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D I R E I TO I N T E R N AC I O N A L REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Trabalho e Desenvolvimento In memoriam William Monteiro Rocha CULTURA, DIREITO & SOCIEDADE (Research Group/DGP/CNPq/UFMA) http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/456 https://culturadireitoesociedade.org/index.php/institucional/ File available at: www.dialogoscriticos.com NOSSA MISSÃO: Desenvolver a investigação científica e contribuir para a formação de cidadãs(ãos) e líderes da sociedade nacional, através do compromisso irrevogável com as Artes, Filosofia, Ciência Política e Ciência do Direito em sua inseparável imanência social, numa abordagem transdisciplinar com todo o conhecimento, com a prática e com a transformação de mentalidades no alcance dos objetivos republicanos contidos no art. 3º, da Constituição Federal Brasileira de 1988: I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – Garantir o desenvolvimento nacional; III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – Promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. NOSSOS VALORES: Integridade; Resiliência; Respeito às diferenças. NOSSA VISÃO: O papel da Universidade reside na compreensão, em primeiro lugar, das necessidades socioeconômicas e políticas de seu entorno e, considerando seu contexto, promovendo e provocando uma intervenção consciente, plural, cientificamente orientada na realidade, capaz de fortalecer a dignidade da pessoa humana, de forma sustentável, ética e inclusiva. Assim, o Grupo de Pesquisa (Estudos) Cultura, Direito e Sociedade atua como agente institucional dirigindo suas ações de estudos, investigações sociológicas e propostas afirmativas visando contribuir para a redução das desigualdades regionais, promovendo o respeito pela diversidade cultural e o fortalecimento da identidade constitucional republicana e democrática, reconciliando ações de ensino, pesquisa e engajamento comunitário entre a academia, a visão global e a sociedade local. E, ainda, criar e manter as condições que permitam que seus integrantes experimentem uma jornada educacional que seja intelectualmente, social e pessoalmente transformadora. NOSSOS OBJETIVOS: Geral: Pesquisar no âmbito da área de Cultura, Direito e Sociedade questões sociais relacionadas com as linhas de investigação, visando contribuir para o processo histórico de reflexão, discussão e propostas políticas adaptadas às necessidades da sociedade local, transferindo conhecimento cientificamente sistematizado, permitindo a sua aplicação nos processos discursivos de formação e estabelecimento de prioridades para a governança democrática. Específicos: Treinar, através de uma abordagem metodológica à investigação, pesquisadores iniciados na investigação científica, treinando-os na língua, procedimento e sistematização da atividade de investigação; Desenvolver projetos relacionados às linhas de pesquisa; Disseminar os relatórios de pesquisa de forma sistemática, permitindo um processo de reflexão com os fóruns de debates e a formação da opinião pública local; Estabelecer uma rede de informação com outros setores, centros, grupos e ou centros de pesquisa que reflitam objetivos semelhantes. Quadro Teórico: Teorias Críticas e Deliberativas no Direito: Criminologia Crítica; Teoria Discursiva do Direito no viés Procedimentalista e Fenomenológico; Geopolítica e Direitos Humanos. LINHAS DE PESQUISA Direito Internacional dos Direitos Humanos e Sistemas Regionais de Justiça | Estado, Direito e Controle Social Geopolítica, Institucionalidades e Desenvolvimento | Hermenêutica e Jurisdição Constitucional Mediação e Processo – acesso à Justiça e gestão de conflitos | Políticas Públicas: Direitos Humanos vs. Serviços Públicos MARCA Diálogos Críticos: Cultura, Direito e Sociedade CAPA Wemerson Duarte e Cássius Guimarães Chai CONSELHO CIENTÍFICO Cássius Guimarães Chai – Brasil, presidente Alberto Manuel Poletti Adorno - Paraguai Alex Pires Sandes - Brasil/Portugal Alexandre de Castro Coura - Brasil Amanda Cristina de Aquino Costa – Brasil Ana Teresa Silva de Freitas - Brasil Fábio Marcelli - Itália Heinz-Dietrich Steinmeyer - Alemanha Joana Bessa Topa - Portugal José Cláudio Pavão Santana - Brasil José Manuel Peixoto Caldas - Portugal Manuellita Hermes Rosa Oliveira Filha - Brasil Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino - Brasil Maria do Socorro Almeida de Sousa - brasil Maria Esther Martinez Quinteiro - Espanha Maria Francesca Staiano - Argentina Mariana Lucena Sousa Santos - Brasil Pedro Garrido Rodríguez - Espanha Sérgio Neira-Peña – Chile Vyacheslav Sevalnev - Rússia DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) (CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL) Direito internacional [livro eletrônico]: Índices para catálogo sistemático: 1. Direito internacional 341 Aline Graziele Benitez Bibliotecária - CRB-1/3129 reflexões urgentes : sustentabilidade, trabalho e desenvolvimento / organização Cássius Guimarães Chai, Carla Noura Teixeira, Felipe Chiarello. -- São Luís, MA : Grupo de Pesquisa Cultura, Direito e Sociedade (DGP CNPQ UFMA), 2023. PDF Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-65-00-86824-1 1. Direito internacional 2. Sustentabilidade I. Chai, Cássius Guimarães. II. Teixeira, Carla Noura. III. Chiarello, Felipe. 23-181665 CDU-341 Índices para catálogo sistemático: 1. Direito internacional 341 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129 https://doi.org/10.55658/gpcds978-65-00-86824-1 OS TEXTOS SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DE CADA AUTOR(A) POR SEU CONTEÚDO, REVISÃO E ESTRUTURA DE APRESENTAÇÃO. Organizadores Cássius Guimarães Chai Carla Noura Teixeira Felipe Chiarello D I R E I TO I N T E R N AC I O N A L REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Trabalho e Desenvolvimento Belém - Curitiba - São Paulo - São Luís 2023 PRESENTACIÓN El Derecho internacional público ha mutado en sus pretensiones. Este libro da buena cuenta de dicho cambio. El derecho internacional público se hace cargo de preguntas relevantes a las necedades del Ser humano, una de las más básicas, protección frente a los cambios. Dicha protección se observa desde problemas económicos, sociales, particularmente, ambientales. El signo de nuestro tiempo es el medio ambiente que rodea al Ser humano. Éste se enfrenta al cambio abrupto del clima y la perdida del lugar donde ha desarrollado su actividad tradicional. El medio ambiente, además, envuelve necesariamente observar las formas de disminuir los efectos de tales cambios o las afectaciones de los Seres humanos al ambiente. Tales afectaciones son variadas y las soluciones son diversas. La que hemos observado inicialmente y se ha enfrentado de manera constante es la que produce la contaminación de diverso origen pero generado por el Ser humano. Esta contaminación afecta al mismo Ser humano directa o indirectamente. Directamente al impedir actuar a la persona en su hábitat natural o artificial, piénsese en aquella contaminación que impide la constitución de hogares en la selva. Indirectamente la contaminación nos afecta en el actuar cotidiano en las ciudades al afectar el aire que se respira. Esto nos ha llevado necesariamente a mirar con cuidado el proceso que los Seres humanos desarrollamos sea para calentarnos o transportarnos exigiendo hoy en día un control en las actividades humanas. Este control se ejerce sobre empresas o personas cuando los límites de la contaminación en el aire de una ciudad sobrepasan límites legales (químicos y biológicos). Hoy día es posible encontrar un entramado de tratados internacionales que regulan los límites de contaminación atmosférica y que afectan a la población. Asimismo, otra contribución a la prevención de efectos desarrollada desde la década de 1960 y de carácter indirecto es la Evaluación del Impacto Ambiental. La misma es sin duda parte de las regulaciones nacionales en materia ambiental y pretende controlar la actividad de empresas y personas evitando la afectación del medio ambiente antes que cualquier contaminación nociva afecte a las personas, Supone estudios de los efectos que la actividad humana específica pueda provocar en el medio ambiente. Así las legislaciones nacionales han desarrollado normas jurídicas a fin de obligar nuevos proyectos de empresas internacionales o de un país estudien dichos efectos. Estos estudios hoy en día son comunes requisitos en materia de nuevas actividades posibles de afectar al medio ambiente. Sin embargo, lo que nos preocupa es cómo estos actos se relacionan con el concepto de un desarrollo económico que no afecte sino potencie al Ser humano. Esto se logra disminuyendo al máximo los efectos negativos que la actividad económica puede provocar (y ha provocado desde el siglo XIX y durante el siglo XX) en el medio ambiente. Asimismo, supone entregar mejores condiciones sociales a los Seres humanos en un Estado determinado o en el sistema internacional. Esta opción de mejoras sociales no sólo supone una serie de mejoras condiciones indirectas a las personas, mejor educación, salud pública, vivienda, transporte o seguridad social sino directamente mejorando los ingresos de las personas en un país determinado. Esto, a su vez, supone gobernabilidad del país tanto desde el control legal donde el Estado de Derecho es fundamental sino el control sobre actividades ilícitas a fin de impedir que las mismas provoquen daño a la economía nacional misma. Desde la perspectiva de las políticas públicas un sistema de seguridad social es fundamental para lograr la tranquilidad de quienes desarrollan actividades económicas de manera de generar riqueza o quienes auxilian en dicho proceso. Esto supone que las políticas públicas de carácter nacional e internacional se alineen para alcanzar la protección social y ambiental al mismo tiempo. Este primer objetivo ha sido desarrollado a través de los “Objetivos de Desarrollo Sostenible”. Sin embargo, esto no resulta suficiente. Es fundamental el desarrollo económico de un país para crear la posibilidad de la mantención de beneficios indirectos y directos. Sin embargo, esto requiere un amplio proceso de concreción de mejoras en materia de educación, salud y vivienda, es decir, contar con medios necesarios para el crecimiento económico esperado. Exportaciones resultan fundamentales para el ingreso de divisas al país y ciertamente auxiliar a las inversiones necesarias que deberá desarrollar el Estado a fin de obtener el desarrollo económico esperado. Crecimiento económico no es desarrollo económico, el segundo considera necesariamente una varia- ble ya indicada más arriba. La protección del medio ambiente como variable implica necesariamente disminuir el crecimiento optando el desarrollo económico. La pregunta que debemos hacernos es cómo debería actuar (sin perjuicio de describir la actual situación) del derecho en este proceso complejo a fin de que racionalmente considerando los problemas que enfrentamos hoy día (crecimiento de la población, necesidades económicas y sociales insatisfechas, mantención de la democracia como sistema político , protección del medio ambiente) se pueda contribuir a objetivos relativos al desarrollo económico necesario para quienes no han podido obtener beneficios del crecimiento de un país. Esto puede ser más complejo cuando no hay crecimiento, pero potencialidad para el mismo. Y podemos elucubrar una complejidad mayor al encontrarnos con un país que no avizora ni crecimiento. Estas son las preguntas complejas a las cuales se ha dedicado este texto. Preguntas acuciantes que miran los fundamentos del derecho ambiental o los problemas del cambio climático en el Amazonas y la violación de los derechos humanos. Estas cuestiones por si mismas plantean dificultades importantes a analizar por le Derecho y la forma en qué el Derecho puede responder desde las normas jurídicas positivas que auxilian a alcanzar el desarrollo sustentable. Alcanzar el desarrollo supone un derecho dicho desarrollo (luego es posible definir cuál desarrollo dependiendo de la sociedad o sociedades en un mismo Estado). Lo mismo podemos plantearnos en relación con aquellas áreas y la parte de la biodiversidad que requiere ser conservada a fin de obtener que se pueda mantener la misma, como lo proveen los humedales hoy día. La manera o forma en que los plásticos afectan a las personas y a la biodiversidad es fundamental de ser abordada por el derecho en cualquiera de las formas en que se ha planteado anteriormente, prevención y/o sanción. Es más, la protección de los trabajadores resulta fundamental para alcanzar cualquier desarrollo sustentable, sin caer en proteccionismos mal comprendido, sino que quien trabaje se sienta seguro que tendrá lo suficiente al no poder trabajar o al dejar de trabajar, que donde trabaje sea un ambiente protector a fin de cumplir metas u órdenes y que quienes dirigen la empresa entienden de la necesidad de dicha protección o que el sistema jurídico provee los medios jurídicos para la misma. Asimismo, lograr que los mercados globales afecten de la menor manera a los trabajadores y que la flexibilización laboral no implique precarización del trabajo requiere necesariamente la reflexión correspondiente. Asimismo, lograr que sindicatos se mantengan en el tiempo y protejan a sus asociados resulta fundamental, que colaboren con el desarrollo de la empresa tomando conciencia de que las empresas generan riqueza pero la transferencia de los beneficios económicos de la misma se reflejan en los beneficios a los trabajadores, sin perjuicio de la mejora de los ingresos de sus trabajadores. La ayuda internacional a quienes ocurren a un tribunal internacional de derechos humanos es fundamental para lograr que se reconozcan por los Estados los derechos que fueron ratificados en la Convención Americana de Derechos humanos, mirando a las víctimas y cómo el derecho y el desarrollo (sostenible) pueden potenciarse en una unidad territorial y política de un país, son temas fundamentales desarrollarse y enfrentarse por la reflexión académica. Esta apretada síntesis de temas es unida por un foco central, la reflexión sobre el desarrollo sostenible que es un problema acuciante no sólo global sino regional y local y la visión de la reflexión desde la Ciencia jurídica es fundamental. La misma es una de las formas en que el Ser humano resuelve disputas y hoy se ha convertido en uno de los medios en que las políticas públicas de un país logran alcanzar fines básicos para sus nacionales. El lector tiene la oportunidad no sólo de leer la reflexión sino de reflexionar acerca de problemas que se han planteado en el Siglo XX, pero se proyectarán en el presente y en el próximo siglo Esperamos que el viaje que inicia con la lectura y el disfrute de este libro sea el inicio de nuevas investigaciones, investigaciones que entreguen un sentido más completo al desarrollo sostenible como medio para auxiliara a ordenar a nuestra sociedad. Sergio Peña-Neira Universidad Mayor, Chile NOTA DOS ORGANIZADORES Há poucos dias, por ocasião do 21º Congresso da Academia Brasileira de Direito Internacional, pontificou o querido professor Jorge Fontoura (Instituto Rio Branco, Itamaraty e Universidade de São Paulo, USP), em sua conferência de encerramento do conclave, se o Direito Internacional, como Direito ou literatura, estaria entre crise ou colapso. A reflexão por si desenvolvida a partir da metáfora sobre resistência e fadiga referidas aos materiais e às obras de engenharia como arte, serviu ao propósito de mote para discussão sobre incoerências percebidas no arranjo das posições políticas internacionais, suas escolhas estratégicas, a modulação hermenêutica sobre instrumentos normativos e, em especial sobre princípios jus cogens, como da autodeterminação e da não intervenção pelo uso da força, redimensionando a igualdade, como sentida mais igual entre mais iguais. De semelhante maneira exsurge este volume dois como movimento de continuidade crítico-analítica a fatos que atravessam os discursos e as práticas da sustentabilidade, do trabalho como valor social e do desenvolvimento como instrumento de conjugação de interesses. Aqui pesquisadoras e pesquisadores, articulando suas atividades em rede de grupos de pesquisa, a partir de uma diretriz metodológica sobre crise, riscos, nominalismos, inconsistências e urgências, trazem ao debate franco e aberto temas urgentes do Direito Internacional, e de perspectivas que apontam desencontros entres formalismos normativos, fatores reais de poder e as evidências descortinadas pelo princípio da realidade. De uma perspectiva sensível e necessária da Geopolítica, torna-se premente o pensar, no contexto das aspirações de vida digna e sustentável, pelo Direito Internacional, as consertações políticas e os interesses econômicos que marcam, demarcam e segregam o norte e o sul globais. Agradecemos a todas e todos artífices desta obra, cuja soma das frações de esforços, dedicação e capacidades intelectuais e afetivas, produz uma força sinérgica exponencial capaz de possibilitar o novo. Boa leitura! São Paulo, Universidade Mackenzie (ABDI2023), 2023. Carla Noura Teixeira Finama Advocacia Cássius Guimarães Chai UFMA e FDV Felipe Chiarello Universidade Mackenzie SUMÁRIO PRESENTACIÓN ................................................................................. 6 NOTA DOS ORGANIZADORES........................................................ 10 BASES EPISTEMOLÓGICAS DO DIREITO AMBIENTAL E SUAS DIFICULDADES METODOLÓGICAS ................................ 15 Jefferson Rosa Cordeiro ................................................................................ 15 Marcelo de Oliveira Busato ......................................................................... 15 José Edmilson de Souza-Lima ...................................................................... 15 “A INSEPARABILIDADE DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS, COLONIALIDADE E DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA” .... 42 Mayane Bento ............................................................................................ 42 William Monteiro Rocha............................................................................. 42 O REGIME JURÍDICO DE RAMSAR E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NO PARADIGMA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ................................................................................... 78 Lívia Gaigher Bósio Campello ..................................................................... 78 Rafaela de Deus Lima ................................................................................. 78 Rodrigo de Oliveira Ferreira ........................................................................ 78 A PANDEMIA DA COVID-19 E O ALERTA SOBRE A GERAÇÃO DE RESÍDUOS PLÁSTICOS: A NECESSÁRIA IMPLEMENTAÇÃO DO ODS 14 PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS .... 109 Adriana Isabelle Barbosa Lima Sá Leitão ................................................... 109 DO CONSÓRCIO AMAZÔNIA LEGAL: DA ATUAÇÃO DOS ESTADOS DO PARÁ E AMAPÁ ...................... 136 Thainá Lobato de Souza............................................................................ 136 Eliana Maria de Souza Franco Teixeira ..................................................... 136 PROTEÇÃO INTERNACIONAL AO TRABALHADOR NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS ......... 175 Georgenor de Sousa Franco Filho ............................................................... 175 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: RELEVÂNCIA SOCIOJURÍDICA DE SEU RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL..................................... 188 Ney Maranhão ......................................................................................... 188 O ENFRAQUECIMENTO DO ESTADO SOCIAL FRENTE ÀS NOVAS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS DO MERCADO GLOBALIZADO: A FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS ............................................................ 210 Robert Thomé Neto ................................................................................... 210 Luiz Eduardo Gunther ............................................................................. 210 Augustus Bonner Cochran III .................................................................... 210 A NÃO RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 87 DA OIT E OS EFEITOS DA AUSÊNCIA DA LIBERDADE SINDICAL PLENA NA REPRESENTATIVIDADE DOS SINDICATOS BRASILEIROS .... 231 Fernanda Regis da Luz Fernandes .............................................................. 231 CONTANDO AS MOEDAS: O FUNDO REGULAR E O FINANCIAMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS.............................................................. 249 Rafaela Teixeira Sena Daibes Resque .......................................................... 249 Dafne Fernandez de Bastos ........................................................................ 249 O ACESSO À JUSTIÇA PELA VIA DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS: POTENCIALIDADES DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO NO CONTEXTO DA DESJUDICIALIZAÇÃO.................................................................... 269 Paula Castello Miguel ............................................................................... 269 Ricardo Goretti ......................................................................................... 269 DIREITO E DESENVOLVIMENTO: ESTUDO DE CASO SOBRE ESTRATÉGIA FISCAL E O COMBATE À VULNERABILIDADE ECONÔMICA: DISCUTINDO O FUNDO DE COMBATE À POBREZA DO ESTADO DO MARANHÃO ................................... 298 Cássius Guimarães Chai............................................................................ 298 Gilmara de Jesus Azevedo Martins ............................................................. 298 Yani Yasmin Crispim de Moraes................................................................. 298 Mônica Fontenelle Carneiro ..................................................................... 298 A (IM)POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NON-REFOULEMENT INDIRETO NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS: ANÁLISE DO CASO FAMÍLIA PACHECO TÍNEO VS. BOLÍVIA. ................ 331 Vinícius Abdala ........................................................................................ 331 Cássius Guimarães Chai............................................................................ 331 Alexandre de Castro Coura ........................................................................ 331 O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO: UMA ANÁLISE A PARTIR DO CASO “JOSÉ PEREIRA” E DO CASO “FAZENDA BRASIL VERDE X BRASIL” ........................................................................... 358 Laís Castro ............................................................................................... 358 Carla Noura Teixeira ................................................................................ 358 MIGRAÇÕES FORÇADAS E A AGENDA 30 ................................... 376 Juliana Aizawa ........................................................................................ 376 Gilberto Ferreira Marchetti Filho .............................................................. 376 OS OBJETIVOS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DA VISÃO INTERNACIONAL À SUA APLICAÇÃO INTERNA ... 403 Mayara Ferrari Longuini ......................................................................... 403 Josilene Hernandes Ortolan Di Pietro ........................................................ 403 OS IMPACTOS DO TRABALHO ESCRAVO NA SAÚDE HUMANA E O PAPEL DO EMPREGADOR NA REPARAÇÃO DOS DANOS À SAÚDE CAUSADOS AO TRABALHADOR RESGATADO. ............. 439 Cláudia Michelly Sales de Paiva Tonacio .................................................... 439 Elda Coelho de Azevedo Bussinguer............................................................ 439 DIREITO, DESENVOLVIMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO ......................................................... 470 Danilo de Oliveira .................................................................................... 470 Ricardo Maurício Freire Soares .................................................................. 470 ÉTICA EMPRESARIAL E PRINCÍPIOS REGEDORES DAS RELAÇÕES DE CONSUMO .................................................... 484 Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr ................................................................ 484 Fernando Gustavo Knoerr ......................................................................... 484 ABUSO DEL DERECHO EN EL DERECHO INTERNACIONAL PÚBLICO, A PROPÓSITO DE RIGGS VERSUS PALMER Y DEL CASO DEL MURO............. 502 Sergio Peña Neira ..................................................................................... 502 COLABORADORES DA OBRA ...................................................... 515 ÍNDICE REMISSIVO ....................................................................... 532 ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 BASES EPISTEMOLÓGICAS DO DIREITO AMBIENTAL E SUAS DIFICULDADES METODOLÓGICAS Jefferson Rosa Cordeiro Marcelo de Oliveira Busato José Edmilson de Souza-Lima REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho BASES EPISTEMOLÓGICAS DO DIREITO AMBIENTAL E SUAS DIFICULDADES METODOLÓGICAS Jefferson Rosa Cordeiro1 Marcelo de Oliveira Busato2 José Edmilson de Souza-Lima3 Resumo: A passagem do século XIX para o século XX trouxe inúmeras transformações no campo científico, e estas, por suas vezes, foram responsáveis por abalar muitas das certezas do mundo contemporâneo. A partir dessas transformações surgiram novos questionamentos que instigaram a necessidade de reavaliação dos critérios de verdade e de validade das teorias científicas. O conjunto de transformações ocorridas naquele período estimulou o desenvolvimento da epistemologia, que se dedica à investigação e reflexão filosófica da ciência. Neste contexto, o presente trabalho tem por objetivo o estudo das bases epistemológicas do Direito ambiental e suas dificuldades metodológicas. A problemática ambiental teve sua origem, precipuamente, na crise civilizatória, marcada pela revolução industrial e globalização. A hegemonia totalizadora dessa globalização culminou na crise ambiental, caracterizada essencialmente pela situação 1 2 3 Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná (2000). Graduado em Ciências Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1996). Pós-graduado em Direito Público (2001) e em Direito Processual Civil (2003) pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos. Atualmente é Procurador Municipal da Procuradoria Geral do Município de Campina Grande do Sul e Membro da Comissão de Direito Público da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná. E-mail: jeffersonrosacordeiro@hotmail.com. Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1999) e Pós-graduação lato sensu em Gestão em Direito Empresarial pela FAE Business, Curitiba (2003). Doutor e Pós-Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Federal Universidade do Paraná, Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Paraná. Entre 2014 e 2015 Coordenou o Centro de Pesquisas do Município Instituto de Administração Pública de Curitiba. Atualmente é pesquisador e professor do Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba (UNICURITIBA) e o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (PPGMADE) na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele publicou dezenas de artigos em periódicos internacionais e nacionais e livros em diversas editoras casas. Sua pesquisa concentra-se em Ciências Ambientais de sociologia contribuições e seus interesses estão associados aos seguintes temas: sustentabilidade, políticas públicas, descolonialidade e meio ambiente. 15 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 de precariedade acarretada nos mais diversos ecossistemas naturais, responsáveis por assegurar a vida no planeta. Nesse viés, a construção da sustentabilidade ganha espaço e o Direito ambiental assume papel extremamente relevante dentre as ciências humanas e sociais. Para tanto, a metodologia aplicada nesta pesquisa foi bibliográfica e teórica, que se construiu por meio da busca sistemática de estudos relevantes sobre o tema, com a sistematização dos mesmos para formação da conclusão. Como resultado, compreendeu-se que o Direito ambiental é um ramo contemporâneo do Direito que engatinha para a construção de referencial teórico emergido pela contextualização da crise ambiental e se apresenta como peça chave de um sistema transformador da relação e da utilização dos recursos naturais. Por conseguinte, a conclusão que se chega é um comparativo entre as ciências da natureza e as ciências humanas: nas ciências da natureza, por haver regularidades constantes, é possível estabelecer diretrizes para supor fenômenos; diversamente, nas ciências humanas não se pode prever regularidade diante da subjetividade que compõe os seres humanos e das múltiplas influências que o rodeiam. O resultado da pesquisa bibliográfica evidencia, ainda, que as particularidades das ciências humanas constituem as maiores dificuldades para se impor como conhecimento científico, quando comparadas com as ciências da natureza. Palavras-Chaves: Epistemologia; Direito ambiental; Dificuldades Metodológicas. Abstract: The passage from the nineteenth to the twentieth century brought numerous transformations in the scientific field, and these, in turn, were responsible for shaking many of the certainties of the contemporary world. This raised new questions and prompted the need to reevaluate the truth and validity criteria of scientific theories. The set of transformations that occurred during this period stimulated the development of epistemology, which is dedicated to the investigation and philosophical reflection of science. In this sense, this paper aims to study the epistemological basis of environmental law and its methodological difficulties. The environmental problem had its origin, precipitously, in the civilizatory crisis, marked by the industrial revolution and globalization. The totalizing hegemony of this globalization culminated in the environmental crisis, characterized essentially by the precarious situation caused in the most diverse natural ecosystems, responsible for ensuring life on the planet. In this bias, the construction of sustainability gains space and environmental law plays an extremely relevant role in the human and social sciences. Therefore, the methodology applied in this research was the bibliographical, theoretical, which was built through the systematic search for relevant studies on the subject, with the systematization of them to form 16 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho the conclusion. As a result, it was understood that environmental law is a contemporary branch of law that is in its infancy in the construction of a theoretical framework emerged by the contextualization of the environmental crisis and is presented as a key part of a system that transforms the relationship and use of natural resources. Thus, the conclusion that is reached is that while in the natural sciences, because there are constant regularities, it is possible to establish guidelines to suppose phenomena, in the human sciences one cannot predict regularity in face of the subjectivity that composes human beings and the multiple influences that the human being has surround. The results of the bibliographic researches also show that the particularities of the human sciences constitute the biggest difficulties to impose themselves as scientific knowledge, when compared with the natural sciences. Keywords: epistemology; environmental law; methodological difficulties. 1 INTRODUÇÃO A atual condição sociocultural e estética da sociedade é caracterizada pela Pós-Modernidade; e sua história foi marcada por uma longa e árdua trajetória, incluindo as diversas formas de pensar e agir. Nessa trajetória, a vida, as coisas e as teorias foram sendo ressignificadas. Desde o início da civilização, o pensamento humano contribuiu para a evolução da humanidade, entretanto, foi na modernidade que atingiu seu auge. Nas últimas décadas, é possível observar considerável preocupação com as questões ambientais. A discussão do tema tem aumentado de forma considerável, tanto nos meios de comunicação como no desenvolvimento de referencial teórico especializado. A exploração dos recursos naturais pelo homem é tão antiga quanto sua própria existência e história, utilizando-se deles como meio para sua subsistência. É certo que a sociedade capitalista não é a primeira ou a única a provocar intensas alterações na natureza, mas o marco do desequilíbrio é, inexoravelmente, a aceleração da extração desordenada dos recursos naturais para o aumento da produção. Neste marco, está presente o aumento em escala dos instrumentos predatórios de exploração da natureza, a lógica de consumo, a descartabilidade e a fácil substituição dos produtos. 17 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 A evolução legislativo-ambiental brasileira foi um marco muito importante para a sociedade e para o Direito, e mostra que no Brasil Colônia já havia certa preocupação com o meio ambiente. A passagem do século XIX para o século XX trouxe inúmeras transformações no campo científico, e estas, por sua veze, foram responsáveis por abalar muitas das certezas do mundo contemporâneo. A partir das transformações surgiram novos questionamentos que instigaram a necessidade de reavaliação dos critérios de verdade e de validade das teorias científicas. O conjunto de transformações ocorridas naquele período estimulou o desenvolvimento da epistemologia, que se dedica à investigação e reflexão filosófica da ciência. Diante dessa evolução, o presente artigo tem por objetivo o estudo das bases epistemológicas do Direito ambiental e suas dificuldades metodológicas. A problemática ambiental teve sua origem, precipuamente, na crise civilizatória, marcada pela revolução industrial e globalização. A hegemonia totalizadora dessa globalização culminou na crise ambiental, caracterizada essencialmente pela situação de precariedade acarretada nos mais diversos ecossistemas naturais, responsáveis por assegurar a vida no planeta. Nesse viés, a construção da sustentabilidade ganha espaço e o Direito ambiental assume papel extremamente relevante dentre as ciências humanas e sociais. Para tanto, o estudo percorreu a lógica entre meio ambiente, sociedade e Direito, para adiante adentrar nas bases epistemológicas do Direito ambiental e, por fim, promover a reflexão sobre as dificuldades metodológicas das ciências humanas. 2 MEIO AMBIENTE, SOCIEDADE E DIREITO A exploração dos recursos naturais pelo homem é tão antiga quanto sua própria existência e história, utilizando-se deles como meio para sua subsistência. A expressão “meio ambiente”, apesar de soar muito bem, não é considerada a mais adequada para grande parte dos autores da área, por carregar consigo certa redundância e pleonasmo. Paulo Affonso 18 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Leme Machado, ao questionar mencionada expressão, assim entende: “o que acontece é que ‘ambiente’ e ‘meio’ são sinônimos, porque ‘meio’ é precisamente aquilo que envolve, ou seja, o ‘ambiente’”4. Conclui-se, portanto, que há um excesso de palavras que traduzem exatamente a mesma ideia. Acrescenta o autor que “o termo ‘ambiente’ tem origem latina – ambiens, entis: que rodeia. Entre seus significados encontra-se ‘meio em que vivemos’”5. Diversamente, outra parte da doutrina, citando-se como exemplo de Carla Canepa6, ela defende que a repetição foi introduzida de forma proposital, com a finalidade de reforçar e dar notória expressividade ao termo. Nicola Abbagnano entende que a expressão ambiente refere-se a um “complexo de relações entre o mundo natural e o ser vivo, que influi na vida e no comportamento do mesmo ser vivo”. Logo, o uso dessa expressão deve levar em consideração as características de cada reino, assim como os componentes e as relações que constituem o espaço no qual um organismo vive, pois a dependência dos seres em relação às características do ambiente varia de uma espécie para outra7. A Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, por sua vez, em seu artigo 3º., inciso I, traz uma definição jurídica de meio ambiente nos seguintes termos: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”8. É possível observar que o conceito legal é restrito à definição de meio ambiente natural e não contempla todos os bens meios ambientes juridicamente protegidos. Nesta acepção, o meio ambiente, apesar de não poder ser reduzido a um único conceito, é definido por Enrique Leff “[...] como o es4 5 6 7 8 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 51. Ibid., p. 51. CANEPA, Carla. Cidades sustentáveis: o Município como lócus da sustentabilidade. 1. ed. São Paulo: 2007. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 36. BRASIL. Lei nº. 6938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938. htm>. Acesso em: 11 jan. 2020. 19 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 paço de articulação entre sociedade e natureza, situação a que teria nos levado a disjunção entre o objeto e o sujeito do conhecimento [...]”9. A definição trazida por ele, já representa um pouco da internalização do meio ambiente ao sistema econômico, que antes era visto apenas como um custo adicional embutido na produção. Posteriormente, em obra mais recente, o autor aprimora o conceito dado ao ambiente: O ambiente não é apenas o mundo “de fora”, o entorno do ser e do ente, ou que fica fora de um sistema. O ambiente é um saber sobre a natureza externalizada, sobre as identidades desterritorializadas; sobre o real negado saber se subjugados pela razão totalitária, o logos unificador, a lei universal, a globalidade homogeneizante e a ecologia generalizada. O ambiente é objetividade e subjetividade,exterioridade e interioridade, falta em ser e falta de saber, que não preenche nenhum conhecimento objetivo, um método sistêmico e uma doutrina totalitária. O ambiente não apenas é um objeto complexo, mas é integrado pelas identidades múltiplas que configuram uma nova racionalidade que acolhe a diferentes racionalidades e imaginários culturais e que inaugura diferentes mundos de vida10. No conceito proposto por Enrique Leff verifica-se que ele busca determinar o ambiente a partir do negacionismo, ou seja, a partir da negativa de algumas características que talvez se justifiquem justamente pela ausência da precisão conceitual científica da disciplina e também pelas características de radicalidade do autor. José Henrique Pierangelli analisa o conceito de meio ambiente pela ótica da história da humanidade e da agressão à natureza: o homem primitivo não agredia a natureza de maneira indiscriminada. Apenas procurava extrair do meio aquilo que era necessário ao seu sustento. Suas necessidades básicas eram poucas. 9 10 LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2002, p. 101. Ibid. 20 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Não se falava, até então, em agressão à natureza. (...) Já na idade média e na moderna, especialmente no período da revolução industrial começaram efetivamente as agressões à natureza, cuja extensão, ainda hoje, em uma gradação quanto aos seus efeitos nocivos, é bastante variável, podendo atingir tão só o meio local, o regional ou até comprometer o equilíbrio biológico do próprio planeta11. A proteção jurídica do meio ambiente teve início no período do descobrimento do Brasil, no ano de 1500, e estendeu-se até o ano de 1808, com a vinda da Família Real portuguesa. Nesse período, já haviam sido editadas algumas normas específicas sobre a proteção ambiental com ênfase nos recursos naturais, a exemplo do pau-brasil e do ouro. Luís Paulo Sirvinkas relata que nessa época tiveram destaque as seguintes normas jurídicas: a) O Regimento do Pau-Brasil de 1605, que protegia o pau-brasil como propriedade real, impondo penas severas a quem cortasse árvores dessa natureza sem licença; b) o Alvará de 1675, que proibia as sesmarias nas terras litorâneas, onde havia madeiras; e c) a Carta Régia de 1797, que estabelecia regras para a derrubada de árvores.12 Essa primeira fase colonial deu pouquíssima atenção à proteção ambiental e não visou resguardar os recursos naturais propriamente ditos, mas sim assegurar a sobrevivência de alguns deles, considerados importantes, em primeiro plano, para a preservação da saúde e vida humanas. O segundo marco histórico dessa proteção jurídica deu-se entre a chegada da Família Real no ano de 1808 até a edição da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981. O segundo período foi bastante crítico de exploração exacerbada e desregrada dos recur11 12 PIERANGELLI, José Henrique. Agressões à natureza e proteção dos interesses difusos. São Paulo: Justitia, p. 144. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11. ed. São Paulo: 2013, p. 78. 21 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 sos ambientais, no qual as problemáticas eram solucionadas apenas por meio do Código Civil brasileiro. Luís Paulo Sirvinkas comenta que nesta segunda fase pós-colonial foram editadas normas jurídicas com considerável avanço técnico, dentre elas: a) Lei nº. 601/1850, conhecida por Lei de Terras do Brasil, que disciplinava a ocupação do solo e estabelecia sanções para atividades predatórias; b) Decreto nº. 8.843/1911, que criou a primeira reserva florestal o Brasil, no Acre; c) Lei nº. 3.071/1916 (Código Civil), que estabelecia vários dispositivos de natureza ecológica, mas de cunho individualista; d) Decreto nº. 16.300/1923, que dispunha sobre o Regulamento da Saúde Pública; e) Decreto nº. 24.114/1934, que dispunha sobre o regulamento de Defesa Sanitária Vegetal; f) Decreto nº. 23.793/1934 (Código Florestal), que dispunha limites ao exercício do direito de propriedade; g) Decreto nº. 24.643/1934 (Código de Águas), que também dispunha sobre a captação e o uso de água, ainda em vigor; (...); l) Lei nº. 4.505/1964, que dispunha sobre o Estatuto da Terra; m) Lei nº. 4.771/1965 (código Florestal); (...); u) Decreto-lei nº. 1.413/1975, que dispunha sobre o controle de poluição; (...); w) Lei nº. 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.13 Por derradeiro, o terceiro período de marco significativo para a proteção jurídica do meio ambiente iniciou justamente com a promulgação da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que ensejou uma fase reconhecida por holística, caracterizada por voltar-se à proteção integral do meio ambiente. No período em comento, um dos mais importantes marcos no fortalecimento da questão ambiental, ainda anterior à Constituição de 1988, foi a promulgação da Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplinou a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente. 13 SIRVINSKAS, 2013. 22 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Essa fase holística, no entendimento de Antônio Herman V. Benjamin, rompe com a visão fragmentária, em que a proteção era realizada de forma isolada e apenas para alguns dos recursos naturais diante da predominância da exploração econômica realizada, e passa a construir a noção de sistema e análise global, com o desenvolvimento de um entendimento geral sobre os fenômenos ambientais.14 A partir dessa concepção, desenvolveu-se a ideia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, no entanto, s somente a partir da década de 70 os sistemas constitucionais começaram a ter esse reconhecimento como valor a merecer tutela especial. Ao considerar-se uma visão global, na medida em que os Estados substituíam o seu regime ditatorial por um regime democrático de Direito, as novas Constituições começaram a contemplar esse Direito fundamental, a exemplo de Portugal, Grécia e Espanha. Em período posterior, o Brasil estabeleceu na Constituição de 1988, em seu artigo 225, disposições sobre o meio ambiente: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações15. A norma constitucional em comento impôs ao Poder Público e à coletividade o dever e a obrigação de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações. A Constituição de 1988 foi a primeira a recepcionar de forma direta a proteção ao meio ambiente no Brasil e, neste sentido, o meio ambiente passou a ser tratado como um bem juridicamente tutelado. Antes desse evento constitucional o tema era abordado somente de forma indireta e por normas hierarquicamente inferiores à Constituição. Um dos principais e maiores obstáculos encarados pela sociedade foi, e talvez ainda seja, a crescente dificuldade em adequar 14 15 BENJAMIN, Antônio Herman V. Introdução ao direito ambiental brasileiro. Manual Prático da Promotoria do Meio Ambiente e legislação ambiental. 2. ed. São Paulo: IMESP, 1999, p. 22. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil DE 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 jan.2020. 23 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 as necessidades da dinâmica populacional ao inevitável crescimento urbano. Conforme destaca Carla Canepa, “tanto nos países industrializados quanto nos países em desenvolvimento, a capacidade das cidades está sendo solicitada até o seu limite”.16 A evolução legislativo-ambiental brasileira foi um marco muito importante para a sociedade e para o Direito e mostra que no Brasil Colônia já havia certa preocupação com o meio ambiente. A partir do reconhecimento de que os recursos naturais não são ilimitados como se imaginava no passado e da constatação de sua possível escassez, que se mostrava não apenas em quantidade, mas também em qualidade, a legislação e as normas ambientais foram desenvolvidas com o propósito de disciplinar e regrar a sua utilização. Carla Canepa acentua que o Direito ambiental foi ganhando espaço, na tentativa de articular os instrumentos disponíveis no ordenamento jurídico com as políticas públicas direcionadas a uma distribuição de competências mais efetivas em nível local e regional, para sugerir atitudes necessárias para alcançar-se a tão almejada cidade sustentável.17 Enrique Leff, ao abordar o conceito de meio ambiente com um enfoque filosófico, entende que “o ambiente não é a ecologia, mas a complexidade do mundo; é um saber sobre as formas de apropriação do mundo e da natureza através das relações de poder que se inscreveram nas formas dominantes do conhecimento”.18 A partir da evolução da concepção de meio ambiente, a propriedade passou a exercer função social e não mais apenas individual, sendo introduzida como norma jurídica em diversos momentos na Constituição de 1988, a exemplo do art. 5º., inciso XXIII; art. 170, inciso III; art. 173, §1º. e inciso I; art. 182, caput e §2º; art. 184, caput; art. 185, parágrafo único; e art. 186, inciso II19. De acordo com Nelson Saule Júnior apud Carla Canepa, a função social da propriedade ou, como ela denomina, a função sócio ambiental, representa: 16 17 18 19 CANEPA, 2007, p. 44. Ibid. LEFF, Enrique. Saber ambiental, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 17. BRASIL, 1988. 24 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho [...] interesses difusos, pois o seu objeto é indivisível, já que não há como aplicar essa função a pessoas e grupos pré-estabelecidos; não há como identificar os sujeitos afetados pelas atividades e funções nas cidades, os proprietários, moradores, trabalhadores, comerciantes, migrantes. O que há é de se atender às necessidades da população e criar condições para que ela tenha um meio ambiente sadio e condições dignas de vida.20 Conclui-se que o reconhecimento de que a propriedade tem, dentre seus atributos, função social, é não isolá-la da sociedade, ou seja, é reconhecer que seu conteúdo não se forma em um único elemento. Cristiane Derani assevera que “a realização do princípio da função social da propriedade reformula uma prática distorcida de ação social traduzida na privatização dos lucros e na socialização das perdas”.21 Essa afirmação da autora significa que a introdução dessa expressão relativizou, inclusive, o significado do princípio da ordem econômica para conferir a estabilidade necessária à propriedade privada e garantir sua manutenção. 3 BASE EPISTEMOLÓGICA DO DIREITO AMBIENTAL Na perspectiva histórica do conhecimento, a epistemologia ganha forma dentro dos problemas de cada época e, por isso, se constitui a reflexão filosófica sobre o conhecimento científico, nesta acepção, a reflexão sobre a teoria do conhecimento sobre o Direito ambiental. Nicola Abbaignano faz uma digressão sobre a teoria do conhecimento e sua evolução: a teoria do conhecimento perdeu seu significado na filosofia contemporânea e foi substituída por outra disciplina, a metodologia, que é a análise 20 21 CANEPA, 2007, p. 123. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental e Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 200. 25 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 das condições e dos limites de validade dos procedimentos de investigação e dos instrumentos linguísticos do saber científico22. O conhecimento científico difere substancialmente do conhecimento comum ou do também denominado conhecimento vulgar, que constitui o primeiro grau do conhecimento. Miguel Reale define com maestria o significado de conhecimento vulgar: no mundo jurídico, há exemplo bem expressivo de conhecimento vulgar, que é o do rábula, daquele que vai adquirindo compreensão do direito à medida que os casos reclamam sua atenção. É um conhecimento fortuito de fato, sem procura deliberada dos nexos essenciais que ligam a experiência bilateral atributiva; é conhecimento que se processa sem estabelecer nexos de semelhança ou de constância entre os fatos, para abrangê-los em uma explicação unitária, em suas relações necessárias.23 Voltando-se ao passado, no início da era moderna, após a revolução científica iniciada por Galileu Galilei consolidou-se a ideia de que o planeta Terra é redondo, solto na imensidão do universo e com recursos infinitos. Naquela época e nos séculos seguintes, conforme afirma César Benjamin, “os homens estavam longe de conhecer e dominar o próprio planeta, para eles ainda sem limites visíveis”.24 Talvez por este motivo não associaram a tal ideia uma concepção que agora impõe-se como complemento, a de fragilidade da vida, nas suas mais variadas espécies, sobretudo a vida humana. Nos séculos XVIII e XIX, a base epistemológica predominante no conhecimento científico consubstanciava-se no conhecimento de que o homem podia dominar a natureza com o objetivo de levar a humanidade ao progresso e ao desenvolvimento.25 22 23 24 25 ABBAGNANO, 2000, p. 183. REALE, Miguel. Introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 42. BENJAMIN, César. Diálogos sobre ecologia, ciência e política. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1993, p. 7. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003, p. 200. 26 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A partir do século XXI, surge a necessidade de novas bases epistemológicas, com a finalidade de preservação e não mais destruição do meio ambiente, considerando os possíveis riscos de extinção da espécie humana. Conforme enfatiza César Benjamin, “[...] estamos deixando para trás a ideia de uma natureza inesgotável e externa a nós mesmos, para enfrentar uma realidade na qual os recursos se tornam escassos e a defesa de toda a vida se impõe”26. Neste contexto, a noção de epistemologia dentro dos novos paradigmas da relação entre homem e natureza funda-se na necessidade de maior valorização dos aspectos filosóficos e científicos na abordagem desse conhecimento, uma vez que a ausência dessa noção pode afetar diretamente a técnica de investigação que se faz imprescindível diante da complexidade da formação teórica ambiental. Edergar Morin27 pondera que a complexidade da formação teórica ambiental mencionada no parágrafo anterior retrata que o pensamento e a prática não são compartimentos distintos no mundo, ao revés, a vida é produto de um contexto, de um acúmulo de vivências e ideias. Para o autor, é preciso manter-se distante do mundo exterior e também dos próprios conhecimentos preexistentes para propiciar um sistema aberto com o universo e alcançar a composição dos sabres para então atingir um determinado conhecimento. Assim, torna-se necessário “[...] adicionar o conceito de que a complexidade se encontra no âmago da relação entre o simples e o complexo, dado seu caráter simultaneamente antagônico e complementar”28. Por conseguinte, o pensamento sistêmico pautado na complexidade de Edgar Morin29 está fundamentado no princípio dialógico, ou seja, na impossibilidade de chegar-se a uma única conclusão e de excluir-se as contradições, sabendo-se que a vida é produto de um contexto. Repisando-se a ideia, sendo a vida o produto de um contexto, a história humana acumula uma série de rupturas locais e regionais de equilíbrios estabelecidos pela natureza. Como bem enfatiza César Benjamin: 26 27 28 29 BENJAMIN, 1993, p. 8. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2007, p. 5. BENJAMIN, op. cit., p. 8. MORIN, op. cit, p. 5. 27 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 [...] às vezes, houve readaptação; às vezes civilizações se fragilizaram e até desapareceram. O que há de novo no mundo moderno é que o espaço dessa ruptura se alargou, passando a abarcar toda a Terra. A crise deixou de ser localizada e parcial, como as do passado30. Se as diferentes concepções de mundo revelam-se a partir dos conceitos e não se limitam na esfera teórica, mas também se estendem à prática, torna-se necessário compreender como se constroem tais conceitos. Neste viés: A concepção do mundo não emerge de categorias a priori do pensamento; se os conceitos (espaço, tempo) indicam as condições de possibilidade do ser, da coisa, do mundo, temos que entender as condições dos seres das coisas que têm nos levado a instaurar as concepções do mundo que construíram o mundo. Dessa forma, o ambiente não poderia ser concebido como uma intuição, mas sim como um conceito que abre a possibilidade do ser como construção social. Se as formas de conhecimento através das quais chegamos a apreender o real estão sujeitas a certas formas “humanas” de entendimento (a espacialidade e a temporalidade dos fenômenos das coisas), devemos ver como se constroem as categorias conceituais e as ideologias teóricas que internalizam o interesse social nas formas de entendimento da realidade31. O Direito ambiental é um ramo contemporâneo do Direito que engatinha para a construção de um referencial teórico emergido pela contextualização da crise ambiental e apresenta-se como peça chave de um sistema transformador da relação e da utilização dos recursos naturais. Em meados do século XVIII, com a revolução industrial, a transição da manufatura para a indústria mecânica e o aumento da produção a partir da ascensão das novas tecnologias manifestou-se a crise ambiental. 