Open-access Tratamento cirúrgico das malformações broncopulmonares em crianças: experiência em um centro Brasileiro

RESUMO

Introdução:  As malformações broncopulmonares (MBP) são anomalias do trato respiratório inferior que incluem malformações congênitas das vias aéreas pulmonares (MCVAP), cistos broncogênicos (CB), sequestros broncopulmonares (SBP) e enfisema lobar congênito (ELC). A detecção pré-natal em países de baixa e média renda é menos comum do que em países de alta renda. Este estudo pretende mostrar a experiência na abordagem cirúrgica da MBP em um centro brasileiro, com ênfase na evolução clínica e nos resultados cirúrgicos, conforme a época do diagnostico (pré-natal versus pós-natal).

Métodos:  Uma análise retrospectiva dos prontuários médicos foi realizada para pacientes com menos de 18 anos que foram submetidos à cirurgia para MBP em um centro de referência de um país de renda média entre 2000 e 2021. Com base no momento do diagnóstico da MBP, as crianças foram divididas em dois grupos: pré-natal e pós-natal. Esses grupos foram avaliados quanto à idade na cirurgia, histórico de pneumonia antes da operação, resultados cirúrgicos (complicações peri- e pós-operatórias, duração da ventilação mecânica, duração do dreno torácico, tempo de internação) e o tipo histológico de MBP.

Resultados:  Na coorte de 66 pacientes, 43 (65,1%) tinham diagnóstico pré-natal de MBP, enquanto 23 (34,8%) foram identificados após o nascimento. Em comparação com os pacientes diagnosticados no pré-natal, aqueles diagnosticados após o nascimento foram submetidos à cirurgia com idade maior (média de 978 dias ± 1341,0 versus média de 200 dias ± 360,9; p<0,01), e apresentaram maior incidência de pneumonia antes da cirurgia (65% vs. 12%, p < 0,01). Não houve associação entre o momento do diagnóstico de MBP e os resultados pós-cirúrgicos. Todos os pacientes com SBP estavam no grupo pré-natal, e todos os pacientes com ELC estavam no grupo pós-natal. Houve maior prevalência de MCVAP no grupo pré-natal em comparação com o grupo pós-natal (72% vs. 39%, p < 0,01).

Conclusão:  Em um centro brasileiro, cerca de 2/3 dos pacientes tiveram o diagnóstico intrauterino das malformações broncopulmonares e foram atendidos precocemente em centro de neonatologia. Os pacientes com diagnóstico das MBP somente após o nascimento tinham maior probabilidade de apresentar pneumonia e passar por cirurgia com idade maior do que os pacientes com diagnóstico intrauterino. Estudos prospectivos e multicêntricos, incluindo pacientes assintomáticos tratados conservadoramente, sem intervenções cirúrgicas, e os pacientes operados por videotoracoscopia, seriam bem indicados para se avaliar futuramente a evolução das crianças com MBP, e estabelecer protocolos adequados à realidade brasileira.

ABSTRACT

Introduction:  Bronchopulmonary malformations (BPM) are lower respiratory tract anomalies that include congenital malformations of the pulmonary airways (CMPA), bronchogenic cysts (BC), bronchopulmonary sequestrations (BPS), and congenital lobar emphysema (CLE). Prenatal detection in low- and middle-income countries is less common than in high-income ones. This study aims to show the experience in the surgical approach to BPM in a Brazilian center, with emphasis on clinical evolution and surgical results, according to the time of diagnosis (prenatal versus postnatal).

Methods:  We retrospectively analyzed medical records of patients under the age of 18 who underwent surgery for BPM at a referral center in a middle-income country between 2000 and 2021. Based on the time of BPM diagnosis, we divided the children into two groups: prenatal and postnatal. These groups were evaluated in terms of age at surgery, history of pneumonia before the operation, surgical outcomes (perioperative and postoperative complications, duration of mechanical ventilation, duration of chest tube, length of hospital stay), and histological type of BPM.

