo pastor Nelson Júnior e que conta com o apoio de religiosos batistas (https://www.youtube.com/channel/UCpbTOU0CEi-mTpH0zj2JNEQ______. Canal “Eu escolhi esperar”. Disponível em: <https://www.youtube.com/channel/UCpbTOU0CEi-mTpH0zj2JNEQ>. Acesso em 06 de janeiro de 2016.
    https://www.youtube.com/channel/UCpbTOU0...
    ) (todos os links foram acessados em 06 de janeiro de 2016).
  • 9
    Ainda que muitos evangélicos esperem que tanto homens quanto mulheres adotem uma “sexualidade casta” (oposta aos valores da sociedade brasileira), conforme observou Mafra (1998MAFRA, Clara. (1998), “Gênero e estilo eclesiástico entre os evangélicos”. In: FERNANDES, Rubem Cesar et al.. (ed.). Novo nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na política. Rio de Janeiro: Muad. ), quando analisei os cultos da IBL especificamente orientados a homens e presididos pelo esposo de Valadão (Rosas 2015______. (2015), Cultura evangélica e “dominação” do Brasil: música, mídia e gênero no caso do Diante do Trono. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais. Tese de doutorado: 263.), percebi que preceitos moralizadores do corpo recaíam muito mais sobre a audiência feminina que sobre a masculina.
  • 10
    O corpo e seus usos são fundamentais para a compreensão da (re)produção simbólica e das representações sociais e vêm sendo objeto exaustivo de reflexão na antropologia, sobretudo da que trata da noção de pessoa (ver, entre muitos textos, os argumentos de Goldman 1996GOLDMAN, Márcio. (1996), “Uma categoria do pensamento antropológico: a noção de pessoa”. Revista de Antropologia, nº 39(1): 83-109., Maluf 2001MALUF, Sônia Weidner. (2001), “Corpo e corporalidade nas culturas contemporâneas: abordagens antropológicas”. Esboços - Revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC, nº 9(9): 87-101. e Heilborn 2006HEILBORN, Maria Luiza. (1999), “Corpos na cidade: sedução e sexualidade”. In: VELHO, Gilberto (ed.). Antropologia urbana: cultura e sociedade no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.). Este artigo, todavia, não se valerá dessa chave interpretativa, mas sim da chamada “sociologia do corpo” – área acadêmica que se consolidou nos últimos 30 anos e que tem como seus principais expoentes (ainda que com contribuições de bases incompatíveis): Michel Foucault, Bryan Turner, Judith Butler, Drew Leder, Iris Marion Young, Arthur Frank, Anthony Giddens, Pierre Bourdieu e Elizabeth Grosz (ver a análise de Shilling 2005______. (2005), The Body in Culture, Technology & Society. Thousand Oaks: SAGE Publications Ltd.; Le Breton 2007LE BRETON, David. (2007), A sociologia do corpo. Petrópolis: Vozes .; Turner 2012TURNER, Bryan S. (2012), Routledge Handbook of Body Studies. New York: Routledge. e Turner 2014______. (2014), “Religion and Contemporary Sociological Theories”. Current Sociology Review, nº 62(6): 771-88.).
  • 11
    A tradição começou a ser revista já na década de 1930, quando igrejas, como a anglicana, advogaram pelo uso de métodos contraceptivos para o caso de a procriação representar um risco à vida materna. O efeito não intencional dessa postura foi o de dar início à disjunção entre sexo marital e procriação. As dificuldades socioeconômicas trazidas pela Segunda Guerra, além da urbanização e da modernização, favoreceram o deslocamento das definições e responsabilidades da contracepção para o indivíduo e a ciência (Machado 1995MACHADO, Maria das Dores Campos. (1995), “Corpo e moralidade sexual em grupos religiosos”. Revista de Estudos Feministas , nº 3(1): 7-27.).
  • 12
    Quando apenas a palavra Valadão aparecer no texto, ela fará referência à pastora, também chamada apenas de Ana Paula Valadão, como é mais comumente citada.
  • 13
    Sobre as controvérsias envolvendo a participação de religiosos, incluindo Valadão, em mídias seculares, ver (Rosas 2013ROSAS, Nina. (2013), “Religião, mídia e produção fonográfica: o Diante do Trono e as disputas com a Igreja Universal.” Religião e Sociedade , nº 33(1): 167-194.).
  • 14
    Eis as principais: Márcia Resende, apresentadora da TV Rede Super (de propriedade da IBL); Helena Tannure, ex-integrante do DT e que tem se destacado como escritora e preletora; Priscila Guerra, pastora de jovens da igreja; Iara Diniz, pastora e coordenadora, juntamente com o marido, do trabalho eclesiástico Rede da Família; pastora Ezenete Rodrigues, emblema das atividades de “batalha espiritual”; e pastora Ana Lúcia Melo, responsável por assistir as casadas.