30 31 BENJAMIN, op. cit., p. 10. LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2002, p. 196. 28 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho É certo que a sociedade capitalista não é a primeira ou a única a provocar intensas alterações na natureza; o marco do desequilíbrio é, inexoravelmente, a aceleração da extração desordenada dos recursos naturais para o aumento da produção; neste contexto está presente no marco o aumento em escala dos instrumentos predatórios de exploração da natureza, a lógica de consumo, a descartabilidade e a fácil substituição dos produtos. Quando o crescimento econômico é confrontado pela problemática ambiental e a economia é colocada em cheque por ser a protagonista na degradação ambiental, ela responde que “o ambiente é uma externalidade do sistema econômico”.32 A partir dos cruzamentos teóricos de tais matérias, constata-se que até a pouco tempo atrás a economia tratava o meio ambiente apenas como um custo agregado de produção, como já mencionado no capítulo anterior. Luís Paulo Sirvinskas define, em uma visão contemporânea, o Direito ambiental é “a ciência jurídica que estuda, analisa e discute questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta.”33 Diante de uma atenta análise, o Direito ambiental tornou-se autônomo a partir da promulgação da Lei nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Esta Lei foi responsável por abordar aspectos que conferiram autonomia à disciplina e maior independência especialmente do Direito administrativo. A forma esbulhadora do capitalismo sobre a natureza, mensurada pelo discurso de neoliberalismo ambiental, produziu a figura do desenvolvimento sustentável para viabilizar o gerenciamento de conflitos em um campo aparentemente neutro e conferir legitimidade à manipulação dos recursos naturais no contexto da globalização. Enrique Leff pondera sobre os motivos que levaram à edificação do princípio da sustentabilidade que: O princípio da sustentabilidade surge como uma possibilidade de resposta. [...] à fratura 32 33 LEFF, 2002. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 11. ed. São Paulo: 2013, p. 104. 29 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 da razão modernizadora e como uma condição para construir uma nova racionalidade produtiva, fundada no potencial ecológico e em novos sentidos de civilização a partir da diversidade cultural do gênero humano.34 Acrescenta o autor, que a noção de qualidade de vida deve integrar os projetos culturais, de desenvolvimento e de vida de uma comunidade, pois as noções objetivas de satisfação das necessidades básicas com as ambições subjetivas de sentido da vida humana estariam intimamente atreladas. Neste viés, Maurício Lima Barreto sintetiza três aspectos capazes de demonstrar que a saúde é o elemento fundamental para a qualidade de vida das pessoas e, portanto, tudo o que diz respeito à relação entre a saúde e o ambiente constitui-se em questões relevantes. São elas: 1) A história da saúde pública foi marcada pela relação saúde e ambiente, constituindo-se em elemento fundamente de seus pressupostos, e se hoje esse vínculo está enfraquecido, há evidencias suficientes para estreitá-los novamente; 2) O forte laço entre saúde e ambiente contrapõe-se à visão estritamente biológica do processo saúde-doença, ao mesmo temo que se choca com o modelo de desenvolvimento econômico-industrial, o qual pressupõe um afastamento do homem em relação à natureza, transformando processos vitais da vida humana, como comer, beber e respirar, em possibilidade de exposição a risco e a patógenos físicos, químicos e biológicos; 3) Os movimentos sociais vêm de forma crescente exigindo medidas de caráter abrangente e global para proteger o ambiente, como estratégia de preservação ad própria humanidade, o que pode ser traduzido no campo das ciências como a necessidade de ações interdisciplinares e plurais.35 34 35 LEFF, Enrique. Saber ambiental, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis: Vozes: 2001, p. 31. BARRETO Maurício Lima. Ambiente e Saúde. Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento. Rev. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 3, nº. 2, Rio de Janeiro: ABRASCO. 1998. 30 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Paralelamente a essas contribuições epistemológicas, Enrique Leff apresenta uma espécie de racionalidade ambiental sob o argumento de que: A problemática ambiental não é percebida só a partir de diferentes posições teóricas, visões políticas e interesses sociais entre diferentes grupos sociais. Estas diferenças traduzem-se no sentido dos conceitos, nos discursos teóricos e práticos que atravessam a temática do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. […] Estas concepções transferiram-se tanto no discurso político e acadêmico como por ativistas dos movimentos sociais.36 Em outras palavras, o autor explica que, para o entendimento e compreensão da atual crise ambiental, é necessário construir uma nova racionalidade, ou seja, superar os velhos paradigmas, enfrentar as divergências naturais e, com a cautela necessária, alcançar seu próprio progresso. 4 AS DIFICULDADES METODOLÓGICAS DAS CIÊNCIAS HUMANAS Não são raras as incertezas científicas nas mais diversas áreas do conhecimento. O método científico eleito pode ser o melhor, mas ele não é perfeito uma vez que pode englobar diversas teorias para o mesmo objeto e por conta disso, não alcançar a precisão almejada. O meio ambiente está atrelado às ciências humanas e, pela bibliografia até aqui revisada, é possível identificar a sua interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Neste prisma, Enrique Leff, ao bordar o tema da crise ambiental, defende que “a crise ambiental não é crise ecológica, mas crise da razão. Os problemas ambientais são, fundamentalmente, problemas do conhecimento”.37 Paulo Affonso Leme Machado transcreve o conceito de meio ambiente construído por Michel Priur: 36 37 LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Rio de Janeiro: Vozes, 2001, p. 329. LEFF, 2001. 31 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 na medida em que o ambiente é a expressão de uma versão global das intenções e das relações dos seres vivos entre eles e com seu meio, não é surpreendente que o direito do ambiente seja um direito de caráter horizontal, que recubra os diferentes ramos clássicos do Direito (direito civil, direito administrativo, direito penal, direito internacional), e um direito de interações que se encontra disperso nas várias regulamentações. Mais do que um novo ramo do direito com seu próprio corpo de regras, o direito do ambiente tende a penetrar todos os sistemas jurídicos existentes para orientar num sentido ambientalista.38 Reafirmando a temática proposta, a necessidade de conceitos mais precisos para a definição de meio ambiente não significa defender um único pensamento; sói dizer que essa área do conhecimento demanda maior aprofundamento como aconteceu e ainda acontece, por exemplo, na física e na astronomia. Significa ainda, que o Direito ambiental, na qualidade de novo ramo do Direito, depende de um maior adensamento bibliográfico, aprimoramento metodológico e aperfeiçoamento das técnicas utilizadas na sua construção. Miguel Reale dá uma lição sobre o conhecimento científico e método: o conhecimento científico assinala outra atitude espiritual. Não se contenta com os casos particulares em si, porque procura se elevar acima deles, buscando aquilo que traduz uniformidade ou semelhança, um sentido ou razão comum em seu desenvolvimento ou acontecer. [...] É o método que faz a ciência. Conhecimento científico é aquele que obedece a um processo ordenatório da razão, garantindo-nos certa margem de segurança quanto aos resultados, a coerência unitária de seus juízos e a sua adequação ao real. [...] É aquele que se verifica os próprios resultados, pela ordenação crítica de seu processo.39 38 39 MACHADO, 2010, p. 97. REALE, 1994, p. 42. 32 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Está-se diante de um possível problema sobre as bases do conhecimento certo, que deve ser compreendido pela necessidade de superação de meras sínteses ou explicações incompletas. Como bem exemplifica César Benjamin, “[...] até o século XIX, o petróleo não era recurso. Antes do desenvolvimento de uma ciência muito complexa – a física nuclear, também não era recurso o urânio”40. Enrique Leff acrescenta a abordar sobre a crise ecológica: mudanças catastróficas na natureza ocorreram nas diversas fases de evolução geológica e ecológica do planeta. A crise ecológica atual pela primeira vez não é uma mudança natural; é uma transformação da natureza induzida pelas concepções metafísica, filosófica, ética, científica e tecnológica do mundo.41 Em vista do exposto, a abordagem sobre os conhecimentos ambientais não pode pairar sob uma mera reflexão abstrata entre saberes e práticas coletivas, que resultam em um processo ainda mais complexo. Apesar de a origem ser complexa, é necessário criar identidade e valores comuns diante da reapropriação da própria natureza, e talvez seja este o maior dos desafios da epistemologia no Direito ambiental e também das ciências humanas. O cientista precisa ser capaz de viver em um mundo desordenado.42 Como já reconheceu a jurisprudência, ao colacionar-se adiante o aresto do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região que trata da epistemologia: “[...] Sob o enfoque da Epistemologia não há certeza científica absoluta. A exigência de certeza absoluta é algo utópico no âmbito das ciências. A questão da verdade científica é um tema recorrente em Epistemologia porque a ciência busca encontrar o fato real. Todavia, há muito se percebeu que o absoluto é incompatível com o 40 41 42 BENJAMIN, a, 1993, p. 22. LEFF, Enrique. Pensar a Complexidade Ambiental. In: LEFF, Enrique (coord.) A complexidade ambiental. Blumenau: EDIFURB, 2003, p. 19. MORIN, 2007, p. 9. 33 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 espírito científico e que na área das ciências naturais as pretensões hão de ser mais modestas”43. Ultrapassando a concepção empírica e funcional, Enrique Leff pontifica que: “[...] o ambiente constitui um campo de externalidade e complementaridade das ciências. Em torno de cada objeto de conhecimento constrói-se um saber ambiental que problematiza e transforma seus paradigmas de conhecimento”.44 Verifica-se, pois, as dificuldades enfrentadas pelas ciências humanas no estabelecimento de métodos, dentre os quais é possível destacar a complexidade, a experimentação, a matematização e a subjetividade. A complexidade inerente aos fenômenos humanos não cede à simplificação de componente algum, sejam eles psíquicos, sociais ou econômicos: Em física por exemplo, ao estudar as condições de pressão, volume e temperatura, é possível simplificar o fenômeno tornando constante um desses fatores. O comportamento humano, entretanto, resulta de múltiplas influências como hereditariedade, meio, impulsos, desejos, memória, bem como da ação da consciência e da vontade, o que o torna extremamente complexo.45 A comparação acima entre a física e o comportamento humano talvez evidencie que a maior diferenciação entre ciência e Direito está nos métodos de prática e atuação. Ao rever este tema, a experimentação é uma das dificuldades mencionadas nas ciências humanas. Não seria algo impossível, mas os aspectos que influenciam os atos e práticas humanas são, incontestavelmente, de difícil identificação e controle, especialmente pelo fato da motivação dos atos humanos configurarem algo bastante variável diante da consciência e afetividade inerentes à espécie. 43 44 45 TRF da 1ª Região, 5a T., m.v., AC 1998.34.00.027682- 0, rel. Des. Fed. Selene Maria de Almeida, j. em 28/06/2004, DJ 01/09/2004, p. 14. LEFF, 2001, p. 160. ARANHA, 2003, p. 202. 34 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Outra classificação refere-se à matematização que, segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins, “se a clássica de Galileu se deu pela transformação das qualidades em quantidades, poder-se-ia concluir que a ciência será tão rigorosa quanto mais ela for matematizável”46. Sabe-se que esse ideal é um problema para as ciências humanas pelo fato desta tratar essencialmente de fenômenos qualitativos, caracterizados, como dito anteriormente, pela variabilidade decorrente da consciência e dos sentimentos. A quarta dificuldade acima identificada está na subjetividade, ou seja, naquilo que é intrínseco aos indivíduos enquanto ser, diferentemente das ciências da natureza que aspiram à objetividade, “que consiste na descentração do sujeito no processo de conhecer, na capacidade de lançar hipóteses testáveis por todos, mediante instrumentos de controle, e na descentração das emoções e da própria subjetividade do cientista”.47 Constatando-se que nas ciências da natureza, por haver regularidades constantes, é possível estabelecer diretrizes para supor fenômenos, observa-se que nas ciências humanas não se pode prever regularidade diante da subjetividade que compõe os seres humanos e as múltiplas influências que o rodeiam. É certo que a definição rigorosa do método científico aumenta a confiança no processo do conhecimento. Na medida em que as ciências ganham autonomia surge a necessidade de classificação. Vários filósofos e doutrinadores propõem-se a realizar esta tarefa, mas: [...] o resultado é uma enorme e compreensível variação, porque as ciências encontram-se em contínua transformação e se situam às vezes em limites não muito bem definidos. Portanto, embora ajudem a sistematizar organizar, as classificações são sempre provisórias e insuficientes. [...] O critério dessa classificação é a crescente complexidade das ciências, partindo-se das mais abstratas para as mais concretas.48 46 47 48 Idem. ARANHA, 2003, p. 203. BENJAMIN, 1993, p. 27. 35 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Neste prisma, se a lógica das ciências da natureza fosse seguida, em que tudo decorre de uma causa, a liberdade humana poderia ser imediatamente questionada. Conforme elucida Marilena Chauí, “evidenciam-se assim as suas particularidades, o que acarreta uma série de dificuldades para imporem-se como saber científico, quando comparadas com o rigor e a objetividade das ciências da natureza”49. Daí resulta também a dificuldade de intentar-se utilizar o “método científico” nas ciências humanas, em especial naquelas com características híbridas, como é o caso do Direito ambiental. A epistemologia, na qualidade de disciplina da filosofia, busca justamente respostas às indagações ligadas ao modo de formação e constituição do conhecimento científico. “A Epistemologia acompanha a evolução e a trajetória desse conhecimento e é de grande importância o seu estudo para melhor poder compreendê-lo”.50 Conclui-se, ao final, que a própria dinâmica do Direito deve acompanhar as relações humanas, com atenção à realidade histórico-cultural e às próprias necessidades da vida, que toda ciência vira filosofia e que o discurso está em função da preservação da espécie humana no Planeta. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do reconhecimento de que os recursos naturais não são ilimitados como se imaginava em épocas anteriores e da constatação de sua possível escassez, que se mostrava não apenas em quantidade, mas também em qualidade, a legislação e as normas ambientais desenvolveram-se com o propósito de disciplinar e regrar a sua utilização. O meio ambiente deixou de ser visto à miúde como mero custo adicional de produção e foi ganhando espaço, em especial no ordenamento jurídico, na tentativa de articular os instrumentos disponíveis com as políticas públicas direcionadas a uma distribuição de competências mais efetivas em âmbito local e regional, para sugerir atitudes necessárias e alcançar a tão almejada cidade sustentável. 49 50 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática: 2002, p. 270. BOMBASSARO, Luiz Carlos As Fronteiras da Epistemologia: como se constrói o conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 91. 36 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Enfim, como abordado no aspecto histórico a proteção jurídica do meio ambiente teve início no período do descobrimento do Brasil, onde foram editadas algumas normas específicas sobre a proteção ambiental com ênfase nos recursos naturais, a exemplo do pau-brasil e do ouro. Apesar de configurar uma preocupação bem antiga, a disciplina ganhou corpo no Direito ambiental de forma bastante recente. A pesquisa permitiu concluir que o Direito ambiental é um ramo contemporâneo do Direito que se direciona continuamente visando a construção de um referencial teórico emergido pela contextualização da crise ambiental. Por meio do conhecimento, o homem podia dominar a natureza com o objetivo de progresso e desenvolvimento. Esta afirmação é a base epistemológica predominante no conhecimento científico antigo; a partir do século XXI, surgiu a necessidade de novas bases epistemológicas, com a finalidade de preservação e não mais de destruição do meio ambiente, considerando os possíveis riscos de extinção da espécie humana. A forma esbulhadora do capitalismo sobre a natureza produziu a necessidade de repensar conceitos e trouxe com ela a figura do desenvolvimento sustentável para viabilizar o gerenciamento de conflitos em um campo aparentemente neutro, além de conferir legitimidade à manipulação dos recursos naturais no contexto da globalização. O processo de amadurecimento do conhecimento científico nas ciências humanas sempre se aproximou da metodologia utilizada nas ciências da natureza, na busca pela mesma objetividade e rigor científicos. A filosofia, ao valorizar e enobrecer o método de análise das ciências da natureza, reforçou esta ideia como condição para uma aceitação como conhecimento científico. Neste sentido, foi possível identificar que a complexidade, a experimentação, a matematização e a subjetividade são as maiores dificuldades enfrentadas pelas ciências humanas no estabelecimento de métodos específicos. Nas ciências da natureza, por haver regularidades constantes, é possível estabelecer diretrizes para supor fenômenos; por outro lado, nas ciências humanas não se pode prever regularidade diante da subjetividade que compõe os seres humanos e das múltiplas influências que os rodeiam. 37 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O caminho percorrido pelas ciências humanas e, em especial por aquelas disciplinas com características híbridas, como é o caso do Direito ambiental, não pode ser conformado ao caminhado das ciências da natureza diante das significativas diferenças entre seus objetos. As problemática discutidas no decorrer do presente estudo não têm o condão de tentar desconstituir as ciências humanas, mas evidenciar as adversidades e promover a reflexão sobre a diferenciação entre os objetos das ciências humanas e os objetos das ciências da natureza, muitas vezes representados por seres inertes e inanimados. Neste contexto, ao seguir-se a lógica das ciências da natureza, pela qual tudo decorre de uma causa, a liberdade humana poderia ser imediatamente questionada. A humanidade sempre buscou evoluir; superou muitas limitações com o propósito deliberado de alcançar o desenvolvimento em todas as suas faces. Contemporaneamente, a humanidade deve evoluir para alcançar a verdadeira identidade das ciências humanas e firmá-las como independentes, de modo a rechaçar as amarras do positivismo. 38 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho REFERÊNCIAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 4, ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm>.Acesso em: 11 jan. 2020. BOMBASSARO, Luiz Carlos. As Fronteiras da Epistemologia: como se constrói o conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. CAENEPA, Carla. Cidades sustentáveis: o Município como lócus da sustentabilidade. 1. ed. São Paulo: 2007. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2002. 39 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental e Econômico. São Paulo: Saraiva, 2008. LEFF, Enrique. Saber ambiental, racionalidade, complexidade, poder. Rio de Janeiro: Vozes: 2001. _________. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2002. _________. Pensar a Complexidade Ambiental. In: LEFF, Enrique (coord.) A complexidade ambiental. Blumenau: EDIFURB, 2003. _________. Discursos sustentáveis. São Paulo: Cortez, 2010. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. MORIN, Edgar. 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Selene Maria de Almeida, j. em 28 jun. 2004, DJ 01 set. 2004, p. 14. 40 SUMÁRIO ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 “A INSEPARABILIDADE DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS, COLONIALIDADE E DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA” Mayane Bento William Monteiro Rocha DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 “A INSEPARABILIDADE DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS, COLONIALIDADE E DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA”51 Mayane Bento52 William Monteiro Rocha53 Resumo: A Amazônia é uma das regiões mais emblemáticas e ao mesmo tempo, mais vulneráveis aos processos e turbulências que as mudanças climáticas estão desencadeando no Mundo. A região já está sendo fortemente impactada pelos eventos climáticos extremos como secas, queimadas, enchentes, inundações e ondas de calor, afetando o estoque de recursos hídricos e a biodiversidade, além de problemas relacionados à infraestrutura, saúde pública e mobilidade, problemáticas históricas dessa região. Ademais, os padrões de desenvolvimento intensificados pela lógica da produção a todo custo e traços profundos de colonialidade intensificados em meados da década de 1960, com as políticas de integração forçada e a visão de progresso através do desmatamento, tem alterado de forma radical a ocupação do espaço amazônico, produzindo formas diversas de degradação da natureza, desequilíbrios ecossistêmicos, instabilidades sociais e territoriais. Busca-se, com o presente trabalho, lançar perspectivas críticas de que não se poder analisar a região e o contexto das mudanças do clima, sem identificar as dinâmicas de colonialidade de muitos problemas históricos como a exploração, desmatamento, ineficiência de políticas públicas e, principalmente, alcance de direitos humanos. Além de não se poder separar ou distanciar 51 52 53 O presente artigo é, além de resultado das Teses de Doutorado de ambos autores, um agradecimento e uma homenagem aquele que nos introduziu, orientou e guiou da graduação até o doutorado, em direção e reflexão da vitalidade e importância da Amazônia, o Prof. Dr. Mário Miguel Amin G. Herreros (in memorian). Doutora em Relações Internacionais (UNB), Mestre em Gestão de recursos naturais e desenvolvimento local na Amazônia (NUMA/UFPA) e Internacionalista (UNAMA). Professora do curso de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Contato: mayane.bento@ yahoo.com.br Doutor em Relações Internacionais (UNB), Mestre em Desenvolvimento Sustentável (NAEA/ UFPA) e Internacionalista (UNAMA). Professor dos cursos de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia (UNAMA) e da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Contato: william. mrocha@gmail.com 42 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho tais problemáticas tão recorrentes na contemporaneidade amazônica, faz-se necessário pensar a Amazônia como muitas dentro de uma só, terra de superlativos que persiste e resiste às duras perdas em termos naturais, sociais e humanos. Palavras-chave: Amazônia. Mudanças climáticas. Colonialidade. Direitos Humanos Abstract: The Amazon is one of the most emblematic regions and, at the same time, most vulnerable to the processes and turbulences that climate change is triggering in the world. The region is already being strongly impacted by extreme weather events such as droughts, fires, floods, floods and heat waves, affecting the stock of water resources and biodiversity, in addition to problems related to infrastructure, public health and mobility, historical problems of this region . Furthermore, the patterns of development intensified by the logic of production at all costs and deep traces of coloniality intensified in the mid-1960s, with policies of forced integration and the vision of progress through deforestation, have radically altered the occupation of the Amazonian space, producing different forms of degradation of nature, ecosystem imbalances, social and territorial instabilities. The present work seeks to launch critical perspectives that cannot analyze the region and the context of climate change, without identifying the dynamics of coloniality of many historical problems such as exploitation, deforestation, inefficiency of public policies and, mainly, the reach of human rights. In addition to not being able to separate or distance such problems that are so recurrent in contemporary Amazonia, it is necessary to think of the Amazon as many within one, land of superlatives that persists and resists hard losses in natural, social and human terms. Key-words: Amazon. Climate change. Coloniality. Human Rights 1 INTRODUÇÃO No Brasil, dos 9 estados que conformam a Amazônia legal 6 deles elegeram Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 em porcentagem de votos. Nos 3 estados restantes – Pará, Tocantins e Maranhão –, dentre as capitais, Bolsonaro não venceu apenas em São Luiz. Estes resultados revelam-se preocupantes pois ainda que os fatores que explicam a ascensão de Bolsonaro demandem uma análise sociopolítica 43 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 minuciosa e complexa do país, o discurso e os poderes que Bolsonaro representa são claramente contrários à sustentabilidade, justiça social e participação popular na condução das políticas amazônicas. Sob tais condições o povo que habita e resiste na Amazônia encontra-se em uma dinâmica geopolítica que ameaça seus direitos mais fundamentais conquistados com muita luta. É aqui que reside a pertinência de compreendermos a inseparabilidade entre colonialidade, mudanças climáticas e direitos humanos na Amazônia. A colonialidade, enquanto categoria analítica (QUIJANO, 2005; GROSFÓGUEL, 2008), nos permite compreender a continuidade e rearticulação das formas de exploração da região mediante as múltiplas hierarquias construídas e impostas com o intuito de controle da natureza, do trabalho, do sexo e das múltiplas dimensões sociais amazônicas. Estas hierarquias priorizam um padrão econômico, político, cultural e simbólico forjado na modernidade e cujos efeitos mais nítidos estão na degradação ambiental, violência social e desigualdade. E” neste comportamento, insistimos no que Einstein definiu como a própria insanidade: “Fazer a mesma coisa sempre, de novo, esperando resultados diferentes.” (NOBRE, 2014, p.37). Neste ínterim, os efeitos devastadores das mudanças climáticas apresentam-se como consequências inarredáveis, contanto que, seja posta em marcha a de(s) colonização da Amazônia, enquanto socialização do poder e redistribuição radical do controle sobre a região para os povos da região. No mais, considerando sua extraordinária diversidade ecossistêmica, cultural e social, a Amazônia possui uma relação direta e emblemática com o fenômeno das mudanças climáticas globais, o que tem colocado em ação e mobilizado múltiplos atores e iniciativas de governança em prol de políticas climáticas, envolvendo iniciativas subnacionais (estaduais e municipais), privadas e internacionais, que vem crescendo com a globalização dos problemas ambientais. No entanto, a arena das mudanças climáticas aponta para um jogo altamente complexo, pois o antagonista é representado por um sistema econômico, ambientado por um conjunto de teorias econômicas ortodoxas, que não reconhece limites naturais à expansão dos padrões de produção e consumo (RODRIGUES, 2008, p. 85). Deste modo, a compreensão de que estamos diante de um alerta ambiental que incita e demanda uma revisão incomoda de conceitos, teorias e 44 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho perspectivas econômicas e políticas (historicamente consagradas), é que embasa a compreensão e relação das temáticas propostas acima. Esta pesquisa tem como objetivo preliminar apresentar a geopolítica da Amazônia no contexto das ameaças das mudanças climáticas para em seguida descrever as políticas públicas que balizaram o processo de colonialismo interno capitaneado pelo regime empresarial-militar brasileiro de 1964-1985, bem como suas heranças ambientais, econômicas e sociais, para por fim, analisar os debates e desafios que se apresentam para a Amazônia no século XXI, enquanto fronteira de recursos, mas também enquanto local de resistência social. 2 GEOPOLÍTICA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA AMAZÔNIA No âmbito do presente estudo a compreensão da geopolítica e sua incidência sobre a Amazônia não poderia ser mais necessária, ainda que evidente. Becker (2005, p.1) explica: {...} geopolítica: trata-se de um campo de conhecimento que analisa relações entre poder e espaço geográfico. Foi o fundamento do povoamento da Amazônia, desde o tempo colonial, uma vez que, por mais que quisesse a Coroa, não tinha recursos econômicos e população para povoar e ocupar um território de tal extensão. Portugal conseguiu manter a Amazônia e expandi-la para além dos limites previs- tos no tratado de Tordesilhas, graças a estratégias de controle do território. Embora os interesses econômicos prevalecessem, não foram bem-sucedidos, e a geopolítica foi mais importante do que a economia no sentido de garantir a soberania sobre a Amazônia, cuja ocupação se fez, como se sabe, em surtos ligados a demandas externas seguidos de grandes períodos de estagnação e de decadência. (BECKER, Bertha. 2005, p.1) A história da região amazônica coincide com a geração de recursos e bens para fora, em detrimento da exploração de seus co45 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 muns, retornando a este lugar, marcas permanentes de exploração, abusos, violências e extrações de riquezas diversas, ainda que com tais fatores, iniciou e criou-se uma certa infraestrutura, todavia, a mesma com intuito e finalidade de melhorar os artifícios e possibilidades de usos e desusos dos comuns da região. Para além dos reflexos naturais de tal exploração, ficam o descaso e a não compreensão, inserção ou adequação por meio de políticas e projetos, daqueles que residem na mesma e que continuamente e historicamente acompanham e sofrem com a região. Loureiro (2002, p.) aponta para um quadro histórico de perda e danos desde os primeiros colonizadores (invasores) até os dias atuais. Tendo sido a região, vítima acometida paradoxalmente, daquilo que ela tem de mais especial e emblemático, suas riquezas, belezas, magias e exuberância. A autora enfatiza: Não se trata de uma queixa, mas de uma constatação simples: a Amazônia foi sempre mais rentável e, por isso, mais útil economicamente à Metrópole no passado e hoje à Federação, do que elas o tem sido para a região. A Amazônia foi no passado “um lugar com um bom estoque de índios” para servirem de escravos, no dizer dos cronistas da época; uma fonte de lucros no período das “drogas do sertão”, enriquecendo a Metrópole; ou ainda a maior produtora e exportadora de borracha, tornando-se uma das regiões mais rentáveis do mundo, numa certa fase. Na Segunda Guerra Mundial, fez um monumental esforço para produzir borracha para as tropas e equipamentos dos Aliados. Mas é mais recentemente que ela tem sido mais explorada: seja como fonte de ouro, como em Serra Pela- da, que serviu para pagar parte da dívida nacional, deixando na região apenas as belas reproduções das fotografias que percorreram o mundo, mostrando a condição subumana do trabalho dos homens no garimpo; seja como geradora de energia elétrica para exportar para outras regiões do Brasil e para os grandes projetos, que a consomem a preços subsidiados, enquanto o morador da região paga pela mesma energia um preço bem mais elevado; seja como última fronteira econômica para a qual milhões de brasileiros 46 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho têm acorrido nas últimas décadas, com vistas a fugirem da persistente crise econômica do país, buscando na Amazônia um destino melhor (o que, infelizmente, poucos encontram). (LOUREIRO, Violeta R., 2002, p.1) A projeção da Amazônia enquanto um problema político internacional, obviamente não começou com a emergência da temática ambiental nas relações internacionais, em 1970. As incursões, expedições, estratégias e visões sobre a região datam desde antes de 1500, com a “descoberta” da região pelo navegador espanhol Vicente Pinzón, meses antes da “descoberta” do Brasil por Pedro Alvares Cabral. Nos primeiros 250 anos até o Tratado de Madri (1750), os questionamentos geopolíticos sobre a Amazônia cingiram-se à amplitude e tipificação do seu domínio por Luso-espanhol. Nos anos seguintes, as discussões sobre a geopolítica amazônica adquiriram contornos internacionais, suscitadas em grande medida por países europeus e pelos Estados Unidos, alicerçadas em razões (ou pretextos) das mais variadas possíveis. (RIBEIRO, N. 2005, p.15). Todavia, a visão externa da região ainda persiste, PICQ (2016) reitera: The Amazon is commonly appraised at the margins of world politics as some apolitical Eden that resists external forces of modernization (Slater 2002). The Amazon is not perceived as a place to study IR because it is imagined outside the modern state. When conceptualized, it tends to be as a uniform, unified entity, a frontier of civilization. The absence of the Amazon in what constitutes legitimate world politics seems to be the result of who defines political theory, from where, and for what purpose (Cox 1986), rather than serious historical considerations. The Eurocentric gaze has continuously identified Amazonia as its quintessential other, starting with its naming. The word Amazon refers to a mythical people of female warriors living outside Greek civilization, who subverted Greek rules (especially with regards to men and marriage). They embody an untamed, barbaric otherness to be conquered, and a foil for cultured (European) society. Much of the West still imagines Amazonia 47 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 as ‘wild’ despite abundant geo-archeological evidence that it is a garden which forests and rivers have been efficiently managed for millennia (Raffles 2002; Mann 2005). Popular and scholarly portrayals of the region focus on its ecological exuberance rather than its dynamic political history (Hecht 2013). When politics reach the Amazon, it tends to be from ecological perspectives which emphasize how external powers use (and abuse) its natural resources. (PICQ, Manuela. 2016, p.2) Apesar das projeções, das perspectivas e das constantes incursões e entrelaçamento de atores na região, a Amazônia, pela sua extensão, apelo global, importância geopolítica e riqueza em biodiversidade, e principalmente suas florestas, emerge como um espaço-chave no ciclo de carbono planetário, ao mesmo tempo e que se apresenta como uma das regiões do globo, mais vulneráveis aos processos de turbulências que as mudanças climáticas estão desencadeando, por meio de grandes pressões sobre os ecossistemas regionais, com danos severos principalmente nas áreas urbanas. A região sofre substancialmente também pelos eventos climáticos extremos como secas, queimadas, enchentes, inundações e ondas de calor, afetando o estoque de recursos hídricos e a biodiversidade, além de problemas relacionados à infraestrutura, saúde pública e mobilidade, causando prejuízos econômicos e calamidade pública (SANTOS, 2012, p.8-10). A contemporaneidade da região se apresenta marcada pelos padrões de desenvolvimento intensificados pela lógica da produção a todo custo, desde meados da década de 1960, juntamente a política de integração forçada e a visão de progresso através do desmatamento (que persiste), que tem alterado de forma radical a ocupação do espaço amazônico, produzindo formas diversas de degradação da natureza, desequilíbrios ecossistêmicos, desordens territoriais e processos frequentes de gentrificação54. A intensificação dessas dinâmicas, resultaram na emergência de eventos climáticos extremos - secas pro54 É um processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes, onde sai a comunidade de baixa renda e entram moradores das camadas mais abastadas. O fenômeno é resultado da revitalização urbana, onde determinados espaços até então abandonados passam a ser vistos com potencial por grupos sociais e econômicos. Isto faz com que haja aumento do custo de vida daquele espaço, e por consequência, afaste seus moradores tradicionais. (USP, 2015). Disponível em: http://ea.fflch.usp.br/conceito/gentrificao. 48 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho longadas, enchentes e inundações cada vez mais frequentes e intensas (RITTL, 2012, p.2). De tal importância geopolítica e cenário de múltiplos atores e interesses para com a temática das mudanças climáticas, infere-se: A globalização, mundialização ou internacionalização da Amazônia é resultado de uma convergência de interesses e atores do mercado global, da opinião pública nacional e internacional, tal como, do papel do Brasil no cenário mundial. Esse cenário marca uma nova fase de recursos (a manutenção da floresta em pé), de modo contemporâneo e determinado, aos objetivos da política ambiental internacional. PICQ (2016, p.1) consubstancia: In popular discourse, as well as in the discipline of International Relations (IR), the Amazon is not exactly the first place one looks for global politics. It exists, in popular imagination, as a land without history, wild and remote. In this depiction of the Amazon, there are pristine rainforests inhabited by isolated tribes in need of preservation from global forces. Many accounts lead readers to imagine adventurers navigating legendary uncharted waters in search of uncontacted peoples, failing to realize that the Amazon rivers were subject to systematic human manipulation, and that it is Brazil’s most rapidly urbanizing region. It is portrayed as a pure source of nature capable of containing global warming, rarely recalling that the Amazon rubber enabled the automobile revolution, which fueled today’s climate crisis in the first place. There is a profound gap between what is (un)told about the Amazon and the international interactions at play on the ground. (PICQ, Manuela. 2016, p.1) Região continental e estratégica pelos expressivos atributos de ser uma das maiores fronteira de recursos naturais do planeta (recursos hídricos, reservas minerais, imensa biodiversidade e sociodiversidade), além de base natural em termos de prestação de serviços ambientais (equilíbrio ecossistêmico, sumidouro de carbono, provedor de corredores de umidade, etc.), a Amazônia é um dos espaços mais vulneráveis aos processos turbulentos que as mudanças climáticas estão desencadeando no Mundo, sofrendo grandes pressões sobre 49 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 os ecossistemas regionais, principalmente em suas florestas tropicais. Nos últimos anos, em especial nas últimas décadas, as florestas tropicais tem adentrado em debates para além do cientifico e ecológico, adentraram em áreas de discussões políticas e econômicas, sobretudo no que se refere a mitigação das mudanças climáticas, em razão de seu papel como reservatório natural de carbono, tal como, as frequentes e atuais pressões antrópicas sobre esses ambientes florestais. MOUTINHO&SCHWARTZMAN (2005, p.33) apontam que os maiores estoques de carbono dos ambientes terrestres, encontram-se e concentram-se ambientes florestais, que, na compreensão de unidade de área, são capazes de comportar de 20 à 50 vezes mais carbono que as formas simplificadas de cobertura do solo, como pastos e agricultura. Pensar a Amazônia para além da logica norte-sul, compreender o papel da floresta e sua intrínseca ligação ao processo econômico da região, é o que aponta Bezerra (2015, p.64). As Amazônias se apresentam aos leitores e pesquisadores da região como múltiplos espaços dentro de um só. Uma região que somente pode ser compreendida a partir da percepção de diferentes níveis: ambiental, florestal, ecológico, social, politico, econômico, molecular, visível ou não perceptível aos sentidos humanos, que gera um entrelaçamento (quase?) quântico, onde se articulam os níveis, já mencionados, com as distintas arenas ou dimensões do nacional/internacional e público/privado que determinaram e ainda ditam as politicas, estratégias e iniciativas na região. A compreensão cada vez mais ampla da maior da floresta tropical do Planeta se deu e ainda se dá pelos avanços significativos de redes de cooperação internacional como ABRACO, LBA, PPG7, GEF em conjunto as agencias de fomento nacionais como o CNPQ e a CAPES. Redes essas, que tem possibilitado um substancial avanço no conhecimento do funcionamento e das inter-relações dos ecossistemas amazônicos, do seu vasto conteúdo em biodiversidade, de seu papel regulador do clima regional e global, tal como, da complexidade das causas de sua dinâmica ambiental (SOARES FILHO, Britaldo et al, 2008, p.2). Quando se fala em Geopolítica das Mudanças climáticas na Amazônia, precisamos nos remeter a noção que sempre caracterizou o termo geopolítica, de intensas pressões, intervenções, conquistas de território e até mesmo a eclosão de conflitos e guerras. Em um 50 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho primeiro momento da noção de geopolítica, tais ações tinham como ator principal o Estado, pois até então, era a única fonte e representação de poder e execução politica. Para Becker (2005, p.2) a Geopolítica contemporânea atua em torno de meios e relações de poder à influir na tomada de decisão dos Estados sobre o uso de determinados territórios, uma vez que, a conquista dos mesmos e as colônias tornaram-se muito caras. Por que então refletir sobre isso? Em razão das contínuas e quase históricas relações de poder construídas na região amazônica que com o passar dos anos, só deixaram de ser comandadas pelo Estado, quando na existência de outras instituições e organizações que a mantiveram. Becker (2005, p.4) corrobora: Verifica-se o fortalecimento do que se chama de coerção velada. Pressões de todo tipo para influir na decisão dos Estados sobre o uso de seus territórios. Essa mudança está ligada intimamente à revolução científico-tecnológica e às possibilidades criadas de ampliar a comunicação e a circulação no planeta através de fluxos e redes que aceleram o tempo e ampliam as escalas de comunicação e de relações, configurando espaços-tempos diferenciados. O espaço sempre foi associado ao tempo. E hoje, na acentuação de diferentes espaços-tempos reside uma das raízes da geopolítica contemporânea. As redes são desenvolvidas nos países ricos, nos centros do poder, onde o avanço tecnológico é maior e a circulação planetária permite que se selecionem territórios para investimentos, seleção que depende também das potencialidades dos próprios territórios. Ocorre que ao se expandirem e sustentarem as riquezas circulante, financeira e informacional, as redes se socializam. E essa socialização está gerando movimentos sociais importantes, os quais também tendem a se transnacionalizarem. Há, hoje, portanto, dois movimentos internacionais: um em nível do sistema financeiro, da informação, do domínio do poder efetivamente das potências; e outro, uma tendência ao internacionalismo dos movimentos sociais. Todos os agentes sociais organizados, corporações, organizações religiosas, movimento sociais etc., têm suas 51 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 próprias territorialidades, acima e abaixo da escala do Estado, suas próprias geopolíticas, e tendem a se articular, configurando uma situação mundial bastante complexa. A Amazônia é um exemplo vivo dessa nova geopolítica, pois nela se encontram todos esses elementos. Constitui um desafio para o presente, não mais um desafio para o futuro. (BECKER, Bertha. 2005, p.4) O reconhecimento da necessidade de gerir os recursos naturais de modo sustentável e evitar a degradação ambiental, não se mostrou suficiente para que os governos sejam politicamente eficazes na mitigação das mudanças climáticas. Esse fato pode ser analisado tanto na perspectiva de governança, quanto na perspectiva da efetividade de políticas públicas, isso porque os interesses divergentes e as relações de poder irão sempre influenciar no comportamento dos atores e nas suas decisões entre coordenar, ou não, suas ações, independentemente do nível (local, nacional ou internacional). Assim, ainda que tenha pairado sobre a região amazônica um panorama de sustentabilidade, sobretudo, nos últimos 25 anos, o que isso significa? Após reconhecida, constantemente reforçada e disseminada enquanto espaço estratégico de biodiversidade, a região além de acumular visões místicas e grandiosas, acumula também visões de desenvolvimento e nas décadas mais recentes, perspectivas de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, que muita das vezes não contemplam, compreendem ou mesmo conhecem a realidade amazônica, mantendo-se assim, a Amazônia numa contínua posição periférica. Porto-Gonçalves (2017, p.13) aponta. Por ser a Amazônia uma região situada numa posição periférica no interior de países periféricos no sistema mundo capitalista moderno-colonial, lhes escapa até mesmo o poder de falar sobre si mesma. Sendo assim, prevalecem visões sobre a Amazônia, e não visões da Amazônia. E, mesmo quando se fala de visões da Amazônia, não são as visões dos amazônidas principalmente de seus povos/etnias/nacionalidades e grupos/classes sociais em situação de subalternização, opressão e exploração que nos são oferecidas (PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. 2017, p.13). 52 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Para o autor, algumas ideias são frequentes e centrais na formulação de políticas sobre a região, destacam-se: i) A Amazônia como natureza pristina; ii) Amazônia como vazio demográfico; iii) Amazônia como reserva e fonte inesgotável de recursos e iv) Amazônia como região do futuro (PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. 2017, p.18). Seriam essas então, as representações objetais da Amazônia? Em resumo, sim! E fica ainda mais claro que grupos e/ou interesses as visualizam e projetam quando retomamos à fase de colonialismo interno capitaneada pelo Regime Militar brasileiro, como veremos a seguir. 3 COLONIALIDADE NA AMAZÔNIA No âmbito da colonialidade que logra perpetuar-se como a outra face da modernidade, o Estado brasileiro, desde sua origem manteve com a Amazônia uma longa relação de colonialismo interno que se consolidou com o regime empresarial-militar. E não apenas para a Amazônia, mas também para o Brasil e a América Latina, os regimes ditatoriais foram verdadeiros projetos de instabilidades, que visaram articular os eixos de dominação do trabalho, da raça e do gênero a partir de um imperativo ocidental de condicionamento dos países periféricos via sistema de endividamento. E o que substanciou esse padrão de relação, para além da exploração irracional de recursos e da violência estrutural é a completa desarmonia do planejamento nacional com a convivência e o diálogo com a população local. O colonialismo interno efetivado pelo regime autoritário, foi uma verdadeira guerra assimétrica intercivilizacional, que em busca de alcançar um projeto ocidentalizante, foi incapaz de compreender outas formas de racionalidade, como as que possuíam aqueles que viviam na Amazônia. Como nos lembra Wallerstein (2001) o mundo capitalista é que sempre buscou os produtos das regiões externas a ele, não o contrário. E para a elite orgânica55 que subsidiava o poder com o 55 [...] se não todos os empresários, tecno-empresários intelectuais, burocratas e militares, “pelo menos uma elite entre eles” deverá ter a capacidade de articular e organizar os seus interesses num projeto de Estado para si e para a sociedade. E isto será feito, com a consciência de que seus “próprios interesses corporativos, no seu presente e no seu futuro desenvolvimento, transcendem os limites corporativos 53 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Estado autoritário brasileiro em 1964, a Amazônia representava uma fronteira de recursos a ser explorada. O discurso carregava consigo binômio do desenvolvimento e garantia da segurança nacional, mas impôs uma modernização-conservadora pensada pela elite no poder, interessada nos recursos naturais e na mão-de-obra de baixo custo. Ainda conforme essa mentalidade, o habitante da Amazônia era deslegitimado em sua cosmologia, tradições e formas de relação com a floresta. Os povos da tradição, no quadro da imposição da mentalidade dual homem/natureza eurocentrada, se apresentavam como maior obstáculo para o uso da terra e a industrialização (SIMONIAN; SILVA; BAPTISTA, 2015; LACERDA; VIEIRA, 2015; SANTOS, 2016). Para o regime militar a floresta amazônica só possuía valor, derrubada, como demonstrou o uso legal do conceito de terra-nua (VTN) do qual se fez uso para venda de terras cheias de biodiversidade a preços irrisórios (LOUREIRO, 2014). Assim como os portugueses, que após a conquista aguardaram alguns anos para iniciar o processo exploração do Brasil, após o golpe militar, foi apenas em 1966 que o programa de políticas públicas intitulado Operação Amazônia reformulou as precedentes medidas de intervenção na região, transformando a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) em Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e o Banco de Crédito da Amazônia (BCA) em Banco da Amazônia (BASA), com a finalidade de gerir e financiar os projetos de colonização. A lei nº 5.174 estendeu os incentivos fiscais industriais existentes desde 1953 aos empreendimentos agropecuários56 e em dezembro de 1966 o Presidente Castelo Branco desceu o rio Amazonas no navio Rosa da Fonseca, no sentido Manaus-Belém e lá celebrou a 1º Reunião de Investidores da Amazônia. A elite local ficou extasiada com o renascimento da Amazônia, enquanto o presidente, apresentava como de 56 de classe puramente econômica” e tanto podem como devem “transformar-se em interesses de outros grupos subordinados”. Estas elites são as que denominamos de elites orgânicas: agentes coletivos político-ideológicos especializados no planejamento estratégico e na implementação da ação política de classe, através de cuja ação se exerce o poder de classe (DERIFUSS, 1987, p. 24). “As empresas privadas consideradas de interesse para o desenvolvimento da Amazônia poderiam qualificar-se para isenção de até 100% do imposto de renda devido até 1982. As empresas que se qualificassem ficariam isentas também do imposto sobre exportação de produtos regionais, bem como dos de importação de maquinaria e equipamento. Finalmente, teriam direito a crédito no imposto de Renda” (LOUREIRO, 2014, p. 78-79). 