Results:  In the cohort of 66 patients, 43 (65.1%) had a prenatal diagnosis of BPM, while 23 (34.8%) were identified after birth. Compared with patients diagnosed prenatally, those diagnosed after birth underwent surgery at a higher age (mean of 978 days ± 1341.0 versus mean of 200 days ± 360.9; p<0.01), and had a higher incidence of pneumonia before surgery (65% vs. 12%, p < 0.01). There was no association between the time of BPM diagnosis and postoperative outcomes. All patients with BPS were in the prenatal group, and all patients with CLE were in the postnatal one. There was a higher prevalence of CMPA in the prenatal group compared with the postnatal one (72% vs. 39%, p < 0.01).

Conclusion:  In a Brazilian center, approximately 2/3 of the patients had an intrauterine diagnosis of bronchopulmonary malformations and were treated early at a neonatology center. Patients diagnosed with BPM only after birth were more likely to have pneumonia and undergo surgery at an older age than patients with an intrauterine diagnosis. Prospective, multicenter studies, including asymptomatic patients treated conservatively, without surgical interventions, and patients operated by video-assisted thoracoscopy, would be well indicated to evaluate the future evolution of children with BPM and to establish protocols appropriate to the Brazilian reality.

Keywords:
Bronchopulmonary Sequestration; Cystic Adenomatoid Malformation of Lung, Congenital; Thoracic Surgery; Child; Postoperative Care

INTRODUÇÃO

As malformações broncopulmonares (MBP) resultam de um desenvolvimento fetal irregular do trato respiratório inferior1,2. Elas são categorizadas em tipos específicos, como malformação congênita das vias aéreas pulmonares (MCVAP), enfisema lobar congênito (ELC), sequestro broncopulmonar (SBP) e cisto broncogênico (CB), com base em características radiológicas e histológicas3. Alguns casos híbridos apresentam atributos tanto de MCVAP quanto de SBP3. Embora anteriormente consideradas raras, essas malformações agora são diagnosticadas com maior frequência4. Pesquisas recentes estimam que a ocorrência de MBP seja de aproximadamente 1 em cada 2.000 a 2.500 nascidos vivos, um aumento significativo em relação às estimativas, em 2011, de 1 em 25.000 a 35.000 nascidos vivos5,6. Esse aumento provavelmente resulta das melhorias no cuidado obstétrico, na tecnologia de ultrassonografia pré-natal (US) e na disponibilidade de ressonância magnética nuclear fetal5,7.

O tratamento dessas lesões pode começar ainda na vida intrauterina. Além do diagnóstico, a ultrassonografia pré-natal permite a medição da razão do volume da MCVAP. Essa medida tem um valor prognóstico robusto e pode orientar intervenções pré-natais, como administração de corticosteroides maternos, drenagem toracoamniótica, ressecção pulmonar fetal e o tratamento extrauterino intraparto (técnica conhecida como EX utero Intrapartum Treatment - EXIT)7.

Crianças com MBPs podem permanecer assintomáticas, apresentar insuficiência respiratória logo após o nascimento ou desenvolver pneumonia mais tarde ao longo da vida. O tratamento varia com base na natureza, no tamanho da lesão e nos sintomas associados8. Enquanto a maioria dessas crianças nasce sem sintomas, algumas podem necessitar de atenção médica ou cirúrgica imediata, especialmente em situações que envolvam desconforto respiratório ou infecção pulmonar8. A terapia cirúrgica padrão para crianças sintomáticas tipicamente envolve lobectomia ou segmentectomia pulmonar. No entanto, há um debate em andamento sobre a abordagem em crianças assintomáticas, com alguns autores indicando a ressecção das lesões e outros apenas a observação clínica9.