  • 15
    Cabe dizer que, nos cultos de mulheres, defendia-se a virgindade feminina, enquanto a masculina não era objeto direto dos sermões de Gustavo Bessa nos cultos dos homens. Essa menor pressão sobre os homens se aproxima mais da moral sexual brasileira que da expectativa de castidade direcionada a ambos os sexos, como apontou Machado (1995) ser observada entre os evangélicos a partir dos anos 1950.
  • 16
    Embora Valadão não cite o ponto de vista do pastor C. Duarte, que consta na abertura do artigo, ele parece bem compatível com o que é defendido (com sutileza) na Lagoinha.
  • 17
    Uma versão preliminar deste tópico foi publicada em inglês (Rosas e Castro 2014ROSAS, Nina; CATRO, Cristina Maria de (2014), “Charismatic Protestantism, Gender and Sexuality in Brazil”. In: SHIPLEY, Heather. Globalized Religion and Sexual Identity: Contexts, Contastations, Voices. Leiden: Brill. 217-235.).
  • 18
    Para esclarecimentos sobre o projeto, ver: http://www.plc122.com.br/, acesso em 18 de janeiro de 2016, e: http://legis.senado.leg.br/mateweb/servlet/PDFMateServlet?m=79604&s=http://www.senado.leg.br/atividade/materia/MateFO.xsl&o=ASC&o2=A&a=0, acesso em 21 de janeiro de 2016.
  • 19
    Estas ficaram conhecidas como locais de imoralidade sexual, conf. Bíblia, Gênesis 19.
  • 20
    Em entrevistas aos líderes do DT, observei que um dos homens era afeminado e outro enfatizava em demasia o cuidado com a aparência. Em alguns “ministérios” da IBL, como no de teatro, também vi jovens (garotos) com trejeitos femininos. Os dados que possuo não me permitem afirmar a respeito da orientação ou trajetória sexual desses indivíduos. Apesar disso, posso dizer que certa tolerância quanto à feminilização da audiência masculina, somada à maior flexibilidade quanto à sexualização dos homens (vide nota 14), parece apontar para o reforço do machismo.
  • 21
    Na sociologia, a notável atenção ao corpo é relativamente recente e engendra um vasto volume de teorias que estão longe de serem consensuais. Embora o corpo esteja ligado ao dilema ação-estrutura, teve uma espécie de “presença ausente” (absent presence, Shilling 1993SHILLING, Chris. (1993), The body and Social Theory. Londres: SAGE Publications.:17) nos primórdios da disciplina, uma vez que o foco, de maneira geral, repousava sobre as mudanças sociais de nível “macro” (Le Breton 2007). Marx até chegou a mencionar a relação entre a classe trabalhadora e o maquinário capitalista; Simmel falou dos corpos sensíveis nas metrópoles; Durkheim cunhou a noção de efervescência coletiva, fonte incorporada de criatividade social; e Weber mostrou como uma ética religiosa disciplinada em direção ao corpo constitui o fundamento da ética de trabalho racional moderna (Shilling 2007______; MELLOR, Philip A. (2007), “Cultures of embodied experience: technology, religion and body pedagogics”. The Sociological Review, nº 55(3): 531-49.). Mesmo assim, a grande influência exercida por Parsons na interpretação dos autores clássicos fazia com que as ações fossem vistas como escolhas motivadas por normas e não como resultado de paixões ou disposições corporais (Shilling 2007). O corpo passou a ganhar maior visibilidade quando Norbert Elias (1994 [1939]ELIAS, Norbert. (1994), O processo civilizador. Volume 1: uma história dos costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar [1939].; 2001 [1969]______. (2001), A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor [1969].) se debruçou sobre a civilização dos costumes; análise que se tornou matéria-prima para o estudo da moral e da interação, feito por Erving Goffman (1988GOFFMAN, Erving. (1988), Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Guanabara.; 2001______. (2001), Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva.). O trabalho de Michel Foucault (1985aFOUCAULT, Michel. (1985a), História da sexualidade. Volume 2: a história dos prazeres. São Paulo: Graal.; 1985b______. (1985b), História da sexualidade. Volume 3: o cuidado de si. São Paulo: Graal.; 1999______. (1999), Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes.) sobre a história da sexualidade e o desenvolvimento das tecnologias de poder para a regulação do corpo também foi um marco. Pierre Bourdieu (2007BOURDIEU, Pierre. (2007), A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP.), de modo não menos importante, tratou da aquisição de disposições particulares, gostos e habilidades, evidenciando a relação entre compleições físicas e capital cultural, o que fez com que a categoria corpo passasse a ficar definitivamente em evidência.
  • 22
    “the central means through which a culture seeks to transmit its main corporeal techniques, skills, dispositions and beliefs, the experiences typically associated with acquiring these attributes, and the actual embodied changes resulting from this process”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2018
  • Aceito
    14 Ago 2018
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