54 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho interesse nacional às oportunidades de lucro fácil aos capitalistas de fora da região. Na exaltação da racionalidade do planejamento econômico, em nenhum momento esses projetos apareceram como sendo “financiados pelas classes subordinadas, posto que são incentivos e subsídios governamentais” (LOUREIRO, 2014, p. 70). A SUDAM elaborou o 1º Plano Quinquenal de Desenvolvimento da Amazônia (1967-1971) e em 1967 foi criada da Zona Franca de Manaus, administrada pela Superintendência da Zona Franca (SUFRAMA) (RIBEIRO, 2006). Também em decorrência da Operação Amazônia, em 1966 foi criado o Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (IDESP), que inicialmente foi marcado por certa divergência entre as pretensões da tecnoburocracia regional e o Governo Federal. Enquanto os militares discursavam para atrair maciços capitais, a elite regional em seus trabalhos técnicos versava sobre atividades passiveis de exploração pelo capital médio: madeira, mandioca, pecuária de corte, transporte, pimenta do reino, turismo etc. (LOREIRO, 2014). Porém, isso era inviável para os interesses industriais que sustentaram o golpe militar. Para expansão do agronegócio, o Estado autoritário em seu “planejamento de ocupação” adotou como prática permanente negligenciar a existência de grupos autóctones e migrantes que já haviam incorporado inúmeras benfeitorias as terras que ocupavam na Amazônia. O valor da terra-nua, garantiu que a negociação de terras fosse praticamente uma doação, desconsiderando a floresta natural e o valor das benfeitorias existentes. A SUDAM negou qualquer responsabilidade em constatar a existência de posseiros na região, atribuindo a responsabilidade aos órgãos regionais que adotaram a prática comum nos anos 1960/70/80 de venda de uma mesma propriedade para compradores diferentes, gerando o descontrole dos registros do Sistema Nacional de Cadastro Rural, concentração fundiária e conflitos no campo que perpetuam-se como herança dessa colonização interna da Amazônia (IPAM, 2006; LOUREIRO, 2014). O que se teve como resultado imediato da abertura econômica da Amazônia foi a falência das pequenas industriais locais devido à concorrência com as do Centro-Sul, cenário agravado pela marcha de industrialização pesada do país que se dera de forma oligopolizada e com predominância de capital estrangeiro. Do total de investimentos para a Amazônia até 1975 a prioridade foi os equipamentos elétricos, 55 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 mecânicos, de áudio, ótica etc. Em nada beneficiou o consumo médio regional. Com a falência das empresas criou-se o terceiro57 gatilho de transformação regional que garantiu a condição prioritária ao setor do agronegócio (COSTA, 2012; BECKER, 1982). Ainda em 1970, na “gestão” Médici, o decreto-lei 1.106 criou o Programa de Integração Nacional (PIN), e estabeleceu como primeira etapa a construção das rodovias Transamazônica e Santarém-Cuiabá – sucedidas pelas Perimetral Norte, Porto Velho-Manaus e a São Paulo-Cuiabá-Porto Velho - e usou para os fins da reforma agrária 10 km de cada margem de estada das unidades federadas da Amazônia Legal. Essa medida gerou o que ficou conhecido como Polígono desapropriado de Altamira, no Pará. Foram expropriando do estado 64 mil km², a “maior desapropriação de terras jamais efetuada por um estado capitalista” (LOUREIRO, 2014, p. 152). O impacto desses eixos de penetração sobre a região também foi violento. “Não só porque abre a região a novas ideias, pessoas, mercadorias, informações, mas pela rapidez com que se faz a penetração da inovação” (BECKER, 1982, p. 67). O programa também converteu o Instituto Brasileiro de Reforma Agraria (IBRI), no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), então responsável pelos Projetos Integrados de Colonização (PIC) e Projetos de Assentamento Dirigido (PAD), desapropriando mais 6,4 milhões de hectares só no Pará. Essas unidades familiares, eram provenientes do Nordeste e Sul do país, estimuladas a deixarem suas terras para que a expansão agroindustrial que ‘irrigaria o Nordeste’ e ‘mecanizaria a produção ao Sul’, subsidiados pelo governo, não encontrasse maiores problemas e resistências populares. Essa estratégia foi vendida sob o lema que marcou a década de 1970: “homens sem-terra (do Nordeste e Centro-Sul) para terras sem homens (da Amazônia)” (LOUREIRO, 2014, p.155). Em 1971 a repressão se estendeu. O decreto-lei nº 1.164 permitiu à união retirar dos estados amazônicos o poder de jurisdição sobre as terras devolutas nas faixas de 100 km marginais das rodovias federais. Foi mais um decreto-confisco. Mediante esse decreto, apoiado em dispositivos da carta constitucional, a federalização do território 57 Os gatilhos anteriores foram: criação das rodovias na década de 1960/70 e extensão de benefícios fiscais ao agronegócio, o que antes limitava-se a indústria. 56 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho foi apontada como uma questão de segurança e desenvolvimento nacional. Foi a forma encontrada pelo governo para, em vez de rever o modelo, acelerar o processo de ocupação e acumulação do capital, em resposta aos conflitos prementes. O Pará foi o estado mais penalizado por essas medidas. Isso porque sua geografia já o divide naturalmente pelos grandes rios que o cortam e as estradas em maior número que nos demais estados acentuava ainda mais essa fragmentação. Além da motivação econômica, a pressa na ocupação “justificou-se também pelo temor do surgimento de movimentos de guerrilha rural de base camponesa na região, de que se começava a ter notícias a partir dos anos primeiros da década de 1970” (LOUREIRO, 2014, p. 125). O Lançamento do 1º Plano Nacional de Desenvolvimento (1972/1974) deixou ainda mais evidente que para a elite orgânica a Amazônia não passava de uma riquíssima fronteira. Serviu para institucionalizar o PIN e reformar o programa de distribuição de terras (Proterra). Era mais do mesmo, anúncio de justiça social com acesso à terra, mas benefício real à técnicos-burocratas e empresários. Só que dessa vez o alinhamento da elite regional foi imediato. A elite local, logo soube como expandir seus ganhos frente ao planejamento centralizado do Estado, à medida que novas-velhas formas de relações de trabalho eram refundadas, como a “peonagem, assalariamento com remuneração aviltada e o trabalho escravo” (LOUREIRO, 2014, p. 108). O estímulo a migração e a proletarização forçada afetou a estratificação social dos que já residiam e daqueles chegavam à Amazônia. “No decorrer do processo migratório, desaparecem justamente as categorias de vínculos mais estreitos com a terra, cujos membros se transformaram principalmente em assalariados temporários, mas também em posseiros e pequenos comerciantes” (BECKER, 1982, p. 144). A colonização fez surgir também uma nova categoria que servia como mercadores de mão-de-obra: os gatos. Até 1980 foram poucas as categorias que mudaram de status na fronteira amazônica. Dentre os que melhoraram tratavam-se, “basicamente, de pessoas que já detinham posses em terra ou capital nas regiões de origem – os comerciantes e grandes proprietários/comerciantes - e que enriqueceram graças à apropriação de mais terra ou à função comercial de intermediação com as cidades mais desenvolvidas do Centro-Sul do país” (BECKER, 1982, p. 145). Dentre 57 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 os colonos, as populações do Nordeste foram as que apresentaram crescente empobrecimento relativo. “Por outro lado, a migração mais rica, do Sudeste, de onde provém a maioria dos comerciantes, acusa melhoria significativa de status, conseguindo efetivamente novas oportunidades na fronteira” (BECKER, 1982, p.147). Além da sujeição a uma estratificação social rígida é importante reforçar aqui o real sentido dessa proletarização que assume caráter central no caso de colonização interna da Amazônia. Conforme Dardot e Laval: A proletarização significa que homens caem numa situação sociológica e antropológica perigosa, caracterizada por falta de propriedade, falta de reservas de toda natureza (inclusive laços familiares e de vizinhança), dependência econômica, desenraizamento, alojamentos de massas semelhantes a casernas, militarização do trabalho, distanciamento da natureza, mecanização da atividade produtora, em resumo, uma desvitalização e despersonalização gerais (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 128). A crescente proletarização na Amazônia em condições indignas demonstra que: [A] apropriação da natureza entre os diversos blocos de capitais e segmentos da sociedade constituiu, desde o início, para o Estado e o capital, um alvo mais importante do que o desenvolvimento econômico mencionado nos planos elaborados pelos órgãos e agências de desenvolvimento (LOUREIRO, 2014, p. 105). Logo, tirar do amazônida o acesso à terra assemelha-se a mesma estratégia da Lei da Terra de 1850 – que limitou o acesso a terra aos escravos libertos - de cercear alternativas e condicionar estes povos às dinâmicas de produtivas dos grupos econômicos que se instalavam na Amazônia. Destarte, nos anos finais do “milagre econômico” o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) (1975-1979), já no gover58 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho no Geisel, estabeleceu o Programa de Polos Agropecuários e Agro Minerais da Amazônia (Polamazônia), que visava promover aproveitamento agropecuário, mineral, agroindustriais e florestais da região, fundamentado na teoria dos polos de desenvolvimento. Foram selecionados 12 polos sob jurisdição da Sudam. No Pará eram: Carajás, Trombetas, Altamira e Marajó. Para Loureiro (2014) o Polamazônia foi uma forma já usual que a administração pública tinha de retirar recursos de programas anteriores, nesse caso, do Proterra e do PIN. Conforme afirma Loureiro (2014) desde o início da colonização, a menina dos olhos do Estado e do mercado era Carajás, cuja mina de ferro passou a ser exploradas pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) em parceria com o capital estrangeiro. Esse empreendimento tomou todos os recursos, comprometendo severamente os que se destinavam ao Poloamazônia, que acabou servindo apenas para sustentar relações clientelistas. Com o aumento de pedidos de pesquisa e lavra dentro das terras indígenas, dentre eles 7 pedidos feitos pela CVRD para o território dos Xikrin, e a valorização das novas áreas, criou-se um verdadeiro mercado especulativo imobiliário, os conflitos foram intensificados sem que o Estado poupasse índios, posseiros e ribeirinhos. Tanto a constituição de 1946, quanto o Estatuto do índio (Lei Federal nº 6.001) possuíam dispositivos legais que obrigavam a demarcação de terras, o que, contudo, foi sumariamente descumprido. Em vez disso, “em 1983, através do decreto-lei nº 88.895, a União autorizou a atividade de empresas de mineração em terras indígenas” (LOUREIRO, 2014, p. 236), posto que Código de Mineração (artigos 27, 57 e 87) estabelece prevalência da atividade sobre qualquer uma outra na região. Ou seja, a mineração na Amazônia está acima da lei, da população e sempre que possível, do próprio Estado. Em 1986 já havia 7.000 pedidos de pesquisa, 40% concedidos entre 1984-1985. A mineração, além de ser atividade incompatível com trabalho agrícola, utiliza apenas 5% da área concedida para pesquisa, áreas de dimensões hercúleas, que geram conflitos e deslocamentos, além de degradação ambiental. A situação indígena se agravou desde 1983 quando o decreto nº 88.985 passou a permitir a mineração em suas áreas. A coordenação nacional de geólogos estima que 1/3 das áreas indígenas estão hoje atingidas pela atividade e mais 2.000 requerimentos aguardam aprovação (LOUREIRO, 2014). 59 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O II PND marcou, portanto, uma nova etapa no esforço de integração/colonização da Amazônia. A fase dos Grandes Projetos iniciada em 1980 compreende em essência, a potencialização de grandes empreendimentos propostos pelo Governo Federal, implementados com a parceria estrangeira. Em 1988, 29 empreendimentos já haviam sido implementados. Além do enorme potencial mineral, o Projeto Grande Carajás parecia estratégico, pelo conjunto de vantagens comparativas derivadas da grande massa florestal, útil para fabricação de carvão, o insumo básico da produção de ferro gusa, no entanto representou de forma mais ampla uma transferência da atividade extrativa/ energética dos grandes centros econômicos para periferias como o Brasil. O Banco Mundial foi um grande encorajador e planejador do projeto. E o conjunto de empreendimentos recebem até hoje, isenções fiscais (LOUREIRO, 2014). Já as carvoarias, hoje, são objeto de sérias denúncias de trabalho escravo. É importante notar que a capacidade de implementação dos grandes projetos, a essa altura dos anos 1980, derivava da disponibilidade de petrodólares, ou seja, agravavam o quadro de endividamento externo do país. Ainda que o Brasil comportasse o oitavo parque industrial do mundo, sob a crescente hegemonia do capital financeiro, a desnacionalização e desregulação da economia, culminariam como principal resultado da crise a qual o Brasil estava sendo guiado pelo regime empresarial-militar, em meio ao reforço de sua condição liberal-periférica na divisão internacional do trabalho, que se apresentava em plena transformação nos anos 1980 (FILGUEIRAS et al, 2010). Nos últimos anos do regime empresarial-militar, em função da crise que se desvelava, o III PND foi seriamente afetado pelos cortes de financiamento público e não conseguiu alcançar os objetivos propostos pelo governo. Sudam e Sudene foram paulatinamente sendo comprometidas quando ainda em “1980, o governo demandou uma desvalorização do cruzeiro frente ao dólar na ordem de 30%” (PONTE, 2010, p. 133). A Amazônia brasileira seguia permeada por novos colonos, fazendeiros, grileiros e grandes projetos, integrando-se à economia brasileira como fornecedora de matéria-prima. Ainda nos anos finais do regime militar até a transição para a redemocratização a Amazônia perdeu 10,5% de sua cobertura vegetal até 1991. Só no Pará, no mesmo período (1970-1991) a perda foi de 60 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 2 13% da cobertura vegetal do Estado. Em 1970 havia 65,9 mil km 2 desmatados, em 1991 a área já era de 146 mil km (FEARNSIDE, 1995). Atentando para os efeitos imediatos das investidas de controle sobre a economia, a autoridade e a natureza, na Amazônia, mas também em toda a América Latina, na segunda metade do século XX, constata-se que não foi no período colonial que a América Latina se tornou significativamente mais desigual que os países desenvolvidos. Souza (2016) sublinha que essa idiossincrasia ocorreu no século XX, com a crescente perda de nivelamento social. Dado o caráter da estrutura do Estado brasileiro, Evans (2004) reforça que é surpreendente que tenha galgado algum nível de industrialização e crescimento ao longo do século XX. O que só se explica por sua vaga aproximação ao modelo burocrático - Weberiano, capaz de lhe conferiu algumas vantagens a partir de bolsões de eficiência, que o autor associa com a capacidade geradora de eletricidade, indústria automobilística, indústria petroquímica, e nota-se também com a indústria extrativa mineral. Contudo, no Brasil, “as elites rurais e reacionárias jamais foram dramaticamente varridas de cena [...]. Ao contrário, a simbiose tradicional que conectava os oligarcas tradicionais ao Estado tem sido reforçada por uma perversa ‘modernização’” (EVANS, 2004, p. 97). Isso por sua vez empurra a relação público-privada para canais individuais, e o Estado vira fonte de poder e riqueza para oligarquia e indústria, que sabotam as tentativas de reforma interna. Como perpetuação da herança Resende, Mata e Carvalho (2007) mediante avaliação qualitativa do crescimento da renda da população mais pobre, classificou o padrão do crescimento nas capitais Amazônicas, concluindo que, entre 1991 e 2000, em fase de políticas neoliberais “os mais pobres se beneficiaram relativamente menos em relação ao crescimento econômico, visto que nessas capitais estaduais o crescimento econômico foi acompanhado por um aumento da desigualdade de renda” (RESENDE; MATA; CARVALHO, 2008, p. 42). A desigualdade que permeia a sociedade brasileira se fez agravar na Amazônia com a expropriação da terra e exploração da população local. É patente, portanto, que não apenas os desdobramentos dos conflitos sociais, mais também a intensa incidência de exploração do traba61 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 lho na região é fruto inalienável do regime militar que através do uso do Pará como porta de entrada para a Amazônia, fez desse estado o infeliz campeão em número de trabalhadores resgatados e estabelecimentos inspecionados sob denuncia de uso de mão-de-obra escrava do Brasil (PADILHA; QUADROS, 2015; FERNANDES; MARIN, 2007). Segundo Martins (1994), no período de 1970 a 1993, houve denúncias de ocorrência de trabalho escravo em 431 fazendas, das quais 308 estavam situadas na Amazônia e as demais, em outras regiões do país” (FERNANDES; MARIN, 2007, p. 76). Estas fazendas, mas também empresas, que recebiam subsídios do Governo Federal, aproveitavam-se do isolamento e da imobilização tanto geográfica quanto de renda da população, e motivadas pela simples redução do custo da mão-de-obra alegavam a necessidade de “disciplinar” trabalhadores. A Comissão Pastoral da Terra estima que 100 mil trabalhadores, por ano, tenham sido escravizados na Amazônia até os anos 1980 (FERNANDES; MARIN, 2007). Em outras palavras, em face dessa estimativa, o Regime Militar do Brasil fez mais escravos na Amazônia na segunda metade do século XX, que o Estado imperial foi capaz de fazer na segunda metade do século XIX. Os dados dos anos 1990 não foram mais promissores. No Brasil o número de pessoas escravizadas aumentou mais de 400% entre 1991 e 1995. No Norte, o Pará mais uma vez liderou com 70% dos casos registrados entre 1995-2002 (FERNANDES; MARIN ,2007). Junto com a expansão econômica, os conflitos e a desigualdade social, intensificou-se também a estrangeirização das terras na Amazônia. 6 dos 9 estados da Amazônia legal possuíam mais de 100.000 imóveis em posse de estrangeiros em 2003 (HERRERA, 2016). Logo, a Amazônia foi integrada à economia brasileira, não apenas em função da figuração como um “colchão social”, que absorvia a estratégia de modernização do Sul e Sudeste e a crise social do Nordeste. A propósito, estes objetivos foram secundários. A Amazônia foi integrada para a apropriação do capital privado, para o mercado global, culminando com a crescente estrangeirização das terras na região. Com a guinada neoliberal dos anos 1980, a soberania e o esforço democrático, permaneceram mais procedimentais que substanciais, com severos desafios quanto as garantias econômico-sociais e ambientais, ainda que pese os avanços no campo dos direitos sociais capitaneados pela constituição de 1988. 62 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Essencial para a guinada neoliberal foi a subalternização pela dívida externa, que balizou a globalização financeira e integrou leste e oeste, centros e periferias ao final do século XX. E é esta nova fase que podemos denominar colonialidade neoliberal transnacional. Na colonialidade neoliberal transnacional, a elite orgânica e seus associados nacionais reproduzem a dinâmica de exploração da Amazônia através da perpetuação de uma elite duradoura local, que consolida o controle da autoridade e cuja finalidade é o controle da economia através da sucessivas imposições de grandes projetos, como a UH de Belo Monte, e de um padrão de desenvolvimento econômico que exclui os interesses das comunidades locais visando subalternizá-las como forma de restrição social e condicionamento à dinâmica do capital. Assim logram assestar suas redes de controle sobre a natureza, os conhecimentos locais e encampar um sistema insustentável de desflorestamento e ampla degradação socionatural. Portanto, assim como o fim do colonialismo formal não significou o fim das relações de poder coloniais, que vinculam-se intrinsecamente à acumulação capitalista - o que permite à literatura afirmar que no pós-independência coloniais o mundo moderno inseriu-se em uma dinâmica de colonialidade do poder, do saber e do ser. Da mesma forma, o fim do regime empresarial-militar brasileiro que concretizou a relação de colonialismo interno com a Amazônia, não a tornou livre da exploração, em verdade integrou-a, ainda que de forma truncada, à economia nacional e ao capitalismo globalizado, rearticulou os eixos de exploração nos moldes de uma colonialidade interna que vincula-se diretamente a colonialidade/ modernidade capitalista, que assumiu aos finais do século XX a alcunha de neoliberal, fomentada por agentes que articulam-se de forma transnacional. O fator determinante desse processo segue sendo a lógica da racionalidade eurocêntrica e capitalista, que monolítica, captura ciência e modos de vida para uma finalidade utilitarista, individualista, de acumulação privativa do trabalho, da natureza e da própria vida. E para isso, dissemina a tese de povos atrasados, primitivos e desprovidos de racionalidades legítimas, a fim de silenciar a todos que divergem desse padrão de apropriação do mundo. O desafio em decoloniazar a Amazônia e as periferias que seguem nas amarras da colonialidade neoliberal está em justamente conceber que esse mode63 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 lo é parte de um projeto de hegemonia, que articula empresas transnacionais e as grandes potências, sejam elas ocidentais ou não. No curso dessa dinâmica, a crise que assombra a sociedade moderna contemporânea não é apenas econômica ou ambiental. Torna-se cada vez mais patente a relação crítica e insustentável do capitalismo neoliberal com as democracias, posto que o capitalismo neoliberal não tem compromisso com a liberdade, com a inclusão e com o desenvolvimento. E a despeito da doutrinação que nos leva a pensar o mercado capitalista como uma relação atômica, ou mesmo natural entre vendedores e consumidores finais, sua tendência é a consolidação de desigualdade, monopólios das cadeias produtivas, determinação de preços, mas também de políticas, o que deturpa até mesmo os elementos procedimentais da democracia representativa liberal. 4 DESENVOLVIMENTO, SUSTENTABILIDADE E DIREITOS HUMANOS: UM DIÁLOGO POSSÍVEL? As profundas transformações nos padrões econômicos e produtivos do sistema internacional, muitas delas, decorrentes do processo de globalização intensificado nas décadas de 1980 e 1990, influenciou e ainda influenciam substancialmente as políticas econômicas, sociais e mais recentemente, ambientais em vários espaços do globo. O consequente processo de internacionalização da economia mundial reforçou novas dimensões econômicas, sociais e geopolíticas, que caracterizaram um novo ordenamento global pautado na incorporação de recursos naturais estratégicos. A região amazônica, por sua magnitude em diversos âmbitos, adentrou a pauta dos mercados e das commodities, que a projetaram enquanto espaço estratégico para a noção e importância da biodiversidade, tal como, distintos processos de Governança ambiental, climática e florestal, foco deste estudo. Ressalta-se, que diante as significativas pressões sobre a disponibilidade e qualidade de determinados comuns estratégicos da região, a mesma assume no presente século, uma importância geopolítica global, que exige e demanda iniciativas, estratégias e políticas que estimulem e construam redes de Governança, com a interação e compreensão de distintos atores, que possam então, garantir a sobera64 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho nia e no uso e na conservação dos recursos naturais. Giddens (2010, p.35) finaliza, apesar das divisões e das lutas de poder existentes, enfrentar as mudanças climáticas talvez seja o trampolim para a criação de um mundo mais cooperativo. Assim, a Amazônia adentra ao século XXI com o grande desafio geopolítico de justificar que a floresta vale ($$$) muito mais em pé, do que no chão, desmatada, queimada. Ao se pensar nos serviços ambientais e magnitude da região, parece obvio justificar a conservação dessas florestas, tal como, que tais serviços devem ser recompensados de alguma forma. No entanto, o que evidenciamos na trajetória das negociações internacionais de cunho ambiental, é que os progressos nessa seara foram tímidos e com retornos financeiros não tão significativos ou esperados, dada a importância da região e o reconhecimento de tal em termos globais. Por sua vez, as negociações internacionais do clima, avançaram um pouco mais e tem uma probabilidade maior de gerar fluxos monetários na escala e no tempo que são necessários (FEARNSIDE, 2015, p.40). Toda essa projeção e enfoque dados a região em função de suas florestas tropicais, baseia-se na tese de que os serviços ambientais58 prestados pela floreta, representam uma potencial fonte de fluxos financeiros de forma a se tornar um fator transformacional da Amazônia (FEARNSIDE, 1997, p. 6). Dentre tais vitais serviços ou funções dos ecossistemas amazônicos, ressalta-se a manutenção da estabilidade do clima e da biodiversidade. Entretanto, o debate não se encerra na defesa simples da floresta em pé. Em uma perspectiva crítica e realista acerca da região, Porto-Gonçalves (2017, p.20) finaliza: 58 A definição de serviços ambientais ou serviços ecossistêmicos é simples: trata-se dos benefícios que as pessoas obtêm da natureza direta ou indiretamente, através dos ecossistemas, a fim de sustentar a vida no planeta. Os ecossistemas proveem a purificação da água e do ar, amenizam os fenômenos climáticos violentos (como ciclones, tornados e tufões) e protegem contra desastres naturais (por exemplo, tsunamis e deslizamentos de terra); decompõem o lixo, mantêm os solos férteis e ajudam no controle de erosões. Animais, como as abelhas, vespas e formigas, polinizam as plantas que, enquanto crescem, sequestram carbono da atmosfera. Por sua vez, as florestas fornecem madeira, alimentos, substâncias medicinais, fibras e produzem recursos genéticos (qualquer material de origem vegetal, animal ou microbiana que contenha unidades funcionais de genes e apresentem valor econômico real ou potencial). Os sistemas fluviais disponibilizam água doce, o mais essencial dos recursos, movem hidrelétricas para produzir energia, quando navegáveis substituem estradas e são usados como áreas de lazer. Todos estes são exemplos de serviços ambientais. (O ECO – Dicionário ambiental. O que são serviços ambientais. Disponível em: <https://www.oeco.org.br/dicionario-ambiental/28158-o-que-sao-servicos-ambientais 65 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Sob esse magma de significações imaginário que funda a sociedade capitalista moderno-colonial, cabe à Amazônia a condição de estar a serviço dos desígnios da das relações de poder e das visões acumulação de capital e do desenvolvimento de suas forças produtivas com a função de supridora de recursos naturais, como a geopolítica do sistema mundo capitalista moderno-colonial impõe aos continentes/países/regiões/lugares coloniais, sobretudo aos grupos/classes sociais em situação de subalternização nessas diferentes escalas. Esse é o pano de fundo sobre o qual uma nova (nova?) chave de leitura é imposta, mais uma vez de fora, desde finais dos anos 1960 e, sobretudo, desde os anos 1970: a chave ecológica. Essa nova (?) chave de leitura se aproxima de velhas perspectivas conservacionistas, com fortes raízes nos EEUU, que busca a criação de áreas protegidas seja em função de seu valor científico e/ou estético (parques nacionais, reservas biológicas etc.) que tem na UICN (União Internacional de Conservação da Natureza) sua principal instituição internacional, mas também pelas oportunidades de ser transformada em novas commoditties da economia verde pelo capital financeiro. Essa nova (nova?) chave de leitura tem nos capitais das novas indústrias ligadas à engenharia genética e de novos materiais um de seus suportes e, mais recentemente, reinventada pelo capital financeiro. De certa forma, esses novos setores do capital industrial têm uma relação diferente com as fontes de matéria-prima, por sua valorização do material genético (biodiversidade, germoplasma), ao contrário dos setores tradicionais, que põem a floresta abaixo, agora para o avanço da pecuária, para qualquer monocultura. E, mais recentemente, pelo capital financeiro com sua enorme avidez para inventar mercadorias fictícias que só existem para ampliar a circulação-acumulação de uma economia especulativa, como o mercado de carbono e seus bônus e ônus. (PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. 2017, p.20). 66 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho É imperativo, portanto, defender que a floresta não tem que ser mantida em pé, isolada, como reserva da biotecnologia, nem o conhecimento dos povos da tradição deve ser transmitido às patentes que beneficiam grandes conglomerados econômicos. Essas afirmações, não são mais que o mesmo controle epistemológico, ontológico e social, que partindo do colonialismo, é propagado pelo capitalismo como estratégia de subalternização. Os povos da tradição, comunidades quilombolas e ribeirinhas possuem importante papel na conservação da biodiversidade e devem estar no cerne das investidas para manutenção do ecossistema amazônico, ainda que não devamos negligenciar a importância financeira e econômica de tais serviços. A origem, em grande medida e já comprovada, de muitos desses problemas ambientais é decorrente das relações produtivas da sociedade urbano-industrial, que se originaram e amplificaram, direta ou indiretamente, a maior parte dos problemas ambientais enfrentados na “modernidade” (ROCHA, 2002, p.2), como as mudanças climáticas. Esse quase meio século de discussões insistentes sobre a temática ambiental não foi suficiente para direcionar o mundo no caminho de um desenvolvimento sustentável (resguardando, ainda que, os aspectos polissêmicos do conceito). Por isso, a ampla discussão sobre sustentabilidade na Amazônia seja tão recorrente. Por sustentabilidade ecológica entende-se então, enquanto “a capacidade de uma dada população de ocupar uma determinada área e explorar seus recursos naturais sem ameaçar, ao longo do tempo, a integridade ecológica do meio ambiente” (LIMA e POZZOBON, 2005, p.1). Esse seria, então, um dos prismas mais importantes para as análises realizadas no âmbito da diversidade social e ecológica da região. Tal conceito ambiciona, ao mesmo tempo, fomentar e satisfazer a comunidade internacional, no que se refere ao pensamento e execução de estratégias potencialmente capazes de solucionar o que é uma problemática global, no que se refere a necessidade de crescimento e desenvolvimento econômico paralelamente à alocação adequada dos recursos naturais e da preservação do meio ambiente para as gerações futuras. O grande desafio consiste em protagonizar a sustentabilidade em um plano prático, o qual não satisfaça apenas em teoria, determinados grupos de interesse e, compreenda acima de tudo, as especificidades de uma região continental como a Amazônia. 67 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 A partir de tais discussões acerca do meio ambiente amazônico, perspectivas e visões de desenvolvimento, cabe aqui, refletir acerca da terminologia de representações objetais e mentais de Bourdieu (1989, p.35) e indagar, quais representações objetais e mentais que caracterizam a Amazônia? Que grupos ou redes estariam interessados a uma ou outra representação? Seriam unicamente as florestas, elementos emblemáticos de representação e classificação da região? As visões e a noções de Amazônia vem sendo construídas e disseminadas em diversos níveis há séculos. Da Silva (2015, p. 133) aponta que a transição do século XX para o século XXI foi marcado por um período de profundas transformações e demandas de mecanismos de regulação no interior do sistema de gestão do meio ambiente internacional, que tem se expandido, sobretudo, nas ultimas décadas. A Amazônia brasileira, pelo seu tamanho e posição estratégica no cenário geopolítico regional e global, tornou-se foco das atenções da Politica internacional, notadamente pelos riscos eminentes que a destruição da maior floresta do mundo poderia acarretar ao equilíbrio global (DA SILVA, Alberto. 2015, p.134). Paralelemente não podemos descuidar do fato de que a perpetuação da exploração se faz possível justamente porque dentro dos ditames neoliberais impôs-se um sistema de colonização por dívida ao Estado brasileiro, que através de políticas macroeconômicas restritivas atua no sentido de ampliar essa dinâmica de exploração. E é justamente essa relação de exploração dos recursos que está na base da manutenção da hegemonia da tríade ocidental, inserindo a Amazônia de forma dependente no sistema internacional. Ou seja, as ditas alternativas, políticas ou proposições de governança sobre a região, em parte se apresentam como reprodução do imaginário moderno-colonial e em parte podem significar (à depender de corretas proposições e inserções das dinâmicas locais, populações tradicionais e alcance de direitos humanos e fundamentais) a última chance da Amazônia, no que tange ao futuro da região e consequentemente de seus comuns. CONSIDERAÇÕES FINAIS A integração da Amazônia ao fluxo de capitais internacionais é confrontada pela resistência que vem sendo gestada localmente de 68 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho forma mais sistemática desde, aproximadamente, os anos 1980. Fruto de uma complexa luta por direitos, nessa luta articulam-se atores locais como o Movimento Xingu Vivo para Sempre, o Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPSTA) e Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e tantos outros. Esses atores, no entanto, não lutam sozinhos. Em contexto de transnacionalização do capital, a luta também há de ser transnacionalizada sem que se perca o protagonismo local (FONSÊCA, 2018). Atuando diretamente nesse apoio é possível destacar atores institucionais como o Instituto Socioambiental (ISA), a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), Ministério Público Federal (MPF), apoios governamentais, principalmente de parlamentares em esferas municipais, estaduais e federal, assim como agentes vinculados a Organização das Nações Unidas (ONU) ou mesmo Organizações Não Governamentais (ONGs) que veem se destacando desde a luta contra Belo Monte, como a Amazon Watch, International Rivers, Rainforest Action Network (FONSÊCA, 2018). No mais, a importância de criação destas redes também implica em demonstrar que a resistência não se confunde com postura passiva, assume vínculo direto com a construção de uma outra existência, de uma sociedade mais justa, plural, igualitária e equitativa. Para tanto, (re)existência opõe-se diretamente a falta de compromisso com a verdade ou qualquer dos revisionismos históricos que tentam hierarquizar e deslegitimar a possibilidade de uma convivência da humanidade. Resistir é manter-se existindo, ocupando espaços, entendendo e reagindo à razão moderna-ocidental colonial e neoliberal. É compreender que a Amazônia não é atrasada ou anti-moderna, menos ainda anti-científica. A Amazônia é parte constitutiva da modernidade, possui uma multiplicidade de racionalidades e modos de vida, fundamentais para as populações locais, para biodiversidade regional, bem como para a construção e refundação decolonial da modernidade. Decolonizar o conhecimento, a sociedade e a natureza é também decoloniazar a ciência, tornando-a capaz de integrar o conhecer e o viver, que vai muito além da racionalidade instrumental, utilitarista e individual. Para tanto, a interculturalidade não se reduz a um movimento funcional ao sistema de mercado. Útil para dirimir con69 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 flitos e vender produtos “verdes”. A interculturalidade é um projeto, um processo a se construir, que precisa envolver a guinada econômica, social e epistêmica dos povos (WALSH, 2012). Portanto, quando ouvimos falar em crise ambiental, é importante ter em mente que ela é fruto da incapacidade da modernidade/ colonialidade de criar mundos sustentáveis. Fruto de uma separação dicotômica entre homem/natureza, civilização/outros. É a própria expressão da contradição do capital. O pensamento ecológico e transmoderno implica, portanto, em crítica à falácia desenvolvimentista, em luta em prol das multiplicidades culturais, econômicas e ecológicas, vincula-se à preocupação epistemológica que busca o respeito ao modo de pensar e as especificidades de povos baseados no lugar (ESCOBAR, 2010). Partindo desses pressupostos, qualquer que seja a teoria do desenvolvimento socioespacial, ela não pode furtar-se de ser uma teoria aberta (SOUZA, 1997). E neste sentido, a razão neoliberal é fundamentalmente oposta a cada um destes imperativos de decolonialiade, mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e garantias dos direitos humanos na Amazônia. 70 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho REFERENCIAS BECKER, B. K. Geopolítica da Amazônia: a nova fronteira de recursos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982. BECKER, B. K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n.53, p. 71-86, 2005. BEZERRA, Joanna. The Brazilian Amazon: Politics, Science and International Relations in the History of the Forest. New York, Springer, 2015, ISBN 978-3-319-23030-6. BOURDIEU, Pierre . A identidade e a representação. Elementos para uma reflexão crítica sobre a idéia de região.In: O poder simbólico. 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Apesar da Convenção de Ramsar fornecer uma série de diretrizes e estratégias para garantir a conservação e o uso racional das zonas úmidas, a perda de habitat e de espécies nesses sistemas 59 60 61 Pós-Doutorado em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), Doutorado em Direito das Relações Econômicas e Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/ SP) e Mestrado em Políticas Públicas e Processo pelo Centro Universitário Fluminense (UNIFLU). Professora da graduação e mestrado na Faculdade de Direito (FADIR/UFMS). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD/UFMS). Coordenadora local do Programa de Doutorado Interinstitucional (DINTER - USP/UFMS). Líder do Grupo de Pesquisa «Direitos Humanos, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Global» (UFMS/CNPq). Coordenadora do Projeto de Pesquisa «Cooperação Internacional e Meio Ambiente» (Fundect/ MS). Editora-chefe da Revista Direito UFMS. Associada ao Conselho Nacional de Pesquisa e PósGraduação (CONPEDI) desde 2005. Filiada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) desde 2011. Representante da ANPG no Conselho Deliberativo do CNPq (2013-2014). Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGD-UFMS). Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (FADIR-UFMS) (2014-2018). Integrante do grupo de pesquisa “Direitos Humanos, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Global” - CNPq/UFMS desde 2016. Membro do projeto de pesquisa “Saúde Planetária: uma abordagem a partir da efetividade dos direitos humanos ambientais na época do Antropoceno” (UFMS) (2020-atual). Bolsista UFMS no projeto de pesquisa “Participação pública, direito à informação e acesso à justiça em matéria ambiental” - PIBIC/UFMS (2017-2018). Bolsista FUNDECT do Projeto de Pesquisa Cooperação Internacional e Meio Ambiente MS/FUNDECT (2016-2017). Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS. Especialista em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Especialista em Direito Municipal pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Especialista em Proceso Civil, Arbitraje y Mediación pela Universidad de Salamanca - USAL - Espanha. Especializando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Integrante do grupo de pesquisa “Direitos Humanos, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Global” - CNPq/UFMS desde 2020. 78 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho ainda é alarmante. A Convenção de Ramsar é um dos primeiros tratados que tem como objetivo a conservação da natureza em escala global, em particular, das zonas úmidas. Nesse trabalho, apresentamos as definições e características dessas áreas, destacando a sua relevância ambiental e a necessária proteção jurídica, tendo como base a Convenção de Ramsar. Apesar de alguns indicadores positivos e iniciativas isoladas, seus signatários devem se empenhar mais para colocar em prática as recomendações da Convenção, especialmente no tocante à harmonização da estrutura política e legal do país voltada à conservação, ao manejo dos sítios Ramsar e à conscientização do valor das zonas úmidas para a manutenção da biodiversidade e do bem-estar humano. Somente com a cooperação internacional no cumprimento dos compromissos firmados na Convenção, assim como divulgação de sua importância para conter e mitigar os fatores que ameaçam as zonas úmidas, ela será um instrumento efetivo de conservação. A pesquisa utiliza o método dedutivo, partindo de conceitos e características das zonas úmidas, enfatizando a relevância da Convenção de Ramsar e da cooperação internacional com vistas à promoção da conservação e o uso racional destas áreas. Quanto ao enfoque teórico e metodológico, tem-se o dogmático, com ênfase na análise do regime internacional de proteção das áreas úmidas e dos mecanismos de cooperação internacional. Quanto aos fins, é exploratória, descritiva e bibliográfica, recorrendo a obras jurídicas, periódicos e doutrinas. Palavras-chave: Zonas úmidas; Convenção de Ramsar; Cooperação internacional; Desenvolvimento Sustentável Abstract: Wetlands, ecosystems of great importance for global biodiversity and human well-being, are among the most threatened systems in the world. Although the Ramsar Convention provides a series of guidelines and strategies to ensure the conservation and rational use of wetlands, the loss of habitat and species in these systems is still alarming. The Ramsar Convention is one of the first modern treaties that aims to conserve nature on a global scale, in particular, wetlands. In this paper, we present the definitions and characteristics of these areas, highlighting their environmental relevance and the necessary legal protection, based on the Ramsar Convention. Despite some positive indicators and isolated initiatives, its signatories should do more to put the Convention’s recommendations into practice, especially with regard to harmonizing the country’s political and legal framework for conservation, the management of Ramsar sites and the awareness of value wetlands to maintain biodiversity and human well-being. Only with international cooperation in fulfilling the commit79 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ments signed in the Convention, as well as disclosing its importance to contain and mitigate the factors that threaten wetlands, will it be an effective instrument of conservation. The research will use the deductive method, starting from concepts and characteristics of wetlands, emphasizing the relevance of the Ramsar Convention and international cooperation with a view to promoting conservation and the rational use of these areas. As for the theoretical and methodological approach, it will be dogmatic, with an emphasis on the analysis of the international regime for the protection of wetlands and international cooperation mechanisms. As for the purposes, it will be exploratory, descriptive and bibliographic, using legal works, periodicals and doctrines. Keywords: Wetlands; Ramsar Convention; International cooperation; Sustainable development. 1 INTRODUÇÃO A visão antropocêntrica do homem enquanto dominador da natureza sucumbe à constatação de que os recursos naturais são limitados. A humanidade depende da natureza para sobreviver e a garantia de existência das gerações futuras está na proteção e conservação da natureza e manutenção de seus ecossistemas. A ideia de natureza objeto, que se encontra disponível para a livre utilização humana, levou ao desencadeamento da crise ecológica global enfrentada pela humanidade. Os resultados desse cenário modificaram, inclusive, a própria história da Terra, direcionando-a para uma nova época geológica62 denominada Antropoceno, cuja característica principal é a manifestação dos impactos das atividades antrópicas no planeta, colocando o ser humano na qualidade de agente geológico com capacidade de modificar os rumos da história da Terra. Logo, o Antropoceno realça o cenário de crise enfrentado na atualidade, mostrando que o ser humano, e o modo como esse se coloca e se comporta frente à natureza, está no cerne das problemáticas ambientais. 62 O planeta Terra tem aproximadamente 4,5 bilhões de anos. A geologia, por intermédio do estudo das camadas rochosas do planeta, enquadra esses anos em uma Escala de Tempo Geológico, cujas divisões representam mudanças e períodos de transição que marcaram a história geológica da Terra. A Época é uma das divisões que compõem essa Escala. 80 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Considerando a importância da preservação da natureza e de seus ecossistemas como forma de garantia de sobrevivência das presentes e futuras gerações, o Direito Internacional do Meio Ambiente cria diversos mecanismos legais destinados à preservação ambiental, os quais também atuam como parâmetros para a elaboração de normas e regras internas dos Estados signatários dos tratados e convenções internacionais. A preocupação com o meio ambiente emergiu em nível mundial, englobando inúmeras questões como, por exemplo, a biodiversidade, o clima e a questão hídrica. Dentre as inúmeras problemáticas existentes, também se destaca a perda e degradação das zonas úmidas que, conforme indicam os levantamentos científicos, aumentaram rapidamente nos últimos anos. Com efeito, passa-se a demandar respostas no campo jurídico visando a proteção efetiva dessas áreas. Desse modo, com o objetivo de promover o uso racional das zonas úmidas, a Convenção de Ramsar, elaborada em 1971 no Irã, inaugura o regime jurídico internacional de proteção das áreas úmidas, operando como verdadeiro norteador para os Estados soberanos, seja para oferecerem uma base em prol da adoção de políticas voltadas para a preservação ambiental, seja para a implementação de normas jurídicas que garantam a proteção dessas áreas ou para o incentivo do diálogo entre nações que compartilham do mesmo ecossistema. Nesse sentido, a cooperação internacional entre Estados é reconhecida como mecanismo essencial na medida em que espécies e ecossistemas cruzam fronteiras e os problemas ambientais alcançam interesse internacional. Assim, muitos instrumentos jurídicos globais e regionais foram desenvolvidos e outros mais devem ser realizados para promover a conservação e gestão de espécies, ecossistemas e recursos naturais, tratando de categorias específicas de ameaças ambientais. Nessa perspectiva, a presente pesquisa visa apresentar as definições e características das zonas úmidas, demonstrando a necessidade de sua preservação e proteção jurídica, tendo como base o regime adotado pela Convenção de Ramsar e, também, evidenciar a importância da cooperação internacional para que as zonas úmidas sejam protegidas e não sofram impactos ambientais negativos. 81 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O paradigma epistemológico adotado pela pesquisa será o pós-positivista, à luz dos valores, princípios e regras do direito internacional e nacional que regem a proteção das áreas úmidas, no paradigma do desenvolvimento sustentável. Quanto ao enfoque teórico e metodológico, será dogmático, com ênfase na análise do regime internacional de proteção das áreas úmidas e dos mecanismos de cooperação internacional. A pesquisa utilizará o método dedutivo, partindo de conceitos e características das zonas úmidas, enfatizando a relevância da Convenção de Ramsar e da cooperação internacional com vistas à promoção da conservação e o uso racional destas áreas. Quanto ao enfoque teórico e metodológico, será dogmático, com ênfase na análise do regime internacional de proteção das áreas úmidas e dos mecanismos de cooperação internacional. Por fim, os meios utilizados serão o documental, bibliográfico, trabalhando com materiais publicados como livros, artigos, relatórios e legislações. 2 DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS DAS ZONAS ÚMIDAS As zonas úmidas, também conhecidas como áreas úmidas, são ecossistemas complexos e específicos, situados na interface de ambientes terrestres e aquáticos, podendo ser continentais ou costeiras, de ocorrência natural ou construídas pelo homem, permanente ou periodicamente inundadas ou com solos encharcados (JUNK et al., 2014). Essas zonas estão presentes por toda a Terra, cobrindo, aproximadamente, 6% da superfície terrestre e abrangendo regiões desde os trópicos equatoriais até aquelas próximas aos polos (SCHUYT; BRANDER, 2004). A conceituação dessas zonas foi trazida, primeiramente, em 1971, pela Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, mais conhecida como Convenção de Ramsar, que definiu zonas úmidas como: [...] áreas de pântano, charco, turfa ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo áreas de água marítima 82 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho com menos de seis metros de profundidade na maré baixa (Artigo 1.1 do texto da Convenção). Posteriormente, esse conceito foi ampliado, passando a constar, também, as zonas ribeirinhas ou costeiras a elas adjacentes, bem como ilhas ou porções de água marítima com mais de seis metros de profundidade na maré baixa situada dentro da área de zona úmida, principalmente onde estas tiverem importância como habitat de aves aquáticas63 (CONVENÇÃO DE RAMSAR, 1971). As zonas úmidas são descritas como “supermercados biológicos” em razão das extensas cadeias alimentares e da rica biodiversidade que sustentam, também, são conhecidas como “rins da paisagem” devido às funções que desempenham nos ciclos hidrológicos e químicos, diferenciando-as dos demais biomas existentes por também funcionarem como áreas de transição entre a vida terrestre e a vida aquática, podendo ser encontradas tanto no litoral, quanto em áreas internas. Essas zonas apresentam mecanismos para a manutenção do equilíbrio hidrológico, viabilizando o armazenamento e abastecimento de água e regulação do lençol freático, por intermédio da manutenção e recarga de água superficial e subterrânea. Logo, a segurança dos recursos hídricos é obviamente uma questão crítica, igualmente importante para a estabilidade regional em várias partes do mundo (SHINE; KLEMM, 1999). No que concerne à questão microclimática de tais zonas, a evaporação localizada das áreas úmidas ou a transpiração das florestas úmidas mantém a umidade local e os níveis de precipitação. Ademais, acredita-se que essas áreas desempenham funções importantes no sequestro de carbono. Com efeito, a sua destruição implica na diminuição das chuvas locais, ocasionando uma desregulação climática que pode, inclusive, prejudicar a produtividade das safras (SHINE; KLEMM, 1999). Ainda, a alta produtividade das zonas úmidas indica que há um amplo suprimento de alimentos para manter cadeias complexas, fazendo com que as zonas úmidas saudáveis sejam capazes de fornecer habitat fértil e terrenos de desova e berçário para muitas espécies selvagens as quais, muitas vezes, apresentam importância inclusive para o ser humano, como aquelas com caráter comercial. 63 A essas definições aliam-se aquelas que se valem de critérios mais técnicos, considerando-se as características ecológicas, botânicas, zoológicas, hidrológicas. 83 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 As zonas úmidas também constituem a base para diversas atividades humanas gerando recursos como peixes e madeiras, plantas medicinais, terras férteis para agricultura, abastecimento de água, ecoturismo, entre outros. Muitos recursos beneficiam as comunidades locais e os povos indígenas que vivem nas áreas úmidas, permitindo que estas mantenham suas formas tradicionais de exploração de recursos animais e vegetais, resguardando, desse modo, o ambiente cultural dessas comunidades (SHINE; KLEMM, 1999). Essas áreas oferecem um significativo reservatório de materiais genéticos, que podem ser usados no desenvolvimento de pesquisa agrícola e de produtos (por exemplo, para variedades de arroz resistentes a doenças), bem como na aquicultura e na indústria farmacêutica. Ainda, os processos biológicos que ocorrem em espécies selvagens podem ser muito relevantes para a medicina humana (SHINE; KLEMM, 1999). Além disso, as áreas úmidas possuem papel relevante para o desenvolvimento das atividades humanas, na medida em que a riqueza de sua biodiversidade enquadra essas zonas como instrumentos naturais determinantes para a purificação das águas e controle dos ciclos hidrológicos. Em 28 de agosto de 2020 foi divulgado pelo Secretariado da Convenção (The Secretariat of the Convention on Wetlands) (RAMSAR, 2020) uma lista contendo as zonas úmidas de importância internacional. A Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional64 (The List of Wetlands of International Importance) foi estabelecida em resposta ao Artigo 2.1 da Convenção sobre Zonas Úmidas (CONVENÇÃO DE RAMSAR, 1971), que diz: as Partes Contratantes indicarão as zonas úmidas apropriadas dentro de seus territórios para constar da Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional, a seguir referidas como “a Lista”, que ficará a cargo do bureau criado pelo Artigo 8. Os limites de todas as zonas úmidas serão descritos pormenorizadamente e também delimitados no mapa, podendo incorporar área ribeirinhas ou litorais adjacentes às zonas úmidas e ilhas ou porções de água marítima com mais 64 Disponível em <https://www.ramsar.org/sites/default/files/documents/library/sitelist.pdf>. 84 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho de seis metros de profundidade na maré baixa situada dentro da área de zona úmida, principalmente onde estas tiverem importância como habitat de aves aquáticas (CONVENÇÃO DE RAMSAR, 1971). Conforme a publicação, as zonas úmidas incluídas na Lista adquirem novo estatuto a nível nacional e também são reconhecidas pela comunidade internacional como tendo valor significativo não só para o país, ou os países onde se encontram, mas para a humanidade como um todo. A Convenção estabelece que “as áreas úmidas devem ser selecionadas para a Lista devido à sua importância internacional em termos de ecologia, botânica, zoologia, imunologia ou hidrologia”. Ao longo dos anos, a Conferência das Partes Contratantes (COP) adotou critérios mais específicos de interpretação do texto da Convenção, bem como um Informativo sobre sítios Ramsar e um sistema de classificação dos tipos de zonas úmidas. Todas as questões relativas à Lista Ramsar foram encapsuladas na Resolução VII.11 adotada pela Conferência das Partes em maio de 1999 e intitulada Estrutura Estratégica e Diretrizes para o Desenvolvimento Futuro da Lista de Zonas Úmidas de Importância Internacional, que tem sido frequentemente atualizada (RAMSAR, 2020). Na América do Sul, o Pantanal consiste em importante zona úmida e se destaca por ser a maior planície inundável continental do mundo, com cerca de 175 mil km². Segundo a World Wide Fund for Nature (WWF), o bioma abriga 656 espécies de aves, 159 de mamíferos, 325 espécies de peixes, 98 de répteis, 53 de anfíbios e mais de 3,5 mil plantas. No Pantanal, há 10 sítios Ramsar, áreas úmidas reconhecidas pela Convenção Internacional. Três deles ficam no Brasil: o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense, a RPPN Sesc Pantanal e a RPPN Fazenda do Rio Negro (MMA, 2018). A despeito da extrema relevância das zonas úmidas para a biodiversidade e para o bem-estar humano, já que a importância desse ecossistema se volta para a manutenção do equilíbrio ambiental, ecológico, biológico e hidrológico, as zonas úmidas são um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta, sujeitas à perda e degradação de habitat por fatores como construção de infraestrutura, conversão de terra, drenagem de água, poluição, exploração indevida de recursos 85 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 e introdução de espécies exóticas (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT, 2005). Portanto, é evidente a necessidade de protegê-lo e conservá-lo de forma legal, o que não é unânime ou pacífico, já que envolve intensos debates com os proprietários de terras onde estão localizadas essas zonas úmidas Com efeito, infere-se que o equilíbrio ambiental mantido pelas áreas úmidas é vital para a população terrestre, pois, quanto maior a preservação dos processos ecológicos desse ecossistema, maiores são os benefícios socioambientais para as pessoas. Por outro lado, quanto maior a degradação dessas áreas, mais consequências negativas recairão sobre a coletividade. A preservação e conservação das áreas úmidas ultrapassam os limites ambientais e devem ser incorporadas nos valores culturais e sociais da humanidade. Sendo assim, é evidente a necessidade de adotar medidas de proteção e conservação desse ecossistema por se tratar de importante instrumento de garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sobretudo para as futuras gerações. 