Poucos trabalhos na literatura médica sobre os desfechos das MBPs provêm de países de baixa e média renda (BMRs). A classificação de países baseados em renda é uma classificação feita pelo World Bank: (https://datahelpdesk.worldbank.org/knowledgebase/articles/906519-world-bank-country-and-lending-groups).

Diante desse contexto de evidências limitadas e debates existentes, este estudo pretende examinar os desfechos dessas afecções tratadas cirurgicamente em um país de renda média, comparando pacientes que receberam diagnóstico pré-natal, com aqueles que receberam o diagnóstico somente no período pós-natal.

MÉTODOS

Foram incluídos todos os pacientes pediátricos, menores de 18 anos de idade, que foram submetidos à ressecção de lesões pulmonares confirmadas patologicamente como malformações broncopulmonares (MBP) em um centro de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) de um país de renda média, entre janeiro de 2000 e dezembro de 2021. O centro atua como referência em cuidados neonatais, medicina fetal e gestação de alto risco, oferecendo cirurgia pediátrica hospitalar e ressonância magnética fetal. Pacientes com dados incompletos ou que foram submetidos a ressecções pulmonares por outros diagnósticos foram excluídos.

As variáveis coletadas dos prontuários médicos incluíram informações demográficas e desfechos cirúrgicos. Especificamente, as seguintes variáveis demográficas e clínicas foram obtidas: local de nascimento (centro de referência ou outra unidade), sexo, momento do diagnóstico (pré-natal ou pós-natal), presença de outras anomalias congênitas, idade cirúrgica do paciente, localização da lesão e resultado patológico. Os desfechos analisados incluíram duração do dreno torácico, duração da ventilação mecânica, tempo de internação, complicações perioperatórias e pós-operatórias e mortalidade.

Para facilitar a apresentação dos resultados, as complicações estão descritas segundo a classificação de Clavien-Dindo10, que é um sistema utilizado para categorizar complicações cirúrgicas com base em sua gravidade. Ela é dividida em cinco graus: Grau I envolve complicações leves que não requerem tratamento específico; Grau II envolve tratamentos farmacológicos simples; Grau III inclui complicações que requerem intervenção cirúrgica, endoscópica ou radiológica; Grau IV refere-se a complicações com risco à vida, necessitando de cuidados intensivos; e Grau V corresponde à morte do paciente. Em termos de pesquisa, essa classificação facilita a comparação entre diferentes estudos e a realização de meta-análises, proporcionando uma avaliação padronizada dos desfechos cirúrgicos.

As características qualitativas são apresentadas em frequências e porcentagens para fins descritivos, enquanto as características quantitativas foram resumidas usando média ou mediana e desvio padrão ou intervalo interquartil, conforme apropriado. As análises inferenciais exploraram associações entre o momento do diagnóstico, pneumonia antes da cirurgia, tipo de MBP, idade cirúrgica e desfechos cirúrgicos.

As comparações entre duas características qualitativas foram realizadas utilizando o teste qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher para comparação de mais grupos. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para variáveis quantitativas devido a violações da normalidade e homocedasticidade, conforme verificado pelos testes de Shapiro-Wilk e Levene. Winsorização foi aplicada para o tratamento de valores extremos. O banco de dados foi criado utilizando o Microsoft Excel 2016. As análises estatísticas foram realizadas utilizando R 3.2.5 e MINITAB 14. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).

O Comitê de Ética em Pesquisa institucional aprovou este estudo sob o número 49439121.8.0000.5149.

RESULTADOS

Entre janeiro de 2000 e dezembro de 2021, 96 crianças com suspeita de MBP, com idades entre 0 e 17 anos, foram submetidas ao tratamento cirúrgico no centro de referência em cirurgia pediátrica. Desses, 14 pacientes foram excluídos por dados incompletos, por perdas de prontuários mais antigos, e 16 foram excluídos por apresentarem afecções não relacionadas à MBP (por exemplo, bronquiectasia), resultando em 66 pacientes para análise.

