Em Portugal, Amadeo de Souza-Cardoso, é um dos artistas mais falsificados; e com ele veremos como pode a ciência detetar falsos, separando assim o “trigo do joio”. Nascido em Amarante em 1887, faleceu com apenas 30 anos, vítima da gripe pneumónica. Amadeo foi um virtuoso visionário que lançou a sua carreira entre os melhores dos melhores artistas a nível mundial, a partir de Paris. Algumas das suas mais importantes obras foram integradas na coleção do Museu Calouste Gulbenkian, estando ainda presente no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, no Museu Nacional Soares dos Reis e no Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso (Amarante). Existem ainda muitas obras em acervos particulares. O Catálogo Raisonné dedicado à Pintura3, coordenado por Helena de Freitas, teve a sua primeira edição em 2008 mas, entretanto, outras obras têm vindo a público. Nessas, algumas poderão ter sido pintadas pela mão de Amadeo, outras não. A bela história de vida que foi a de Amadeo foi recentemente narrada no documentário “Amadeo de Souza Cardoso: O último segredo da arte moderna”, de Christophe Fonseca4.


FIGURA 1. Os crimes de falsificação e tráfico de bens culturais encontram-se no segundo ou terceiro lugar em volume de negócio, em economia paralela, estando associados a branqueamento de capitais provenientes do comércio de armas e tráfico de drogas.

A ciência em busca de falsos: CSI Obras de Arte.

Como desvenda a Ciência quais são os falsos Amadeo? Com base em factos, certamente, factos que são o fruto de uma investigação aprofundada aos materiais e técnicas de Amadeo, que estuda como o artista construiu a cor da sua pintura bem como as tintas a óleo que usou. Para quem conhece a série CSI (Crime Scene Investigation), diríamos que somos o CSI-Obras de Arte de Amadeo, ainda que um pouco mais lentos a dar uma resposta. Com equipamento sofisticado entramos de mansinho no atelier do artista, falamos com ele através das suas obras, desvendamos o seu talento, a sua vontade de escolher os melhores materiais, mas também os seus pequenos truques5. Uma primeira triagem e mapeamento dos possíveis colorantes existentes numa obra é-nos dada pela análise elementar por micro-espectrometria de fluorescência de raios-X. A sua caraterização molecular exata é obtida, diretamente sob a obra, usando a micro-espectroscopia de Raman e a análise de uma micro-amostra (\(\approx \) 50 \(\mu \) m) por micro-espectroscopia de Infravermelho por Transformada de Fourier revela-nos a formulação completa da tinta incluindo o colorante, o ligante e aditivos, bem como o seu estado de conservação6,7.


FIGURA 2. CSI Obras de Arte em ação, estudando Amadeo de Souza-Cardoso no Museu Calouste Gulbenkian.

Zoom no molecular: a eternidade de uma tinta nas mãos de um químico.

Amadeo faleceu em 1918, no final da primeira guerra mundial, tendo utilizado uma paleta moderna feita de cores vibrantes, criadas no séc. XIX pela química francesa. Entre as duas guerras mundiais surgiram importantes colorantes sintéticos, que não poderiam ter sido usados por Amadeo, como por exemplo o azul de ftalocianina, o violeta dioxazina e o branco de titânio. Assim, sempre que encontramos zonas extensas, numa obra, ocupadas por pigmentos que foram comercializados depois da morte de Amadeo, a peritagem pode afirmar com segurança que é um falso.


FIGURA 3. Pormenores dos amarelos de Amadeo e foto de um tubo de inícios do séc. XX de amarelo de crómio, da reputada firma de materiais para artista Winsor & Newton.

Temos também estudado obras que foram produzidas com pigmentos existentes na época de Amadeo, mas onde não encontramos a técnica do artista, a sua forma de imaginar um quadro e de construir a cor. Nestas situações é difícil dizer com rigor que é um falso. Por isso, foi necessário saber mais sobre as formulações de pigmentos usados na época de Amadeo, como o omnipresente amarelo de crómio. Este pigmento amarelo, encontrado inalterado nas pinturas de Amadeo, é o mesmo pigmento cuja degradação transformou irreversivelmente os girassóis de Vincent van Gogh, agora acastanhados8. Durante todo o séc. XX foi possível comprar amarelo de crómio, em pó ou em tinta, mas uma formulação de tinta de inícios do séc. XX é muitíssimo diferente de uma dos anos 70, 80 ou 90. Poucos o sabem e menor, ainda, será o número dos que conseguirão reproduzir uma formulação original de amarelo de crómio como a usada por Amadeo9,10. A nossa equipa sabe não só caracterizar estas formulações como trazer de novo para o laboratório do séc. XXI o saber fazer de fábricas de materiais para artista do séc. XIX, como a Winsor & Newton (W&N). Uma firma que se orgulhava de desenvolver materiais de altíssima qualidade e que a nossa investigação provou ter Amadeo usado. Estamos, pois, preparados para colocar este conhecimento, que aborda a complexidade de uma tinta para artista, ao serviço de Amadeo e da sua obra. Contribuindo assim, para detetar falsos Amadeo, com grande rigor e conhecimento na vanguarda do estado da arte.