2.1 Cenário ecológico atual das zonas úmidas: perda e degradação As áreas úmidas são ecossistemas dinâmicos que estão em mudança constante por meio de processos contínuos de subsidência, inundações, aumento do nível do mar, seca, erosão e assoreamento. Embora certas pressões sobre as zonas úmidas surjam de causas naturais, as atividades humanas que alteraram significativamente sua natureza, particularmente no último século. Muitos locais do mundo sofrem com perdas ou degradação de áreas úmidas em grande escala, ocasionando a redução da sua capacidade de fornecer bens e serviços para as necessidades ecológicas e humanas (SHINE; KLEMM, 1999). Primeiramente, importa apontar o conceito e as diferenças dos termos “perda” e “degradação”. A perda pode ser definida como “a perda de áreas úmidas, devido à conversão de áreas úmidas em áreas não úmidas, como resultado da atividade humana” (SHINE; KLEMM, 1999, p. 13), enquanto a degradação é “o comprometimento das funções das áreas úmidas como resultado da atividade humana” (SHINE; KLEMM, 1999, p. 13). 86 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A precisão dos dados mundiais sobre essas áreas está aumentando. As zonas úmidas continentais e costeiras em escala global cobrem mais de 12,1 milhões de km², uma área maior do que o Canadá, com 54% de área inundada permanentemente e 46% sazonalmente. No entanto, as zonas naturais estão diminuindo em todo o mundo, entre 1970 e 2015, as áreas úmidas (continentais, marinhas e costeiras) sofreram uma redução de 35%, nos casos em que os dados estavam disponíveis, correspondendo a uma taxa três vezes maior do que a perda de florestas. De outro lado, áreas artificiais (principalmente, campos de arroz e reservatórios) quase dobraram durante este período e, agora, constituem 12% das zonas úmidas; todavia, o aumento dessas áreas artificiais não compensa a perda de naturais (SECRETÁRIA DE LA CONVENCIÓN DE RAMSAR, 2018). Os dados gerais disponíveis sugerem que espécies dependentes das áreas úmidas, como peixes, aves aquáticas e tartarugas, têm experimentado um sério declínio, e um quarto delas estão ameaçadas de extinção, especialmente nos trópicos. Desde 1970, 81% das populações de espécies de áreas úmidas continentais e 36% de espécies costeiras e marinhas diminuíram (SECRETÁRIA DE LA CONVENCIÓN DE RAMSAR, 2018). Desde a década de 1990, a poluição da água piorou em quase todos os rios da América Latina, África e Ásia. As principais ameaças incluem águas residuais não tratadas, resíduos industriais, escoamento agrícola, erosão e mudanças em sedimentos. Em 2050, é provável que um terço da população mundial esteja exposta à água com excesso de nitrogênio e fósforo, o que levará ao rápido crescimento e deterioração das algas causando a morte de peixes e outras espécies. A salinidade aumentou em muitas áreas, mesmo nas águas subterrâneas, prejudicando a agricultura. Outro dado interessante é que, em quase metade dos países que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a água em áreas agrícolas contém pesticidas acima dos limites nacionais recomendados. Esses impactos são prejudiciais à saúde humana, minam os serviços de ecossistemas e causam ainda mais danos à biodiversidade (SECRETARÍA DE LA CONVENCIÓN DE RAMSAR, 2018). Atualmente, um grande número de zonas úmidas reconhecidas como de importância internacional está ameaçado pelas atividades humanas. A conversão de terras em áreas agrícolas, industriais ou residen87 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ciais não foi compensada pela criação de áreas úmidas artificiais. Ainda que existam técnicas em prol da recuperação dessas áreas que estão sendo utilizadas em países desenvolvidos, as mesmas são excessivamente onerosas e dificilmente poderão recuperar ou compensar toda a gama de funções das zonas úmidas (SHINE; KLEMM, 1999). O Brasil também conta com uma importante zona úmida de caráter transfronteiriço que abrange o bioma do Pantanal65, o qual, segundo pesquisas realizadas pela Embrapa, nas últimas três décadas, vem sofrendo os resultados das ações antrópicas, praticadas não somente na planície, mas principalmente nos planaltos adjacentes. Atualmente, os impactos ambientais e socioeconômicos no Pantanal são muito evidentes, decorrentes da inexistência de um planejamento ambiental que garanta a sustentabilidade dos recursos naturais desse importante bioma. Dentre as causas dessa degradação destaca-se a expansão desordenada e rápida da agropecuária, a utilização de grandes cargas de agroquímicos e a exploração de diamantes e de ouro nos planaltos, a qual, frequentemente, é realizada com o uso intensivo de mercúrio. Todas essas atividades provocam profundas transformações regionais, influenciando tanto o meio ambiente quanto a população local. Outra problemática consiste na remoção da vegetação nativa nos planaltos para implementação de lavouras e de pastagens sem considerar fatores como a aptidão das terras, a adoção de práticas de manejo e a conservação de solo, além da destruição de habitats, que aceleraram os processos erosivos nas bordas do Pantanal. Ainda, de acordo com a Embrapa, a consequência imediata da remoção de vegetação tem sido o assoreamento dos rios na planície, o que leva à intensificação de inundações, causando sérios prejuízos à fauna, flora e economia do Pantanal. O Ministério do Meio Ambiente (MMA, [s. d]) destaca que, de acordo com o Programa de Monitoramento dos Biomas Brasileiros por Satélite – PMDBBS, realizado com imagens de satélite de 2009, o bioma Pantanal mantêm 83,07% de sua cobertura vegetal nativa. Entretanto, apenas 4,6% do Pantanal encontra-se protegido por Unidades de Conservação (UC), das quais 2,9% correspondem a UCs de proteção integral e 1,7% a UCs de uso sustentável (BRASIL, 2015) (MMA). 65 O Pantanal está presente no território do Brasil, Paraguai e Bolívia. 88 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Dados divulgados pela ONG WWF-Brasil informam que 18% do Pantanal foi desmatado; dentre as causas dessa devastação estão a expansão das commodities, principalmente para a produção extensiva de gado. Ainda, a parte alta da Bacia do Alto Paraguai (BAP), região com extensão total de aproximadamente 368 mil km², já perdeu 58% de sua cobertura vegetal original, onde se concentra a maior parte das nascentes que alimentam o bioma. Conforme estudo realizado pela WWF-Brasil, The Nature Conservancy (TNC) e pelo Centro de Pesquisas do Pantanal, as principais ameaças que afetam com mais frequência essa sensível e vulnerável região consistem: na erosão e sedimentação por manejo inadequado de terras para agropecuária; no desmatamento e crescimento urbano e populacional associado a obras de infraestrutura, como rodovias, barragens, portos, hidrovias e barramentos hidrelétricos que podem alterar o regime hídrico natural do Pantanal. Do mesmo modo que a fauna e flora da região se destacam devido às suas características e sofrem com as problemáticas ambientais, importa evidenciar os efeitos sociais de tais problemas na rica presença das comunidades tradicionais como as indígenas, quilombolas, os coletores de iscas ao longo do Rio Paraguai, comunidade Amolar e Paraguai Mirim, dentre outras. No decorrer dos anos essas comunidades influenciaram diretamente na formação cultural da população pantaneira (MMA, [s. d.]); essas populações também sofrem com as consequências advindas da degradação ambiental da região, que ameaça, inclusive, seu modo de vida. Portanto, diante da importância das zonas úmidas na manutenção do equilíbrio ecológico, da sua característica transfronteiriça, e das ameaças e degradações sofridas por essas áreas, é de grande relevância a sua tutela jurídica, tanto no ordenamento internacional quanto nacional. 3 O REGIME JURÍDICO DE RAMSAR NA PROTEÇÃO DAS ZONAS ÚMIDAS O meio ambiente é transfronteiriço. Portanto, frente à ubiquidade do bem ambiental, passa-se a exigir respostas na esfera internacional para assegurar sua efetiva proteção. Com efeito, o Direito Internacional do Meio Ambiente (DIMA) busca alcançar essa tutela 89 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 internacional, consolidando documentos multilaterais de grande relevância que também influenciam o ordenamento jurídico nacional. Ainda que o marco inaugural do DIMA se deu na década de 1970, pode-se dizer que o movimento ambiental que colaborou para o seu desenvolvimento iniciou séculos atrás. Contudo, após a Segunda Guerra Mundial, novas preocupações emergiram como, por exemplo, aquelas relacionadas a era nuclear e aos temores ligados a um novo tipo de poluição por radiação. Na década de 1960, o movimento ambientalista moderno ganhou novo impulso fomentado pela publicação de obras por parte da comunidade científica, com destaque ao livro de Rachel Carson, publicado em 1962, intitulado Primavera Silenciosa (Silent Spring), em que a autora alerta para as consequências da poluição decorrentes do uso de pesticidas, destacando a necessidade de respeitar o ecossistema em que vivemos para proteger a saúde humana e o meio ambiente. Com o fim da década de 1960, seus ideais e visões começaram a ser colocados em prática. Entre estes estava a proteção ambiental que alcançou dimensões globais. Enquanto a preocupação universal sobre o uso saudável e sustentável do planeta e de seus recursos continuou a crescer, em 1972 a Organização das Nações Unidas (ONU) convocou a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, a qual foi realizada na cidade de Estocolmo (Suécia). A Conferência de Estocolmo representa um marco no contexto internacional, pois inaugura o Direito Internacional do Meio Ambiente e leva as problemáticas ambientais ao debate internacional que, anteriormente, era ocupado tradicionalmente, em sua maioria, por questões diplomáticas. É necessário destacar que a Convenção de Ramsar é estabelecida apenas um ano antes da Declaração de Estocolmo de 1972, apontada como marco que trouxe 26 princípios sobre temas de interesse comum da humanidade, tentando conciliar a proteção do Meio Ambiente e o direito ao desenvolvimento, buscando, para isso, critérios e princípios comuns. Portanto, é evidente que a Convenção de Ramsar, de 1971, nasce no mesmo contexto da Conferência de Estocolmo, sendo também resultado do movimento ambientalista em prol da preservação do meio ambiente que foi fortalecido na década de 1960. A Convenção sobre áreas úmidas foi idealizada principalmente pelos países do hemisfério Norte, na década de 1960, empenha90 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho dos na preservação das aves aquáticas, principalmente as migratórias, compreendendo que a participação dos países do hemisfério Sul era necessária, por constituírem dimensão territorial de áreas úmidas, para onde as aves emigram. Posteriormente, os objetivos da Convenção foram ampliados de proteger o habitat natural de aves aquáticas para uso racional e conservação de zonas úmidas na visão de um ecossistema. Estabelecida em fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar, a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, mais conhecida como Convenção de Ramsar, está em vigor desde 21 de dezembro de 1975. No contexto brasileiro, seu texto foi plenamente incorporado ao arcabouço legal, em 1996, pela promulgação do Decreto n. 1.905/96 (MMA, [s.d.]). A Convenção de Ramsar determina marcos para ações nacionais e para a cooperação entre países com o objetivo de promover a conservação e o uso racional de áreas úmidas no mundo. Essas ações estão fundamentadas no reconhecimento, pelos países signatários da Convenção, da importância ecológica e do valor social, econômico, cultural, científico e recreativo de tais áreas. Nesse contexto, a Convenção de Ramsar destaca-se como importante instrumento para a conservação desses ambientes em todo o mundo. Idealizada a partir da necessidade de conter as ameaças às zonas úmidas e de se listar áreas de importância internacional em um nível global, o tratado foi ratificado por governantes de 18 países no dia 3 de fevereiro de 1971 (RAMSAR CONVENTION SECRETARIAT, 2004). Atualmente, são 170 países signatários da Convenção, contando com 2.403 sítios designados que abrangem uma área de 254.307.159 hectares (RAMSAR, 2020). Em princípio, tinha-se por objetivo a conservação de aves aquáticas e de seus habitats; porém, a partir da década de 1980, com o avanço do debate sobre conservação, a Convenção ampliou suas preocupações de forma a abarcar as demais áreas úmidas, inclusive de água salgada, assim como outros temas, tais como a qualidade da água, a produção de alimentos e a biodiversidade em geral. Reconheceu-se a importância das zonas úmidas na manutenção da fauna e flora e para o bem-estar da população humana, refletindo uma nova perspectiva, ecossistêmica e socioambiental. Finalmente, já no século XXI, a Convenção passou a se preocupar com o uso racional das zonas úmidas em todo o mundo, 91 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 tornando-se ainda mais abrangente (RAMSAR CONVENTION SECRETARIAT, 2004). Nesse conjunto de áreas úmidas são encontrados alguns dos ambientes mais produtivos e de maior diversidade biológica do planeta. A Lista de Ramsar é o principal instrumento adotado pela Convenção para implementar seus objetivos, sendo composta por áreas caracterizadas como ecossistemas úmidos importantes, selecionados pelos países e aprovadas por um corpo técnico especializado da Convenção. Após essa aprovação, as áreas recebem o título de “Sítios Ramsar”, sob esse status, esses ambientes úmidos tornam-se objeto de compromissos a serem cumpridos pelo país contratante, visando a manutenção das características ecológicas das zonas úmidas, incluindo os elementos da biodiversidade e os processos ecológicos que as mantém, de modo a garantir suas funções e serviços ambientais. Com efeito, deve-se atribuir prioridade para a consolidação desses compromissos frente a outras áreas protegidas, desenvolver políticas, legislações, ações de gestão e educação que contribuam com a preservação das zonas úmidas e cooperar com a conservação de áreas que sejam transfronteiriças. Ainda, a área pode ter acesso a benefícios decorrentes dessa condição, os quais podem ser financeiros e/ou relacionados à assessoria técnica para o desenho de ações orientadas à sua proteção, além da possibilidade de obtenção de fundos internacionais para o financiamento de projetos. Ao mesmo tempo, o título de Sítio Ramsar confere às áreas úmidas prioridade na implementação de políticas governamentais e reconhecimento público, tanto por parte da sociedade nacional como por parte da comunidade internacional, o que contribui para fortalecer sua proteção (MMA, [s. d]). A designação de uma área como sítio Ramsar passa pelo atendimento a critérios para a identificação de zonas úmidas de importância internacional, desenvolvidos pela própria Convenção. Há nove critérios no total, divididos em dois grupos principais: áreas contendo zonas úmidas representativas, raras ou únicas e áreas de importância internacional para a conservação da biodiversidade (RAMSAR CONVENTION SECRETARIAT, 2014). Além disso, cria-se um cenário favorável à cooperação internacional, aumenta-se o prestígio das áreas indicadas como sítio Ramsar e do país no painel intergovernamental e facilita-se o desenvolvimento de políticas nacionais e ações governamentais, o que contribui 92 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho para a proteção das zonas úmidas (RAMSAR CONVENTION SECRETARIAT, 2004). A Convenção de Ramsar cria um regime jurídico internacional de proteção das zonas úmidas que é constantemente atualizado. Nesse sentido, a Conferência das Partes Contratantes (COP) destaca-se como instância de formulação e aprovação de políticas para a Convenção. Convocada por seu Secretariado, a COP ocorre a cada três anos com o propósito de promover políticas e diretrizes para a progressão dos objetivos da Convenção66. A COP é também responsável pela aprovação dos planos estratégicos, os quais contêm objetivos gerais, objetivos operacionais e ações estratégicas a serem desenvolvidas pelas partes, com a participação de instâncias da Convenção - como o Comitê Permanente, o Painel de Revisão Técnico-Científico, o próprio Secretariado e as organizações não-governamentais parceiras67. Além de zelar pelo funcionamento do tratado, a COP também elabora as resoluções, de ordem geral ou específica, às partes contratantes sobre conservação, gestão e exploração racional/uso sustentável das zonas úmidas. Ademais, as partes da Convenção já se comprometeram a manter as características ecológicas de mais de 2.300 zonas úmidas de importância internacional. As obrigações podem ser colocadas em três pilares: (i) conservar e usar as áreas úmidas de maneira racional; (ii) designar e conservar ao menos uma área úmida de importância internacional ou sítio Ramsar; (iii) cooperar para além das fronteiras nacionais em áreas úmidas transfronteiriças, sistemas de áreas compartilhadas e espécies compartilhadas. 66 67 Art. 6.2. A Conferência das Partes Contratantes tem competência para: a) examinar a execução desta Convenção; b) examinar inclusões e mudanças na Lista; c) analisar a informação relativa às mudanças de caráter ecológico de zonas úmidas incluídas na Lista, fornecida em conformidade com o parágrafo 2 do Artigo 3; d) formular recomendações, de ordem geral ou específica, às Partes Contratantes acerca de conservação, gestão e exploração racional de zonas úmidas, da sua flora e fauna; e) solicitar aos organismos internacionais competentes a elaboração de relatórios e estatísticas sobre assuntos de natureza especialmente internacional relativas às zonas úmidas, e f ) adotar outras recomendações ou resoluções para promover o funcionamento desta Convenção (CONVENÇÃO DE RAMSAR, 1971). A Convenção conta, oficialmente, com cinco organizações internacionais parceiras - BirdLife International; International Water Management Institute (IWMI); União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN); Wetlands International e WW - que fornecem avisos e assistência técnica especializada. 93 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 No contexto brasileiro, o país firmou a Convenção em 199368, ficando responsável pelo levantamento de suas áreas úmidas, por sua classificação e pela realização de estudos para o seu manejo e proteção. O Brasil possui sítios Ramsar de relevância internacional, dentre os quais, destaca-se o bioma Pantanal. A despeito da importância dessas áreas úmidas, não há ferramentas legais fundamentadas na Convenção; as áreas úmidas são objeto de proteção por intermédio de outras legislações ambientais como, por exemplo, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC (LEI n. 9.985, de 18 de julho de 2000)69. Portanto, no contexto legislativo brasileiro, há uma lacuna quanto a existência de um regime jurídico específico que proteja os sítios Ramsar. Dessa forma, considerando as mais diversas intervenções humanas degradantes nas áreas úmidas, a Convenção de Ramsar busca tutelar e evidenciar a importância dessas zonas sob os aspectos de diversidade biológica e produtividade, sendo patente a proteção jurídica dessas áreas. Insta salientar a relevância dessas zonas no contexto do desenvolvimento sustentável global. Diante da sua importância para manutenção dos processos ecológicos, bem como para o ser humano, a sua proteção deve também ser pautada no tripé da sustentabilidade, conciliando os fatores ambientais, sociais e econômicos. Nesse contexto, a Agenda 2030 da ONU, com seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), destaca-se enquanto uma agenda política global que apresenta a possibilidade de trabalhar em prol da proteção dessas áreas tanto no âmbito internacional quanto nacional sob o paradigma do desenvolvimento sustentável. 4 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL À LUZ DE RAMSAR Diante da proporção tomada pela crise ecológica vivenciada, a conservação do meio ambiente se transforma em um objetivo global, 68 69 Governo brasileiro depositou a Carta de Ratificação do instrumento multilateral em 24 de maio de 1993, passando o mesmo a vigorar, para o Brasil, em 24 de setembro de 1993, na forma de seu artigo 11. Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. 94 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho comum a todos os Estados, e essencial ao bem-estar humano, “constituindo um vínculo solidário a todos os membros da comunidade internacional” (CAMPELLO, 2014, p. 271). A ideia de solidariedade e responsabilidade é essencial no enfrentamento da crise ecológica e para a compreensão da relevância da cooperação internacional. Nesse sentido, a solidariedade “expressa a necessidade formal de coexistência do ser humano em um corpo social” (SARLET; FENSTERSEIFER, 2017, p. 91), sendo necessária a existência de vínculos de fraternidade para a efetivação dos direitos ecológicos (SARLET; FENSTERSEIFER, 2017). Por conseguinte, a ideia de um patrimônio comum da humanidade também toca de forma direta a questão ambiental, pois busca dar a dimensão de importância dos bens ambientais de forma alijada de uma perspectiva individualista, mas, acima de tudo, solidária e compartilhada entre todos (SARLET; FENSTERSEIFER, 2017). Desse modo, Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer (2017) evidenciam que há, além da responsabilidade na esfera moral, também a necessidade de imposição de responsabilidades (deveres e obrigações) no campo jurídico, com o propósito de frear o ímpeto destrutivo que tem nos guiado nos últimos séculos. Nesse panorama, os Estados solidários – e a sociedade em geral - têm uma responsabilidade comum, tanto pelas consequências da crise ecológica, quanto pela proteção ambiental. Essa concepção é reforçada no Preâmbulo da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente, o qual afirma que: Para se chegar a esta meta [a defesa e melhoramento do meio ambiente humano para as gerações presentes e futuras] será necessário que cidadãos e comunidades, empresas e instituições, em todos os planos, aceitem as responsabilidades que possuem e que todos eles participem equitativamente, nesse esforço comum (ONU, 1972). Portanto, diante do caráter transnacional das problemáticas ambientais, o seu enfrentamento demanda uma atuação planejada, cooperativa e solidária dos atores públicos e privados, nos mais diversos planos, partindo desde uma esfera local, regional e nacional até a esfera internacional. Para uma melhor compreensão da relevância desta ação cooperativa e, por conseguinte, da cooperação internacional: 95 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 o princípio [da cooperação internacional] deve ser interpretado sob a luz do princípio da solidariedade internacional ambiental, vez que serve como instrumento à concretização do direito de todos, inclusive das futuras gerações, à qualidade de vida e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (CAMPELLO, 2014, p. 273). A cooperação internacional foi consagrada no direito internacional ambiental na Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972), sendo prevista tanto em seu Preâmbulo quanto nos Princípios, com destaque aos princípios 2270 - que se preocupa com os danos ambientais ocorridos fora da jurisdição de um Estado - e 2471 - que impõe o dever do Estado de cooperar - bem como o princípio 1272, que faz previsão a uma assistência técnica e financeira internacional para auxiliar os países em desenvolvimento. Nesse contexto, afirma-se que tal abordagem, em relação à cooperação internacional do meio ambiente, consiste no surgimento do “Direito Internacional da Cooperação”, regendo um novo tipo de relações internacionais, voltadas para o interesse comum da humanidade, bem como sua sobrevivência ao se preocupar com a preservação dos recursos naturais. Posteriormente, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) colocou a cooperação internacional como instrumento indispensável para a efetivação do desenvolvimento sustentável, estando presente nos Princípios 5, 7, 12, 13, 14, 18, 19 e 27, além de também ser contemplada na Agenda 21, com 70 71 72 Os Estados devem cooperar para continuar desenvolvendo o direito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização às vítimas da poluição e de outros danos ambientais que as atividades realizadas dentro da jurisdição ou sob o controle de tais Estados causem às zonas fora de sua jurisdição. Todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito de cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e melhoramento do meio ambiente. É indispensável cooperar para controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera, possam ter para o meio ambiente, mediante acordos multilaterais ou bilaterais, ou por outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os estados. Recursos deveriam ser destinados para a preservação e melhoramento do meio ambiente tendo em conta as circunstâncias e as necessidades especiais dos países em desenvolvimento e gastos que pudessem originar a inclusão de medidas de conservação do meio ambiente em seus planos de desenvolvimento, bem como a necessidade de oferecer-lhes, quando solicitado, mais assistência técnica e financeira internacional com este fim. 96 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho destaque aos Capítulos 2, 16, 17, 20, 31, 34 e 37. A preocupação com a cooperação internacional fica evidente, pois a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) elenca dentre seus objetivos: [...] estabelecer uma nova e justa parceria global mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chaves da sociedade e os indivíduos, trabalhando com vistas à conclusão de acordos internacionais que respeitem os interesses de todos e protejam a integridade do sistema global de meio ambiente e desenvolvimento, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, nosso lar (ONU, 1992). Ainda que a cooperação internacional encontre previsão em inúmeros princípios da Declaração do Rio e capítulos da Agenda 21, insta destacar o Princípio 2773 que, embora bastante discreto na estrutura geral da Declaração do Rio, introduziu vários conceitos inovadores no direito internacional e na governança, com foco na relação de cooperação (VIÑUALES, 2015) bem como, “inspirou uma ampla gama de projetos e parcerias [...] para o desenvolvimento sustentável” (VIÑUALES, 2015). Em um primeiro momento, é possível ter a concepção de que o princípio supramencionado busca meramente reiterar o que foi afirmado nos demais dispositivos da Declaração do Rio. Contudo, por meio de uma análise mais aprofundada, constata-se que o Princípio 27 não consiste apenas em mais um postulado normativo, mas em uma diretriz para a implementação da Declaração do Rio como um todo (VIÑUALES, 2015). Nesse aspecto, houve o reconhecimento – no princípio 27 – de uma responsabilidade compartilhada para a efetivação dos demais princípios, manifestada na cooperação entre os Estados e os povos. Consequentemente, a implementação operacional deste princípio ocasionou a emergência de programas e projetos. objetivando a efetivação da Declaração do Rio (VIÑUALES, 2015) e também a estimu73 Os Estados e os povos devem cooperar de boa fé e imbuídos de um espírito de parceria para a realização dos princípios consubstanciados nesta Declaração, e para o desenvolvimento progressivo; do direito internacional no campo do desenvolvimento sustentável. 97 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 lação do desenvolvimento do direito internacional no que concerne ao desenvolvimento sustentável. Posteriormente, em 2012, na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), no documento O Futuro que Queremos (2012), foi reafirmado o compromisso de fortalecimento da cooperação internacional com o objetivo de enfrentar os desafios decorrentes do desenvolvimento sustentável, em diversas perspectivas, bem como a relevância desta ferramenta nos acordos ambientais multilaterais. Atualmente, a cooperação internacional também se encontra presente nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), mais especificamente no Objetivo 17 que almeja “fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável”, demonstrando que os ODS só serão realizados mediante um compromisso renovado de cooperação entre a comunidade internacional e uma parceria global ampla que inclua todos os setores interessados e as pessoas afetadas pelos processos de desenvolvimento. Os meios de implementação e as parcerias para o desenvolvimento sustentável são vitais para o crescimento sustentado e para o desenvolvimento sustentável das nações. O ODS 17 propõe o caminho para a realização efetiva da Agenda 2030 por todos os países, e a cooperação de esforços na arena internacional é essencial para isso. A Cooperação Sul-Sul e triangular, a transferência de tecnologia, o intercâmbio de dados e capital humano, bem como a assistência oficial ao desenvolvimento são alguns meios para o alcance dos ODS (Objetivo 17 da Agenda 2030). Neste objetivo, há a previsão do melhoramento da cooperação Norte-Sul, Sul-Sul e triangular regional e internacional, assim como o aprimoramento do acesso à ciência, tecnologia e inovação, aumentando o compartilhamento de conhecimentos de forma mutuamente acordada, por meio de uma melhor coordenação de mecanismos já existentes. O ODS 17 também faz uma previsão referente à cooperação técnica e à transferência de tecnologia, bem como a utilização da cooperação internacional para a capacitação dos países em desenvolvimento. Dessa maneira, é evidente a necessidade e relevância da cooperação internacional para o enfrentamento da crise ecológica, uma vez que suas consequências não apresentam fronteiras. Com efeito, frente à importância da cooperação internacional 98 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho para lidar com questões transfronteiriças e para implementar as disposições estabelecidas pelos documentos de proteção do meio ambiente bem como pelos objetivos da Agenda 2030, esses mecanismos apresentam grande relevância em prol da conservação e utilização responsável e sustentável das terras úmidas e seus recursos. Por conseguinte, a Convenção de Ramsar sobre Zonas Úmidas elenca a cooperação como um dos instrumentos a ser utilizado na proteção dessas áreas. O artigo 2.6 da Convenção dispõe que os signatários deverão considerar as suas responsabilidades, no plano internacional, para a conservação, orientação e exploração racional da população migrante de aves aquáticas, tanto ao designar as zonas úmidas de seu território a serem inscritas nas Lista, bem como ao exercer o seu direito de modificar a inscrição. Ainda, o artigo 5 prevê que as partes da Convenção consultar-se-ão mutuamente sobre a execução das obrigações convencionadas, principalmente nos casos em que uma zona úmida se estende sobre mais de um território ou quando há uma bacia hidrográfica compartilhada. O mesmo dispositivo também acrescenta que os signatários “deverão ao mesmo tempo empreender esforços no sentido de coordenar e apoiar políticas e regulamentos atuais e futuros relativos à conservação de zonas úmidas e à sua flora e fauna” (CONVENÇÃO DE RAMSAR, 1971). Logo, a Convenção de Ramsar coloca a cooperação internacional como instrumento relevante na proteção das zonas úmidas, principalmente, porque algumas dessas áreas ultrapassam as fronteiras geográficas estabelecidas pela humanidade e compartilham territórios de estados soberanos distintos. Ademais, a degradação ambiental de um sítio Ramsar traz consequências drásticas não apenas para o território onde está localizado, mas para toda a região, fazendo com que seus efeitos negativos se manifestem em diversos países. Com efeito, dada a importância dessas zonas úmidas e a característica transfronteiriça de seus recursos, bem como das problemáticas ambientais que lhes afligem, a busca por sua proteção deve ser vislumbrada não apenas nos limites territoriais do Estado, mas também no contexto internacional, colocando a cooperação como mecanismo que viabiliza a proteção transfronteiriça dessas áreas. O interesse pela tutela internacional das zonas úmidas pode ser claramente verificado pelo fato de que, atualmente, a Convenção 99 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 de Ramsar conta com 170 Estados signatários, refletindo, claramente, o reconhecimento e a demanda, no contexto internacional, da proteção de tais áreas. Portanto, não há dúvidas quanto a relevância de ações multilaterais no resguardo de tais zonas, o que coloca a cooperação internacional - acadêmica, financeira, tecnológica e científica - como mecanismo primordial para a tutela das áreas úmidas e seu uso de modo sustentável. CONSIDERAÇÕES FINAIS A crise ecológica global representa um dos principais desafios a ser enfrentado pela humanidade no século XXI. As problemáticas que lhe são inerentes tornam-se mais complexas frente ao seu caráter transfronteiriço, o que demanda uma visão holística que busque soluções coordenadas tanto no contexto internacional quanto nacional, regional e local. Dentre as inúmeras questões ambientais, destaca-se a proteção das zonas úmidas. Essas áreas são caracterizadas por complexos processos ecológicos e pela rica biodiversidade, além disso, apresentam grande relevância para as populações humanas. Contudo, atualmente, essas zonas sofrem com grande perda e degradação, o que se distancia da visão de desenvolvimento sustentável incentivada pela ONU em diversos tratados e convenções, a exemplo da Agenda 2030 (2015), evidenciando a necessidade de buscar sua tutela no ordenamento jurídico internacional e nacional. No contexto internacional, como resultado do movimento ecológico moderno da década de 1960, foi estabelecido um regime de proteção das zonas úmidas, o qual tem como marco a Convenção de Ramsar de 1971 que, atualmente, conta com 170 países signatários. Trata-se de um importante marco normativo que se encontra em constante construção e atualização devido à atuação da Conferência das Partes (COP). Com efeito, as zonas úmidas passam a ser objeto de compromissos a serem cumpridos pelo país signatário e, ao mesmo tempo, a ter acesso a benefícios decorrentes dessa condição. Ao mesmo tempo, essas áreas tornam-se prioritárias na implementação de políticas governamentais e reconhecimento público, tanto por parte da socie100 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho dade nacional quanto por parte da comunidade internacional, o que contribui no fortalecimento de sua proteção. Portanto, para a concretização do objetivo da Convenção, importa buscar a tutela dessas áreas no paradigma do desenvolvimento sustentável, viabilizando a sua proteção ambiental e também considerando as questões sociais das populações que vivem nessas áreas, bem como sua importância econômica. Esse panorama coloca a Agenda 2030 da ONU, com seus 17 ODS, como uma agenda política que possibilita a proteção de tais zonas sob o enfoque do tripé da sustentabilidade. Nesse contexto, a cooperação internacional apresenta-se como mecanismo de grande relevância na proteção dessas zonas pois, devido ao seu caráter transfronteiriço, a sua efetiva tutela demanda e a atuação multilateral de inúmeros atores no cenário internacional, tanto Estados quanto a população, organizações internacionais governamentais e não-governamentais, bem como os atores privados. Com efeito, a Convenção de Ramsar prevê, em seus artigos 2.6 e 5, a cooperação enquanto instrumento para efetivação e alcance dos seus objetivos, evidenciando sua aplicabilidade no que concerne à proteção das zonas úmidas. Portanto, no paradigma do desenvolvimento sustentável - que demonstra a necessidade de conciliar os fatores ambientais, sociais e econômicos - a cooperação internacional (financeira, tecnológica, jurídica e acadêmica) destaca-se como instrumento que viabiliza a proteção multilateral das zonas úmidas no contexto global, nacional, regional e local. 101 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio. (Coord.); LIMA, Rafaela de Deus (Org.) . Direitos Humanos e Meio Ambiente: os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030. 1. ed. São Paulo: Instituto de Desenvolvimento Humano Global (IDHG), 2020. CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio; LOPES, João Felipe Menezes. A soberania externa enquanto fenômeno mutável e seus reflexos na teoria jurídica. Revista Argumentum. Marília, v. 18, n. 1, 2017, pp. 109-123. CAMPELLO, Lívia Gaigher Bósio. 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Contudo, tais cuidados têm revelado ser um verdadeiro agravante para o caos ecológico instaurado no século XXI. Independentemente da origem que se atribua ao vírus em caráter definitivo, é incontroverso que a crise sanitária guarda estreita relação com a crise ambiental que se prolonga já há décadas. O presente estudo, portanto, por meio dos métodos histórico e indutivo, com pesquisa teórica, bibliográfica, descritiva, exploratória e qualitativa, demonstra a íntima conexão entre a promoção da saúde humana e a garantia do equilíbrio ecológico, Direitos Humanos ameaçados pelos riscos decorrentes do aumento do uso de materiais plásticos indiscriminadamente descartados nos oceanos. Neste ponto, apresenta-se a Agenda 2030, em especial o ODS 14, como diretriz fundamental para a efetivação da proteção 74 Doutoranda do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Pisa (UNIPI - Itália), na área de concentração Direito Comercial, Direito Internacional, Direito da União Europeia e Processo (2021 - atual). Mestra em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará - UFC (2021), com período de mobilidade acadêmica internacional realizada no The College of New Jersey (TCNJ - EUA). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC (2019), com período de mobilidade acadêmica internacional realizada na Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires (UNICEN - Argentina). Colaboradora do Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE - França), com pesquisas focadas no Tratado global da ONU contra a poluição por plásticos. Integrante do Portal Direito Internacional sem Fronteiras (DIsF), como Pesquisadora e Assistente Editorial. Mentora da Linha de Direito da União Europeia no Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI/UFC) e pesquisadora do Centro de Estudos em Direito do Mar “Vicente Marotta Rangel” (CEDMAR/USP). 109 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 da natureza a fim de que seja possível manter e perpetuar as condições de vida digna na Terra. Palavras-chave: Crise Sanitária. Direitos Humanos. Poluição Marinha por Plástico. ODS 14. Abstract: The Covid-19 pandemic insurgency caused a series of changes in the daily lives of populations around the world. Before discovering or developing any cure or vaccine for the disease, several sanitary measures to protect people’s health were implemented, such as the requirement to use disposable masks and gloves. However, such precautions have proved to be a real aggravating factor for the ecological chaos that took place in the XXI century. Regardless of the origin attributed to the virus permanently, it is undisputed that the health crisis is closely related to the environmental crisis that has been going on for decades. The present study, therefore, through historical and inductive methods, with theoretical, bibliographic, descriptive, exploratory and qualitative research, demonstrates the intimate connection between the promotion of human health and the guarantee of ecological balance, Human Rights threatened by the risks arising from the increased use of plastic materials indiscriminately discarded in the oceans. At this point, the 2030 Agenda, in particular the SDG 14, is presented as a fundamental guideline for the effective protection of nature so that it is possible to maintain and perpetuate the conditions of dignified life on Earth. Keywords: Health Crisis. Human Rights. Marine Plastic Pollution. SDG 14. 1 INTRODUÇÃO A conjuntura excepcional deflagrada pela eclosão da pandemia da Covid-19 tem direcionado diversos países a se engajar e empenhar esforços no combate à enfermidade na tentativa de promover a recuperação das pessoas por ela acometidas, tendo havido ainda inúmeras especulações sobre a origem do novo coronavírus. Enquanto se investiga sobre uma cura definitiva, têm sido adotadas distintas estratégias e medidas sanitárias para conter a disseminação do vírus, como a imposição de isolamento e distanciamento entre os indivíduos, sendo coibidas as aglomerações, bem como determinado o uso de máscaras e de luvas descartáveis. 110 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Inserido neste panorama, o presente estudo analisa o fato de que independentemente do Estado em que primeiro tenha surgido o coronavírus de 2019, há uma verdadeira relação entre as questões ambientais globais e a pandemia da Covid-19 e, na complexidade dessa situação, as medidas de proteção adotadas têm gerado um novo alerta sobre o consumo e o descarte de materiais plásticos nos oceanos75. Pretende-se, portanto, demonstrar o quanto se faz cada vez mais imprescindível promover e incentivar ações voltadas à proteção ambiental no intuito também de prevenir uma nova pandemia. Embora aparentem ser fundamentos distantes, em verdade a promoção da saúde humana e a conservação do meio ambiente podem ser considerados dois vieses de um mesmo direito humano consagrado: a vida e, mais do que isso, a vida em condições dignas, seja para esta geração ou para as vindouras. Desde a III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, em 1973, há um entendimento firmado de foi dado início a uma nova era geológica denominada de Antropoceno76, caracterizada por crises generalizadas em diversos âmbitos, sobretudo com relação à intensa sobrecarga ecológica que arrisca as aspirações de prosperidade dos seres humanos. Diante dessa insegurança coletiva, a crise ambiental que marca o Antropoceno é um sinal flagrante deste período e que promove desigualdades socioambientais, danos, riscos e desastres ecológicos que comprometem severamente a vida na Terra77. O século XXI, marcadamente pelo uso e consumo da tecnologia e da profícua disseminação de informações, impede que a sociedade utilize o manto da ignorância como subterfúgio para dar 75 76 77 CESETTI, Carolina Vicente. Maré de Resíduos Plásticos nos tempos de pandemia. In: Instituto Brasileiro de Direito do Mar − IBDMAR. Notícias. 04 de agosto de 2020. Disponível em: <http:// www.ibdmar.org/2020/08/mare-de-residuos-plasticos-nos-tempos-de-pandemia/>. BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; BARROS, Jorge Gomes do Cravo; MAZZEGA, Pierre; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva. Correndo para o mar no antropoceno: a complexidade da governança dos oceanos e a estratégia brasileira de gestão dos recursos marinhos. Revista de Direito InternacionalUniCEUB. Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado e Doutorado em Direito, volume 12, nº 01, 2015, p.150-168. Direito do Mar e Direito Marítimo: aspectos internacionais e nacionais. Disponível em: <https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/download/3556/ pdf>. PERALTA, Carlos E. Desafios para construir uma nova racionalidade ambiental no Antropoceno: o esverdeamento da economia como caminho para incentivar a sustentabilidade. In: Estado de Direito Ecológico: conceito, conteúdo e novas dimensões para a proteção da Natureza. Flávia França Dinnebier (Org.); José Rubens Morato (Org.); - São Paulo: Inst. O direito por um Planeta Verde, 2017. 924 pp. ISBN 978-85-63522-41-2. pp. 645-646. Disponível em: <http://www2.ecolex.org/server2neu. php/libcat/docs/LI/MON-092947.pdf>. 111 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 continuidade a ações de impacto e de risco sobre o meio ambiente. A negligência motivada de autoridades governantes e da coletividade como um todo não mais pode ser aceita, tampouco difundida. Não se pode aguardar pelo momento em que o caos ecológico estiver definitivamente instaurado e, em verdade, não mais for possível revertê-lo78. No momento atual, no contexto da pandemia e diante de todos os desastres ambientais que vêm ocorrendo incessantemente79, pode-se considerar que já se está frente a uma situação ambiental caótica. A proteção do meio ambiente se faz imprescindível para a promoção da saúde humana e, de conseguinte, para a efetivação da tutela dos Direitos Humanos. O direito ambiental deve abranger a complexidade, instabilidade e imprevisibilidade intrínsecas ao meio ambiente80, sendo indispensável que sejam preparadas novas mentalidades humanas aptas a construir uma nova racionalidade, não para uma cultura de alienação e de desesperança, mas para um processo de transição para a sustentabilidade e para a justiça81. O desenvolvimento sustentável tem se destacado nesse panorama como um dos objetivos da Comunidade Internacional com a finalidade de integração de políticas econômicas, ambientais, sociais e sanitárias para assegurar que os benefícios do progresso econômico sejam desfrutados tanto pela sociedade do presente quanto pela do futuro, o que implica compreender o desenvolvimento econômico lato sensu como parte de um sistema global e intergeracional. A Agenda 2030 para Desenvolvimento Sustentável desponta nesse cenário como uma declaração multilateral sobre os principais 78 79 80 81 Há situações tão críticas, como a das geleiras da Groenlândia, que os pesquisadores alertam sobre a irreversibilidade da situação: o derretimento das camadas de gelo já não pode ser refreado. In: KING, M.D.; HOWAT, I.M.; CANDELA, S.G.; et al. Dynamic ice loss from the Greenland Ice Sheet driven by sustained glacier retreat. Communications, Earth & Environment 1, 1 (2020), NATURE. Publicado em 13 de agosto de 2020. https://doi.org/10.1038/s43247-020-0001-2. Disponível em: <https://www. nature.com/articles/s43247-020-0001-2.pdf>. Recentemente, em agosto de 2020, foi noticiado novo desastre ambiental oriundo do derramamento de toneladas de óleo no Oceano Índico, nas Ilhas Maurício. In: BBC NEWS. MV Wakashio: Mauritius declares emergency as stranded ship leaks oil. 08 de agosto de 2020. Disponível em: <https://www. bbc.com/news/world-africa-53702877>. KOTZÉ, Louis J.; KIM, Rakhyun E. Earth system law: the juridical dimensions of earth system governance. Elsevier B.V., 2019. p. 5. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/ S2589811619300023?via%3Dihub>. LEFF, Enrique. Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Sabres. In: Educação & Realidade. Vol. 34, nº 3, pp. 17-24, set/dez 2009. p. 21. ISSN: 2175-6236. Disponível em: <https:// seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/9515>. 112 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho desafios que a Comunidade Internacional enfrenta e virá a enfrentar. Está composta de dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável −ODS acompanhados por um conjunto de metas para avaliar o seu cumprimento82. No intuito de apontar e de conjecturar sobre a insurgência da crise sanitária que se alastra globalmente e como será possível superá-la, tem-se nos ODS caminhos para se estabelecer uma noção global de que o desenvolvimento humano e a própria preservação da vida enquanto Direito Humano dependem essencialmente da proteção do meio ambiente e, em seu âmago, demonstra-se como as medidas sanitárias adotadas em 2020 e a sua gestão débil se desdobram como um risco à vida humana e à existência de outras espécies animais. O grande desafio nesta nova fase do Antropoceno desencadeada pela pandemia da Covid-19 é manter a atenção e os esforços voltados para a proteção ambiental juntamente à tutela dos Direitos Humanos, sobretudo à saúde e à vida, tendo-se em conta que o bem-estar humano está intimamente associado à segurança e à vitalidade dos ecossistemas. A pesquisa ora desenvolvida se destina a traçar a relação entre a pandemia da Covid-19 e a crise ambiental, examinando em seguida, o risco que o uso e o descarte de materiais plásticos de uso único representam tanto para a poluição ecossistêmica, quanto dentro da cadeia alimentar, de modo que, por derradeiro, destaca-se a consecução do ODS 14 como objetivo crucial para a mudança de paradigma quanto à proteção ambiental, devendo a Comunidade Internacional, imprescindivelmente, reconhecer o plástico – especialmente o de uso único− como substância perigosa que deve ser gradualmente substituída até o seu completo abandono. Trata-se de pesquisa realizada sob os métodos histórico e induto, caracterizada como teórica, bibliográfica, descritiva, exploratória e qualitativa de bibliografia nacional e internacional, com prioridade para artigos científicos recentemente publicados − uma vez que o exame trata de tema atual e ainda em progresso−, além de normas e de documentos internacionais pertinentes ao objeto em análise, sobretudo relatórios e resoluções. 82 MESSENGER, Gregory. Desarrollo sostenible y Agenda 2030: El rol de Derecho Internacional dentro del Desarrollo Sostenible y la Agenda 2030. Revista Española de Derecho Internacional. Sección FORO, vol. 69/1, enero-junio 2017, Madrid, p. 272. Disponível em: <https://www.researchgate. net/publication/315112818_El_Rol_de_Derecho_Internacional_dentro_del_Desarrollo_Sostenible_y_la_Agenda_2030>. 113 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 2 A CRISE SANITÁRIA E OS DIREITOS HUMANOS: MEIO AMBIENTE EM FOCO O novo coronavírus e a pandemia instaurada pelo globo têm mostrado, tanto em sua origem quanto em seus impactos, os riscos e as vulnerabilidades diversas e interconectadas a que as pessoas estão sujeitas, seja em termos humanitários ou sociais, econômicos ou ambientais83. A Organização Mundial da Saúde, no intuito de compreender as origens do patógeno, relatou que a provável fonte de transmissão do novo coronavírus, que infectou e segue infectando milhares de pessoas em todos os continentes, é ecológica. Pode se tratar de um morcego ou outro de animal selvagem ou doméstico84. As enfermidades transmitidas entre animais e seres humanos estão em expansão85 e se intensificam na medida em que os habitats naturais desses seres vivos são deteriorados devido às atividades humanas de impacto negativo. Especialistas alertam que os ecossistemas corrompidos podem estimular processos evolutivos acelerados e, assim, as doenças se diversificam, pois os patógenos se propagam com facilidade de rebanhos animais para as pessoas86. Na conjuntura da pandemia, há estudos outros que assinalam direção diversa quanto à origem da Covid-19, uma vez que da análise de amostras de esgoto congeladas de vários países foi detectada a existência do novo coronavírus em período antecedente aos 83 84 85 86 BARCHICHE, Damien. Réaliser l’Agenda 2030 pour le dévelippement durable : indispensable horizon pour la sortie de crise, mais comment faire? In: Billet de Blog, Institut du développement durable et des relations internationales, 12 de maio de 2020. Disponível em: <https://www.iddri.org/fr/ publications-et-evenements/billet-de-blog/realiser-lagenda-2030-pour-le-developpement-durable>. Segundo pesquisadores e de acordo com a Organização Mundial da Saúde- OMS, o coronavírus de 2020 tem uma origem ecológica em populações de morcegos. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease 2019 (COVID-19) Situation Report – 94. Data as received by WHO from national authorities by 10:00 CEST, 23 April 2020. Disponível em: <https://www.who.int/docs/ default-source/coronaviruse/situation-reports/20200423-sitrep-94-covid-19.pdf> KNIGHT, Tim; MADDOX, Tom; WILLIAMS, Nathan. The environmental implications of the Covid-19 pandemic. In: FAUNA & FLORA INTERNATIONAL. Maio, 2020, p. 4. Disponível em: <https://cms.fauna-flora.org/wp-content/uploads/2020/06/FFI_2020-The-Environmental-Implications-of-the-Covid-19-Pandemic.pdf>. Doreen Robinson, chefe para a Vida Selvagem no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) In: UNITED NATIONS. Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA. Environment Programme. Reportagem. Ecosystems and Biodiversity, 03 de março de 2020. Disponível em: <https://www.unenvironment.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/ surto-de-coronavirus-e-reflexo-da-degradacao-ambiental-afirma>. 114 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho primeiros relatos de casos de pessoas acometidas da doença87. Em virtude da nova constatação, pesquisadores conjecturam que o vírus poderia já se encontrar − inativo− na sociedade e, em razão de condições ambientais propícias, emergiu disseminando os seus efeitos na população88. Vê-se então que, independentemente da origem específica que se logre atribuir ao vírus em caráter definitivo, a maioria das investigações exibidas demonstram a íntima relação entre a pandemia e a crise ambiental ora instaurada. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente − PNUMA demonstra em seus relatórios, desde 2016, que as zoonoses89 ameaçam o desenvolvimento econômico, o bem-estar dos seres vivos e a integridade dos ecossistemas. Não se pode desconsiderar que nos últimos anos diversas enfermidades zoonóticas emergentes foram noticiadas ao redor do mundo até a deflagração da Covid-19 no final de 2019 e, por certo, a próxima pandemia pode estar próxima se não forem empenhadas ações concretas para evitá-la90. Sabe-se que os vírus do tipo SARS91 podem se espalhar facilmente em hospitais e causar surtos em toda a comunidade ali presente, desencadeando assim um alastramento da doença que poderia resultar em uma pandemia92. A dificuldade para compreender a propagação do vírus ainda permanece, o que se observa empiricamente na tentativa de contenção do avanço da Covid-19 e de desenvolvimento de uma vacina eficiente. 