As comparações das características demográficas e clínicas entre os grupos de diagnóstico pré-natal e pós-natal estão apresentadas na Tabela 1. Os pacientes diagnosticados no período pré-natal apresentaram uma probabilidade significativamente maior de terem nascido no centro de referência (84% vs 26%, p<0,01).

Tabela 1
Comparações dos dados demográficos e características clínicas dos pacientes com diagnóstico intrauterino versus diagnóstico pós-natal.

Com relação à localização das lesões congênitas, observou-se que seis pacientes apresentavam cistos em mais de um lobo pulmonar. Assim, dos 43 recém-nascidos com diagnóstico intrauterino, em 15 (35%) a doença acometia o lobo inferior direito; em 15 (35%), o lobo inferior esquerdo; em 9 (21%), o lobo superior esquerdo; em 4 (9%), o lobo médio; em 3 (7%), o mediastino; e em 1 (2%), o lobo superior direito. Por outro lado, das 23 crianças com diagnóstico pós-natal, em 7 (30%) a doença acometia o lobo superior direito; em 5 (22%), o lobo superior esquerdo; em 4 (17%), o lobo inferior direito; em 4 (17%) o mediastino; em 3 (13%), o lobo inferior esquerdo; e em 2 (8%), o lobo médio.

Uma diferença substancial foi observada na incidência de pneumonia antes da cirurgia, com o grupo pós-natal exibindo uma maior prevalência (65% vs 12%, p<0,01).

O diagnóstico anátomo-patológico variou entre os grupos, sendo a MCVAP o mais prevalente no grupo pré-natal (72%) e os cistos broncogênicos no grupo pós-natal (35%). Notavelmente, todos os seis pacientes com sequestro pulmonar (um extralobar e cinco intralobar) estavam no grupo pré-natal. Em contraste, todos os seis pacientes com enfisema lobar congênito estavam no grupo pós-natal, como esperado. Foi feita uma comparação entre os subtipos de MBP com diagnóstico intrauterino versus pós-natal, (Tabela 1), da seguinte forma: os subtipos CB, ELC, SBP Extralobar e SBP Intralobar foram agrupados, tendo em vista o pequeno número de cada um deles, e comparados com o subtipo MCVAP. Assim, dos 43 recém-nascidos com diagnóstico intrauterino, 31 (72%) apresentaram o subtipo MCVAP; enquanto 12 (28%) apresentaram os demais subtipos (sendo CB em 6; SBP Intralobar em 5; e SBP Extralobar em 1). Entre as 23 crianças com diagnóstico pós-natal, 9 (39%) apresentaram o subtipo MCVAP; e 14 (61%) os demais subtipos (sendo CB em 8; e ELC em 6). O valor-p igual a 0,009 indica uma associação significativa entre o subtipo de MBP e o momento do diagnóstico. As crianças com MCVAP apresentaram 4 vezes (IC 95%: 1,4 a 11,7) a chance de ter recebido o diagnóstico no pré-natal do que as crianças com os demais subtipos de MBP.

Finalmente, em comparação com os pacientes diagnosticados no pré-natal, aqueles diagnosticados no pós-natal foram submetidos à cirurgia mais tardiamente (média de 978 dias ± 1341,0 (mediana de 223 dias) versus média de 200 dias ± 360,9 (mediana de 14 dias), p<0,01).

Uma análise comparativa dos desfechos cirúrgicos entre os dois grupos está apresentada na Tabela 2. A taxa de complicações perioperatórias foi três vezes maior no grupo de diagnóstico pós-natal (22%) em comparação com o grupo pré-natal (7%), embora a diferença não tenha atingido significância estatística. A distribuição de complicações perioperatórias e pós-operatórias foi comparável entre os grupos estudados. A maioria das complicações foi classificada como grau I ou II de Clavien-Dindo, indicando que, embora houvesse complicações, elas foram predominantemente de menor gravidade10. O sangramento que exigiu transfusões de sangue foi a complicação perioperatória mais comum (13% no grupo com diagnóstico pós-natal vs. 7% no grupo com diagnóstico pré-natal). As complicações pós-operatórias mais frequentes incluíram infecções da ferida cirúrgica em seis pacientes (9,0%, todos do grupo com diagnóstico pré-natal).