87 88 89 90 91 92 BARCELO, Damia; ORIVE, Gorka; LERTXUNDI, Unax. Early SARS-CoV-2 outbreak detection by sewage-based epidemiology. In: Science of The Total Environment. Volume 732, 25 August 2020, 139298. Elsevier B.V. Disponível em: <https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S004896972032815 1?token=A1B28889329278A4FDBA881BF3EF6847956C294746BD7C761731B7B4E305B1335 CAE53E5961CAED4F11E54AA91892369>; <https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.139298>. KNAPTON; Sarah. Exclusive: Covid-19 may not have originated in China, Oxford University expert believes. In: The Telegraph. Disponível em: <https://www.telegraph.co.uk/news/2020/07/05/covid19-may-not-have-originated-china-elsewhere-emerged-asia/>. UNEP (2016). UNEP FRONTIERS 2016 REPORT: Emerging Issues of Environmental Concern. United Nations Environment Programme, Nairobi. ISBN: 978-92-807-3553-6. Job Number: DEW/1973/ NA. Disponível em: <https://environmentlive.unep.org/media/docs/assessments/UNEP_Frontiers_2016_report_emerging_issues_of_environmental_concern.pdf >. KHAN, Ali S. with PATRICK, William. The next pandemic: on the front lines against humankind’s gravest dangers. New York: Public Affairs, 2016. ISBN 9781610395922., p. 254. SARS-COV-2 é o nome oficial do vírus que atinge o mundo em 2020. Foi escolhido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). SARS é a sigla para Severe Acute Respiratory Syndrome (síndrome respiratória aguda grave). KHAN, Ali S. with PATRICK, William. Ob. cit., p. 254. 115 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 A natureza, portanto, reage à ação humana. Se, por um lado, conforme assinala o PNUMA, os seres humanos e a natureza integram o mesmo sistema interconectado, de outro, os ecossistemas se insurgem quanto aos diversos impactos e danos ambientais impostos pela humanidade. Há de se compreender, necessariamente, como os sistemas da biosfera ultra conectados operam para que, então, seja possível reverter e até mesmo evitar repercussões cada vez mais desfavoráveis93. Transpondo essa conjuntura para a perspectiva dos Direitos Humanos, é possível identificar que as causas da pandemia decorrem, em certa medida, do desprezo à tutela desses direitos. Essa afirmação decorre, primeiramente do fato de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamou em seu artigo III que todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal94 e, desde o seu preâmbulo, a Carta deixa claro que os Estados devem se comprometer para promover o progresso social e melhores condições de vida para a coletividade. De semelhante modo, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como Protocolo de San Salvador, dispõe expressamente que aos seres humanos é garantido o direito de viver em um meio ambiente sadio, devendo os Estados Partes promover a proteção, preservação e o melhoramento do meio ambiente95. Em seu artigo 10, o Protocolo garante o direito à saúde à coletividade, entendendo-a como o gozo em mais alto grau de bem-estar físico, mental e social. Para efetivá-lo, determina que os Estados o reconheçam como bem público, adotando, entre outras, medidas para a imunização integral contra as principais doenças infecciosas e a prevenção e o tratamento das doenças endêmicas, além da educação sobre a prevenção e o tratamento dos problemas de saúde96. O 93 94 95 96 UNITED NATIONS. Surto de coronavírus é reflexo da degradação ambiental, afirma PNUMA. Ob. cit. NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. UNIC / Rio / 005 - agosto 2009. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf>. COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados Americanos. PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS EM MATÉRIA DE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS, “PROTOCOLO DE SAN SALVADOR”. Disponível em: <http://www.cidh.org/basicos/portugues/e.protocolo_de_san_salvador.htm>. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2017. ISBN 978-854-721-631-3. pp. 333-334. 116 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Protocolo é enfático sobre a estreita relação existente entre os direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos, tendo em vista que as distintas categorias de direito integram um todo indissolúvel que tutela a dignidade humana97. Esses direitos de terceira geração, denominados de direitos de solidariedade, são de titularidade coletiva, decorrentes da constatação da vinculação do homem ao planeta Terra, com recursos finitos e temores cada vez mais palpáveis à sobrevivência e perpetuação da espécie humana98. O que se tem diante do momento atual, em que por um lado há uma crise sanitária e, por outro, uma crise ecológica, é a completa dissonância entre a conduta dos Estados e a efetivação dos Direitos Humanos, pois tanto não é garantido o direito ao meio ambiente sadio, como não são oferecidas possibilidades de melhoria nas condições de vida humana. Frente a todos os fatores que podem ter contribuído para o desencadeamento da pandemia, a solução imediata e segura que se pode afigurar é que a proteção ambiental deve constar como prioridade nas pastas governamentais. Por meio da cooperação da Comunidade Internacional será possível evitar futuras pandemias e efetivamente garantir a tutela dos Direitos Humanos. 3 AS MEDIDAS DE CONTENÇÃO DA PANDEMIA E A ECLOSÃO DE AMEAÇAS À SAÚDE HUMANA E À NATUREZA O Antropoceno, caracterizado por uma sociedade que abandonou a noção de que a economia é somente um subsistema inserido na biosfera, demonstra o afastamento da consciência de que para prosperar é necessário respeitar os limites biofísicos planetários99. Com a insurgência da Covid-19 e a inauguração de uma nova fase do Antropoceno, vê-se favorecida a reflexão e o questionamento sobre o modelo de desenvolvimento econômico até então predominante. 97 98 99 Ibidem., p. 334. Ibidem., p. 54. PERALTA, Carlos E. Ob. cit., p. 644. 117 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Muitas medidas que têm sido adotadas durante a pandemia da Covid-19 modificaram a rotina da maioria das pessoas, como as regras de isolamento social e o uso obrigatório de máscaras faciais que protegem a região do nariz e da boca. Poder-se-ia vislumbrar, com esses novos hábitos, uma oportunidade de introduzir na sociedade conceitos e condutas de sustentabilidade, esperando-se que essa experiência, ora imposta sobre a população, se transforme em uma verdadeira conscientização em favor de formas de vida mais atentas ao meio ambiente. Essa hipótese, contudo, deve ser relativizada. A maneira de viver de grande parte das pessoas é determinada por inúmeros fatores, sobretudo pelo ambiente econômico, social e material (normas sociais, regras e infraestrutura), os quais condicionam fortemente os comportamentos humanos. A possibilidade de essa pandemia transformar de forma sustentável os modos de vida dos indivíduos depende do modo como ela afetará as representações coletivas sobre o bem-comum100. A pandemia, por exemplo, poderia ser capaz de influenciar as pessoas a realizar menos compras, principalmente de bens que não são considerados essenciais. Isto, por certo, influenciaria diretamente na geração de resíduos e, consequentemente, impactaria na redução dos níveis de degradação ecossistêmica. É imprescindível que se empreenda um exercício de reflexão sobre modos de viver, de produzir, de consumir e de conviver distintos dos que têm sido cultivados e perpetuado nas últimas décadas. Na ausência da adoção de alternativas várias crises irromperão e outras pandemias podem vir a ocorrer. Somente com uma nova articulação entre os processos políticos e civilizatórias poder-se-á cogitar em uma sociedade na qual a humanidade assuma um lugar mais respeitoso perante o planeta em que habita, afinal, a defesa da natureza em seu conjunto é, em si mesma, a condição para a perpetuação da vida humana101. O que se constatou, no entanto, é que o cenário instaurado pela pandemia da Covid-19 desencadeou um novo agravante no conBRIMONT, Laura; SAUJOT, Mathieu. À quelles conditions la pandémie de Covid-19 peut-elle être un catalyseur vers des modes de vie plus durables? In: Billet de Blog, Institut du développement durable et des relations internationales, 22 de abril de 2020. Disponível em: <https://www.iddri.org/fr/publications-et-evenements/billet-de-blog/quelles-conditions-la-pandemie-de-covid-19-peut-elle-etre>. 101 SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Edições Almedina: Coimbra, 2020. pp. 29-32. 100 118 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho sumo desenfreado e na geração de resíduos pelas pessoas, sobretudo plásticos. O aumento do uso e do descarte de materiais de proteção das vias respiratórias, como máscaras e luvas de látex, tem denotado uma imensa produção de lixo. Em virtude da deflagração da pandemia e das medidas de segurança sanitária estimuladas pelos agentes governamentais, há pesquisadores que estimam que pode haver uma média de consumo mensal de 129 bilhões de máscaras faciais e de 65 bilhões de luvas de látex no caso de os 7,8 bilhões de habitantes do planeta fazerem uso desses materiais, tendo como base a aferição do uso de equipamentos de proteção pessoal por profissionais da saúde102. Uma vez que não se sabe quando a pandemia alcançará seu fim, tampouco por quanto tempo serão adotadas essas medidas sanitárias, é inestimável a quantidade de resíduos plásticos que inevitavelmente serão descartados no ambiente. O uso e a má administração de resíduos médicos pelo público contribuem para o aumento da contaminação plástica e serão detritos comuns encontrado no ambiente por décadas, afetando potencialmente a biota em diferentes compartimentos ambientais e sistemas biológicos103. A situação dá ensejo à preocupação com relação ao correto descarte desses resíduos. A Agência Ambiental Portuguesa, como exemplo, divulgou diretrizes que recomendam que todos os resíduos domésticos potencialmente contaminados sejam descartados como resíduos não recicláveis em sacos de lixo selados e à prova de vazamentos, incluindo equipamentos de proteção pessoal usados, enquanto a coleta de lixo também deve ser reforçada com tratamento preferencial por incineração e, se não for possível, em aterros sanitários104. O fato é que, embora haja esforços e ações no sentido de gerir o descarte desses materiais, observa-se que as luvas e as máscaras descartáveis têm inevitavelmente encontrado os oceanos como seu PRATA, Joana C.; SILVA, Ana L.P.; WALKER, Tony R.; DUARTE, Armando C.; SANTOS, Teresa Rocha. COVID-19 Pandemic Repercussions on the Use and Management of Plastics. In: Environmental Science & Technology. 2020, 54, 13, 7760–7765. Publicado em 12 de junho de 2020, p. 7760. https://doi.org/10.1021/acs.est.0c02178. Disponível em: <https://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/acs. est.0c02178>. 103 Ibidem., p. 7761. 104 Ibidem., p. 7761. 102 119 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 reservatório final105. Devido à constatação desse fenômeno na França, o Ministério da Transição Ecológica Francês se engajou para alertar a população sobre a situação, relatando que muitas máscaras e luvas descartáveis têm sido achadas nas ruas e na natureza. Foi lançada então uma campanha radiodifundida no período de 27 de junho a 15 de julho de 2020 para advertir sobre as consequências desse comportamento, uma vez que o lixo descartado de forma imprudente pode espalhar o vírus e ainda poluir o meio ambiente, fragmentando-se em microplásticos106 que jamais desaparecem da natureza − ao contrário do que já se acreditou com relação à sua decomposição107−, mas, em verdade, se acumulam principalmente nos oceanos108. A esse respeito, a preocupação sobre o plástico visível a olho nu tem se expandido enquanto pesquisas recentes têm demonstrado a presença abundante de microplásticos nos ambientes marinhos109. Nessas investigações ainda se tenta mensurar o nível de danos que a presença desses micro ou nanoplásticos nas cadeias alimentares podem gerar nos organismos dos animais, especialmente nos dos seres humanos110. Os resíduos plásticos podem ser fisicamente prejudiciais para a vida selvagem e, mais do que isso, muitos plásticos podem ser quiFRANCE INFO. Effet déconfinement: sur la Côte d’Azur, masques et gants jetables polluent déjà les fonds marins. Publicado em 24/05/2020. Disponível em: <https://france3-regions.francetvinfo.fr/ provence-alpes-cote-d-azur/alpes-maritimes/antibes/effet-deconfinement-cote-azur-masques-gants-jetables-polluent-deja-fonds-marins-1832828.html>. 106 MINISTÈRE DE LA TRANSITION ÉCOLOGIQUE. Une campagne d’information contre les masques et les gants jetés à terre. 26 de junho de 2020. Disponível em: <https://www.ecologique-solidaire.gouv.fr/campagne-dinformation-contre-masques-et-gants-jetes-terre>. 107 Nesse sentido, vale esclarecer que há diversos tipos de plásticos, fabricados com os mais diversos materiais. Aqueles feitos de polímeros como poliésteres alifáticos, biopolímeros bacterianos e alguns polímeros de origem biológica podem ser biodegradáveis no ambiente natural. No entanto, muitos plásticos rotulados como biodegradáveis – incluindo sacolas plásticas descartáveis e recipientes de comida “para viagem” – só se decompõem completamente quando submetidos a temperaturas prolongadas acima de 50 °C. Tais condições raramente são encontradas nos oceanos. (tradução autoral) In: UNEP (2016). UNEP FRONTIERS 2016 REPORT: Emerging Issues of Environmental Concern. United Nations Environment Programme, Nairobi. ISBN: 978-92-807-3553-6. Job Number: DEW/1973/NA. p. 34. Disponível em: <https://environmentlive.unep.org/media/docs/assessments/ UNEP_Frontiers_2016_report_emerging_issues_of_environmental_concern.pdf >. 108 AGÊNCIA EUROPEIA DO AMBIENTE. O lixo nos nossos mares. Publicado em 21 de julho de 2014. Disponível em: <https://www.eea.europa.eu/pt/sinais-da-aea/sinais-2014/em-analise/o-lixo-nos-nossos-mares>. 109 UNEP (2016). Ob. cit., p. 32. 110 Ibidem., p. 38. 105 120 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho micamente perigosos em alguns contextos, seja porque são tóxicos ou porque absorvem poluentes111. Há estudos que indicam a necessidade de se classificar os resíduos plásticos como perigosos, a fim de que se busque por novos polímeros mais seguros e capazes de substituí-los112. A ameaça do plástico inserido na cadeia alimentar representa um enorme risco à saúde humana, pois pesquisas realizadas com humanos e mexilhões indicam que os microplásticos ingeridos e inalados conseguem atingir as células e os tecidos de seus organismos. As reações celulares provocadas pelos componentes químicos do plástico podem interromper os principais processos fisiológicos, como a divisão celular e a imunidade, causando doenças ou reduzindo a capacidade dos organismos de escapar de predadores ou de se reproduzir113. Nesse panorama, a Organização das Nações Unidas −ONU já vinha implementado medidas e campanhas114 para a redução da poluição por plásticos, além de ser discutida a possibilidade de adoção de um Acordo Internacional para a gestão sustentável de resíduos de plásticos nos mares e nos oceanos115. No entanto, o que se percebe com a deflagração da pandemia da Covid-19 é que as ações empreendidas para a contenção do alastramento da doença agravam a situação da geração de resíduos. É compreensível que a saúde pública esteja sendo priorizada nessa situação e que haja um aumento da demanda por produtos plásticos para proteger o público geral e os profissionais de saúde116. ROCHMAN, C.; BROWNE, M.; HALPERN, B.; et al. Classify plastic waste as hazardous. In: NATURE. Vol. 494, pp. 169–171 (2013). https://doi.org/10.1038/494169a. Disponível em: <https:// www.nature.com/articles/494169a.pdf>. 112 ROCHMAN, C.; BROWNE, M.; HALPERN, B.; et al. Ob. cit., p. 169. 113 Ibidem., p. 170-171. 114 NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Campanha Mares Limpos celebra dois anos de atividades contra o lixo plástico. Desenvolvimento Sustentável. Publicado em 26 de fevereiro de 2019. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/campanha-mares-limpos-celebra-dois-anos-de-atividades-contra-o-lixo-plastico/>. 115 UNITED NATIONS. UN convention on wastes makes breakthrough recommendations to address global marine litter and other types of wastes. Environment Programme. Basel Convention. Controlling transboundary movements of hazardous wastes and their disposal. Press Release. Disponível em: <http:// www.basel.int/Implementation/PublicAwareness/PressReleases/OEWG11Pressrelease/tabid/7655/ Default.aspx#_ftn1>. 116 KLEMEŠ, J.J.; FAN, Y.V.; TAN, Raymond R.; JIANG, Peng. Minimising the present and future plastic waste, energy and environmental footprints related to COVID-19. In: Renewable and Sustainable Energy Reviews. Vol. 127 (2020) 109883. ELSEVIER. Publicado em 27 de abril de 2020, p. 4. Disponível em: <https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S1364032120301763?token=F2E- 111 121 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Não se pode, contudo, desconsiderar que os impactos dessas condições sobre o meio ambiente atuam em um sistema de retroalimentação: os danos ambientais atingem diretamente a saúde humana e as ações para promover a saúde têm poluído os ecossistemas. Faz-se imprescindível quebrar esse ciclo. Os impactos induzidos pela pandemia devem ser usados como fundamento e como lição para construir uma sociedade melhor e diferente no futuro. É preciso refletir sobre como as medidas sanitárias adotadas serão traduzidas, a longo prazo, em uma gestão sustentável de resíduos117, o que possibilitará a garantia de Direitos Humanos tanto à saúde quanto ao meio ambiente equilibrado. 4 A PROTEÇÃO DOS OCEANOS COMO ALVO FUNDAMENTAL A falha na promoção dos Direitos Humanos se faz evidente quando se examina a situação de desequilíbrio ambiental instituída nos oceanos. As principais características dos mares estão se modificando significativamente como resultado das mudanças climáticas e das alterações relacionadas à atmosfera118. É a interferência desordenada nos mares, bipolarizada na poluição dos oceanos e na utilização excessiva dos recursos vivos marinhos que gera o desequilíbrio ecológico e a degradação das condições ambientais oceânicas, atingindo um número indeterminado de pessoas, as quais são afetadas difusamente em seus interesses legítimos de uso dos mares119. Muitas partes do oceano, incluindo algumas áreas além das fronteiras nacionais, têm sido gravemente deterioradas. Se os proble9B1E3E72A8E6733A2D24546C3353E08BF5023D747A7E8FD1EC1ACB3E5FE7CE784F9DE6FC65A3D1F023ABC1D97F367>. 117 Ibidem., p. 4. 118 CAMPOS, Edmo J. D. O papel do oceano nas mudanças climáticas globais. REVISTA USP, São Paulo. Nº 103, pp. 55-66, 2014. p. 57. Disponível em: <http://www.io.usp.br/images/noticias/papel_oceanos_clima.pdf>. 119 MONT’ALVERNE, T.C.F.; SÁ LEITÃO, A.I.B.L. A proteção da Biodiversidade Marinha nas áreas além da jurisdição dos Estados: negociações e estratégias. Capítulo 11 (pp. 172-203), p. 209. In: Globalização, Desenvolvimento Sustentável e Efetividade da Justiça. Jamile Bergamaschine Mata Diz, Roberto Correia da Silva Gomes Caldas, Sérgio Pereira Braga (organizadores). Belo Horizonte: Arraes Editores, 2019. 217 p. ISBN: 987-85-8238-639-2. Disponível em: <http://dev2.domhelder. edu.br/uploads/735_GLOBALIZACAODESENVSUSTEFETIVIDADEJUSTICA_EBOOKPDF. pdf#page=187>. 122 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho mas não forem solucionados com urgência, existe um severo risco de que eles se combinem para produzir um ciclo destrutivo de degradação em que o oceano não mais fornecerá muitos dos benefícios dos quais os seres humanos atualmente usufruem120. Destaca-se a poluição no meio marinho como um dos principais problemas ambientais transfronteiriços, porque a superfície marinha representa a maioria da superfície terrestre e a ampla maioria da biodiversidade da natureza. Além disso, é dos mares a origem da maioria da produção de oxigênio, gás essencial para a manutenção da vida humana e fundamental para o equilíbrio terrestre121. Existe ainda uma percepção equivocada de que os recursos marinhos seriam inesgotáveis, como se fossem receptáculos de uma infinita quantidade de resíduos e de poluição sem consequências. Ocorre que não há, no planeta, um ambiente natural mais fluído do que o mar: as águas que se encontram à costa de determinado Estado sempre migrarão em outras direções dentro da vastidão dos oceanos. E, de conseguinte, os resíduos despejados em uma praia logo serão transportados e se depositarão em outro litoral122. Isso significa que a poluição marinha por plástico, agravada por comportamentos implementados durante a pandemia da Covid-19, atinge a coletividade de maneira difusa e, consequentemente, os efeitos devastadores dessa poluição são – e serão− suportados por toda a humanidade por período indeterminado. Ainda em 2014 a Agência Europeia do Ambiente já alertava para a enorme quantidade de lixo nos mares. Os resíduos despejados nas águas oceânicas, sobretudo os plásticos, ameaçam não só a saúde dos mares e das costas, mas igualmente a economia e as comunidades de diversas localidades, inclusive na Europa123. Há estatística que apontam que para 2025 se espera que os oceanos do mundo contenham uma tonelada de plástico para cada três toneladas de peixe, UNITED NATIONS. The conservation and sustainable use of Marine Biological Diversity of Areas Beyond National Jurisdiction- A technical abstract of the first global integrated marine assessment. Nova Iorque, 2017. eISBN978-92-1-361370-2 (44 p.), p. 41. Disponível em: <http://www. un.org/depts/los/global_reporting/8th_adhoc_2017/Technical_Abstract_on_the_Conservation_ and_Sustainable_Use_of_marine_Biological_Diversity_of_Areas_Beyond_National_Jurisdiction. pdf>. 121 CAMPOS, Edmo J. D. Ob. cit., p. 59. 122 CAMPOS, Edmo J. D. Ob. cit., p. 60. 123 AGÊNCIA EUROPEIA DO AMBIENTE. Ob. cit. 120 123 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 além de que até 2050 conjectura-se a existência de mais quilogramas de plásticos do que de peixes nos mares124. A ONU tem demonstrado seu empenho em fazer com que a humanidade, liberta da alienação, se conscientize sobre o aterrador estado do oceano, tendo assim proclamado a Década da Ciência dos Oceanos para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030). A Década pretende incentivar a comunidade científica, os formuladores de políticas, o setor privado e a sociedade civil a pensar para além do que se concebe como habitual em termos de negócios e empresas, aspirando a mudanças reais125. A Década dos Oceanos ressalta o local de destaque a se destinar à proteção marinha em todos os seus níveis. O oceano é tão central para se alcançar o desenvolvimento sustentável no futuro (a partir do presente) que é este o momento de traçar uma nova narrativa para os mares, situando os oceanos como o centro da vida humana126. Ademais, dentro dos ODS aprovados pela Assembleia Geral das Nações Unidas− AGNU, em 25 de setembro de 2015127, se dedica um objetivo específico voltado aos mares e aos oceanos. Trata-se do objetivo 14: “Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. A imprescindibilidade de efetivar a proteção marinha decorre do fato de que a conservação dos oceanos e, de conseguinte, a implementação do ODS 14, é fundamental para a consecução de todos os demais objetivos128 e, por certo, para a manutenção das condições de vida na Terra, incluindo-se aí o bem-estar e a saúde humana129. DIXON, Sean; LEES, Zachary; LESHAK, Andrea. The Big Apple’s Tiny Problem: A Legal Analysis of the Microplastic Problem in the N.Y./N.J. Harbor, Roger Williams University Law Review: vol. 22, nº 2, article 5. pp. 385-430 (2017), p. 390. Disponível em: <https://docs.rwu.edu/cgi/viewcontent. cgi?article=1629&context=rwu_LR>. 125 CLAUDET, Joachim et al. A Roadmap for Using the UN Decade of Ocean Science for Sustainable Development in Support of Science, Policy, and Action. Volume 2, Issue 1, 24 January 2020, Pages 34-42. Published by Elsevier Inc. Disponível em: <https://www.sciencedirect.com/science/article/ pii/S2590332219300934>. 126 Ibidem., p. 40. 127 UNITED NATIONS. General Assembly. Resolution adopted by the General Assembly on 25 September 2015. Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. A/RES/70/1. Disponível em: <https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/70/1&Lang=E>. 128 CLAUDET, Joachim et al. Ob. cit., p. 34-42. 129 UNITED NATIONS. The Ocean and the Sustainable Development Goals Under the 2030 Agenda for Sustainable Development. A technical abstract of the first global integrated marine assessment. 124 124 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A saúde dos oceanos é essencial para o bem-estar das pessoas, tendo alcançado um ponto crítico. A maioria das unidades populacionais de peixes é super explorada, as mudanças climáticas e o aumento do dióxido de carbono dissolvido estão mudando a química das águas e perturbando as espécies nas redes alimentares. Além disso, a capacidade fundamental dos oceanos de regular o clima tem sido alterada. A conservação dos oceanos, por meio do ODS 14, busca eliminar a sobrepesca e as práticas de pesca ilegais e destrutivas, pré-condições necessárias para atender a um grande número de ODS como a ausência de pobreza (ODS 1), a fome a patamar zero (ODS 2), a boa saúde e o bem-estar (ODS 3) e a redução das desigualdades sociais (ODS 10). Entretanto, as pessoas afetam cada vez mais os ecossistemas oceânicos e os recursos naturais utilizando-os como alimento e para a produção de energia, para o turismo e o transporte e, ainda, através de atividades terrestres, como emissões atmosféricas e a descarga de resíduos. Tudo isso afeta na regulação do clima pelos mares130. Os acontecimentos ocorridos nas últimas décadas, em termos de fenômenos naturais, têm demonstrado a vitalidade dos oceanos para a manutenção de uma vida humana minimamente estável131. A elevação da temperatura dos mares, consequência direta do aquecimento global132, pode interferir na intensificação de fenômenos como ciclones tropicais de magnitude cada vez maior, os quais ocorrem devido à temperatura quente do oceano e a uma atmosfera instável. Esse aquecimento da temperatura da superfície do mar já é um fenômeno observado e deve se intensificar, propiciando mais ciclones tropicais133. Nova Iorque, 2017. eISBN 978-92-1-361371-9 (48 p.). p. 29. Disponível em: <https://www.un.org/ depts/los/global_reporting/8th_adhoc_2017/Technical_Abstract_on_the_Ocean_and_the_Sustainable_Development_Goals_under_the_2030_Agenda_for_Susutainable_Development.pdf>. 130 CLAUDET, Joachim et al. Ob. cit., p. 34-35. 131 “O oceano é um dos principais sumidouros desse gás (CO²) e contribui decisivamente na remoção da maior parte do carbono lançado pelo homem na atmosfera”. In: Ibidem., p. 59. 132 “(...) resultados de observações mostram que a capacidade de absorção de gás carbônico pelo oceano vem se reduzindo em consequência do aquecimento global. Um dos efeitos do aumento da temperatura no oceano é sua acidificação, reduzindo sua capacidade de absorver e reter o carbono”. In: Ibidem, p. 59. 133 PATRICOLA, Christina M.; WEHNER, Michael F. Anthropogenic influences on major tropical cyclone events. 15 november, 2018, vol. 563, NATURE, pp. 339–346. Disponível em: <https://www. nature.com/articles/s41586-018-0673-2#citeas>; <https://doi.org/10.1038/s41586-018-0673-2>. 125 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Diante dessas circunstâncias, não se pode aceitar que o ODS 14 seja concebido como um objetivo inferior em relação aos demais quando, em verdade, trata-se exatamente do contrário. Qualquer empresa – e até mesmo as pessoas individualmente consideradas− que utiliza produtos de plástico tem participação ativa na poluição dos oceanos, uma vez que a maior parte desses materiais é dispersada nos mares em suas diversas formas, seja em tamanho macro ou micro. A pandemia do novo coronavírus não pode se servir como escusa aos Estados para se furtarem de implementar ações concretas de desenvolvimento sustentável, sobretudo quanto à proteção dos oceanos. Ao contrário, a pandemia revela a imprescindibilidade de se conceder o merecido local de destaque ao meio ambiente, em especial aos mares. Enquanto não se logra a adoção e a implementação de um Acordo Internacional para a gestão de resíduos que considere o plástico como substância tóxica e perigosa, faz-se imprescindível que as pessoas se conscientizem sobre a importância do adequado manejo e despejo desses detritos, para que o seu destino final não seja os oceanos. Afinal, para que seja garantido o Direito Humano à saúde é indispensável que seja fomentado o equilíbrio do meio ambiente marinho. CONSIDERAÇÕES FINAIS A consciência de que pandemias virais podem eclodir com certa frequência nos anos vindouros faz emergir a reflexão acerca das origens da problemática com o intuito de prevenir novas crises. Em havendo fortes indícios de que o coronavírus se originou de uma zoonose ou foi ativado por condições ambientais propícias, a questão da proteção ambiental e da relação do ser humano com a natureza se torna essencialmente importante para a comunidade acadêmica e para a sociedade civil. Os vínculos destacados entre uma pandemia que atinge a saúde humana e a biodiversidade terrestre ou marinha devem contribuir para ressaltar a importância desse processo e, assim, o discurso global sobre a saúde do planeta deverá ser posto em evidência no mais alto grau, sempre atrelado às condições ecossistêmicas. 126 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho O presente estudo apresentou a estreita conexão entre a proteção ambiental, sobretudo dos oceanos, e a preservação das condições adequadas para a vida humana na Terra. Para que sejam garantidos os Direitos Humanos faz-se imprescindível que a postura da sociedade, frente à natureza, seja cada vez mais de respeito e de conscientização. A priorização da saúde pública, neste momento, não justifica a desídia com o descarte indiscriminado de resíduos nos oceanos, sobretudo de plásticos. Como bem demonstrado, a poluição marinha por plástico é um problema que, embora pareça distante, atinge diretamente a saúde humana. A disseminação do conteúdo da Agenda 2030 deve ser tida como o impulso necessário rumo à uma mudança de conduta em consonância com a proteção da biosfera e, essencialmente, dos mares, essencialmente por meio da implementação do ODS 14. O sucesso da Agenda 2030 e a redução da poluição marinha por plástico dependem da cooperação dos governantes, das instituições, dos investidores e da sociedade civil. A sua implementação e consecução, embora constitua um imenso desafio de governança para todos os países, deve ser compreendida como um meio para a garantia e concretização dos Direitos Humanos, os quais, em sendo dotados de superioridade normativa, devem ser priorizados sobre quaisquer outras medidas. Espera-se que, após a pandemia, os esforços antes já empenhados em favor da proteção ambiental sejam mantidos e, mais do que isso, aprofundados, especialmente quanto aos oceanos. A humanidade põe em risco a sua própria perenidade caso não logre êxito na consecução dos ODS, sobretudo do ODS 14, imprescindível à manutenção e ao desenvolvimento dos seres humanos. Em sendo de forma diferente, por certo restará violado o direito intergeracional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ao revés, caso alcançada a implementação dos ODS e reduzida a geração de resíduos plásticos, bem como firmado um verdadeiro compromisso pelos Estados, empresas e sociedade civil de respeito e empenho em sua consecução, os seres humanos terão a oportunidade de perpetuar a sua própria existência em condições dignas. 127 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS AGÊNCIA EUROPEIA DO AMBIENTE. O lixo nos nossos mares. Publicado em 21 de julho de 2014. 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A hipótese é de que as atividades desenvolvidas pelo Consórcio decorrem do federalismo, são constitucionais e se desenvolvem pela via da paradiplomacia. A pesquisa teve como principais referenciais teóricos: Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2015), Tavares (2013), Sen (2010), Abrucio (1998) e Teixeira (2020). Os estudos foram realizados pela pesquisa bibliográfica, documental, de dados secundários e pela ótica exploratória, contando com a análise dos sites dos governos estaduais. Dentre as respostas obtidas, tem-se que, no mundo globalizado, a atuação dos Estados-membros é imprescindível ao equilíbrio da federação. Desde que a atividade exercida não interfira na soberania e integridade da federação, não há inconstitucionalidade. O sistema constitucional brasileiro não intimida as atividades dos entes federativos para com o Plano Internacional (paradiplomacia). Diferentemente disso, o instrumento é compreendido no âmbito do Poder Executivo como meio de cooperação e descentralização federativa e, em tese, o Ministério das Relações Exteriores acompanha as eventuais atividades paradiplomáticas realizadas pelos entes federados. A paradiplomacia designa o caminho para o contato internacional que os entes federados possam realizar com instiPesquisa desenvolvida com apoio do Programa PIBIC/UFPA. Graduanda do Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC/UFPA, 20202021. E-mail: thainalobato12@gmail.com. 136 Docente vinculada ao Instituto de Ciências Jurídicas. Professora colaboradora do Programa de Mestrado em Gestão Pública do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA). Professora permanente do Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento do ICJ, da Universidade Federal do Pará. Vice-Diretora da Faculdade de Direito do ICJ/UFPA. E-mail: elianafranco@ufpa.br 134 135 136 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho tuições e associações de outros países, objetivando consolidar a aquisição de recursos, investimentos e doações para o desenvolvimento ambiental, cultural, tecnológico e outros que não estejam amarrados às fronteiras. Assim, o Consórcio Amazônia Legal tem pleno embasamento constitucional, estando apto para atuar. Por se destacar na defesa do meio ambiente, da economia, da segurança e em relação ao enfrentamento da pandemia de COVID-19 - não interferindo na soberania do Estado brasileiro -, suas atividades paradiplomáticas são legitimadas, reafirmando sua constitucionalidade exposta na CRFB/88, que regula a instituição e o exercício de consórcio público (CRFB/88, art. 241, caput) e seu caráter constitucional para o desenvolvimento nacional (CRFB/88, art. 3º, II). A importância conferida ao estudo do Consórcio decorreu do fato de que os Estados-membros estão se organizando para realização de cooperações técnicas e científicas no âmbito internacional (não somente na crise sanitária), mantendo a respeitabilidade em relação à Constituição Republicana de 1988. Nesta oportunidade, apresentou-se os resultados das pesquisas voltadas ao exame do federalismo e da Forma de Estado adotada pelo Estado brasileiro, explicando o Pacto Federativo que vincula os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e suas respectivas relações. As atividades desenvolvidas pelos Estados do Pará e Amapá foram as que tiveram destaque nas suas atuações perante o Consórcio. O Estado do Pará objetiva estimular a economia de baixo carbono e combater as desigualdades, gerar emprego e renda, enquanto que o Estado do Amapá realizou atividades de enfrentamento à pandemia e ao combate ao desmatamento. O desenvolvimento da região da Amazônia Legal deverá se fortalecer com as atividades paradiplomáticas realizadas pelo Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. Palavras-chaves: Pacto Federativo; Paradiplomacia; Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. Abstract: The research has as its objective the study of the activities developed by the Interstate Consortium for the Sustainable Development of the Legal Amazon, named by the research as “Legal Amazon Consortium”. This work gathers theoretical research on the theme involved, especially on the actions carried out by the project for the development of the Legal Amazon Region, under the aegis of the hypothetical-deductive research method. The hypothesis is that the activities developed by the Consortium derive from federalism, are constitutional and are developed through paradiplomacy. The research had as main theoretical references: Sarlet, Marinoni and 137 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Mitidiero (2015), Tavares (2013), Sen (2010), Abrucio (1998) and Teixeira (2020). The studies were conducted through bibliographic, documentary, secondary data and exploratory research, relying on the analysis of the state governments’ websites. Among the answers obtained, it is clear that, in the globalized world, the role of the Member States is essential to the balance of the federation. As long as the activity does not interfere with the sovereignty and integrity of the federation, there is no unconstitutionality. The Brazilian constitutional system does not intimidate the activities of the federative entities towards the International Plan (paradiplomacy). On the contrary, the instrument is understood within the Executive Branch as a means of cooperation and federative decentralization, and, in theory, the Ministry of External Relations accompanies the eventual paradiplomatic activities carried out by federated entities. Paradiplomacy designates the path for international contact that the federated entities may carry out with institutions and associations from other countries, aiming to consolidate the acquisition of resources, investments and donations for environmental, cultural, technological and other development that are not tied to borders. Thus, the Legal Amazon Consortium has full constitutional foundations, and is ready to act. As it stands out in the defense of the environment, economy, security, and in relation to confronting the COVID-19 pandemic - not interfering in the sovereignty of the Brazilian State -, its paradiplomatic activities are legitimized, reaffirming its constitutionality exposed in CRFB/88, which regulates the institution and exercise of public consortium (CRFB/88, art. 241, caput) and its constitutional character for national development (CRFB/88, art. 3, II). The importance given to the study of the Consortium resulted from the fact that the Member States are organizing themselves to carry out technical and scientific cooperation in the international sphere (not only in the health crisis), maintaining the respectability in relation to the Republican Constitution of 1988. In this opportunity, the results of the research focused on the examination of federalism and the Form of State adopted by the Brazilian State were presented, explaining the Federative Pact which binds the entities of the Federation (Union, States, Federal District and Municipalities) and their respective relations. The activities developed by the States of Pará and Amapá were the ones that stood out in their actions before the Consortium. The State of Pará aims at stimulating the low carbon economy and fighting inequalities, generating employment and income, while the State of Amapá carried out activities to confront the pandemic and combat deforestation. The development of the Legal Amazon region should be strengthened by the paradiplomatic activities carried out by the Interstate Consortium for the Sustainable Development of the Legal Amazon. 138 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Keywords: Federative Pact; Paradiplomacy; Interstate Consortium for Sustainable Development of the Legal Amazon. O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal (nomeado, a partir desse momento, pela pesquisa como “Consórcio Amazônia Legal”) é um consórcio público que tem por objetivo o desenvolvimento social e econômico da Região da Amazônia Legal, que reúne os Estados-membros a debater e estabelecer prioridades, metas e políticas desenvolvimentistas, levando em consideração a sustentabilidade e a integração competitivo-econômica da região em âmbitos nacional e internacional. O Consórcio foi criado em 2017 como uma autarquia (associação pública) composta pelos Estados da Amazônia Legal, quais sejam: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Diante desse contexto, há certa resistência acerca da legitimidade de atuação do referido Consórcio em plano internacional, o qual limita essas atividades, deixando-o em patamar apenas de planejamento e não de efetiva executoriedade. Enfatizou-se as atividades já desenvolvidas, as análises das documentações, ressaltando o enfrentamento da crise sanitária pela pandemia da Sars-CoV-2 (COVID-19), e, sobretudo, as atuações do Consórcio Amazônia Legal em Plano Internacional. Destaca a relevância da pesquisa para o pleno exercício desses e dos demais objetivos do Consórcio. Considerando a atuação do Consórcio em âmbito internacional, quanto às relações que podem ser estabelecidas, deve-se utilizar do instituto da Paradiplomacia. No entanto, tal mecanismo pode ser identificado como uma grande transgressão à Forma Federativa de Estado e sua soberania, resguardadas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como cláusula pétrea, isto é, de caráter indissolúvel (CRFB/88, art. 60, § 4°, I). Essas dificuldades enfrentadas pelo Consórcio Amazônia Legal originaram as pesquisas em campo teórico, a fim de investigar bases para discussão a respeito da constitucionalidade do supramencionado consórcio público e os limites da autonomia dos Estados-membros para exercício de suas competências. Nesta oportunidade, apresentam-se os resultados da pesquisa, voltados ao exame do federalismo e da Forma de Estado adotada pelo Estado brasileiro. 139 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Método Os mantos metodológicos acolhidos para o desenvolvimento desta pesquisa foram dois: I. o hipotético-dedutivo, o qual, em um primeiro momento, analisou e buscou solucionar as indagações, além do título do trabalho, no afã de debruçar-se sobre: a) o que seria de fato a Federação brasileira disposta na Constituição, abarcando o seu caráter intocável de cláusula pétrea?; e b) de que forma o Consórcio Amazônia Legal não rompe o Pacto Federativo? Para responder aos questionamentos, as buscas se desenvolveram para explicar os conceitos e nuances que abrangem os temas, produzir conteúdo científico e levantar a hipótese resolutiva, no sentido de que: da previsão constitucional e legal para a criação do Consórcio Amazônia Legal, observa-se a fundamentação da legitimidade que o Pacto Federativo confere aos Estados-membros para gerir/desenvolver suas limitações territoriais; II. em um segundo momento, utilizou-se a pesquisa de natureza exploratória, a qual reuniu material bibliográfico-documental e analisou os dados obtidos a partir dos meios de comunicação oficiais dos Estados-membros, sítios eletrônicos, levantamento de dados oficiais, jornalísticos, estatísticos, entre outros. Organizou-se os resultados junto a quadros e tabelas, bem como linguagem didática e expositiva, com fulcro em que houvesse harmonia do conteúdo pesquisado com as finalidades dos derradeiros tópicos do Plano de Trabalho deste Projeto de Pesquisa. Resultados Ressaltou-se a distinção das terminologias alusivas a Estado Federal, Federação e Federalismo, pois, apesar de serem termos semelhantes, estes não fazem referência aos mesmos entendimentos. Para embasar tais explicações e outros termos importantes que foram utilizados nesta pesquisa, tomou-se explicações teóricas e construiu-se tabelas conceituais. Veja-se: 140 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Tabela 1 - Conceitos preliminares pertinentes para a pesquisa realizada Federação “Federação vem do latim foedus que significa aliança, pacto, união, e é esse o fundamento do Estado Federal, o compartilhamento de ideias, a agregação dos interesses, a soma de vontades.” (NEME, 2018, p. 209-210) Estado Federal De acordo com Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2015, p. 304854), o Estado Federal é uma estrutura organizacional estatal, de caráter objetivo. Compreende-se por Estado Federal uma noção de caráter normativo, que delimita e formata as tomadas de um Estado baseada na ordem constitucional. É o instrumento de organização física do Estado de Direito, em regime representativo que confere legitimidade do poder. Princípio federativo Princípio geral estruturante de caráter jurídico-objetivo, que tem por função transportar a teoria (doutrina) de base do federalismo da teoria para o plano constitucional. (SARLET, MARINONI e MITIDIERO, 2015, p. 853-854) Federalismo Os doutrinadores Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2015, p. 304854) conceituam como sendo uma ideologia (teoria) que se preocupa em estabelecer normas e diretrizes gerais do modelo federativo de Estado, no campo pragmático. Paradiplomacia A paradiplomacia pode ser definida como um estabelecimento de relações entre entes não dotados de poder diplomático ou capacidade político-jurídica (que seria unicamente conferido à União) no plano internacional, sem transgredir a soberania do Estado Federal. Em outras palavras, é o envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais com entidades estrangeiras públicas ou privadas, o qual tem por objetivo promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional. (PRIETO, 2004, p. 252-253) Consórcio Público Di Pietro (2017, p. 611) trata como associações formadas por entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), com personalidade jurídica de direito público ou privado, criadas por intermédio de aval legislativo, para gestão de serviços públicos comuns aos consorciados. Em muitas ocasiões, esses consórcios são derivados de processos de integração regional de entes subnacionais. Fonte: tabela elaborada pela pesquisadora com base no conteúdo de pesquisa bibliográfica. A partir da análise dos recortes, explicou-se alguns dos conceitos que foram pontos centrais da pesquisa desenvolvida. Tal distinção teve sua importância para descaracterizar o uso, muitas vezes como sinônimos, dos termos referentes ao Estado Federal. Nesta oportunidade, aproveitou-se para trazer às claras os conceitos teó141 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ricos de Paradiplomacia e Consórcio Público, que são cerne desse estudo. Por conseguinte, ao versar acerca do Consórcio Amazônia Legal, o interesse da pesquisa também buscou elencar as competências atribuídas constitucionalmente aos entes federativos, de forma a compreender a organização administrativa e legislativa. Dispõe a tabela 2 sobre a temática: Tabela 2 - Competências dos entes federados para Constituição Brasileira de 1988 Competências administrativas e legislativas Descrição constitucional União Disposta no art. 21, I, XXV, e art. 22, da CRFB/88. Essas competências administrativas atribuídas constitucionalmente pela União são exclusivas, ou seja, não são passíveis de transferência para outro ente, sendo, na realidade, oposta ao que se observa no âmbito das competências privativas de caráter legislativo. A doutrina majoritária, com sua expertise explica que a diferença entre as competências exclusivas e privativas está ancorada no fato de que: a) as competências exclusivas são insuscetíveis de delegação; e b) as competências privativas não se confundem com as exclusivas e, em alguns casos, podem ser delegáveis. Estados – membros Resguardados sob o manto da leitura do art. 25, § 1º, da CRFB/88, diz-se que tudo aquilo que não for de competência da União, será de competência dos Estados - é a chamada demarcação por exclusão. Por sua vez, as competências administrativas (ou materiais) asseguram aos Estados-membros, além de poderes decisórios, atos políticos e meramente administrativos, também a possibilidade de autonomia na seara de autogoverno, autoadministração. Ao contrário do que ocorre com os entes União e Municípios, como salienta Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2015, p. 889), esse tipo de competência se encontra no campo das “reservadas” (remanescentes ou residuais). Distrito Federal O Distrito Federal tem sua competência predita no art. 32, § 1º, da CRFB/88, possui natureza híbrida e cumula competências típicas dos Estados e Municípios. Municípios As competências estão descritas no rol do art. 30, I, da CRFB/88, em que preconiza as administrativas e também competências legislativas. 142 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Concorrentes Existe a modalidade de competências concorrentes. Estas são entendidas como aquelas comuns a todos os entes federativos, paralelas ou simultâneas, são previstas no art. 23, 24 e 30, II, da CRFB/88. Tem por finalidade em oferecer aos entes federativos ampla cobertura de atuação, preenchendo falhas e eventuais lacunas, zelando pelo patrimônio público e interesse comum. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2015, p. 890) Fonte: tabela elaborada pela pesquisadora com base no conteúdo de pesquisa bibliográfica Das atribuições de competências, observa-se que não obstante a Constituição Brasileira de 1988 distribuir as competências administrativas e legislativas de cada ente federativo, esta também se preocupa com a ampla cobertura da atuação, no sentido de preencher falhas e eventuais lacunas. Para isso, elenca as competências concorrentes. Garantindo o zelo pelo patrimônio público e interesse comum, mostra a sua forma cooperativa de atuação do Pacto Federativo. Isto posto, adentrou-se na organização legislativa interna dos Estados-membros participantes do Consórcio Amazônia Legal. A ratificação do Protocolo de Intenções na legislação estadual tem imensa relevância, pois cria vínculo do Estado-membro ratificador para cumprir com as diretrizes estabelecidas em comum, com foco no desenvolvimento regional de modo conjunto. Tabela 3 – Formação e organização legal do Consórcio Amazônia Legal Entes do Consórcio Amazônia Legal Pará Legislação Ratificadora Lei Estadual nº 8.573, de 07.12.17 Lei Estadual nº 2.203, de 07.07.17 Lei Estadual nº 3.264, de 18.07.2017 Lei Estadual nº 4.530, de 26.12.17 Lei Estadual nº 10.697, de 13.10.17 Amapá Acre Amazonas Maranhão 143 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Mato Grosso Rondônia Roraima Tocantins Lei Estadual nº 10.569, 17.07.2017 Lei Estadual nº 4.087, de 20.06.2017 Lei Estadual nº 1.206, de 09.11.2017 Lei Estadual nº 3.272, de 26.10.2017 Fonte: tabela elaborada pela pesquisadora com base na pesquisa nos sítios das secretarias dos estados (online) Diante das ratificações do Protocolo de Intenções do Consórcio Amazônia Legal realizado através das legislações internas, é necessário o cumprimento dos planejamentos, das obrigações e dos benefícios que a integração-vínculo proporciona e naturalmente requer. Por essa compreensão, a pesquisa também elaborou uma tabela comparativa de pesquisa exploratória, para verificar como o Consórcio se encontra organizado em cada site oficial de Estado-membro participante e quais as informações que eles proporcionam acerca do referido assunto. Veja-se: Tabela 4 – Atividades desenvolvidas pelo Consórcio Amazônia Legal Entes do Consórcio Amazônia Legal Pará Secretaria Informações disponíveis nos sites oficiais SEPLAD- Secretaria de Planejamento e Administração A atuação do Consórcio Amazônia Legal é constantemente noticiada no meio de comunicação desta Secretaria, na aba de “administração, desenvolvimento, gestão e meio ambiente”. Esta apresenta a legislação estadual que incorpora o Protocolo de Intenções. Além do mais, detém de responsáveis titulares pelo Conselho de Administração e pela Câmara de Planejamento e Gestão Estratégica do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal (Cláudia Cristina Valente Nava e Hana Sampaio Ghassan). 144 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Amapá Acre Amazonas Maranhão Mato Grosso Rondônia SEPLAN – Secretaria de Estado de Planejamento O site da referida Secretaria aloca um preâmbulo descritivo do que é o Consórcio Amazônia Legal, além de fornecer documentação das ações tomadas pelo Consórcio, bem como das que ainda se encontram em patamar de planejamento estratégico. Citação do Consórcio Amazônia Legal apenas no conteúdo da legislação estadual publicada em Diário Oficial do referido estado. SEDECTI – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação Apresenta a melhor organização em termos de transparência nas documentações do Consórcio Amazônia Legal. Dispõe de importantes atos tomados pelo Consórcio, além de esclarecer como é incorporado na legislação estadual, através do Protocolo de Intenções. Os sites oficiais do governo veiculam informações esparsas acerca de articulações e planejamento estratégico do Consórcio. Agora com ênfase porquanto o atual Presidente do Consórcio ser o mesmo Governador deste estado, Flávio Dino. Contudo, os sites não possuem aba específica ou organização das documentações do Consórcio. - A partir da análise desenvolvida nos meios de comunicação das Secretarias deste estado, constatou-se que apenas SEPLAG – Secrecontém reportagens jornalísticas, que taria de Estado de citam a incorporação do Consórcio no Planejamento e âmbito da legislação estadual, e planejaGestão mentos estratégicos, sem prestar detalhes ou fornecer uma aba específica no sítio eletrônico. A parte de Gerência de Desenvolvimento e Políticas Públicas – GDPP, no site da Secretaria, dispõe de organização específica para o Consórcio Amazônia Legal, Secretaria de Es- no sentido de explicar o Protocolo de tado do Planeja- Intenções firmado e designar os responmento, Orçamento sáveis pela supervisão do cumprimento. e Gestão São constantemente veiculadas notícias acerca das reuniões do Consórcio, dos Fóruns, etc. 145 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Roraima Tocantins - - Citação do Consórcio Amazônia Legal apenas no conteúdo da legislação estadual publicada em Diário Oficial do referido estado. Veicula algumas informações em sites oficiais e não-oficiais do estado, acerca de aquisições e buscas por projetos através do Consórcio. Citação do Consórcio Amazônia Legal apenas no conteúdo da legislação estadual. Veicula algumas informações em sites oficiais do estado, acerca de articulações e planejamento estratégico do Consórcio. Fonte: Tabela elaborada pela pesquisadora com base na pesquisa nos sítios das secretarias dos estados (online) Nesse sentido, atesta-se que os Estados-membros ratificadores ainda possuem óbice na organização das informações a respeito do Consórcio Interestadual já legitimado, como bem observado na falta de informações (ou transparência) que estes dispõem em seus meios de comunicação oficiais. Muito embora os entes federativos se comprometam com metas e diretrizes dos eixos de desenvolvimento, a facilitar o acesso às informações do Consórcio, na prática, ainda não se observa esse cumprimento. Discussão O objetivo era seguir os ditames positivados no Plano de Trabalho original e, de acordo com as etapas predispostas, as discussões abordam os seguintes temas: 1) O Pacto Federativo: A terminologia Federação e suas variantes não dotam de um conceito específico, que não leve em consideração o tempo-lugar e o contexto o qual está inserido, como, por exemplo, o federalismo norte-americano não segue as mesmas tangentes do entendimento brasileiro de federação - ambos têm peculiaridades. Convém destacar que há uma linha tênue entre as discussões de autonomia dos entes federados, especialmente das subunidades e da União. De outra banda, os ideais de desenvolvimento do Estado brasileiro, que inclui as regiões, são ressalvados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como objetivos fundamentais de Estado: 146 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (negritou-se) Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Brasil positiva e regula a forma Estado Federal na doravante Constituição brasileira de 1988. As relações nacionais, dos entes federativos com o poder central, assim como as relações de Paradiplomacia, são temas conexos e que merecem apreciação vinculada. Nessa senda, convém expor o Estado Federal como a organização implantada na Constituição. Sarlet et al (2015, p. 243) explicitam que, em 1891, na implantação da Federação na República Federativa dos Estados Unidos do Brasil surgiram várias correntes pró e contra, rendendo críticas sobre a constituinte incorporar o sistema até então. Neste sentido, Sepulveda, Bolonha e Liziero (2019) abordam que a ideia de Estado Federado não é tão somente uma mera descentralização. Noutro giro, a ideia de autolegislação oferece parâmetros mais amplos para a atividade de autoorganização dos Estados-membros da Federação, sendo de grande valia salientar que a participação destes últimos nas atividades decisórias constitui elemento essencial do federalismo e da forma federativa de Estado (MITIDIERO, SARLET e MARINONI, 2015, p. 856-858). Restou quedado que a função do Estado Federado não é somente descentralizar administrativamente, isto é, sendo importante enfatizar que é a criação de múltiplos polos de decisão política. A competência da União são os interesses gerais e os outros entes federados, com a respectiva carga de coordenar e tomar decisões em detrimento de seus próprios interesses regionais ou locais. (SEPULVEDA, BOLONHA e LIZIERO, 2019, p. 19) De certo, sabe-se que a relação entre os estados e o poder central é regulada pela Constituição. Todavia, no atual contexto de 147 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 globalização, os avanços tecnológicos e o exercício da autonomia por parte dos entes federativos trazem questões complexas e específicas que demandam uma solução delicada e difícil de se encontrar, como a possibilidade de relações internacionais das subunidades com organismos internacionais por intermédio da Paradiplomacia. Sobre legitimidade, destacou-se: qual o real problema da atuação do Consórcio Amazônia Legal? Tem-se, por assim dizer, que principalmente as atividades dotadas de autonomia, como a Paradiplomacia, poderiam ser uma transgressão à Forma Federativa de Estado e sua soberania. No entanto, cabe salientar que o instituto da paradiplomacia não é proibido pelo atual texto constitucional de 1988 e, por conseguinte, a sua eventual atividade não fere o Estado Federal. No advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Federação assume caráter indissolúvel, sendo expressamente resguardada a condição de cláusula pétrea no texto constitucional (CRFB/88, art. 60, § 4°, I). Esta condição busca organizar o Estado no afã de como conduzir seus processos e tarefas, impondo soberania estatal como moeda de troca em relação à dada autonomia aos entes federativos. Procura-se regular os conflitos e manter equilíbrio nestas esferas de governo e poder, harmonia esta que é a base do Pacto Federativo. (BOFF, 2002, p. 87-88) Destaca-se então, que o objetivo da cláusula pétrea conferida à Federação brasileira é proteger a essência da Federação. Em outras palavras, a essência federativa está entranhada no modelo político-organizativo do texto constitucional. Por outro vértice, Boff (2002, p. 95) cita que alguns doutrinadores entendem que há duas possibilidades de interpretação do art. 60, § 4º, I da CRFB/1988, sendo: a) qualquer alteração para mudança do Pacto Federativo é tida como inconstitucional, porque tenderia a abolir o pacto existente, e um exemplo disso seria a alteração da capacidade de competência dos Estados-membros como ameaça de abolição deste pacto; e b) a busca de apenas princípios da Forma Federativa de Estado, indicando a necessidade de manutenção dos princípios federativos. Reflexões como esta trazem respostas à indagação de até quanto é possível aumentar a autonomia estadual sem ferir o princípio federativo, haja vista que oferecer pleno exercício aos entes (poder de auto-organização, autogoverno e de autoadministração) 148 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho não é alterar ou transgredir a Federação - muito pelo contrário, é assegurar a efetividade do Pacto Federativo de modo cooperativo. Como bem expôs Bitar (1956), o desenvolvimento econômico e, consequentemente, de melhoria de vida humana não pode ficar à mercê das migalhas que a União escolhe por oferecer. As necessidades de suas populações não podem advir do “mendigar” às portas do Tesouro Nacional. É necessário oxigenar a Federação não como unidade e sim união, em respeito ao mínimo federativo homogêneo. Por conseguinte, ainda sobre essa ideia de unidade, Abrucio (1994, p. 166-167) expôs e explicou detalhadamente o “modelo unionista” instaurado pelo regime militar em meados de 19451964, visto como um modelo centralizador do poder político e das decisões econômicas direcionado ao Governo Federal. Tal modelo era defendido por aquela parcela frente ao Governo do Brasil à época, pois a existência de Estados-membros fortes seria um contrapeso indesejável àquele governo autoritário. Contrariamente a isso, estas políticas foram perdendo força ao longo do tempo até os dias de hoje, e cada vez mais os governadores vêm buscando a defesa e/ ou ampliação dos horizontes políticos frente à política nacional é a chamada defesa de interesses da “bancada dos governadores”. (ABRUCIO, 1994, p. 178) Não obstante possuir caráter intocável, o ordenamento constitucional deve estar em harmonia com a realidade/evolução social em espaço-tempo (aberta e dinâmica), assim dispõe Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2015, p. 161). Logo, a interpretação de referidos dispostos constitucionais deve ser sempre no intuito de aperfeiçoamento racional e melhor adequação dos seus preceitos rumo à efetiva função social sem necessariamente abolir o seu conteúdo. Adentrando aos conceitos e ideais de Paradiplomacia, as relações em trato internacional sempre tiveram sua importância desde os tempos mais remotos das civilizações até os dias de hoje, em que se vive a globalização. Na seara das relações de direito, não seria diferente, sendo alimentado o objeto interrogativo de quem são os legitimados a estabelecer relações com organismos internacionais. Castelo Branco (2007, p. 48-49) dispõe quem seriam os referidos legitimados: 149 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 A doutrina mais tradicional entende que, à exceção das organizações internacionais, apenas os Estados soberanos, em razão de sua qualidade de sujeito do Direito das Gentes, possuem capacidade para celebrar tratados, típica manifestação de vontade de sua personalidade jurídica internacional. Algumas constituições de estados federados excluem totalmente qualquer possibilidade de celebração de atos internacionais por parte dos entes federados. Outras reconhecem expressamente o jus tractuum das entidades infraestatais. Contudo, no mesmo texto o autor aduz a principal problemática do modelo de poder somente nas mãos de um ente central, tal qual seria o não-atendimento, de forma satisfatória, aos anseios e interesses dos entes federativos não centrais (CASTELO BRANCO, p. 49), trazendo à luz do caso, em especial, o não-atendimento às demandas regionais e internas que rodeiam os Estados-membros de uma Federação. Demasiados são os motivos (problemáticas) para essa precária relação estabelecida entre ente, União e políticas externas. Nada obstante, essas dificuldades fizeram os governadores implantarem em meados de 1982 (em meio ao processo de redemocratização do Brasil) a “política externa federativa”. Era o “engatinhar” do desenvolvimento da Paradiplomacia no Brasil, dos Estados-membros (subestatais ou simplesmente subnacionais) atuando crescentemente no cenário internacional, como forma de dirimir suas demandas e necessidades. Apesar de a PEC 475/2005 – “PEC da Paradiplomacia” – ter sido proposta pelo Deputado Federal André Costa (PDT/RJ) como Emenda à Constituição para acrescentar parágrafo ao artigo 23 da CRFB/1988, e esta não ter logrado êxito nas votações, a falta da sua institucionalização no ordenamento brasileiro não impediu que seu conteúdo fosse fortemente atuado. Prieto (2004, p. 252-253) deixa expresso que o fenômeno da Paradiplomacia em nada interfere à diplomacia comum. De modo oposto se vê, porquanto a sua existência presumir ideia de contribuição e complementação das lacunas deixadas, em que os Estados-membros exercem sua autonomia de defesa dos seus interesses. Tais institutos caminham lado a lado sem interferência. 150 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho No que tange ao Consórcio Amazônia Legal, mais especificadamente em respeito ao seu caráter conceituado de consórcio público e à possibilidade de realizar relações via paradiplomáticas, esses organismos são resultados dos processos de integração regional, onde os entes subnacionais (Estados-membros) se mobilizam para conquistar papel regional e solução de demandas mediante ações internacionais. Alguns estudiosos do assunto citam os blocos regionais como exemplo de Paradiplomacia da Integração Regional. (RIBEIRO, 2009, p. 40-42) Outrossim, incontáveis são os fatores que propiciam ambiente fértil para as alianças em busca do desenvolvimento, impulsionadas por interesses comuns, identitários, facilidade de compreensão e vivência dos mesmos problemas, exemplos que fazem nascer programas dentro da esfera nacional, como o dito Consórcio Regional. Por ser um envolvimento do sistema político atual, a realidade paradiplomática propala crescimento e se descobre cada vez mais os governos subnacionais, se destacando como influentes atores internacionais. Isso exige diretamente o repensar do federalismo como um obstáculo, pois o instituto da Paradiplomacia não objetiva desorganizar a ordem constitucional e estrutural de um Estado Federal. O que se observa é que muitas responsabilidades públicas dos Estados Federados não conseguem ser dirimidas sem a forte presença do interessado, e solucionar estas questões não significa transgredir a essência da Federação. A positivação de uma norma na Constituição não pode por si só exercer força normativa quando não perceber efeitos positivos à vontade social. Nota-se, por fim, que, além de não romper o Pacto Federativo, a Paradiplomacia soma importância quando exige participação ativa dos governos regionais/subnacionais, produzindo mais comprometimento e, consequentemente, melhores resultados. A mundialização estreita cada vez mais as relações e exige postura adequada frente a esse campo. Por sua vez, para encorpar ainda mais o Estado nacional enquanto agente internacional e garantidor de direitos, a Constituição afere autonomia aos seus entes subnacionais, e essa autonomia é plenamente utilizada no instituto da Paradiplomacia. Por derradeiro, o tópico é alcançado quando atesta que a Paradiplomacia exercida de maneira adequada não será uma ameaça ao Pacto Federativo, posto que as constantes mudanças mundiais, de 151 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 tecnologia, desenvolvimento e políticas exigem presença e atuação governamental mais localizada (pelas subunidades). 2) As competências constitucionais dos entes federados a partir da Constituição brasileira de 1988: Uma vez entendido o liame da Federação com o Consórcio Amazônia Legal e superada as problemáticas estereotipadas que deslegitimaria as suas tímidas atuações, aqui, a pesquisa chegou ao momento de análise das competências de cada ente federativo e a compreensão da criação constitucional do referido Consórcio. A repartição de competências é um dos elementos essenciais à efetividade do federalismo em um contexto político/social. Como bem afirma Tavares (2013, p. 873), não havendo hierarquia entre os entes federativos, faz-se necessário a utilização do método para garantir-lhes autonomia e autogerenciamento. Ao pensar nas competências estabelecidas constitucionalmente pelos entes federativos – União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, há de se considerar que essa descentralização exercida pela Constituição da República de 1988 tem por objetivo fundamentar a validade das ordens jurídicas descentralizadas e centrais. Esse modelo de “repartição de competências” é muito conhecido como federalismo cooperativo, pois possui por finalidade o traçar de uma estabilidade e compromissos ao clamor emergente de cada região, enfatizando os interesses comuns de cada localidade sob a jurisdição destes. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2015, p. 885) Voltando os olhos para o sistema adotado pelo Brasil, Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2015, p. 886) oportunizam que a Constituição da República Federativa do Brasil adotou um sistema complexo e híbrido, muito peculiar aos modelos clássicos, o qual não delimita as competências em um só eixo, havendo configurações de competências exclusivas, privativas, comuns e concorrentes, repartidas, horizontal e verticalmente. Por outro vértice, calhou enfatizar que, apesar da condição híbrida da repartição de competências, existem excepcionalidades alocadas nos artigos constitucionais. É exemplo disso, o princípio da predominância do interesse, o mesmo que reserva competências de caráter regional e local, de forma cooperativa, como elucidado no art. 32, § 1º da Constituição da República Federativa do Brasil. 152 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Acerca do tema, Tavares expõe com expertise (2013, p. 873): Trata-se do denominado “princípio da predominância do interesse”. Esse princípio significa, sucintamente, que à União cabe tratar das matérias de interesse geral, nacional, amplo. Aos Estados, daquelas que suscitam um interesse menor, mais regional. Por fim, aos Municípios cabe tratar das matérias de interesses restritos, especialmente locais, circunscritos a sua órbita menor. Foi interessante trazer à baila que o termo “predominância” é colocado na ideia para trazer o sentido de que os mesmos interesses podem surgir nas três esferas federativas. Contudo, algumas terão uma espécie de preferência a tratar. Em hipótese alguma se pode confundir o termo “predominância” com “exclusividade”. A partir da análise, a chamada competência administrativa – por muitas vezes também chamada de material – dos entes federativos diz respeito aos poderes jurídicos de esfera não-legislativa ou jurisdicional, emanados pela Constituição em direção aos entes da Federação, isto é, atos decisórios de natureza política e administrativa, execução de políticas públicas e a gestão propriamente dita da administração pública em todos os níveis federativos (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2015, p. 887). As referidas competências administrativas podem ser classificadas em exclusivas e comuns. A doutrina majoritária, com sua expertise, explica que a diferença entre as competências exclusivas e privativas está ancorada no fato de que: a) as competências exclusivas são insuscetíveis de delegação; e b) as competências privativas não se confundem com as exclusivas e, em alguns casos, podem ser delegáveis. Foi mister destacar também as competências comuns que Tavares (2013, p. 875) conceitua como “aquela pela qual todos os entes federativos detêm, concomitantemente, idêntica competência”. A atuação, portanto, não é exclusiva, mas sim “concorrente”, caracterizada como um modelo de cooperação. Noutro giro, finalmente, adentrou-se ao âmbito da competência legislativa. Muito embora a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 outorgue poderes legislativos exclusivos ao Congresso Nacional (CRFB/1988, art. 49) e privativos ao Presidente 153 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 da República (CRFB/1988, art. 84), esta também partilha poderes legislativos a cada ente da federação. A competência legislativa privativa é aquela que acontece de forma “horizontal”. Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2015, p. 891) contextualizam que “o ente federativo competente esgota toda a amplitude normativa sobre o tema, independentemente de qualquer regulamentação legislativa complementar a cargo de outro ente federativo”. Tal concepção difere do que ocorre no exercício da competência legislativa concorrente, onde há a ideia de exercício “vertical” de competências legislativas. Adentrando nas linhas finais deste tópico, de modo acentuadamente tímido e modesto, destacou-se alguns exemplos de atuação de competência unicamente estadual, são estes: criação, incorporação e fusão de Municípios; e criação de regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões, iniciativa popular no processo legislativo, entre outros. São exemplos de competências concorrentes entre União e Estados-membros (que já foram explicados) - o também chamado “condomínio legislativo” – matérias acerca de: Direito Tributário, Financeiro e Previdenciário; orçamentos; proteção do meio ambiente e controle de poluição; proteção e conservação do patrimônio histórico, dentre tantos. (TAVARES, 2013, p. 884) 3) A criação do Consórcio Amazônia Legal no âmbito administrativo: Após as mudanças que a Região Amazônica sofreu nas últimas duas décadas, o Estado brasileiro buscou criar instituições com fulcro em auxiliar no desenvolvimento sustentável da área. Então, surgiu a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e, há poucos anos, o denominado Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. Nesse passo, convém enfatizar que a constituição do Consórcio Amazônia Legal se deu na ocasião do 14º Fórum dos Governadores da Amazônia Legal, por meio da Carta de Porto Velho, assinalada pelos Estados-membros participantes em 05 de maio de 2017. O Consórcio, então, assume caráter constitucional para desenvolvimento social e econômico da Região Amazônica. Logo, o Consórcio Amazônia Legal é considerado uma autarquia pública, adquirindo CNPJ, Estatuto, Gabinete Oficial, site oficial e demais formalizações (identificadores: Consórcio Interestadual de Desenvolvimento 154 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Sustentável; CNPJ: 33.733.453/0001-86; Setor de Autarquias Sul, SAUS, Quadra 01, Lote 3 e 5, Bloco I, Sala 202, Sobreloja, CEP: 70.070-010, Asa Sul, Brasília-DF). Isto posto, ressaltou-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu texto originário, não vislumbrou a ideia de formação de consórcios. Por sua vez, os consórcios possuem embasamento no advento da Emenda Constitucional nº 19/1998, vinculada pela Lei nº 11.107 de 2005 (vide referências). Assim sendo, os consórcios possuem previsão constitucional e são legalmente regulamentados dentro da legislação infraconstitucional. Existem para propiciar um liame entre os entes federativos, na busca de objetivos desenvolvimentistas ou para determinadas finalidades comuns. A natureza jurídica desse consórcio público é compreendida por ser uma instituição constituída por entes federativos para consolidação da gestão associada entre os mesmos. No que diz respeito à sua criação, o Consórcio Amazônia Legal se organizou em: a) subscrição do protocolo de intenções (medidas a serem atingidas); b) publicação de intenções na imprensa oficial; e c) lei promulgada por cada ente federativo vinculado pela ratificação (artigos 3º, 4º e 5º da LC nº 124/2005). Logo, o Consórcio Amazônia Legal foi ratificado pela legislação estadual de cada Estado-membro consorciado. Existe para atingir as suas finalidades, dispostas em 14 (quatorze) itens do Protocolo de Intenções. Todos os incisos versam acerca do objetivo-fim, do qual se originou a criação do Consórcio em questão. Portanto, descrevem a promoção do desenvolvimento econômico e social da região amazônica, enfatizam o papel político para isto e as relações que necessitam estabelecer (em âmbitos nacional e internacionalmente, através da paradiplomacia). (LIMA; TEIXEIRA; LAMARÃO NETO, 2020, p. 09-12) Diante de todo o exposto, a criação do Consórcio Amazônia Legal possui por objetivo maior a representação dos interesses dos entes da Federação – Estados-membros –, a fim de zelar pelo desenvolvimento sustentável/econômico/político/social de sua jurisdição. As demandas locais são parecidas e o Consórcio acaba por aproximar a discussão no afã de solucionar os problemas. Hodiernamente, o presidente do Consórcio é o governador do Estado do Maranhão, Flávio Dino, e ainda que as finalidades do 155 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Consórcio sejam de extrema relevância, as atividades realizadas pelo Consórcio ainda estão na fase inicial e necessitam de impulso por parte dos Estados-membros, para que alcancem o máximo da efetividade de suas finalidades. A pesquisa, cujo tema é a Amazônia Legal, mais precisamente quando versa acerca do seu desenvolvimento econômico caminhando junto com o desenvolvimento sustentável e social, é polêmica. Indo na contramão, bem como mostrando que o desenvolvimento sustentável, social e econômico pode sim andar lado a lado, em várias obras e, sobretudo, nesta, Sen (2010) aduz que o exercício pleno e com qualidade das liberdades humanas só é concretizado por intermédio do desenvolvimento socioeconômico. O autor expõe que todos os caminhos do desenvolvimento se reforçam mutuamente. Para corroborar o entendimento, em sua obra, o autor traz de exemplo que o aumento do PIB tem por consequência o aumento das rendas pessoais, da industrialização, dos avanços tecnológicos, de mobilização social e, mais ainda, de educação para sustentabilidade, sendo configurados a economia e o desenvolvimento social e sustentável como grandezas diretamente proporcionais. Os entes federativos que ratificaram as diretrizes do Consórcio, com fulcro no desenvolvimento de projetos estaduais para promover mecanismos e ações conjuntas para o fim pretendido, possuem competência e ampla legitimidade de gerir o seu território. Por sua vez, o Consórcio Amazônia Legal tem pleno embasamento constitucional e está apto para atuar no âmbito em que se encontra disposto. 4) Atuação do Consórcio Amazônia Legal Posto isso, voltando o olhar, mais internamente, para o contexto dos Estados-membros que ratificaram o Consórcio Amazônia Legal, buscou-se trazer informações quanto à validação do Consórcio no âmbito legislativo dos Estados-membros participantes, como forma de trazer à baila de que maneira a ratificação se incorpora no ordenamento interno, quais os planejamentos estratégicos e organograma legislativo. No mesmo sentido, objetivou-se por adentrar no campo prático, a fim de demonstrar quais as realizações já tomadas pelos Estados-membros participantes no âmbito do Consórcio Amazônia Legal, bem como exemplos de sua atuação no fortalecimento e desenvolvimento da região amazônica. 156 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho O sentimento de regionalismo e pertencimento para integrar e unir-se com fulcro para atingir planos e metas não é restringido somente aos tempos hodiernos. Isto porque, de acordo com a releitura dos escritos de Abrucio (1998, p. 190-191), à época, este já destacava a importância da integração regional: A única forma de agregação dos estados entre si tem sido o discurso regional, mas mesmo assim somente nas Regiões Norte e, sobretudo, Nordeste [...] Portanto, apenas nas Regiões Norte e Nordeste existe um sentimento regional acentuado, enquanto nas outras Regiões a atuação dos estados obedecem ao que chamo de estadualismo, inexistindo uma união “natural” entre eles, que facilitaria, em tese, a formação de alianças e o estabelecimento de um jogo mais cooperativo. Porém, a força do regionalismo para se desenvolver politicamente necessita de fortes lideranças políticas, que são formadas no decorrer da história política da Região. O Norte não possui grandes lideranças políticas que congreguem os interesses de vários estados, até porque sua história política é muito recente – até pouco tempo, a maioria dos estados era Território. (Grifo meu) Décadas após os escritos de Abrucio (1998), ainda assim, a Região Norte não logrou êxito no sentido de possuir uma potência liderança política regional, o que exige a união dos estados nortistas em busca do desenvolvimento pretendido através do Consórcio Amazônia Legal. No organograma institucional do Consórcio, considerado uma autarquia pública, haveria de possuir órgão internos. Então, foram instituídos: a Assembleia Geral, tal como órgão deliberativo de hierarquia máxima; Conselho de Administração; Secretarias Executivas; Câmaras Setoriais; Direções Especiais; e Assessoramentos. Os principais objetivos do Consórcio Amazônia Legal encontram-se dispostos na Cláusula 7ª do Protocolo de Intenções, ratificado pelos Estados-membros participantes, tendo como principais pontos à esta pesquisa o inciso II, que diz respeito à “integração e o fortalecimento regional da Amazônia Legal e do seu papel político e econômico, no contexto nacional e internacional”. 157 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Nada obstante a Carta de Porto Velho iniciar as discussões de criação do Consórcio, apenas em 29 de março de 2019, no 17° Fórum dos Governadores dos Estados da Amazônia Legal, ocorreu a 1ª Assembleia Geral do Consórcio, na qual assinou-se a Carta de Macapá, ato oficial de instalação do Consórcio Amazônia Legal. Muitos dos temas voltados para a incorporação das benesses de direitos e deveres positivados nas diretrizes, as linhas abarcadas foram a de planejamento estratégico, entendida pela organização fiscal, do desenvolvimento econômico, da atração de investimentos, das concessões e operações de crédito, sustentabilidade, bioeconomia, negociação e captação de recursos. De acordo com o Relatório de Gestão do ano de 2019 (RELATÓRIO DE GESTÃO 2019, 2020), alguns planejamentos estratégicos passaram por atualizações, isto é, foram criados eixos setoriais de trabalho, quais sejam: a) planejamento e gestão estratégica, b) gestão fiscal e tributária, c) meio ambiente e desenvolvimento sustentável, d) segurança pública, e) comunicação pública, f ) educação, e g) saúde. Para alcançar os objetivos definidos pela cláusula 7ª do Protocolo de Intenções e Estatuto do Consórcio, buscou-se ir além de alinhar as metas. Em 2019, estabeleceu-se um planejamento estratégico que ajustava um ínterim para alcançar efeitos de médio e longo prazo até o ano de 2030. Os temas a serem atingidos são os de cunho a transformar a Região Amazônica em uma grande área competitiva, integrada e sustentável. Com várias vertentes pertinentes a atingir o pretendido, o Planejamento Estratégico 2019/2030 (PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO 2019/2030, 2019) foca nos principais eixos de aquisição do desenvolvimento, economia verde, competitividade, inovação, integração regional, governança territorial e ambiental, e gestão e governança de serviços prioritários. À vista disso, o Consórcio Amazônia Legal alinha, rumo aos seus objetivos precípuos, desenvolver a região de modo sustentável, atraindo investimento e recursos, bem como se propõe a melhorar a qualidade de vida da população da região e a dirimir as desigualdades e seus impactos. Por conseguinte, com relação ao Contrato de Consorciamento, documento publicado em 29 de março de 2019, ressalta-se a 158 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho importância da vigência de tal referendado. Isso porque o ato definiu a área de abrangência da autarquia do Consórcio Amazônia Legal e seus limites de atuação. Destaca-se que o objetivo não é fechar as limitações em âmbito territorial-regional ou nacional. Diferentemente, este propõe a possibilidade de atuação internacional para cumprimento das finalidades pré-estabelecidas por intermédio da paradiplomacia, como já estudados os conceitos em momentos oportunos do Projeto de Pesquisa. Os eixos de exercícios enfatizados abarcam as temáticas de: segurança pública, sistema prisional, produtividade rural, clima, economia de baixo carbono, obras e serviços públicos. No que diz respeito às finanças e normas tributáveis, dispõe o Contrato de Rateio, que é o instrumento que define a responsabilidade dos entes consorciados e a forma de repasse de despesas, a serem formalizadas a cada Lei Orçamentária Anual (LOA) e de acordo com o Plano Plurianual (PPA) de cada Estado-membro. Convém trazer ao comento que o Contrato de Rateio gere a organização do exercício financeiro dos repasses aos entes participantes do Consórcio. Destaca-se que, a partir das pesquisas nos sítios eletrônicos das secretarias que descrevem o Consórcio, encontra-se disposto, na Secretaria de Planejamento do Estado do Amapá (nº. 02/2019), os valores dos repasses: a cada Estado-membro é cabível o fundo de repasse na quantia de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por ano, subdivididas em 04 (quatro) parcelas de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), que, ao final, somam a totalidade de R$ 4.500.00,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais) de verbas anuais. O documento de Relatório de Gestão de 2019 (RELATÓRIO DE GESTÃO EXERCÍCIO 2019, 2020) dispõe minunciosamente os rumos tomados pelas atividades do Consórcio Amazônia Legal no ano de 2019 e sua atuação para o fortalecimento da região amazônica. O extenso documento relata os planejamentos de médio a longo prazo que seriam enfrentados pelo Consórcio, até então na gestão do representante da época, o governador Antônio Waldez, que teve uma atuação desenvolvimentista um tanto tímida e, claramente, sem considerar os inesperados impactos que viriam pela frente de uma Pandemia Mortal. Veja-se o Relatório de Gestão de 2019 (RELATÓRIO GESTÃO EXERCÍCIO 2019, 2020, p. 31-32): 159 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 “Em 2019, as iniciativas neste campo foram relevantes para a construção de futuras parcerias, dado o alcance das agendas e representatividade das organizações nacionais e internacionais com as quais foram mantidos diálogos, englobando audiências, agendas técnicas e institucionais, oficinas, workshops e eventos internacionais. 1. Realização dos três fóruns dos governadores – 17º, 18º e 19º –, nas cidades de Macapá/AP, Palmas/TO e São Luiz/MA, respectivamente, nos meses de março, agosto e novembro de 2019. [...] 2. Audiências e Reuniões com órgãos do governo federal – No início das agendas, os assuntos estavam concentrados em apresentar o Consórcio e suas diretrizes e projetos. [...] 3. Realização da Iª Cúpula de Governadores da Pan-Amazônia, na Academia de Ciências do Vaticano, em Roma, Itália, no dia 27 de outubro de 2019. [...] 4. Participação do Consórcio na Semana do Clima de Nova York, evento que possibilitou o diálogo dos governadores com lideranças mundiais reunidas em torno da agenda climática. [...] 5. Realização de três rodadas de diálogo entre os governadores da Amazônia e os embaixadores da Alemanha, Noruega, Reino Unido e França. [...] 6. Realização de evento internacional organizado pelo Consórcio, na cidade de Madrid, Espanha, denominado Amazon-Madrid [...]”. Dentre os temas em pauta pelos eixos temáticos de atuação, a vertente de desenvolvimento sustentável ganhava força, com o destaque para estímulos na intitulada “Economia Verde”, nos mercados de serviços, noutros, a dirimir as emissões de carbono, voltados ao âmbito da economia regional. Nas searas ambientais e territoriais, estudava-se um grande zoneamento territorial da Região Amazônica com fulcro em regularização fundiária das glebas públicas. Considerando o âmbito da tecnologia e logística, falou-se em Plano Amazô160 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho nia Multimodal, que visava ampliar a governança estratégica. Anota-se, sobretudo, o desenvolvimento da informatização para garantia da transparência nos acessos informativos do Consórcio Amazônia Legal. As articulações estabelecidas nessas tímidas atuações ensejaram um divisor de águas na atuação do Consórcio Amazônia Legal. Foram os primeiros passos da recém-criada autarquia pública e, ainda assim, celebraram negociações e contribuições dialogadas em âmbitos nacional e internacional. Uma considerável articulação para o Consórcio Amazônia Legal fora a reunião, por videoconferência, dos governadores com o coordenador da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, Niky Fabiance, no início deste ano de 2021. A pauta em discussão fora a proposta de criação de um fundo de multidoadores das Nações Unidas para o financiamento de ações ao desenvolvimento sustentável. (SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO DO TOCANTINS, 2021) Entre tantos esforços em alinhar desenvolvimento econômico e sustentabilidade, na concentração do ano de 2021, o foco de atenção é a apresentação do “Plano de Recuperação Verde” (PRV), firmado e legitimado com a Carta da Amazônia pela Segurança Climática, assinada pelos governadores dos entes participantes do Consórcio Amazônia Legal. Entende-se que, necessariamente, a questão desenvolvimentista deve ser precedida pela estabilização da questão ambiental amazônica, não voltada somente à atração de investimentos e incentivos econômicos, mas pelo próprio equilíbrio e manutenção da qualidade de vida do ecossistema como um todo. Quando se arruma tais pontos, toda a cadeia anda proporcionalmente: mais qualidade de vida, mais emprego, economia forte e desenvolvimento. Por outro lado, o exercício de 2019 estabelecia estratégias a longo prazo que tiveram uma paralisação por conta da nova realidade mundial. Desde os primeiros meses de 2020, o contexto global mudou e as metas pré-estabelecidas sofreram freios e contrapesos em sobreposição às verdadeiras prioridades do momento vivido. A pandemia pela disseminação desenfreada de SARS-CoV-2 (COVID-19) se mostrou a grande prioridade e emergência a ser tratada, exigindo ações governamentais no intuito de prevenção, combate e contenção da situação que o vírus mortal causou - um verdadeiro caos mundial. A questão da saúde pública desviou parcialmente as atenções primor161 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 diais do Consórcio Amazônia Legal. Nesse momento, alguns assuntos de saúde tornaram-se urgentes. Logo, o Consórcio Amazônia Legal exigiu atuação na Pandemia de SARS-CoV-2 (COVID-19). Uma das importantes ações tomadas através do Consórcio Amazônia Legal foi o conteúdo da Carta da Amazônia à Nação Brasileira (Carta nº. 001-2021/PR/CAL – vide referências), a qual dispõe o pedido dos governadores dos Estados-membros da Amazônia Legal “pela retomada imediata da habilitação de leitos SUS e outras medidas urgentes frente à pandemia na região”, bem como do requerimento de retomada imediata do auxílio emergencial, matérias que foram discutidas e concedidas no âmbito federal, sendo o auxílio emergencial atualmente estendido por mais alguns meses. Tais pleitos soaram significativos vindo de uma autarquia pública tal qual é o Consórcio. Noutro giro, foi no mesmo sentido de pertinência o pleito disposto na Carta de Belém (20º Fórum dos Governadores da Amazônia Legal) acerca da solicitação de aportes financeiros e medidas emergenciais para enfrentamento da crise sanitária da pandemia de SARS-CoV-2 (COVID-19). A já mencionada reunião por videoconferência de Niky Fabiance (o coordenador da Organização das Nações Unidas no Brasil) com o Consórcio Amazônia Legal, no início de 2021, intermediou também a articulação das doações realizadas pela ONU aos Estados-membros da Amazônia Legal, em especial ao Estado do Amazonas e à Região do Tapajós (PA). Foram doados mais de 160 (cento e sessenta) mil itens, entre Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), medicamentos, camas e outros insumos, além de cilindros de oxigênio. (UNHCR ACNUR – AGÊNCIA DA ONU PARA REFUGIADOS. Brasil, 2021) A despeito de todos os entraves, o Consórcio Amazônia Legal precisa continuar a atuação. Em setembro de 2020, ocorreu o 21º Fórum dos Governadores da Amazônia Legal, o qual teve como foco as cadeias produtivas regionais e formalização de parcerias, como com a EMBRAPA, por exemplo. 5) Destaque para as atuações do Estado do Pará e Amapá: O levantamento da atuação dos Estados do Pará e Amapá no Consórcio Amazônia Legal, alvo desta pesquisa, deu-se através das pesquisas nos sites oficiais dos dois governos, no que tange às atividades descritas realizadas através do Consórcio. 162 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Quanto ao Estado do Pará, após ratificar o Protocolo de Intenções, para organizar a pasta administrativa do Consórcio Amazônia Legal, designou responsáveis titulares desse Conselho Administrativo da “Câmara de Planejamento e Gestão Estratégica do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal” as gestoras Cláudia Cristina Valente Nava e Hana Sampaio Ghassan. (SEPLAD, 2020) O Governo do Pará incorporou o “Plano de Recuperação Verde” e instituiu o Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA), que objetiva estimular a economia de baixo carbono, combater as desigualdades, gerar emprego e renda, bem como estimular o crescimento econômico e sustentável (AGÊNCIA PARÁ, 2021). O governo do Pará solicitou apoio para compra de vacinas ao embaixador dos EUA por intermédio do Consórcio (SECRETARIA DE SAÚDE PÚBLICA, 2021). Além do mais, o Estado do Pará esteve presente em todas as reuniões do Consórcio através das edições do Fórum de Governadores dos Estados da Amazônia Legal e atuou de forma positiva nas ações tomadas pelo consórcio na Pandemia da SARS-CoV-2 (COVID-19), através da Carta de Belém (20º Fórum dos Governadores da Amazônia Legal). Já o Governo do Amapá detém, em seu site de planejamento institucional, uma aba com a documentação do Consórcio, como já mencionado alhures. No entanto, o Estado do Amapá estabelece, junto à aba do consórcio, um Plano de Projetos Prioritários para o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal no enfrentamento da pandemia e dos efeitos desta. Cita o Green Climate Fund – GCF, composto em duas dimensões: cadeias + governança territorial/combate ao desmatamento. A proposta propõe dar concretude, na prática, ao ideal de promoção de um novo modelo de desenvolvimento sustentável para inclusão e proteção da Amazônia, especialmente em tempos de pandemia, ante a sinergia da doença com a grande vulnerabilidade socioeconômica da região (SEPLAN - SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO, 2017-2021). São exemplos dessas propostas e estão expostas em documentos no sítio eletrônico: a promoção da “agricultura familiar (proposta LAMAF); Goaiabal – TempleteMorphologicalchange praias - 13/03/2020; Baunilha - Projeto IEPA Prospecção Baunilha 13 03 2020; Ictiologia - Monitoramento do ictioplâncton como res163 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 posta socioambiental base para conservação e manutenção dos estoques pesqueiros no Município de Ferreira Gomes, Amapá - Aristides Sobrinho; Besouro de coqueiro - Template - projeto – IEPA; Herpetofauna - Amapá livre de Acidentes com ofidios - Jucivaldo Lima; Mamíferos - PequenosMamíferos - CRSilva13Mar; Mangabeira - Projeto tesouro verde DarleyCLMatos; CAL - Cadeias Produtivas RURAP 2020, Nota Conceitual - IterAcre 2020”. Por sua vez, os Estados-membros vinham atuando timidamente pelo Consórcio, ocasião em que ganhou demasiada força e voz pela garantia de direitos no infeliz contexto de crise sanitária gerada pela pandemia de SARS-CoV-2 (COVID-19). Cabe destacar que a evolução da tecnologia, a globalização e outras ferramentas permitem ao pesquisador científico da grande área das Ciências Sociais Aplicadas produzir grandes estudos com base em artigos e documentações de vários sítios eletrônicos, repositórios acadêmicos, perfis oficiais, etc. Para levantamento informativo-documental, o qual fora proposto nesse trabalho, fora de grande monta as informações que são alocadas à disposição do leitor como qualquer outro cidadão. Um grande óbice foi o difícil acesso (ou a falta) de informações necessárias acerca das atividades da gestão do Consórcio junto aos sítios eletrônicos dos entes consorciados. A partir do pesquisado, algumas secretarias de planejamento, como dos Estados do Amazonas e Amapá, possuem detalhadas informações e documentação do Consórcio a serem disponibilizadas por consulta pública. Muito diferentemente, o restante dos entes consorciados apenas se restringe a informações de imprensa de isoladas atividades do Consórcio Amazônia Legal, ou a legislações dispostas em documentos de maneira dispersa. A pandemia mundial pela COVID-19 foi o principal obstáculo para atingir alguns objetivos descritos no plano, como a visita in loco à Secretaria de Planejamento do Estado do Pará e Amapá, a fim de investigar a efetividade das diretrizes do Consórcio Amazônia Legal incorporadas neste contexto regional. Outro relevante entrave ocasionado pela pandemia foi que as atenções governamentais se voltaram para questões de saúde, medidas restritivas como decreto de lockdown e etc., o que representou grande afastamento do planejamento x execução, isto é, na aplicabilidade e transparência das atividades preconizadas do doravante Consórcio Amazônia Legal. 164 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Em linhas gerais, não obstante o alcance de todos os tópicos anteriormente planejados para aprofundamento de estudos, o projeto se estendeu com prorrogação de mais 01 (um) ano, pois percebeu-se importantes as discussões científicas sobre a pesquisa, sendo necessária a continuidade das atividades para alcance dos objetivos finalísticos em novo Plano de Trabalho. Dentre as respostas, tem-se que, no mundo globalizado, a atuação dos Estados-membros é imprescindível ao equilíbrio da federação e a problemática que empecilha as atividades do Consórcio não prosperam. Uma vez que a atividade exercida não interfira na soberania e integridade da Federação, não há inconstitucionalidade. O sistema constitucional brasileiro não intimida as atividades dos entes federativos para com o Plano Internacional (paradiplomacia). Diferentemente disso, o instrumento é entendido como meio de cooperação e descentralização federativa. A paradiplomacia designa o caminho para o contato internacional que os entes federados possam realizar, objetivando consolidar a aquisição de recursos por doações para o desenvolvimento ambiental, cultural, tecnológico e outros que não estejam amarrados às fronteiras. Dito isto, o Consórcio Amazônia Legal tem pleno embasamento constitucional, estando apto para atuar e, por se destacar na defesa do meio ambiente, da segurança e em relação ao enfrentamento da pandemia de COVID-19 - não interferindo na soberania do Estado central -, suas atividades paradiplomáticas são legitimadas, reafirmando sua constitucionalidade. A importância conferida ao Consórcio decorre do fato de que os Estados-membros se organizam para realização de cooperações técnicas e científicas no âmbito internacional (não somente na crise sanitária), mantendo a respeitabilidade em relação à Constituição Republicana de 1988. 165 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS ABRUCIO, Fernando Luiz. Os barões da federação: os governadores e a redemocratização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1998. ABRUCIO, Fernando Luiz. Os barões da Federação. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 33, p. 165-183, ago. 1994. ISSN: 0102-6445. DOI: https://doi.org/10.1590/ S0102-64451994000200012. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451994000200012&script=sci_ abstract&tlng=pt. Acesso em: 30 nov. 2020. ACRE. Governadoria do Estado do Acre. Lei nº. 3.264, de 18 de julho de 2017. Diário Oficial do Estado do Acre. Ano L, nº. 12.097, p. 01-18. 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Acesso em: 14 jun. 2021. 173 SUMÁRIO ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 PROTEÇÃO INTERNACIONAL AO TRABALHADOR NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS Georgenor de Sousa Franco Filho REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho PROTEÇÃO INTERNACIONAL AO TRABALHADOR NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS Georgenor de Sousa Franco Filho137 Resumo: Este estudo examina os mecanismos de proteção dos direitos humanos dentro do sistema interamericano, fazendo breve demonstrativo do tratamento dispensado a esses direitos ao longo da história, e apreciando, destacadamente, julgado da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre um leading case envolvendo o Brasil. Ao final, aponta algumas sugestões e indica a recente posição do sistema relativamente à pandemia causado pelo Covid-19. Palavras-Chave: Sistema interamericano. Direitos humanos. Corte Interamericana. Covid-19. Abstract: This study examines the mechanisms of protection of human rights within the inter-American system, briefly demonstrating the treatment of these rights throughout history, and appreciating, especially, the judgment of the Inter-American Court of Human Rights on a leading case involving Brazil . At the end, he points out some suggestions and indicates the recent position of the system in relation to the pandemic caused by Covid-19. 137 Bacharel Em Direito pela Universidade Federal do Pará (1975) e doutorado em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1995). É Doutor “honoris causa” pela Universidade da Amazônia (UNAMA)(2013). Atualmente é Professor Titular VII de Direito Internacional e de Direito do Trabalho da Universidade da Amazônia (UNAMA), Desembargador do Trabalho de carreira aposentado do TRT da 8 Região (desde 29-11-2023), presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Membro de Numero da Academia Ibero-Americana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Membro da Sociedad Hispano Brasileña de Derecho Comparado, da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas e da Asociación Iberoamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, atuando principalmente nos seguintes temas: direito do trabalho, direito internacional, direitos humanos, direito constitucional. http://lattes.cnpq.br/0092850570547983 175 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Keywords: Inter-American system. Human rights. Inter-American Court. Covid-19. 1 INTRODUÇÃO Proteger os direitos trabalhistas especialmente os do trabalhador não é tarefa fácil de desenvolver. Precisamos, inicialmente, entender o que são direitos humanos, direitos fundamentais e direitos sociais. Depois, necessitamos caminhar pela evolução consagradora desses direitos ao longo da história da humanidade. Ao cabo, indicar alguns momentos de destaca no sentido de sua proteção, em nível internacional, sobre dentro do sistema interamericano de direitos humanos. Essa tarefa tentaremos desenvolver neste texto, buscando seguir esse iter, para concluirmos com considerações genéricas sobre a efetivação e afirmação dos direitos trabalhistas dentro do Direito Internacional Americano. 2 DISTINÇÕES NECESSÁRIAS Duas expressões alguns podem, equivocadamente, utilizar como sinônimas. Não são. Estão, sim, estreitamente vinculadas, mas cada qual tem um alcance definido. Quando falamos de direitos humanos desejamos tratar dos direitos ligados à vida, liberdade e igualdade que estão positivados perante a sociedade internacional. É esse reconhecimento que os torna básicos ao ser humano, representando, mesmo, o gênero dos direitos. Os direitos humanos não são direitos universais. São direitos internacionais universalizados, como anota Patrick Wachsmann, que, mesmo com essa relativização, não devem ser considerados enfraquecidos 138. Direitos fundamentais, a seu turno, podem ser considerados uma espécie de direitos humanos. São aqueles reconhecidos e garantidos pelas Constituições, os que estão positivados nas leis fundamentais dos diversos Estados. 138 WACHSMANN, Patrick. Les droits de l’homme. 5ª ed., Paris, Dalloz, 2008, pp. 49-51 176 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Por outro lado, considerações poderiam ser formalizadas acerca das gerações dos direitos fundamentais, que costumo identificar em cinco, para fins meramente cronológicos, considerando as épocas em que esses direitos passaram a ser identificados e consagrados. Assim, em apertada síntese, temos os direitos de 1ª geração, exigindo-se uma postura negativa do Estado, o Estado liberal do não-fazer, no sentido de não pode suprimir a vida e a liberdade das pessoas; os de 2ª geração, no Estado social, com os direitos de igualdade, e a postura positiva do Estado, no sentido de fazer, isto é, de proporcionar saúde, educação e trabalho a todos; os de 3ª geração, os direitos difusos, de solidariedade e fraternidade, como paz, desenvolvimento, meio-ambiente; os de 4ª geração, que apresentam-se em dois grupos, embora com razões absolutamente diversas, mas oriundos de épocas muito próximas. Assim, temos em um grupo, democracia, informação, pluralismo; e, em outro, manipulação genética, mudança de sexo, clonagem humana. E, acrescento mais uma geração, a 5ª, a dos subjetivos, de ter e externar seus sentimentos, envolvendo respeito e amor ao próximo. Os direitos trabalhistas estão no rol dos direitos sociais, contemplados na 2ª geração dos direitos fundamentais, e esses direitos sociais são aqueles que visam a redução de desigualdades, e estão insertos no art. 6º da Constituição de 1988, sendo os trabalhistas uma espécie desses. 3 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO SOBRE DIREITOS HUMANOS Em 1975, concluindo o curso de direito da Universidade Federal do Pará, escrevi meu primeiro livro, e, ao cuidar da evolução dos direitos humanos, assinalei a importância do Código de Hamurabi, na Babilônia 139, escrito por volta de 1.772 a.C., que continha leis escritas, inclusive o princípio de Talião. Devem ter sido as primeiras normas com garantias gerais para o homem. O mais antigo registro formal acerca de direitos humanos parece ser posterior, o chamado Cilindro de Ciro, de 539 a.C., conten139 FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A proteção internacional aos direitos humanos. Belém, Imprensa Oficial do Estado, 1975, p. 18 177 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 do uma declaração do rei persa Ciro II depois de conquistar a Babilônia, reconhecendo direitos de os povos ali exilados regressassem à suas terras de origem, e suas regras são semelhantes aos quatro artigos iniciais da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. O documento apontado como o primeiro de grandes reflexos para os dias seguintes é a Magna Carta, de 1215, de João Sem Terra, da Inglaterra, que assinou sob imposição dos súditos, após ter violado diversas antigas leis inglesas. Dentre outros direitos, que vieram a ser reconhecidos adiante, cuidou de liberdade religiosa, direitos de propriedade, igualdade perante a lei, responsabilidade administrativa. Outro marco histórico assinalável é a Petição de Direitos, de 1628, do reinado de Carlos I, quando o Parlamento inglês estipulou uma declaração de liberdades civis. Ainda na Inglaterra, o Bill of Rights de 1689, após a revolução gloriosa que depois Jaime II, criou a monarquia constitucional e ampliou os poderes do Parlamento. O modelo europeu foi adotado no novo mundo. Em 1776, é aprovada a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, precedente da Declaração da Independência dos Estados Unidos, ambas iluministas e contratualistas. Novos contornos ganham os direitos humanos. Com a Revolução Francesa, a Assembleia Nacional Constituinte da França aprovou em 26.8.1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, terminando os privilégios da nobreza, igualando, teoricamente, as pessoas em seus direitos e oportunidades, reconhecendo os direitos humanos como universais e inalienáveis, sob a influência liberal e iluminista da época. Adotava-se o lasser faire, laisser passez, que, mais tarde, seria demonstrado seu alto grau de perigo ante a desigualdade flagrante entre ricos e pobres, patrões e trabalhadores. Em 1791, começou a viger nos Estados Unidos da Carta dos Direitos dos Estados Unidos ou Declaração dos Direitos dos Cidadãos, com as dez primeiras emendas à Constituição americana, introduzidas por James Madison e amplamente defendida por Thomas Jefferson. No século XIX, constatada a desigualdade real das pregações revolucionárias francesas, o Estado Liberal foi substituindo pelo Estado Social. É o welfare state, o Estado-Providência onde tentaram a redução dessas diferenças, mediante o retorno da intervenção estatal, 178 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho com tentativas para reduzir as extenuantes jornadas de trabalho e minimizar os danos aos trabalhos das mulheres e das crianças. Nesse século, certamente a nota mais relevante deve ficar a conta da encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de 1891, que marca a doutrina social da Igreja, embora não devam ser esquecidos o manifesto de Marx e Engels nem o seguro social criado por Bismark. O século passado, o XX, foi marcado por duas guerras mundiais, surgimento de inúmeros novos Estados, bipolarização ideológica, e, nesse clima de profunda dificuldade sobre economia, o Direito do Trabalho constitucionaliza-se através sobretudo de Querétaro, em 1917, e Weimar, em 1919. Os direitos humanos ganham, finda a segunda grande guerra, um novo impulso relevante: a DUDH de 1948, à qual se sucederam os dois Pactos de 1966, o de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o de Direitos Civis e Políticos, ambos ratificados pelo Brasil. Efetivavam-se, internacionalmente, os direitos inalienáveis do homem. A partir daí o passo grande seguinte seria criar instrumentos para a efetivação desses direitos, e iremos deter este estudo em breve considerações sobre o sistema interamericana de proteção dos direitos humanos. 