Tabela 2
Comparações entre o momento do diagnóstico e os desfechos cirúrgicos.

Apenas um paciente de toda a coorte, diagnosticado no período pré-natal, evoluiu para o óbito. O paciente era um recém-nascido prematuro, de baixo peso ao nascer, com uma MBP extensa, associada a doença cardíaca congênita cianótica grave. Ele foi submetido a uma pneumonectomia esquerda de emergência e faleceu no período pós-operatório imediato, devido à instabilidade hemodinâmica e respiratória persistente. Os resultados histopatológicos desse paciente foram compatíveis com MCVAP.

Entre os 43 recém-nascidos com diagnóstico pré-natal de MBP desse estudo, cinco (11,6%) receberam intervenções ainda durante a vida intrauterina (aspiração de cisto pulmonar).

DISCUSSÃO

Nas últimas décadas, as crianças com MBP apresentaram aumento nas taxas de sobrevivência e redução da morbidade, devido aos avanços significativos em diagnóstico por imagem, diagnóstico pré-natal, cuidados intensivos neonatais e técnicas cirúrgicas aprimoradas3,4,11. No entanto, os dados sobre os desfechos dessas condições em países de baixa e média renda (BMR) são escassos. Em países de alta renda, onde há maior disponibilidade de recursos, a maioria das MBP é diagnosticada no período pré-natal, o que colabora para a instituição do cuidado clínico mais precoce. Isso permite o planejamento adequado da atenção perinatal, com melhor prognóstico.

Vale ressaltar que há centros de cirurgia fetal no exterior onde alguns casos de maior gravidade de MBP são abordados cirurgicamente ainda na vida intrauterina, ou por ocasião do nascimento, como na técnica do EXIT7,17. Nessa casuística a punção de cisto pulmonar fetal foi realizada em apenas cinco pacientes, o que já evidencia certo progresso nas intervenções fetais nesse centro médico.

Ressalta-se, que segundo Kunisack7 é possível fazer o diagnóstico pré-natal de enfisema lobar congênito. Contudo, nessa casuística os diagnósticos de ELC foram estabelecidos apenas com exames de imagem e anatomopatológicos após o nascimento.

Este estudo foi realizado para investigar os desfechos da MBP em um centro médico do Brasil, um país de renda média, e avaliar especificamente o papel potencial do diagnóstico pré-natal nos resultados clínicos. Ressalta-se que o diagnóstico fetal tem sido uma realidade nesse centro durante todo o período do estudo. Os resultados indicam que a detecção pré-natal de MBP está associada a uma maior probabilidade de nascimento em centros especializados e à realização de intervenções cirúrgicas mais precoces. Notavelmente, alguns pacientes do grupo pré-natal receberam intervenções intrauterinas. Esse achado destaca os benefícios do diagnóstico precoce, pois facilita o tratamento oportuno, que pode ser iniciado ainda antes do nascimento, além de proporcionar uma alocação adequada de recursos e aconselhamento dos pais5,12,13.

Embora esse estudo sugira uma menor incidência de pneumonia entre pacientes com diagnóstico pré-natal de MBP, não é possível determinar de forma definitiva a significância dessa tendência. Não há dados sobre o número de pacientes com MBP que podem estar vivendo assintomáticos, sem uma avaliação especializada. Caso esses indivíduos fossem incluídos, as taxas de pneumonia poderiam diferir da amostra relatada.