4 O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS O surgimento do sistema regional interamericano ocorreu em 1948 com a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. Em 1959, é criada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, em 1996, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, fundada a partir da Convenção Americana de Direitos Humanos, seu instrumento mais admirável. A Corte Interamericana encontra-se, em importância, paralela a dois outros tribunais de similar grandeza. Na Europa, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, e, na África, a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos. A Convenção Americana é conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, adotado na Conferência Especializada Interamericana 179 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 sobre Direitos Humanos, realizada naquela cidade, em 22 de novembro de 1969, e que o Brasil ratificou em 25 de setembro de 1992. Evoluída, merece especial destaque seu artigo 44, que afirma: Artigo 44 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte. Esse dispositivo possui um traço distintivo bastante relevante, qual o de permitir que a pessoa física ou natural, individualmente considerada, que entenda ter tido violado algum direito humano, possa comparecer ao tribunal nessa condição. Habitualmente não é o que ocorre em tribunais internacionais, como, v.g., a Corte Internacional de Justiça, aberta apenas a Estados e, eventualmente, quando na sua jurisdição consultiva, aos organismos internacionais. O Pacto de San José da Costa Rica, ademais, cuida de temas relevantes merecendo destaque especial o art. 6º, que proíbe escravidão e servidão. Seu teor, na integra é o seguinte: Artigo 6º - Proibição da escravidão e da servidão 1. Ninguém poderá ser submetido a escravidão ou servidão e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento da dita pena, imposta por um juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso. 3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a) os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença 180 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado; b) serviço militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; c) o serviço exigido em casos de perigo ou de calamidade que ameacem a existência ou o bem-estar da comunidade; d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. Esse dispositivo, ao tratar de escravidão, não quer se referir à escravidão institucionalizada que tivemos no Brasil até o advento da Lei n. 3.383, de 1888, aquela que o Estado apoia e não reprime nem condena. Refere-se ao trabalho em condições análogas a de escravo, tal como descrevi em outro estudo 140. Note-se que o n. 3 indica as atividades não consideradas trabalhos forçados ou assemelhados, e que são as descritas nas letras a a d do mesmo dispositivo. Quanto às outras atividades, as condenáveis, estamos ante um problema recorrente na Pan-Amazônia, especialmente Brasil, Colômbia e Peru, que é uma prática secular chamada aviamento, uma espécie de servidão por dívida, ainda existente e cujo combate vem se intensificando ano a ano, mas, lamentavelmente, sem perspectiva de terminar 141. 5 O BRASIL NA CORTE DE DIREITOS HUMANOS: O CASO FAZENDA BRASIL VERDE Justamente relativo ao trabalho forçado na Pan-Amazônia, o que conhecemos na região como aviamento, é interessante julgado da V., a respeito, FRANCO FILHO, G. de S.. Curso de Direito do Trabalho. 5ªed., São Paulo LTr, 2019, p. 379. 141 V., a respeito, FRANCO FILHO, G. de S.. Curso ... cit., pp. 377-384. Na Colômbia, chama-se enganche. No Peru, seu nome é endeude. 140 181 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Corte Interamericana, a partir de submissão apresentada pela Comissão Interamericana, em 4.3.2015, conhecido como caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde contra a República Federativa do Brasil 142. O leading case em apreço, que resultou em condenação do Brasil, refere à suposta prática de trabalho forçado e servidão por dívidas na Fazenda Brasil Verde, localizada no Estado do Pará, quando foram constatados fatos que identificam milhares de trabalhares submetidos a trabalho forçado (que o julgado chama de escravo), e que igualmente tinham dificuldade em empreender fuga do local de difícil acesso em que se encontravam, além da existência de ameaças de morte, impedimento de saída livre, falta de salário ou salário ínfimo, endividamento com o proprietário (justamente no barracão da fazenda onde eram vendidos os alimentos aos trabalhadores), afora ausência de moradia, alimentação e saúde dignas. Segundo a Comissão, desde 1989 o Estado brasileiro tinha conhecimento dessas criticáveis atividades, mas nenhuma medida de prevenção havia sido adotada, além de outras omissões do Brasil, e sua responsabilidade internacional pelo desaparecimento de dois adolescentes denunciado as autoridades estatais em 21 de dezembro de 1988, sem qualquer providencia. Ao final, a Corte proferiu extensa sentença, rejeitando todas as preliminares apresentadas pelo Brasil, inclusive a de incompetência ratione materiae por violação ao princípio de subsidiariedade do Sistema Interamericano, que funcionaria como outra instancia do Judiciário, a chamada fórmula da 4ª instância, da mesma forma como a incompetência ratione materiae sobre supostas violações de direitos trabalhistas. Especificamente quanto a essas violações, é interessante observar que o Brasil apontou não estarem insertos no art. 6 do Pacto de San José da Costa Rica os fatos verificados na Fazenda Brasil Verde, e sim no art. 7º do Protocolo de São Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Americana em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil), o que afastaria a competência da Corte, tendo argumentado a Comissão que essas alegações referem ao mérito da causa e as demais partes aduziram que não estava em ques142 Trata-se do caso n. 12.066. Texto na integra, disponível em: http://midia.pgr.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/docs/corte_idh/Jurisprudencia/casos_contenciosos/Trabalhadores%20da%20Fazenda%20Brasil%20Verde/sentenca-fazenda-brasil-verde-20out2016.pdf. Acesso em 24.7.2020. 182 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho tão violação do Protocolo. Como corolário desses argumentos, a Corte entendeu que não se tratava de examinar violação ao Protocolo. mas do art. 6 da Convenção transcrito acima, tratando-se de matéria meritória. O ponto 303 do decisum descreve a atividade desenvolvida pelos trabalhadores. Enquadra-se exatamente na figura do aviamento brasileiro. Como apontei alhures, os traços do aviamento, que se assemelha do truck system, são o fato de o contratante pagar o transporte para levar o trabalhador de seu lugar de origem para o local do trabalho e a despesa ser debitada ao trabalhador; o mediador da relação empresa x trabalhador chamar-se gato; geralmente o trabalho durar uma safra (6 a 10 meses), donde é temporário; o local ser vigiado por pessoas armadas que evitam a fuga do trabalhador; são péssimas as condições de trabalho e de atendimento às necessidades básicas; existência do barracão do patrão (no aviamento fixo) que vende gêneros alimentícios a preços exorbitantes, embora exista o regatão (no aviamento móvel); há um regime de acumulação de dívidas, donde o trabalhador somente consegue sair antes do prazo se saldar sua dívida, o que a rigor nunca ocorre; e não existe respeito à legislação trabalhista e de previdência social 143. Trata-se de pratica altamente condenável e que deveria ser, como ao final foi, rechaçada pela Corte. Na sentença, foi reconhecida a responsabilidade do Estado brasileiro pela violação do direito a não ser submetido às condições de escravo e ao tráfico de pessoas (art. 6,1, do Pacto da Costa Rica) de 85 trabalhadores resgatados em 15.3.2000 da Fazenda Brasil Verde, além de outras várias condenações. Aqui devemos incluir o pagamento de indenizações a título de dano imaterial e de reembolso de custas e gastos. Esses valores correspondem a US$-30.000,00 para cada um dos 43 trabalhadores encontrados na fazenda na fiscalização de 23.4.1997, e US$-40.000,00 para um dos 85 trabalhadores encontrados na fiscalização de 15.3.2000. A importância desse leading case está em que o Brasil, por violação aos direitos humanos assegurados em tratado internacional, foi condenado a reparar 128 pessoas indicados como vítimas, na atividade reprovável do aviamento que, lamentavelmente ainda existe na região, dentro do sistema regional de proteção aos direitos humanos, especificamente do trabalhador. 143 FRANCO FILHO, G. de S.. Curso ...cit., pp. 377-378 183 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 CONSIDERAÇÕES FINAIS Estes tempos estão sendo atípicos na vida da comunidade internacional. As preocupações com a sobrevivência e com a saúde de todos têm merecido lugar de destaque em todos os debates e em todos os grandes centros decisórios. Não é diferente no continente americano., tendo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA adotado, em 27.7.2020, a Revolução n. 4/2020, sobre direitos humanos das pessoas com Covid-19 144, e, em um de seus consideranda, observa que las personas con COVID-19 pueden experimentar impactos negativos y limitaciones de otros DESCA además de la salud, como el derecho al trabajo o a la educación. Por outro lado, la falta de acceso a determinados DESCA, particularmente el acceso al agua, a la alimentación y a la vivienda adecuada aumenta el riesgo de contagio para las poblaciones en mayor situación de vulnerabilidade. Em seguida, na parte dispositiva, realça, em três pontos, questões relevantes para a proteção do trabalho humano durante esse período pandêmico de alta gravidade. Primeiro, a garantia dos direitos trabalhistas em geral, incluindo repouso, remuneração, limitação de jornada, uso de equipamentos de proteção individual, dentre outros 145 . O segundo propugna pela adoção de medidas de proteção efetiva dos trabalhadores da saúde e cuidados com atendimento profissional aos enfermos com Covid-19 146. O terceiro defende a proteção contra Texto disponível em: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucion-4-20-es.pdf; Acesso em 16.8.2020 145 Assim consta do parágrafo 40: 40. El derecho al cuidado profesional exige la debida garantía a los derechos laborales de las personas trabajadoras de la salud y del cuidado que deben incluir la protección a su estabilidad laboral, descanso, remuneración justa y adecuada, el debido balance de sobrecarga y largas jornadas de trabajo a las que se exponen, así como la abstención de compeler a que realicen sus funciones cuando se encuentren en riesgo por su condición de salud o por no disponer de equipos o materiales de protección personal y de bioseguridad necesario. Es parte del interés público fomentar su reconocimiento social, asegurar el soporte mental y de cuidado de estas personas trabajadoras y cuidadoras que atienden profesionalmente a personas con COVID-19. 146 É o que dispõe o parágrafo 41: 41. Los Estados deben adoptar medidas para la protección efectiva de las personas trabajadoras de la salud y del cuidado que atienden profesionalmente a personas con COVID-19, que cumplan una especial función de defensa de los derechos humanos, asegurando la construcción de contextos y ambientes libres de hostigamiento y amenazas. 144 184 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho a dispensa injustificada e a participação efetiva de sindicatos nessas atividades protetivas 147. Como se constata, anda bem e atualizado o sistema interamericana de proteção aos direitos humanos e, evidentemente, essa questão reflete diretamente no Brasil, embora ainda estejamos no caminho para alcançar esse desiderato. Afinal, como escreve Flávia Piovesan: Embora avanços extremamente significativos tenham ocorrido ao longo do processo de democratização brasileira, no que tange à incorporação de mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos, ainda resta o importante desafio – decisivo ao futuro democrático – do pleno e total comprometimento do Estado brasileiro à causa dos direitos humanos 148. É o que consigna o parágrafo 42: 42. Las personas con COVID-19 deben ser protegidas contra el despido injustificado, tanto en el ámbito público como en el privado, como garantía de la estabilidad laboral, lo que incluye medidas especiales dirigidas a proteger los derechos y condiciones derivados de la misma. Del mismo modo, se recomienda que los Estados tomen medidas que incluyan permisos por enfermedad relacionados con padecimientos causados por COVID-19, compensaciones por ejercer funciones de cuidado, así como facilitar la participación activa en los sindicatos y agrupaciones de trabajadores y trabajadoras, entre otros aspectos. 148 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 355 147 185 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A proteção internacional aos direitos humanos. Belém, Imprensa Oficial do Estado, 1975. __________. Curso de Direito do Trabalho. 5ªed., São Paulo LTr, 2019. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8ªed., São Paulo, Saraiva, 2007. WACHSMANN, Patrick. Les droits de l’homme. 5ª ed., Paris, Dalloz, 2008. 186 SUMÁRIO ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: RELEVÂNCIA SOCIOJURÍDICA DE SEU RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL Ney Maranhão DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: RELEVÂNCIA SOCIOJURÍDICA DE SEU RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL Ney Maranhão149 Resumo: A Constituição Federal de 1988 marcou a união indissolúvel entre os temas meio ambiente e trabalho. A partir desse momento, a entidade meio ambiente do trabalho recebeu autonomia conceitual e reconhecimento dogmático, representando uma visão mais ampla e integrada que alinha os objetivos constitucionais de resguardo do equilíbrio ecológico e da preservação da vida humana. Este artigo explora, a partir das perspectivas sociopolítica, jusambiental, sanitária e juslaboral, a relevância sociojurídica do conceito de meio ambiente do trabalho e seu reconhecimento constitucional e internacional, como forma de descortinar uma nova forma de enxergar as relações laborais que considere a saúde e a segurança humanas como pautas de concreção inadiável frente a qualquer contexto jurídico-laborativo. Conclui-se que, no plano constitucional pátrio, há mesmo um incontestável alinhamento axiológico entre os temas meio ambiente, trabalho e saúde. No plano internacional, ainda que não seja reconhecida a integração entre trabalho e meio ambiente, a noção jurídica de trabalho decente, se bem trabalhada, pode ser mesmo um ótimo canal para a afirmação internacional 149 Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Pará – UFPA. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/ UFPA – Mestrado e Doutorado). Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo – USP, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma – La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Professor convidado em diversas Escolas Judiciais de Tribunais Regionais do Trabalho. Professor Coordenador do Grupo de Pesquisa “Contemporaneidade e Trabalho” – GPCONTRAB (UFPA/CNPQ). Titular da Cadeira nº 30 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho – ABDT. Titular da Cadeira nº 25 da Academia Paraense de Letras Jurídicas – APLJ. Juiz Titular de Vara da Justiça do Trabalho da 8ª Região (PA-AP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/5894619075517595 / ORCID: https://orcid.org/00000002-8644-5902 / E-mail: ney.maranhao@gmail.com / Facebook: Ney Maranhão II / Instagram: @ neymaranhao / Youtube: Prof. Ney Maranhão 188 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho do meio ambiente do trabalho como tema integrante de uma pauta genuinamente ambiental. Palavras-chave: Meio Ambiente do Trabalho; Constituição Federal de 1988; Pauta ambiental; Reconhecimento Internacional. Abstract: The Federal Constitution of 1988 marked the indissoluble union between the themes of environment and work. From that moment on, the work environment entity received conceptual autonomy and dogmatic recognition, representing a broader and more integrated vision that aligns the constitutional objectives of safeguarding ecological balance and preserving human life. This article explores, from the socio-political, environmental law, health and labor law perspectives, the socio-legal relevance of the concept of work environment and its constitutional and international recognition, as a way to unveil a new way of seeing labor relations that considers health and human security as guidelines for concrete implementation in the face of any legal context. It is concluded that, in the national constitutional plan, there is an indisputable axiological alignment between the themes of environment, work and health. At the international level, although the integration between work and the environment is not recognized, the legal notion of decent work, if well worked out, can really be a great channel for the international affirmation of the work environment as a genuinely integral part of the agenda environmental. Keywords: Work Environment; Federal Constitution of 1988; Environmental agenda; International Recognition. 1 INTRODUÇÃO Nossa Carta Constitucional, ao enunciar o rol de atribuições reservado ao Sistema Único de Saúde, conferiu-lhe a missão de “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho” (art. 200, VIII)150. Daí já se poder afirmar que a entidade meio ambiente do trabalho não decorre de entusiasmada elucubração acadêmica, tampouco advém de aguerrido ativismo judicial ou mesmo de qualquer diligente performance sindical. Na esfera jurídica, sua au150 BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Grifamos. 189 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 tonomia conceitual e seu reconhecimento dogmático estão evidenciados, peremptoriamente, no bojo do mais importante documento de nossa sociedade: a Constituição Federal de 1988. Essa assertiva constitucional foi firmada sem grandes pompas e vazada em local bem pouco chamativo. Não foi gravada em meio ao longo catálogo de direitos dos trabalhadores (art. 7º), muito menos veio a lume no famoso preceito que versa sobre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225). Em verdade, cuida-se mesmo de sutil adição textual consignada na parte final do último inciso do derradeiro artigo da Seção “Da Saúde”, contida no discreto Capítulo II do Título VIII da Carta Magna. É de se reconhecer, todavia, que tamanha singeleza formal contrasta com a múltipla importância do citado comando normativo – circunstância que, de regra, vem passando despercebida mesmo por atentos cultores das searas jurídicas trabalhista, constitucional e ambiental. A seguir, cuidaremos de arrazoar algo a respeito dessa poderosa relevância. 2 RELEVÂNCIA SOCIOPOLÍTICA O reconhecimento expresso e inequívoco da categoria jurídica meio ambiente do trabalho no âmago do privilegiado solo constitucional bem revela a destacada importância sociopolítica que lhe foi conferida. Ou seja, mais que uma simples categoria jurídica erigida por um legislador ordinário, o meio ambiente do trabalho passou a ser reconhecido pelo próprio legislador constituinte originário como um locus de destacadíssima importância social, econômica, política, científica e jurídica, o que demonstra uma valia que segue bem além de sua estrita faceta jurídico-contratual de fundo meramente empregatício151. Logo, assoma-se o meio ambiente laboral, nesse contexto, como ente de nobilíssimo vulto constitucional, porquanto expressão da mais genuína soberania popular. 151 Como bem frisado por Angelo Antonio Cabral, “[...] o conceito de Gestalt do meio ambiente do trabalho supera a simples tutela obrigacional – empregador x empregado – e coloca a tutela ambiental como concreção da dignidade humana” (CABRAL, Angelo Antonio. Desequilíbrio labor-ambiental e direito de resistência: abordagem jusfundamental. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. v. 48, nº 94, jan/jun 2015, p. 83-125, p. 103). 190 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Claro que isso ocorreu debaixo de enorme polêmica. José Carlos do Carmo e Maria Maeno trazem à lembrança o duro embate político travado quando da Assembleia Nacional Constituinte: Entre os que se ocupavam de temas relacionados à Saúde do Trabalhador, havia diferenças entre dois grandes blocos. O primeiro, dos setores mais progressistas, defendia que as ações em Saúde do Trabalhador fossem, sem restrições, objeto da ação do SUS. O segundo bloco, de grupos corporativistas, formados por técnicos da área e setores do empresariado, alegava que a exclusividade da fiscalização dos ambientes de trabalho deveria permanecer com o Ministério do Trabalho.152 Fábio Fernandes, de sua parte, também faz importante apanhado histórico a respeito, in verbis: Resgatando parte dos fatos relacionados ao tema em análise ocorridos naquele importante momento histórico de nosso país, é pertinente referir a proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo então deputado federal Eduardo Jorge, inclusa no inciso I do art. 57 do anteprojeto das Comissões Técnicas: ‘A saúde ocupacional é parte integrante do Sistema Único de Saúde, sendo assegurada aos trabalhadores mediante medidas que visem à eliminação de riscos de acidentes e doenças do trabalho’. Essa proposta foi mantida no anteprojeto da Comissão de Sistematização, mas alterada no Plenário da Assembleia Nacional Constituinte que, todavia, aprovou a redação dos incisos II e VIII do art. 200 da CF.153 Não sem motivos. De fato, o meio ambiente do trabalho há muito vem angariando cada vez maior relevância no seio da sociedaCARMO, José Carlos do; MAENO, Maria. Saúde do trabalhador no SUS: aprender com o passado, trabalhar o presente, construir o futuro. São Paulo: Hucitec, 2005, p. 101. 153 FERNANDES, Fábio. A Constituição de 1988 e a saúde do trabalhador. Competência administrativa concorrente do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério da Saúde para a fiscalização das normas de medicina e segurança do trabalho. Revista da SJRJ. n. 24, Rio de Janeiro, 2009, p. 163-186, p. 175. 152 191 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 de, haja vista a enorme influência que tem exercido perante o nível de qualidade de vida não só dos trabalhadores. Com efeito, hodiernamente, impera mesmo convicção científica de que existe forte ligação entre os riscos do trabalho e o perfil de morbimortalidade que será determinado à população em geral, “como uma consequência dos impactos que a atividade produtiva gera ao ambiente, através da poluição causada pela produção ou pelo consumo dos produtos”154. Propriamente no âmbito da classe trabalhadora, não se tem mais como negar que o tempo gasto na atividade laborativa ocupa grande parte do tempo útil do trabalhador, de modo que, em regra, a qualidade de vida do obreiro é diretamente proporcional à qualidade do meio ambiente em que presta sua atividade laboral. Deveras, a dinâmica de trabalho cada vez determina mais o estilo de vida do trabalhador, interfere em seu humor e não raro afeta diretamente a própria qualidade das relações interpessoais desenvolvidas no lar155. Não causa espanto, pois, que, hoje, além da família e da escola, o trabalho também surja como instância social que tem logrado cada vez maior atenção como elemento de influência na saúde física e mental do ser humano156. Afinal, nas bem colocadas palavras de Sebastião Geraldo de Oliveira: O homem passa a maior parte de sua vida útil no trabalho, exatamente no período da plenitude de suas forças físicas e mentais, daí porque o trabalho, frequentemente, determina o seu estilo de vida, influencia nas condições de saúde, interfere na aparência e apresentação pessoal e até determina, muitas vezes, a forma da morte [...] é impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, nem se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável, ignorando o meio ambiente do trabalho.157 CÂMARA, Volney de Magalhães; GALVÃO, Luiz Augusto Cassanha; ALONZO, Herling Gregorio Aguilar. A patologia do trabalho numa perspectiva da saúde ambiental. In: MENDES, René (Org.). Patologia do trabalho. 3. ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2013, v. 2, p. 1.543-1.567, p. 1.565. 155 COSTA, Cristiane Ramos. O direito ambiental do trabalho e a insalubridade: aspectos da proteção jurídica à saúde do trabalhador sob o enfoque dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2013, p. 54. 156 SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo. São Paulo: Cortez, 2011, p. 42. 157 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 5. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 118. 154 192 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A vertiginosa ocorrência de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, sobretudo afetações osteomusculares e distúrbios de ordem psíquica, bem como a grande quantidade de casos a evidenciar graves exposições químicas afetadoras da qualidade de vida não só de trabalhadores, mas também de toda a comunidade circundante a fábricas e lavouras, constituem uma dura demonstração da veracidade dessas afirmações. Trata-se, por certo, do reconhecimento público e explícito de que também não se pode lograr vida saudável se grande parte de nossa trajetória existencial está imersa ou simplesmente se desenvolve vizinha a uma fonte labor-ambiental de influxos poluentes. Aqui, decididamente, a Carta Magna foi marcantemente sensível inclusive a vívidas diretrizes internacionais que apontavam para o fato de que a garantia de um meio ambiente laboral hígido, seguro e sadio, já àquela época, constituía benfazejo traço de maturidade civilizatória e expressivo fator preventivo de fenômenos poluitivos em geral158. 3 RELEVÂNCIA JUSAMBIENTAL Demais disso, insta anotar que, para além de reconhecer, como expressão da soberania popular, a autonomia dogmática do ente meio ambiente do trabalho, nossa Carta Magna, também às escâncaras, pela via da mesma soberana vontade, autenticou a integração jurídica do meio ambiente laboral ao meio ambiente humano, inserindo-o dentre as dimensões passíveis de identificação no plexo ambiental. Noutras palavras, ficou firmado, em seio constitucional pátrio, não apenas a existência jurídica, mas sobretudo a conformação jusambiental da ambiência laboral. Cuida-se, é verdade, tão só do reconhecimento jurídico de uma realidade que, há muito, expressa-se no plano fenomênico: o meio ambiente do trabalho constitui dimensão intrínseca ao meio ambiente humano. Sem sombra de dúvida, referida admissão consti158 ARMENTI, Karla; MOURE-ERASO, Rafael; SLATIN, Craig; GEISER, Ken. Joint occupational and environmental pollution prevention strategies: a model for primary prevention. In: LEVENSTEIN, Charles. At the point of production: the social analysis of occupational and environmental health. Amityville, New York: Baywood Publishing Company, 2009, p. 145-166, p. 146. 193 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 tui fator que potencializa, ainda mais, no aspecto jurídico, a proteção e a promoção da saúde física e mental da classe trabalhadora. Todavia – e este é um ponto crucial para nossas reflexões –, é preciso perceber que tal alocação dogmática tem o propósito de dar braçadas mais largas, amplificando sua eficácia a ponto de gerar benefícios também, ainda que indiretamente, a toda a sociedade e ao meio ambiente em geral. Ora, a proteção jusambiental, em essência, guarda ligação direta com o duplo e integrativo compromisso de resguardar o equilíbrio ecológico e proteger a vida humana159. Nessa visão, o meio ambiente natural, que induz preocupação primária com a esgotabilidade dos componentes naturais, recebe proteção por ser o próprio âmago desse perseguido equilíbrio ecológico. Já o meio ambiente artificial atrai preocupação primária ligada ao resguardo da utilidade de componentes construídos para facilitar a segura e saudável habitação e circulação humanas, estando mais vinculado, portanto, à questão da qualidade da vida humana. O mesmo se pode dizer do meio ambiente cultural, para o qual a preservação da singularidade da exteriorização psicossensorial e social do criativo espírito humano se apresenta como fator decisivo de preocupação. O meio ambiente laboral, nesse contexto, exsurge como dimensão ambiental deveras diferenciada, na medida em que apta a propiciar, em paralelo, o resguardo do equilíbrio ecológico e a preservação da vida humana. Realmente, a proteção do meio ambiente do trabalho é medida que atinge, a um só tempo, a ambos os citados objetivos, ou seja, tanto serve à proteção do ser humano investido no papel social de trabalhador quanto à proteção da população vizinha e do equilíbrio ecológico que o circunda. É essa visão mais ampla e integrada, a conferir ao tema estatura de questão de saúde pública, como genuíno interesse público primário160, que precisa impregnar a mente do estudioso jusambiental. Como bem assevera Elida Séguin, “a inserção no texto constitucional, de 1988, da expressão sadia qualidade de vida configura a busca de uma proteção ambiental holística” (SÉGUIN, Elida. O direito ambiental: nossa casa planetária. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 6). Grifo no original. 160 Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello, interesses públicos ou interesses primários “são interesses da coletividade como um todo”, ao passo que interesses secundários são aqueles “que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos) poderia ter como qualquer outra pessoa” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 63). 159 194 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Confira-se, ademais, que, ao clarificar que o meio ambiente do trabalho avulta como uma das específicas dimensões do meio ambiente, o legislador constituinte originário cuidou de sanar o incômodo viés restritivo textualmente proclamado no art. 3º, I, da Lei nº 6.938/1981161, oficializando, no plano jurídico, de uma vez por todas, na ideia de meio ambiente, a intrincada dimensão social ou humana até então “esquecida”, operando fabulosa ampliação conceitual e investigativa. Assim acontece porque, como muito bem destacado por Elida Séguin, os princípios ambientais “devem considerar o homem como um ser social que somente atinge a plenitude de seu desenvolvimento no contato com os semelhantes, passando a abranger aspectos artificiais, culturais e do trabalho”162. Na mesma assentada, o legislador constituinte originário também ofereceu alguma boa baliza compreensiva para a enigmática previsão que estatuiu configurar poluição a afetação ambiental lesiva resultante de atividades que, direta ou indiretamente, “criem condições adversas às atividades sociais e econômicas” (Lei nº 6.938/1981, art. 3º, III, “b” 163). Ora, certamente, a principal zona de confluência entre trabalho e ambiente é o meio ambiente do trabalho, e, tratando-se de um dispositivo que refere ao conceito de poluição ambiental, pode-se até admitir que criar condições adversas às atividades sociais e econômicas possa comportar inúmeras ilações, todavia, já agora, a partir dessa luz, não se tem como refutar que entre essas efetivamente está a degradação labor-ambiental, que é corriqueira fonte de poluição e afetação da saúde e do bem-estar de toda a comunidade, mas cujas vítimas primeiras são os membros da classe trabalhadora, porque diretamente integrados à ambiência-fonte do fenômeno poluente164. Outra ilação que podemos extrair está no nítido reforço do importante elo existente entre proteção ambiental e resguardo de diBRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 2 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 14 nov. 2015. 162 SÉGUIN, Elida. O direito ambiental: nossa casa planetária. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 4. 163 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Op. cit. 164 A respeito da temática da poluição labor-ambiental, confira-se o nosso: MARANHÃO, Ney. Poluição labor-ambiental: abordagem conceitual da degradação das condições de trabalho, da organização do trabalho e das relações interpessoais travadas no contexto laborativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 161 195 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 reitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana165, o que confere ainda mais importância à já portentosa valia científica do Direito Ambiental, cujas elogiáveis diretrizes, sobretudo as de ordem principiológica, deverão ser igualmente canalizadas, agora, para a seara labor-ambiental, com franco favorecimento da classe trabalhadora, que, embora não sendo a única afetada com a ocorrência de quadros de poluição labor-ambiental, sem dúvida emerge como a prejudicada mais direta, de modo que essa proteção jurídica mais contundente e reforçada soa mesmo como medida da mais lídima justiça. A propósito, acreditamos, inclusive, que a opção constitucional por reconhecer a integração jurídica do meio ambiente do trabalho junto ao meio ambiente humano permite reinserir a Organização Internacional do Trabalho (OIT) no cenário internacional de cooperação de esforços frente à complexa pauta ambiental. Isso porque o assunto da saúde e segurança do trabalhador, que encontra no meio ambiente do trabalho seu ponto central de confluência jurídica e fenomênica, também permite articulação direta entre a rica temática do trabalho decente – proclamação ético-jurídica firmemente abraçada pela OIT – e a propalada inflexão ambiental preventiva de combate na fonte no tocante aos riscos ambientais. De fato, há abalizada convicção doutrinária no sentido de que condições seguras e sadias de trabalho compõem o feixe mínimo de direitos subsumidos na expressão trabalho decente. Assim pensa, por exemplo, José Claudio Monteiro de Brito Filho, afirmando que “de nada adianta ao trabalhador um emprego, mesmo que com remuneração razoável, se sua saúde é comprometida”166. Também Platon Teixeira de Azevedo Neto considera a saúde e segurança como “requisito positivo endógeno essencial” para o conceito de trabalho decente, ao lado da dignidade, da liberdade e da igualdade, anotando que “trabalho é vida, e não se pode conceber o trabalho decente sem um bem-estar completo, físico e mental, e numa situação de riscos de acidentes”167. SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito ambiental: introdução, fundamentos e teoria geral. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 27. 166 BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da exploração do trabalho – trabalho escravo e outras formas de trabalho indigno. 2. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 48. 167 AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. O trabalho decente como um direito humano. São Paulo: LTr, 2015, p. 103-109 e 119. Após minuciosa exposição de cada elemento integrador, conclui o autor: “[...] trabalho decente corresponde à soma necessária da dignidade à liberdade (que abrange 165 196 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho É bem verdade que a proteção da saúde e segurança no trabalho lamentavelmente acabou não figurando no rol de objetivos estratégicos e centrais da OIT, conforme elenco constante de sua Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998), que se reportou apenas à (i) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, (ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado, (iii) abolição efetiva do trabalho infantil e (iv) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação168. No entanto, essa lastimável omissão foi relativamente contornada quando da Declaração da OIT sobre a Justiça Social para uma Globalização Equitativa (2008), ocasião em que a própria Organização Internacional do Trabalho esclareceu que: I.A. [...] os compromissos e esforços dos Membros e da Organização visando a colocar em prática o mandato constitucional da OIT, particularmente pelas normas internacionais do trabalho, para situar o pleno emprego produtivo e o trabalho decente como elemento central das políticas econômicas e sociais, deveriam basear-se nos quatro igualmente importantes objetivos estratégicos da OIT, sobre os quais se articula a Agenda do Trabalho Decente e que podem resumir-se da seguinte forma: [...] ii) adotar e ampliar medidas de proteção social – seguridade social e proteção dos trabalhadores – que sejam sustentáveis e estejam adaptadas às circunstâncias nacionais, e particularmente [...] condições de trabalho que preservem a saúde e segurança dos trabalhadores [...].169 o pressuposto da erradicação do trabalho forçado), à igualdade (que abarca o pressuposto do fim da discriminação), à segurança e à saúde, à atividade lícita e à remuneração justa, bem como à liberdade sindical, desde que não haja trabalho infantil. [...] Com base nesses elementos, chegamos à seguinte ‘fórmula’: Trabalho decente = dignidade + liberdade + igualdade + saúde + segurança + remuneração justa + atividade lícita + equidade + lazer + aposentadoria digna + liberdade sindical – trabalho infantil. Considerando que somente podemos conceber dignidade no trabalho se houver a somatória dos elementos liberdade, igualdade, saúde e segurança, remuneração justa, atividade lícita, equidade, lazer e aposentadoria digna, propomos uma ‘fórmula’ simplificada: Trabalho Decente = Dignidade no Trabalho + Liberdade Sindical – Trabalho Infantil” (AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. O trabalho decente como um direito humano. São Paulo: LTr, 2015, p. 119). Grifos no original. 168 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Disponível em: <http://www.ilo.org>. Acesso em: 19 mai. 2015. 169 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração da OIT sobre a Justiça 197 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Com essa nova declaração, na parte que nos interessa mais diretamente, mais algumas relevantes considerações podem ser feitas. Por primeiro, insta anotar que a Organização Internacional do Trabalho não apenas voltou a incorporar a saúde e segurança no trabalho como um de seus pontos centrais de atuação para a contemporaneidade, como também – e o que é por demais importante para nossos propósitos – expressamente reconheceu a promoção da saúde e segurança no trabalho como ação integrante de um quadro mais geral de medidas de sustentabilidade aplicáveis ao contexto laboral. Noutras palavras: a Organização Internacional do Trabalho novamente articulou meio ambiente do trabalho e questão ambiental, alinhando-se à sábia e prodigiosa perspectiva jusambiental firmada duas décadas antes em nossa Carta da República. De toda sorte, apesar desse “esclarecimento”, concordamos com Platon Teixeira de Azevedo Neto na defesa da ideia de que a proteção e promoção eficaz da saúde e da segurança no trabalho é assunto por demais relevante para ficar “perdido” entre tantas outras considerações, sendo certo que, no plano ideal, o que caberia mesmo à Organização Internacional do Trabalho (OIT) seria realizar – e ainda há tempo para isso – um adendo à Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho (1998) com o elogiável acréscimo de um seu quinto objetivo estratégico: a eliminação dos riscos à saúde e à segurança no trabalho170. Ainda nessa ordem de raciocínio, afigura-se importante também realçar a importância de se inserir a temática da saúde e segurança no trabalho na pauta global do desenvolvimento sustentável. Assim, o vetor axiológico da sustentabilidade demandaria algo como um desenvolvimento econômico que há de se processar permeado por uma dupla proteção da vulnerável classe trabalhadora: proteção social e proteção ambiental. Com isso, a nosso ver, a agenda internacional de concretização do trabalho decente ganharia maior alcance sociojurídico, com considerável incremento de seu poder institucional de penetração junto a agendas mais amplas e globais, como a Declaração do Milênio das Nasocial para uma Globalização Equitativa, 2008. Disponível em: <http://www.ilo.org>. Acesso em: 19 maio 2015. Grifamos. 170 AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. O trabalho decente como um direito humano. São Paulo: LTr, 2015, p. 105. 198 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho ções Unidas (2000)171, onde ficaram apontados como objetivos para este novo milênio, entre outros: (i) “formular e aplicar estratégias que proporcionem aos jovens de todo o mundo a possibilidade real de encontrar um trabalho digno e produtivo” (tópico 20, item 2), ou seja, segundo pensamos, compromisso com a ideia de trabalho decente; e (ii) “intensificar a cooperação para reduzir o número e os efeitos das catástrofes naturais e das catástrofes provocadas por seres humanos” (tópico 23, item 5), ou seja, segundo pensamos, compromisso com as ideias de prevenção e de combate ao risco na fonte, noções que, como vimos, alavancam a importância da dimensão labor-ambiental como histórico ponto de vulnerabilidade do bem jurídico ambiental. Tal fato só reforça nossa compreensão de que a noção jurídica de trabalho decente, se bem trabalhada, pode ser mesmo um ótimo canal para a afirmação internacional do meio ambiente do trabalho como tema integrante de uma pauta genuinamente ambiental. Por corolário, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) reassumiria importante papel no debate internacional a respeito de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável para a humanidade, o que, por certo, não pode olvidar a proteção e promoção do equilíbrio labor-ambiental. 4 RELEVÂNCIA SANITÁRIA Note-se, ainda, que a Carta da República faz enunciação meramente exemplificativa das atribuições do Sistema Único de Saúde (art. 200, caput – “dentre outros”172), o que significa dizer que, em meio a tais, a proteção do meio ambiente do trabalho mereceu menção expressa, compondo, assim, seu seleto rol de atribuições nucleares. Referência dúplice, diga-se de passagem, já que, também em seu inciso II, o referido art. 200 atribui ao Sistema Único de Saúde a incumbência institucional de “executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”173. E toda ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Milênio. Disponível em: <http:// www.pnud.org.br> Acesso em: 19 mai. 2015. Grifamos. 172 Idem. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 173 BRASIL Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Grifamos. 171 199 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 essa importante diretriz depois bem repercutiu na legislação ordinária (v.g., Lei nº 8.080/1990, art. 6º, I, “c”, e V174). Visualizamos nisso, ainda, o reconhecimento constitucional da crucial importância de um meio ambiente do trabalho sadio e seguro como fator de garantia de saúde pública, também reservando aos profissionais da área de saúde a relevante tarefa de identificar, combater e prevenir doenças cujo foco de origem está relacionado, de algum modo, à degradação do labor-ambiente. Com efeito, não raro são médicos e psicólogos, por exemplo, os primeiros a identificar indícios de danosidades físicas ou psíquicas relacionadas ao contexto laboral (distúrbios mentais, depressões, afetações cancerígenas, distúrbios osteomusculares, pressão alta, problemas cardíacos, além de elevados índices de absenteísmo e presenteísmo etc.), cujos relatórios técnicos servirão, mais à frente, como importante material de estudo para a análise, identificação, correção e prevenção de fatores de risco labor-ambientais175, desembocando, quem sabe, até mesmo em uma eventual judicialização do assunto. Desse vigoroso cenário normativo também é possível extrair a notória consagração da ideia de que a proteção adequada do meio ambiente do trabalho há de envolver desassombrado diálogo entre diversos saberes e uma profícua sinergia entre múltiplos profissionais, tudo a revelar, pois, uma extensa área de pesquisa intrinsecamente interdisciplinar. Eis outro fato relevante e pouco destacado na doutrina: a nova ordem constitucional instaurada em 1988176 inovou ao se valer da palavra saúde quando do arrolamento de direitos da classe trabalhadora. De fato, a referência à saúde no citado inciso XXII do art. 7º da Carta Constitucional, empregada em contexto de anunciação de Lei nº 8.080/1990, art. 6º: “Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: [...] c) de saúde do trabalhador; [...] V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho” (Idem. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, 20 set. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 14 nov. 2015). 175 SOKAS, Rosemary K.; LEVY, Barry S.; WEGMAN, David H.; BARON, Sherry L. Recognizing and preventing occupational and environmental disease and injury. In: LEVY, Barry S.; WEGMAN, David H.; BARON, Sherry L.; SOKAS, Rosemary K. Occupational and environmental health: recognizing and preventing disease and injury. 6th ed. New York: Oxford University Press, 2011, p. 23-54, p. 28-29. 176 BRASIL Constituição Federal (1988). Op. cit. 174 200 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho direitos dos trabalhadores, aliada à previsão do meio ambiente do trabalho especificamente quando da referência a atribuições do Sistema Único de Saúde (art. 200, VIII), deixam a nu a circunstância de que a integração do meio ambiente do trabalho ao bem jurídico ambiental também decorre do reconhecimento constitucional acerca da fortíssima ligação havida entre trabalho, meio ambiente e saúde pública, a reforçar o incontornável foco publicista que deve nortear esse tipo de assunto. Com isso, nosso legislador constituinte originário pontuou, de forma categórica, a importância da qualidade labor-ambiental não só para a proteção mais eficaz e direta de uma específica parcela da população que diariamente se sujeita a exposições deletérias à sua saúde e segurança (classe trabalhadora), mas também para a própria sociedade como um todo, em especial quando essa qualidade é percebida enquanto fator inibidor de focos de poluição ambiental. Nesse prisma, o tema da qualidade e higidez do meio ambiente do trabalho, decididamente, como temos tentado alertar, fortalece-se como autêntica matéria de ordem pública. É certo, portanto, que a proteção e promoção da saúde humana constituem ponto nevrálgico em sede labor-ambiental. Não sem razão, o citado art. 200, VIII, da Carta Constitucional está inserido em seu Título VIII (“Da Ordem Social”), mais precisamente na Seção II de seu Capítulo II (“Da Seguridade Social”), que contém a epígrafe “Da Saúde”, um direito de todos e dever do Estado (art. 196, caput), resguardado em um panorama em que o bem-estar (equivalente jurídico de “sadia qualidade de vida”) figura entre os alicerces da ordem social (art. 193) e a existência digna (outro sinônimo de “sadia qualidade de vida”) ressoa como um dos fundamentos da ordem econômica (art. 170, caput), que, de sua parte, também tem como um de seus princípios a “defesa do meio ambiente” (art. 170, VI) e a “função social da propriedade” (art. 170, III)177. Nossa Constituição Federal também aduz que essa função social, no âmbito da propriedade rural, só é cumprida se houver aproveitamento “racional e adequado” (art. 186, I), “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente” 177 BRASIL Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 201 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 (art. 186, II), “observância das disposições que regulam as relações de trabalho” (art. 186, III) e “exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores” (art. 186, IV). Perceba-se, desse modo, aqui, na enunciação prática do vetor axiológico da função socioambiental da propriedade, o elevado destaque conferido pela Suprema Carta à dimensão labor-ambiental das relações trabalhistas praticadas no âmbito rural, exemplo de construção jusambiental que decerto serve de excelente referência de sustentabilidade para todas as demais relações laborais. 5 RELEVÂNCIA JUSLABORAL As normas antes referidas não são, contudo, as únicas disposições constitucionais que versam sobre o meio ambiente do trabalho. Comumente se olvida, por exemplo, que o legislador constituinte originário vedou a dispensa arbitrária ou sem justa causa do empregado eleito para o cargo de direção de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, “desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de seu mandato” (ADCT, art. 10, II, “a”178), o que, a toda evidência, expressa preocupação com a realização prática do direito fundamental a um meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado. Não se esqueça, também, do próprio art. 7º da Constituição Federal, que reconhece serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, entre outros, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (inciso XXII); “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei” (XXIII); “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” (XXVIII); “remuneração do trabalho noturno superior à do diurno” (IX); “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (XIII); “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos 178 BRASIL Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 202 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho de revezamento, salvo negociação coletiva” (XIV); “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos” (XV); “remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal” (XVI); “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal” (XVII); e “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (XXXIII), todos dispositivos que, em menor ou maior grau, se bem interpretados, também atinem com a garantia e promoção de um meio ambiente do trabalho seguro e sadio. No mais, para além de um frio arrolamento de dispositivos constitucionais concernentes ao tema da segurança e saúde da classe trabalhadora, o ponto central a ser assimilado é que o reconhecimento do meio ambiente do trabalho como elemento integrante do conceito constitucional de meio ambiente demonstra que o resguardo da saúde e da segurança do trabalhador constitui preocupação pública e, por isso, assume alto grau de relevo no tocante ao plexo de deveres patronais, diante de quem a garantia de um meio ambiente do trabalho hígido e sadio passa a ser responsabilidade incontornável, porque inserida na sensível pauta ambiental. Uma das consequências dessa realidade jurídica é a fortificação da auspiciosa linha de humanização das relações de trabalho e do próprio Direito do Trabalho. Por corolário, “a luta pelos direitos trabalhistas também se insere na perspectiva de assegurar ao trabalhador um ambiente de trabalho saudável, equilibrado e seguro”179. Com isso, descortina-se uma nova forma de enxergar as relações laborais, sobretudo as empregatícias, agora a demandar uma ordem de ideias que, fugindo de exclusivas tônicas patrimoniais/contratuais e na esteira de um genuíno interesse público/ existencialista, passe a considerar a saúde e a segurança humanas como pautas de concreção inadiável frente a qualquer contexto jurídico-laborativo. 179 SARLET, Ingo Wolfgang; MACHADO, Paulo Affonso Leme; FENSTERSEIFER, Tiago. Constituição e legislação ambiental comentadas. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 64. 203 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS: INCONTESTÁVEL ALINHAMENTO AXIOLÓGICO-CONSTITUCIONAL Diante do exposto, a certeza que fica é de que a afirmação do meio ambiente laboral como elemento integrante do bem jurídico meio ambiente, longe de expressar invencionice acadêmica, em verdade revela constructo realizador de valores nodais para o bom convívio em sociedade (art. 3º, I, da CF), na medida em que entrecruza, organicamente, anseios constitucionais variados, tais como a promoção de um desenvolvimento verdadeiramente sustentável (arts. 3º, II, e 225), a proteção da saúde (art. 196), a garantia de um meio ambiente equilibrado (art. 225) e a redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII)180. Aqui, calha trazer à fiveleta a precisa lição de Ingo Wolfgang Sarlet, Paulo Affonso Leme Machado e Tiago Fensterseifer, verbo ad verbum: A questão da salubridade e dos riscos inerentes ou mesmo mais acentuados em determinadas atividades laborais interessa sim à proteção ecológica como um todo, considerando, em particular, que geralmente as pessoas afetadas por condições de trabalho em cenários de poluição e degradação ecológica são os trabalhadores de menor renda, num contexto que agrega privação de direitos sociais com violação a direitos ecológicos. A proteção da saúde do trabalhador e a tutela do ambiente do trabalho congregam esforços na perspectiva de assegurar um ambiente de trabalho em patamares dignos, com segurança e qualidade ambiental. Aí reside a importância de vincular o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho, e a CF/88 fez questão de assinalar tal conexão normativa entre as matérias no seu art. 200, VIII.181 BRASIL Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 181 SARLET, Ingo Wolfgang; MACHADO, Paulo Affonso Leme; FENSTERSEIFER, Tiago. Constituição e legislação ambiental comentadas. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 64. 