No Brasil, a pneumonia continua sendo a principal causa de mortalidade em crianças menores de cinco anos, e a presença de aderências pleurais pós-infecciosas pode complicar cirurgias, potencialmente aumentando os riscos cirúrgicos tanto nas fases pré- quanto pós-operatória14. Meta-análises indicam que cirurgias realizadas após infecções pulmonares tendem a apresentar piores desfechos em comparação com procedimentos em crianças assintomáticas13,15,16. Neste estudo, observou-se uma tendência de maior incidência de complicações perioperatórias entre os pacientes diagnosticados no pós-natal em comparação com aqueles diagnosticados no pré-natal, com 22% dos casos de diagnóstico pós-natal apresentando complicações, principalmente sangramento perioperatório, em comparação com 7% no grupo de diagnóstico pré-natal.

Não foi encontrada correlação entre pneumonia pré-cirúrgica ou o momento da cirurgia com o aumento do risco de complicações pós-operatórias, prolongamento da internação hospitalar ou duração da ventilação mecânica e drenagem torácica. No entanto, o pequeno tamanho dessa amostra limita as conclusões obtidas a partir dos dados.

A ressecção das lesões é o tratamento estabelecido para crianças com MBP sintomática, mas a melhor abordagem para aquelas sem sintomas ainda é discutida entre os especialistas13,15,16. O argumento a favor da intervenção precoce se baseia nos benefícios preventivos, como evitar complicações, infecções recorrentes, diagnóstico incorreto de malignidade como anomalia benigna ou o raro desenvolvimento de alterações malignas ao longo do tempo5,6,17,18. No entanto, os riscos associados aos procedimentos cirúrgicos e anestésicos, especialmente em bebês, devem ser cuidadosamente considerados13,19-21. A literatura apresenta perspectivas variadas sobre a probabilidade de MBP assintomática levar ao desenvolvimento de sintomas na infância. Alguns estudos sugerem um baixo risco de desenvolvimento de sintomas, aproximadamente 3%, enquanto outros indicam uma probabilidade muito maior, com até 86% dos indivíduos com MBP eventualmente desenvolvendo sintomas17,22. Essa disparidade oferece uma excelente oportunidade para um processo de decisão compartilhada com os cuidadores.

No entanto, é pertinente reconhecer que a maioria das ressecções neste estudo foi realizada por meio de cirurgia aberta (94%), uma vez que a maioria dos cirurgiões não se sentia confortável com a abordagem toracoscópica. Vale ressaltar que a intervenção torácica minimamente invasiva, videotoracoscopia, feita em quatro pacientes, foi disponibilizada nesse centro médico somente a partir do ano de 2006, com instrumental adequado para crianças maiores de cinco anos de idade. Este aspecto é crucial na discussão do perfil risco-benefício da intervenção cirúrgica em comparação à observação, especialmente considerando as potenciais consequências a longo prazo da toracotomia. Pesquisas, como o estudo conduzido por Safa et al., destacaram a incidência e a gravidade de deformidades musculoesqueléticas, incluindo escoliose e anomalias da parede torácica, após procedimentos torácicos em lactentes23. Os achados ressaltam a importância de considerar as morbidades associadas à toracotomia na discussão risco-benefício.

A ocorrência de infecções no local cirúrgico exclusivamente entre pacientes que se submeteram a cirurgias precoces após diagnóstico pré-natal solicita uma reavaliação dos protocolos antissépticos para lactentes. É necessário monitorar continuamente os dados para determinar se essa tendência persiste, o que pode exigir ajustes nas práticas clínicas para melhorar os desfechos dos pacientes. Além disso, a equipe de cirurgia desse centro é composta por onze cirurgiões pediátricos, e a seleção de alguns deles para se especializar em cirurgia torácica pediátrica poderia melhorar os resultados24.

Por fim, a extensão da permanência hospitalar observada neste estudo pode ser atribuída a vários fatores. Primeiramente, os pacientes que passaram por cirurgia precoce devido a apresentações sintomáticas necessitaram de um período de estabilização antes da operação. Pacientes assintomáticos, por outro lado, foram programados para cirurgia somente após a realização de um exame tomográfico, que exigiu sedação. Dado que o hospital realizava tomografias sob sedação apenas uma vez por semana, esse protocolo inevitavelmente levou a internações prolongadas. Fatores adicionais, como lesões complexas, que exigiam discussões adicionais com a equipe de pneumologia, e pacientes que residiam em áreas rurais ou cidades remotas, podem ter influenciado a duração da internação. Embora a maioria das complicações pós-operatórias tenha sido de gravidade leve, elas ocorreram em mais de 40% dos casos. Essas complicações também contribuíram para maior tempo de permanência hospitalar, independentemente de sua gravidade. Em resumo, essas combinações de fatores - a necessidade de estabilização pré-operatória, as restrições de agendamento para procedimentos diagnósticos e a incidência de complicações pós-operatórias - resultaram nas durações prolongadas de internação observadas nesta casuística.

Este estudo está sujeito à limitações, principalmente pela sua natureza retrospectiva e o foco exclusivo em crianças tratadas cirurgicamente. A amostra de cada um dos tipos de MBP é pequena e os resultados carecem de poder estatístico e são apresentados apenas os dados considerados assertivos e com qualidade. Dados incompletos não foram incluídos nesse estudo. No entanto, esta é uma das séries mais extensas de pacientes com MBP tratados cirurgicamente no Brasil.

Outra limitação desse estudo: na análise dos prontuários, não foi possível ter a descrição detalhada, por exemplo, de quantos episódios de pneumonia as crianças sofreram no pré-operatório. Assim, não foi realizada a análise acerca do episódio único versus episódios repetidos de pneumonia e os desfechos cirúrgicos.

O objetivo deste estudo é colaborar com outras instituições para validar os achados e determinar se o momento da intervenção cirúrgica e os subtipos específicos de MBP influenciariam independentemente o risco de complicações pós-operatórias. Além disso, informações sobre a história natural de casos assintomáticos de MBP tratados não cirurgicamente teriam sido valiosas. A ausência desses dados limita a capacidade de generalizar os achados além do contexto cirúrgico e dos desfechos pós-operatórios imediatos. Pesquisas futuras devem incluir MBP abordadas de modo conservador, não-cirúrgico, para aumentar a compreensão da progressão dessa doença e informar estratégias de abordagem clínica e cirúrgica.

Esse trabalho mostra que cerca de 2/3 das crianças (65,1%) dessa casuística obteve o diagnóstico intrauterino da MBP, o que evidencia certos avanços, mas que aponta para a necessidade da busca constante de maiores investimentos no atendimento pré-natal e perinatal para o avanço da sobrevida e a diminuição das morbidades associadas às afecções cirúrgicas congênitas, como a MBP, no Brasil.

CONCLUSÃO

Este estudo mostra as características clínicas e os desfechos cirúrgicos de pacientes pediátricos diagnosticados com MBP, antes e após o nascimento, em um centro brasileiro. A maioria das crianças submetidas ao tratamento cirúrgico de MBP tiveram o diagnóstico intrauterino, que contribuiu para o atendimento perinatal planejado e a intervenção cirúrgica em idade mais precoce. A associação observada entre diagnóstico pós-natal e uma maior probabilidade de apresentação com pneumonia destaca os desafios da detecção tardia em ambientes com recursos limitados, potencialmente levando a atrasos nas intervenções cirúrgicas. Futuros esforços de pesquisa devem se concentrar em estudos prospectivos, multicêntricos, incluindo pacientes assintomáticos, acompanhados sem intervenções cirúrgicas, e os pacientes operados com técnicas minimamente invasivas, com vistas à avaliação da evolução das crianças com MBP, para estabelecer protocolos adequados à realidade brasileira.

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  • Fonte de financiamento:
    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2024
  • Aceito
    10 Dez 2024
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