180 204 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Logo, não há como deixar de conjugar todo esse denso arcabouço jurídico-constitucional com aqueles grandes vetores de nossa Carta Magna, a saber, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I) e a promoção do bem de todos (art. 3º, IV), itens esses de alta envergadura política, social e jurídica, porquanto reconhecidos como fundamentos ou objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil182. O que fica do quanto apresentado é que, no plano constitucional pátrio, há mesmo um incontestável alinhamento axiológico entre os temas meio ambiente, trabalho e saúde, o que revela, por consequência, a profunda imbricação jurídica havida entre os artigos 1º, 3º, 7º, 170, 186, 193, 196, 200 e 225 da Carta da República, todos, de algum modo e a seu modo, sinalizando a importância de se promover sadia qualidade de vida também no específico e intrincado contexto labor-ambiental. 182 BRASIL Constituição Federal (1988). Op. cit. 205 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS ARMENTI, Karla; MOURE-ERASO, Rafael; SLATIN, Craig; GEISER, Ken. Joint occupational and environmental pollution prevention strategies: a model for primary prevention. In: LEVENSTEIN, Charles. At the point of production: the social analysis of occupational and environmental health. Amityville, New York: Baywood Publishing Company, 2009. AZEVEDO NETO, Platon Teixeira de. 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New York: Oxford University Press, 2011. 208 SUMÁRIO ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 O ENFRAQUECIMENTO DO ESTADO SOCIAL FRENTE ÀS NOVAS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS DO MERCADO GLOBALIZADO: A FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS Robert Thomé Neto Luiz Eduardo Gunther Augustus Bonner Cochran III DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O ENFRAQUECIMENTO DO ESTADO SOCIAL FRENTE ÀS NOVAS PERSPECTIVAS ECONÔMICAS DO MERCADO GLOBALIZADO: A FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS Robert Thomé Neto183 Luiz Eduardo Gunther184 Augustus Bonner Cochran III185 Resumo: O presente trabalho busca analisar, principalmente, os efeitos do enfraquecimento do estado social frente às novas perspectivas econômicas oriundas de um modelo de mercado globalizado, e, portanto, no tocante a flexibilização da legislação trabalhista, como principal reflexo, nesse quadro cujo fatores econômicos passaram a se configurar valores sociais. Para tanto, a estratégia teórica a ser utilizada passará por uma breve investigação sobre a conceituação de estado em seus fundamentos liberal e social. Ainda, será analisado, paralelamente, as disposições da Constituição brasileira de 1988 no tocante ao domínio econômico e social defronte, portanto, às novas tendências globalizaMestrando pelo Programa de Direito Empresarial e Cidadania; Pós-Graduando em Direito Tributário e Processo Tributário; Pós-Graduado em Direito Aduaneiro; Bacharel em Direito. Todas pela Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA). Advogado. Sócio Fundador do escritório Basso, Boletta, Sureck & Thomé Advocacia e Consultoria Jurídica; Membro do Grupo de Estudos igualdade, discriminação e trabalho no Unicuritiba e Membro da Comissão de Direito do Consumidor e Membro do Observatório Tarifário da OAB-PR, 2019. 184 Professor do “Centro Universitário Curitiba” - UNICURITIBA; Juiz de apelação trabalhista no Tribunal Regional do Trabalho, Região n. 9; Pós-Doutor em Direito Público pela PUC-PR; Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, Academia do Direito do Trabalho do Paraná, o Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e a Associação Latino-Americana dos Juízes do Trabalho (ALJT). Assessora do Grupo de Pesquisa que edita a “Revista Eletrônica do TRT9”. 185 Adeline A. Loridans Professor of Political Science at Agnes Scott College in Atlanta, Georgia, USA. He is author of Sexual Harassment and the Law: The Mechelle Vinson Case (University Press of Kansas, 2004) and Democracy Heading South: National. Politics in the Shadow of Dixie (University Press of Kansas, 2001). He received his. BA from Davidson College, MA from Indiana University, PhD from the University of North Carolina, all in political science, and holds a JD in law from Georgia State University. 183 210 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho das. Isso, pois, se faz necessário para então investigar o princípio da intervenção mínima como proposta de enfraquecimento do estado social ante a justificativa do crescimento econômico. Para isso, será utilizado o método teórico-bibliográfico, pelo qual serão aplicados textos constantes de livros, artigos e publicações jurídicas e econômicas, no geral, abordando o referido tema. Além disso, utilizar-se-á dados estatísticos com relação à comparação do período anterior e posterior à reforma trabalhista, lei nº 13.467/2017, no que diz respeito à empregabilidade e crescimento econômico do país. Os resultados alcançados demonstram que a globalização econômica busca, como fim último, o mercado a serviço do capital. Assim, adota-se modelo sistemático cuja eficiência econômica se caracteriza como último almejo social, no sentido de sobrevalorizar aspectos econômicos em detrimento dos demais. Entretanto, após análise de dados propriamente econômicos, observa-se que inexiste, na prática, correlação entre enfraquecimento do estado social e crescimento econômico. Palavras-chave: Estado; Globalização; Direitos; Flexibilização. Abstract: The present work seeks to analyze, mainly, the effects of the weakening of the social state in the face of new economic perspectives arising from a globalized market model, and, therefore, regarding the easing of labor legislation, as the main reflex, in a context whose economic factors have passed to be configured as social values. Therefore, the theoretical strategy to be used will undergo a brief investigation on the concept of the state in its liberal and social foundations. In addition, the provisions of the Brazilian Constitution of 1988 will be analyzed in parallel with regard to the economic and social domain in the face of new globalized trends. This, then, is necessary to then investigate the principle of minimum intervention as a proposal to weaken the social state in view of the justification for economic growth. For this, the theoretical-bibliographic method will be used, by which texts from books, articles and legal and economic publications will be applied, in general, addressing the referred theme. In addition, statistical data will be used in relation to the comparison of the period before and after the labor reform, Law No. 13,467 / 2017, with regard to the employability and economic growth of the country. The results achieved demonstrate that economic globalization seeks, as the ultimate goal, the market at the service of capital. Thus, a systematic model is adopted whose economic efficiency is characterized as a social aim, in the sense of overestimating economic aspects to the detriment of the others. However, after analysis of economic data, it is 211 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 observed that there is no practical correlation between weakening social status and economic growth. Keywords: State; Globalization; Right; Flexibility 1 INTRODUÇÃO De fato, a progressão constitucional brasileira seguiu, em linhas gerais, diretrizes do modelo de estado individualista-liberal, no que diz respeito à ordem econômica. Mas, foi partir do ano de 1934, principalmente, que também se verificar forte presença da influência ideológica intervencionista socializante. No fundamento do estado social, a legislação trabalhista brasileira, em última análise, buscou sempre atuar em vista da subsistência do empregado frente ao empregador, por uma questão axiológica, ou seja, pela valoração da dignidade da pessoa humana. Ocorre que recentemente, a lei 13.467/2017, popularmente conhecida como reforma trabalhista, alterou substancialmente a legislação laboral nacional. A nova lei teve, como principal motivação, viés sobretudo econômico, por ser atualmente forte tendência dentro dos quadros de um marcado, cada vez mais, influenciado e globalizado. Para tanto, a maior preocupação fica em torno do embrião deontológico adotado pela lei nova, qual seja, o princípio da intervenção mínima, na medida em que se buscou enfraquecer, e, até mesmo, afastar a função regulatória e fiscalizatória de um estado social já abrandado. Nessa ótica, quando passa a defender que o acordado deve valer mais que o legislado, colocam-se em pé de igualdade, para livre negociação, dois polos aos qual a própria história já demonstrou serem desiguais. Portanto, o direito do trabalho, sob forte influência econômica, passa a ser, agora, e, sobretudo, o que as partes criarem. Uma questão de sobrevalorização da autonomia privada. Permanece, ainda, suspeita de até que ponto o enfraquecimento do estado social, por meio do afrouxamento da legislação trabalhista assegura, de maneira efetiva, as novas perspectivas econômicas do mercado globalizado. 212 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 2 BREVES APONTAMENTOS 2.1 Estado: Fundamento Liberal e Social Se, por um lado, a vida social trouxe evidentes benefícios ao homem, por outro, favoreceu a criação de uma série de limitações que, em certos momentos e em determinados lugares, afetam seriamente a própria percepção de liberdade humana (DALLARI, 2001). Atualmente, sustenta-se que a sociedade não resulta tão somente de uma necessidade natural humana, mas também em razão da participação da consciência e vontade humana. Ou seja, a vida social resulta de critérios tanto de ordem natural como material. Inicialmente haviam duas concepções elementais na qual se possibilitou arquitetar um primeiro conceito de estado. Os fundamentos caracterizavam-se em força ou jurídico (MIRANDA, 2005). O estado caracterizado pelo elemento força era visto como o poder que se põe a si próprio. Ou seja, sua institucionalização e monopólio, que por sua vez era limitado e regulado apenas pelo direito (DALLARI, 2001). Assim, o estado se fundamentava na força, de maneira que a violência seu principal instrumento legítimo. Portanto, estruturava-se em uma relação de dominação do homem pelo próprio homem (WEBER, 2011). Por outro lado, os fundamentos que se apoiavam no elemento jurídico sustentavam ser, o estado, a unidade de um sistema jurídico que tem em si mesmo o próprio centro autônomo e que é possuidor da suprema qualidade da pessoa. Em outras palavras, seria a corporação jurídica territorial dotada de um poder de mando originário. Portanto, estado como ordem coativa normativa da conduta humana. (DALLARI, 2001). Agora, com relação a concepção fundamental estatal atual, diga-se estado moderno, para além daqueles dois elementos (força e jurídico) é possível identificar, igualmente, a existência de mais quatro fundamentos materiais essenciais, sendo eles: soberania; território; povo e finalidade. Em síntese, soberania está relacionado tanto à independência quanto ao poder jurídico soberano. Território está relacionado ao limite de espaço em que o poder da soberania será exercido. Povo exprime a ideia de um conjunto de indivíduos ou cidadãos que se 213 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 unem para constituir o próprio Estado. Por fim, a finalidade norteia o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana. (DALLARI, 2001). Portanto estado moderno, segundo Dallari (2001) pode ser compreendido como sendo a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território. Assim, no referido conceito, a noção de poder se encontra implícita na de soberania. E, no tocante ao bem comum e território, ambos se enquadram como limitadores da ação jurídica e política do estado. Importante observar que o estado moderno surgiu de maneira absolutista e durante alguns séculos, todos os defeitos e virtudes do monarca absoluto foram confundidos com as qualidades do estado. Isso porque no século XVIII o poder público era visto como inimigo da liberdade individual e qualquer restrição ao particular em favor do coletivo era tido como ilegítimo. Essa, para Dallari (2001), foi a raiz individualista da percepção liberal do estado moderno. Assim, estado liberal, resultante da ascensão política burguesa, organizou-se de maneira a ser o mais fraco possível, caracterizando-se como estado mínimo, ao possuir funções restritas, quase que à mera vigilância da ordem social. Portanto, cristalizou-se na ideia de liberdade e, em nome dela, empenhou-se em limitar o poder político tanto internamente como externamente, de maneira que reduziu, a patamares mínimos, suas funções perante a sociedade. (MIRANDA, 2005). Assim, após a revolução industrial e a consequente formação do proletariado, em que se estimulava a manutenção de péssimas condições de trabalho, foi no século XIX e primeiras décadas do XX que inaugurava-se uma série de movimentos socialistas com ideais intervencionistas a fim de se estabelecer uma nova perspectiva do papel do estado perante a sociedade. A nova concepção da função estatal buscava instrumentalizar, do plano teórico para o prático, certos valores fundamentais inerentes a pessoa humana, bem como a exigência de organização e funcionamento do estado em razão da proteção dos direitos naturais e fundamentais ao homem. Assim, sustentou-se que o estado (e o Direito) passaria a ter importante e crucial função nas constantes crises do modelo capita214 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho lista, de maneira a modificar alguns de seus aspectos, mas mantendo sua essência. Ou seja, regenerar permanentemente o capitalismo ao implicar transformações no campo jurídico e político (CALDAS, 2014). Assim, se defendia por indispensável um sistema de controle social que assegurasse a igualdade de todos os indivíduos como valor supremo, na medida em que a liberdade, por sua vez, passou a ser concebida tendo em vista o homem social, situado, que, portanto, inexistia isoladamente. A liberdade humana, portanto, foi situada, de modo que passou a ser concebida em razão do relacionamento coletivo, ou seja, o aparecimento de deveres e responsabilidade de cada indivíduo para com todos os demais. Assim, a concepção individualista de sociedade, ao ignorar o homem como ser social, desligou o indivíduo de compromissos sociais ao abrir margem a mais desenfreada exploração do homem pelo próprio homem. (DALLARI, 2001). 2.2 O Domínio Econômico e Social previstos na Constituição da República de 1988 Superado esse breve contexto, é possível identificar que a progressão constitucional brasileira seguiu, em linhas gerais, as diretrizes do modelo de estado individualista-liberal, no que diz respeito à ordem econômica. A própria Carta Imperial de 1824 até a Constituição vigente, segundo Marinho (2011), é constante e de relevo inegável, a presença da filosofia do liberalismo econômico. Portanto, é notável que as constituições brasileiras de 1824 a 1967 filiaram-se ao regime individualista. Mas, foi partir de 1934, principalmente, que também se verificar forte presença da influência ideológica socializante e intervencionista (MARINHO 2011). Com relação à Constituição da República de 1988, seus artigos 170 e 193 destacam, respectivamente, os princípios gerais da ordem econômica e da ordem social. Pelo primeiro temos que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...]”. Enquanto que o artigo 193 prescreve que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (BRASIL, 1988). 215 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Celso Antônio Bandeira De Mello (2019) alerta que os referidos artigos devem ser interpretados em conjunto com o artigo 3º da Constituição, ao qual a lei Magna faz uma explicita proclamação do projeto regente da República Federativa do Brasil. Ou seja, proclama o referido artigo que constituem objetivos fundamentais: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, de forma a promover o bem de todos (BRASIL, 1988). Nota-se que a preocupação e o comprometimento com relação a justiça social foi tamanha que o referido valor se apresentou positivado, também como princípio, tanto da ordem econômica quanto na social. Portanto, a Constituição brasileira de 1988, mesmo possuindo influência e princípios liberais, também se estampa como antítese ao modelo econômico neoliberal, pois declara, prescritivamente, que o estado brasileiro tem compromissos formalmente explicitados, obrigando que a ordem econômica e a social sejam articuladas de maneira a realizar os objetivos axiológicos nela enunciados (DE MELLO, 2019). É nessa compreensão que a valorização do trabalho humano, por ser princípio prescrito da ordem econômica, sempre deve prevalecer, como prioridade, em relação aos interesses puramente econômicos. Pois, como leciona De Mello (2019) a ordem econômica é, no direito brasileiro, intimamente entrosada com o domínio social. De outra maneira, a ordem econômica carece, para estrito cumprimento constitucional, orientar-se de modo a atender os princípios e objetivos aludidos no campo social. Isso, porque a dicção prescrita no artigo 193 da Constituição é claríssimo e torna indiscutível que, para a Lei Magna, o objetivo primordial floresce nos moldes da justiça social. Assim, uma vez que tanto a ordem econômica como o próprio domínio social indicaram, como um de seus princípios fundamentais, à valorização do trabalho humano, é certo que foi cometida ao estado brasileiro a função de protagonista, necessário, para a implementação desses bens jurídicos. De Mello (2019) bem explica que há um programa constitucional em que está luminosamente explicita a propriedade ao que seja favorecedor do social, relegando-se, a segundo plano, aquilo que favoreça a interesses exclusivamente capitais. Contudo, não significa menoscabar a importância bem como a valia dessa segunda ordem, mas denota que a realização dessa há de estar entrosada, necessariamente, com a realização dos preceitos constitucionais de natureza sociais. 216 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 3 GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA: A ERA DO ECONOMICISMO O cenário da globalização proporciona condições para a consolidação do fenômeno da mundialização econômica do mercado. O acirramento da concorrência internacional, o aumento da acumulação de riqueza em contraponto às desigualdades regionais e sociais, a inovação tecnológica desenfreada, a diminuição do intervencionismo estatal em contraponto às ideologias neoliberais são alguns dos fenômenos que, consequentemente, alteram profundamente o domínio social. Portanto, caminha-se para um quadro político econômico social, marcado pela forte influência da globalização econômica ao adotar teorias (utilitaristas) em busca do crescimento econômico. Ou seja, os mercados globalizados passam a ocupar o papel do estado, de maneira que a legitimidade e instrumentalização do direito dependem, agora, de fatores propriamente econômicos. É nesse cenário que a própria concepção de estado-soberano trilha sua própria erosão, na medida em que apresenta pouco controle de sua respectiva economia nacional e domínio territorial, consequência de forte influência do mercado, que, por sua vez, encontra-se a serviço do capital globalizado. A economia nacional, portanto, se desbota em razão do capital universal, de maneira que aquele não mais possui identidade, nem se baseia em um determinado e delimitado território. Ou seja, os estados ficam submetidos, involuntariamente, ao jogo da globalização cujas regras os ultrapassam. Nesse jogo, em que a economia se apresenta como tabuleiro, uma das faces do dado prevê o afastamento estatal das relações econômicas e sociais. No cenário atual, portanto, em que o globo, cada vez mais, insere-se no jogo da globalização econômica a serviço do capital internacional, e, ao passo que se mitiga, na prática, a percepção de autonomia dos estados-nação, é possível observar grande atrito no diálogo científico entre direito e economia. Defender economia e direito como ciências metodologicamente distintas e cientificamente autônomas procria diversos prejuízos que ultrapassam qualquer ordem político-social. Ainda, impossibilita a adoção de uma capacidade analítica voltada a solucionar 217 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 problemas aos quais exige-se (ou pelo menos deveria) um caminho conjunto, abrangido por um objetivo e uma linguagem metodológica pautada na interdisciplinaridade. Esse isolacionismo do estudo científico é espólio do processo pelo qual o conhecimento foi (e ainda é) no decorrer de seu desenvolvimento, subdividido em setores de extrema especificidade, aos quais passaram a serem incapazes em se comunicar, de maneira que adotaram linguagem e metodologia incompatíveis e incompreensíveis entre si. Para Teixeira (2004), consequência do isolacionismo científico, tanto a economia quanto o direito colocam e tratam seus respectivos problemas sem atentarem-se com o significado ou consequências que possam ter sobre outros domínios, nem, tampouco, investigam as possíveis contribuições de outras ciências para suas situações problemas. Salama (2007, p. 01) sintetiza da seguinte forma: Enquanto o Direito é exclusivamente verbal, a Economia é também matemática; enquanto o Direito é marcadamente hermenêutico, a Economia é marcadamente empírica; enquanto o Direito aspira ser justo, a Economia aspira ser científica; enquanto a crítica econômica se dá pelo custo, a crítica jurídica se dá pela legalidade. Isso torna o diálogo entre economistas e juristas inevitavelmente turbulento, e geralmente bastante destrutivo. Segundo Mello (2006) outra dificuldade encontrada nas tentativas de comunicação entre direito e economia diz respeito à formação tradicional do jurista, sendo fortemente influenciada pelo recorte disciplinar da teoria kelseniana, a qual se tenta identificar o direito e o jurídico separando-os de outras preocupações ditas não jurídicas, muito embora possam existir relações. Além disso, o direito estuda fenômenos sociais por meio da linguagem normativa. Portanto, o objeto científico jurídico é a norma, de onde são extraídos preceitos que evocam padrões e condutas, consagram regras e princípios e, ainda, estabelecem valores para os quais os fenômenos jurídicos são restringidos. 218 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Dentro da perspectiva econômica, existe forte movimento pautado pelo economicismo, ao qual se caracteriza pela tendência em procurar explicar fenômenos e fatos sociais em função dos interesses e necessidades econômicas. Ou seja, quando a própria economia busca explicar tanto o direito como demais fenômenos sociais por meio da sobrevalorização de aspectos econômicos. Posner (2001) afirma que direito e economia ainda não conseguiram alcançar uma linguagem comum, haja vista que a simples leitura de textos de economistas e advogados indicam que cada ciência ainda adota metodologia própria, distinta e não integrada. Além disso, enquanto que o direito buscou se isolar das demais ciências, a economia passou a se aproximou das exatas. Portanto, a metodologia utilizada por ambas se opõe. A racionalização da ciência econômica é dedutiva, ou seja, parte de modelos gerais, ao passo que o direito investiga sob enfoque indutivo, a partir de situações específicas. Ainda, enquanto que a primeira analisa determinada situação de forma ex-ante, o direito racionaliza ex-post. Assim, o ideal seria certa intercomunicação no sentido de se viabilizar que tanto as contribuições de ordem econômica quanto as jurídicas estabeleçam certa coerência e compatibilidade, buscando fins ajustados, intercomunicáveis, sem que, no entanto, um se sobreponha ao outro. A análise deveria ir além de uma sobreposição de duas perspectivas sobre um mesmo tema. Ou seja, deveria ser fundada num esqueleto metodológico que permitisse abordar a relação entre ordenamento jurídico normativo e questões sociais econômicas. Permanecem os questionamentos de Dworkin (1986) sobre até que ponto a riqueza, em detrimento da justiça como ideal metajurídico deve ser o motivador da norma? 4 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA COMO PROPOSTA DE ENFRAQUECIMENTO DO ESTADO SOCIAL ANTE A JUSTIFICATIVA DE CRESCIMENTO ECONÔMICO Na medida em que no âmbito internacional, segundo Chaves (2009), a perspectiva globalizante acarreta novas repercussões com 219 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 reflexos culturais, políticos, econômicos e sociais, é possível dizer que o motor da globalização está no movimento do capital, cujos efeitos implicam em mudanças de paradigmas no que tange ao mercado de trabalho e nas relações de emprego, ou seja, no universo jurídico. A economia, portanto, gira em torno da ideia do livre mercado, em que o grande capital (empresas transnacionais) pressionam governos locais para que se submetam às novas regras de contratação de mão de obra, que, por sua vez, são entabuladas e determinadas pela globalização econômica. É nessa relação que se é possível observar a fragmentação do conceito de estado-nação e estado-soberano, de modo que o choque existente entre legislação trabalhista e globalização econômica ocorre desde o momento em que o estado passa a intervir no sistema produtivo bem como nas relações de emprego. Assim, a legislação trabalhista parece estar em descompasso com a pretensão globalizante. Portanto, nenhum outro ramo jurídico vive tão próximo das manifestações econômicas como o direito do trabalho, de maneira que os conceitos de empresa e trabalho afastam-se da percepção jurídica, ao caminharem para perspectivas econômicas. Ou seja, ao se buscar o socialmente desejável, depara-se com entraves no economicamente possível, entraves esses sugeridos pela globalização econômica. É nesse sentido que a lei 13.467/2017, popularmente conhecida como Reforma Trabalhista, alterou substancialmente a Consolidação das Leis do Trabalho no Brasil, de maneira que sua principal motivação não foi jurídica, pois foi fortemente influenciada por diretrizes econômicas globalizadas. Ainda, a maior preocupação com relação à nova lei concentra-se no embrião deontológico adotado por ela, pois na receita da reforma trabalhista, o ingrediente principal foi o princípio da intervenção mínima, o que, portanto, buscou enfraquecer e, até mesmo, afastar a função reguladora e fiscalizadora do estado ao redefini-la para aquele modelo anterior, absenteísta. O referido princípio está positivado no artigo 8º, §3º, segunda parte, da lei, ao estipular que: “A Justiça do Trabalho [...] balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva” (BRASIL, 2017). Assim, é possível identificar, dentro outros, seus reflexos nos artigos 444 e 611-A, ao qual elencaram as possibilidades em que o 220 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho negociado se sobrepõe ao legislado. Significa, portanto, o conceito de “última ratio” da atuação estatal nas relações trabalhistas. Como foi dito anteriormente, a globalização econômica representa novo quadro político econômico social, marcado pela visão utilitarista no caminho para o crescimento econômico. A impressão é que o mercado, já globalizado, substituiu o estado, de maneira que a legitimidade do direito passou a ser a própria economia. Para, além disso, a doutrina neoliberal sustenta que a legislação trabalhista representa um dos cernes das crises econômicas globais, sob a justificativa de que o alto custo da mão-de-obra e o excesso de direitos são o que acarreta o elevado índice de desemprego que, portanto, fomentam a informalidade. Assim, sustentam uma constante necessidade de se atualizar e modernizar a legislação laboral. A reforma trabalhista brasileira foi justificada, quanto sua necessidade, para a geração de empregos formais e, consequentemente, intensificar o crescimento econômico do país. Nesse sentido, e, uma vez sendo o princípio da intervenção mínima o cerne da reforma, ou seja, afastamento da função de regulador/fiscalizador do estado das relações trabalhistas, possível dizer que a referida lei se pautou, sobretudo, em viés econômico. Segundo Nascimento (2011) a redução dos níveis de proteção ao trabalhador passou a ser admitida por corrente que acredita ser uma forma de diminuir o desemprego, partindo da premissa de que os empregadores estariam mais dispostos a admitir trabalhadores caso não tivessem que suportar altos encargos trabalhistas ou não encontrassem dificuldades para descontratação. Assim, estimula-se maior espontaneidade das forças de mercado no ajuste direto entre seus interesses. De outro modo: defendeu-se a necessidade de uma reforma trabalhista (pautada no economicismo) cujo principal e necessário efeito, seria o afastamento do estado do domínio social, ante a promessa de geração de empregos formais, criação, manutenção e fomento de novos postos de trabalho que, por consequência, trilhar-se-ia ao crescimento econômico. Contudo, por uma simples análise do status anterior e posterior à nova lei, que diga-se já completa mais de dois anos de vigência, é possível questionar essas promessas. 221 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 A última taxa de desemprego divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 11,8% no trimestre encerrado em setembro de 2019, com apenas 0,2% menor que a registrada em novembro de 2017 em 12%. Ou seja, antes da vigência da reforma trabalhista, em 2017, tínhamos uma taxa de desemprego de 12%. Atualmente, a mesma taxa ocupacional caiu apenas 0,2%, ficando em 11,8%. Para além da geração de empregos, a expectativa da reforma era de criação de postos de trabalho formais. Nesse sentido, a mesma pesquisa demonstrou que o aumento da população ocupada vem sendo puxado pela informalidade, com empregos precários, sem registro em carteira, sendo que em setembro de 2019 haviam 38,8 milhões de postos de trabalhos informais, ou seja, 41% de um total de 93,8 milhões (IBGE, 2019). Por sua vez, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), demostrou o saldo de vagas formais criadas no país, destacando que no período entre novembro de 2017 a setembro de 2019 foram gerados 962 mil postos de trabalho. Número bem abaixo da previsão de gerar mais de 6 milhões de empregos no país (CAGED, 2019). Isso, pois, desde o início da vigência da nova lei, os empregados informais seguem crescendo e não há qualquer sinal de arrefecimento. Em todas as atividades, é o grupo de informais que se encontra em expansão, fazendo com que empregados sem carteira assinada e autônomos sem registro de pessoa jurídica já somem 40,6% dos ocupados no Brasil (TRINDADE, 2019). Ainda, entre abril e junho de 2018, o Brasil perdeu quase meio milhão de postos de trabalho formais. Além disso, conforme apuração do Sistema de Proteção ao Crédito (SPC), entre janeiro e junho de 2018, 64,4% da população fez algum trabalho informal. No mesmo período, em 2019, o índice ficou de 57,4% (G1, 2019). Com relação a participação da renda informal na receita familiar brasileira, nos meses posteriores à vigência da nova lei trabalhista, o fator já crescia ao ponto de chegar em 16,6%. Entretanto, para os mais pobres a participação informal alcança 70% do orçamento doméstico total (TRINDADE, 2019). Paralelamente à esse dado, é importante destacar que atualmente, no Brasil, cerca de 60% do PIB é constituído por salários e 222 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho benefícios previdenciários. É essencialmente a partir do salário que se programa a arrecadação de impostos, garante-se o funcionamento do mercado de consumo e alimenta-se a poupança interna (TRINDADE, 2019). Ainda, o IBGE constatou que houve significado avanço de trabalho autônomo no país, de maneira que nos últimos dois anos, 23% da força ocupacional afirmou ter se tornado autônomo. O problema, segundo a mesma pesquisa, situa-se no fato de que essa migração não significou melhoria de condições de vida, pois reduziu cerca de 33% da renda média dos trabalhadores. Portanto, pelos dados acima, é possível sustentar que não existe nenhuma concreta correlação entre flexibilizar a legislação trabalhista com o objetivo de se alcançar um crescimento econômico, de maneira que segundo Maior (2017) as flexibilizações na legislação laboral fundamentam-se em interesses pontuais e imediatos, não sendo fruto de nenhum estudo ou debate aprofundado voltado à melhoria da economia em longo prazo, da reorganização produtiva, e da resolução dos demais problemas que afetam o mundo do trabalho, ou seja, esforça-se para o crescimento econômico à curto prazo e com efeitos imediatos, mas, abre-se mão do desenvolvimento à longo prazo. Ainda, segundo Dedecca (2014), crescimento econômico não representa, de forma inexorável e na mesma proporção, desenvolvimento social. Por sua vez, José Ajuricaba da Costa e Silva (1996) já dizia que mesmo sob a perspectiva econômica a flexibilização não se sustenta, uma vez que a pobreza abarcada por ela à pessoa do trabalhador em nada ajuda para o crescimento e desenvolvimento econômico. Nesse sentido, não se faz cristalino flexibilizar a legislação trabalhista a fim de se estimular a manutenção de novos postos de trabalho. Isso, pois, a informalidade não é causada pelo rigor da legislação laboral, mas em razão de sua própria flexibilização. Nas palavras de Dedecca (2014, p. 17). Se, no campo do debate político e mesmo acadêmico, o processo de desregulamentação era visto como um instrumento de oxigenação das empresas necessário para relançar o nível de produção e emprego, constata-se que, no movimento 223 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 real da economia, as empresas têm aproveitado a maior desregulamentação para racionalizar produção e emprego e, portanto, para reforçar a lógica do desemprego. Portanto, uma vez passados mais de dois anos desde a última (e mais severa) reforma da legislação trabalhista do país, percebe-se que a criação, fomento e manutenção de postos de trabalhos formais não ocorreu, e, consequentemente, o mesmo destino atingiu o crescimento econômico. Deste modo, a justificativa da necessária atualização e modernização das leis trabalhistas objetivando enfraquecer o estado social a fim de se retomar o crescimento econômico parece não encontrar sustentação nem fundamentação, inclusive, econômica. Assim, ao contrário do que economicamente se sustenta, a flexibilização do direito do trabalho acarreta um barateamento da mão-de-obra que, por sua vez, passa a aumentar o déficit social distributivo. Ainda, não se pode olvidar que, em última análise, são as classes operárias os legítimos consumidores finais que movimentam a economia do consumo, sendo essa, sim, indispensável para a sobrevivência do capital nacional. Talvez seja inegável que, em nível global, a atual conjectura está revivendo as mesmas ambições que alimentaram a revolução industrial a partir do século XVIII, ao passo que o caminho utilitarista da minimização dos gastos para maximização dos lucros passa a ganhar, novamente e cada vez mais, seu prestígio. Prevalece, portanto, a lei do mercado, de maneira que passou a ser o empregador aquele que vem a ditar às regras do jogo, num estado afastado e enfraquecido que, agora, pouco pode fazer em razão da elevada importância que se depositou na supremacia da liberdade contratual. Em outras palavras, o direito do trabalho, sob influência econômica, passa a ser, presentemente e sobretudo, o que as partes criarem. Isso porque, menos que um código de leis pelo estado, terá uma compilação de acordos e convenções coletivas de trabalho e de acordos individuais de trabalho. E, serão essas as regras que irão, primordialmente, reger as relações de convivência entre trabalhadores e patronos no Brasil. (SOUSA FILHO, 2019). 224 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Para tanto, não se deveria esquecer que a legislação trabalhista, em última análise, atua na subsistência do empregado por uma questão, principalmente, da dignidade e valorização do trabalho humano, dentre outros princípios e razões que, igualmente, estão previstos nos laços constitucionais em respeito ao domínio econômico e social. Assim, quando se defende que o acordado vale mais que o legislado, colocam-se em pé de igualdade, para livre negociação, dois polos aos quais tanto a história quanto a própria legislação já demonstraram serem desiguais. Ao cabo, segundo Sousa Filho (2010), é fortalecida a autonomia privada coletiva, e, capital e trabalho ficam em pé de igualdade. Mas, o problema, não é ficar em pé, a questão é a igualdade, que por sua vez, inexiste. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Fenômeno da globalização, imerso numa economia capitalista aberta, aproximou culturas diferentes, antes distantes agora intensamente relacionadas por trocas comerciais, mercado de trabalho, vistas turísticas, comunicação em tempo real, intercâmbio dentre outros. A lei trabalhista de proteção ao trabalhador nasceu no final do século XIX como forma de aplacar os conflitos sociais que se instauravam em face das tensões provocadas pela Revolução Industrial. Nesta época de gritante e injusta exploração do trabalho, o sistema capitalista cedeu espaço para as primeiras leis protetivas ao trabalhador (SUPIOT, 2016). Posteriormente, com o desenvolvimento da econômica e a consolidação do estado do bem-estar, a legislação social tornou-se ampla. Tal tendência perdurou até o final da década de 1970. E, a partir de então, com a introdução da ideologia neoliberal, a iniciativa privada passou, e ainda passa, a adotar postura de produção e organização de trabalho mais flexíveis, como sendo algo negativo à classe trabalhadora. Se antes havia uma legislação sólida que os protegia, agora, tornou-se líquida e regida pelos interesses do mercado e do capital. Direitos antes conquistados foram revogados mundo a fora, sobretudo a partir da década de 1990 até hoje. Tudo em nome da competitividade e de uma suposta modernização às exigências empresariais. 225 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Some-se a isso a ansiedade imposta por um mercado integralmente conectado e globalizado que ignora fusos horários e limites de jornada (SUPIOT, 2016). Nas últimas duas décadas verificaram-se sensíveis reformas trabalhistas no velho continente: Alemanha, Portugal, Espanha e França. Nos quatro casos, os índices de oferta de emprego ficaram aquém do esperado (TRADING ECONOMICS, 2019). Tal fato, somente reforça a conclusão de que a redução de desempregados se combate com o aquecimento da economia. Entretanto, o afrouxamento exagerado da legislação trabalhista precariza o trabalho e reduz o exercício de consumidores, fato que contribui para aumentar a estagnação econômica que portanto, está em descompasso com o crescimento econômico. Assim a lei trabalhista se deslocou do contexto de estado total para o de mercado total. Surgem, assim, dois grandes fenômenos: (i) extinção de fronteiras do comércio e livre circulação dos capitais, acirrando a competição das legislações nacionais e (ii) revolução digital que autoriza a desterritorialização do trabalho e cria novas técnicas de gestão fundadas na programação (e não mais na obediência) dos trabalhadores (SUPIOT, 2016). Por essa razão que Martins, Gunther e Villatore (2019) sustentam que para a tutela dos direitos trabalhistas a fim de garantir-lhes proteção em um cenário desfavorável e desproporcional, faz-se necessária à presença estatal por intermédio do Poder Judiciário, na medida em que se depara com a realidade posta e não com aquela realidade pressuposta textualizada na letra da lei. Isso, porque existe forte tendência em se privilegiar a economia em desfavor do direito, principalmente, daqueles situados no domínio social. É, portanto, aqui que se encontra a legislação trabalhista, ao passo que, historicamente, sempre suportou os maiores efeitos da incomunicabilidade interdisciplinar e sobreposição econômica. 226 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em 14 de janeiro de 2020. BRASIL. 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Em seguida, realiza-se também a análise da liberdade sindical praticada no Brasil e da representatividade no modelo sindical adotado no Brasil. Em seguida, são apresentados osefeitos percebidos diante da ausência de liberdade sindical plena e as possibilidades para a realização plena dos sindicatos a partir da liberdade sindical defendida pela OIT, e os impactos na representatividade dos sindicatos, demonstrando a necessidade de reforma sindical no sentido de retirar as contradições constitucionais que atrapalham a realização e o desenvolvimento da plena liberdade sindical no Brasil. Palavras-chave: Liberdade Sindical. Representatividade. Convenção 87 da OIT. Abstract: The present study aims to understand the relation between the freedom of association approved by convention No. 87 of the International Labor Organization and the representativeness of the organisations, using as anexample the association model adopted in Brazil. For this, the points defended by Convention No. 87, their content and their application are 186 Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Membro do GEPDI – Grupo de Estudo e Pesquisa em Direito Internacional CNPq. E-mail: fernandalj2728@gmail.com 231 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 described first. Then, there is also an analysis of the association freedom practiced in Brazil and of representativeness in the organisationmodel adopted in Brazil. Then, the perceived effects of the absence of full association freedom and the possibilities for the full realization of associations based on the freedom principle defended by the ILO are presented, as well as the impacts on the representativeness of associations, demonstrating the need for law reform to remove the constitutional contradictions that hinder the realization and development of full association freedom in Brazil. Key-words: Association Freedom.Representativeness. ILO Convention 87. 1 INTRODUÇÃO A Organização Internacional do Trabalho – OIT foi fundada em 1919 para promover a justiça social. A OIT é a única agência das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual representantes de governos, de organizações de empregadores e de trabalhadores de 187 Estados-membros participam em situação de igualdade das diversas instâncias da Organização.A missão da OIT é promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. O Brasil ratificou um total de 82 Convenções da OIT em vigor. Das oito convenções fundamentais da OIT, o Brasil ratificou todas, exceto a Convenção 87 sobre liberdade sindical. A primeira vista estranha-se a não ratificação da convenção visto que na Constituição Federal de 1988 está expresso o respeito ao princípio da liberdade sindical, conteúdo principal da convenção. No entanto, a própria contradição presente na constituição e os problemas enfrentados pelo Brasil para a plena realização dos sindicatos fez surgir o problema de pesquisa a ser respondido por este estudo: Quais os efeitos da não ratificação da convenção nº 87 da OIT e da falta de liberdade sindical plena na representatividade dos sindicatos brasileiros? Assim, este estudo busca compreender a relação entre a plena liberdade sindical e a representatividade dos sindicatos e os efeitos perceptíveis nesta relação.Buscando responder esta problemática, 232 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho adotou-se a pesquisa pura focada na análise de doutrina e na aplicação dos elementos estudados à realidade do direito sindical e no que tange às técnicas de pesquisa, o estudo utilizou fontes bibliográficas, com realização de pesquisa bibliográfica, a partir de uma análise qualitativa, buscando explicar e contextualizar a teoria com o objetivo proposto no estudo, analisando as relações existentes e buscando visualizar os efeitos propostos pelo problema apresentado. Nesse sentido, a pesquisa foi estruturada em três partes. A primeira parte destina-se a descrever o conteúdo da Convenção nº 87 e trazer o conceito de liberdade sindical aprovado pela OIT. A segunda parte busca analisar a liberdade sindical no modelo sindical adotado pelo Brasil, as razões da não ratificação da convenção e os resultados disso em termos da representatividade dos sindicatos brasileiros.Por fim, identifica-se na terceira parte os efeitos da liberdade sindical plena ou da falta dela na representatividade dos sindicatos brasileiros e aponta-se a possibilidade de solucionar o impasse por meio da reforma sindical. 2 A CONVENÇÃO Nº87 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E A PLENA LIBERDADE SINDICAL Das diversas convenções e recomendações já aprovadas pela OIT, oito são consideradas fundamentais para um mínimo de dignidade do trabalho. São elas: convenção nº 29 sobre o Trabalho Forçado, nº 87 sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito Sindical, nº 98 sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, nº 100 sobre Igualdade de Remuneração, nº 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado, nº 111 sobre a Discriminação, nº 138 sobre a Idade Mínima para admissão ao trabalho e nº 182 sobre a Proibição e as Ações imediatas para a eliminação do trabalho infantil. A convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi aprovada em 1948 com vigência no plano internacional a partir de 1950 (SUSSEKIND apud MEIRELLES, 2015) está no rol de convenções fundamentais para a dignidade do trabalho, dispondo sobre a liberdade sindical e a proteção do direito sindical. 233 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O texto da convenção é dividido em quatro partes: a parte I aborda especificamente a liberdade sindical, pontuando importantes direitos de trabalhadores e empregadores quanto a constituir organizações, elaborar estatutos, sem qualquer necessidade de autorização prévia, devendo as autoridades públicas se abster de qualquer intervenção que venha limitar esta liberdade. A parte II aborda em apenas um artigo a proteção ao direito sindical. A parte III trata de medidas diversas que devem ser observadas pelos membros e a parte IV sobre as disposições finais, abordando os procedimentos, principalmente, pós ratificação pelo estado membro. Notadamente o principal objetivo da convenção ora analisada é a garantia da plena liberdade sindical. Para Feliciano (2017) a liberdade sindical e a proteção deste direito não são apenas uma concessão dos Estados democráticos contemporâneos, mas compõe o rol de direitos humanos fundamentais reconhecidos pela comunidade internacional. Brito Filho (2017) define a liberdade sindical como o direito de empregados e empregadores constituir organizações sindicais na forma que desejarem, tendo liberdade de ditar as regras e as ações necessárias para seu funcionamento, podendo os mesmos delas participar ou não, de acordo com a sua vontade. O autor resume da seguinte forma o modelo de liberdade sindical preconizado pela OIT: Devem ter, trabalhadores e empregadores, respeitados o ordenamento jurídico de cada país e as liberdades dos outros indivíduos e grupos, o direito de se reunirem, na forma que for de sua escolha para solucionar os problemas próprios de sua atividade, buscando, por todos os meios lícitos, uma vida digna e a melhoria de sua condição social. (BRITO FILHO, 2012, p.78) Em seus artigos iniciais a convenção estabelece que trabalhadores e empregadores tenham o direito de constituir organizações de sua escolha, sem necessidade de autorização prévia, assim como têm o direito de se filiar a qualquer delas com apenas uma condição: a de concordar com o estatuto livremente estabelecido: Art. 2 — Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito 234 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho de constituir, sem autorização prévia, organizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas organizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas. Art. 3 — 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e de formular seu programa de ação. A isso Feliciano (2017) chama de liberdade sindical positiva. Em seguida, a convenção impõe também a abstenção do Estado de qualquer intervenção prejudicial a esta liberdade: Art. 3 – 2. As autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal. Brito Filho (2012)apontaque a liberdade sindical precisa ser vista por dois prismas: o individual e o coletivo. A liberdade sindical em seu aspecto individual envolve o direito que os trabalhadores e empregadores têm de se filiar ou não, assim como o de se desfiliar quando acharem conveniente, conforme previsão do artigo 2 acima descrito. Em seu aspecto coletivo, o autor afirma que a liberdade sindical envolve a liberdade de associação, de organização, de administração e de exercício das funções, conforme artigo 3. Ainda na parte I, a convenção deixa aberta a forma de estruturação destas organizações, buscando evitar a concentração de poder ou as oligarquias sindicais, privilegiando a plena liberdade de organização. Estabelece o artigo 5: Art. 5 — As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de constituir federações e confederações, bem como o de filiar-se às mesmas, e toda organização, federação ou confederação terá o direito de filiar-se às organizações internacionais de trabalhadores e de empregadores. 235 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O combate à interferência governamental na atuação sindical é de suma importância para o eficaz funcionamento dos sindicatos. A liberdade sindical plena permite que as negociações entre empregados e empregadores fiquem livres de influência das políticas econômicas governamentais, evitando o desvio da função destas organizações. Apesar da destacada importância desta convenção, ela não foi ratificada pelo Brasil, mesmo sendo a liberdade sindical uma ideia expressa constitucionalmente. Desta forma, busca-se analisar a seguir as razões da não ratificação desta convenção pelo Brasil, assim como os efeitos da ausência de liberdade sindical na representatividade dos sindicatos brasileiros. 3 A LIBERDADE SINDICAL E A REPRESENTATIVIDADE DOS SINDICATOS NO BRASIL A Constituição da República Federativa do Brasilassegura a garantia de associação profissional ou sindical com liberdade e independência. Está expresso no artigo 8º da constituição que é livre a associação sindical e vedada a interferência ou intervenção do poder público na organização sindical, objetivando garantir a plena realização dos sindicatos. Em nosso ordenamento jurídico, o direito sindical é regido por princípios específicos, tais como o da preponderância do interesse coletivo sobre o individual, da autonomia coletiva e o da liberdade sindical. Tais princípios buscam trazer ao direito coletivo do trabalho mais autonomia nas negociações, baseados no princípio da equivalência que almeja tornar ambas as partes complexas, em equivalência de forças. A organização sindical está regulamentada na CLT a partir do artigo 511. A legislação define os sindicatos como associações para fins de estudo, defesa e coordenação dos interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas. Os sindicatos constituem importante ferramenta na organização e no equilíbrio das relações de emprego, pois, como intermedia236 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho dores de interesses, buscam a moderação de interesses por vezes conflitantes, objetivando beneficiar ambas as partes, na busca por atender tanto o desenvolvimento econômico, exigido pelo mercado, como a melhoria nas condições sociais dos empregados. No entanto, o Brasil não ratificou a convenção nº 87 da OIT. A razão da não ratificação é a incompatibilidade constitucional: no Brasil adota-se o sistema da unicidade sindical, que é aquele organizado por categoria profissional, com monopólio de representação na respectiva base territorial. Desta forma preceitua o artigo 8º, inciso II, da constituição: Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...) II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município A unicidade sindical é o princípio pelo qual só pode existir uma unidade sindical por base territorial. E na regra constitucional esta base territorial deve ter como área mínima um município. Por este dispositivo constitucional, fica vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, de uma mesma categoria profissional ou econômica em uma mesma base territorial, que, como já dito, não pode ser menor que um Município (FELICIANO, 2017). Para os autores pesquisados neste estudo, o Brasil não realiza na prática a plena liberdade sindical. Meirelles (2015) aponta dois importantes efeitos causados por este princípio: a criação dos “sindicatos de gaveta” e o enfraquecimento das entidades sindicais resultado da fragmentação destas. Os chamados “sindicatos de gaveta” são aqueles criados para evitar a perda de área territorial por um sindicato já existente e que tenha sua base territorial nacional, estadual ou intermunicipal.Logo, para evitar que outra entidade seja criada com base em um município que esteja dentro da abrangência maior da área de outro sindicato, o que pelo critério de base territorial não configuraria superposição, as 237 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 entidades sindicais, com bases territoriais maiores que um município, se desmembram para não possibilitar a existência de outro sindicato na mesma região. Nas palavras de Meirelles (2015, p.91): Essa possibilidade tem estimulado alguns sindicatos de base maior que um município a constituírem um novo ente sindical em cada um dos municípios que compõem a base territorial original, com a finalidade única de garantir a unidade da categoria e evitar que “aventureiros” venham tentar dividi-la no futuro. Assim, estão nascendo muitos “sindicatos de gaveta”, cuja existência está apenas no papel, sem qualquer ação sindical concreta, colaborando para o crescente aumento no número de sindicatos registrados no Ministério do Trabalho e Emprego. Por óbvio que quando nascem sindicatos fantasmas, nascem instituições vazias de representatividade. E dependendo do alcance destas criações apenas formais de entidades sindicais, há um reforço na falta de representatividade dos mesmos junto aos trabalhadores da base territorial que se encontram,acarretando numa inevitável falta de interesse dos mesmos, pois não havendo qualquer ação concreta daquele ente na realidade laboral dos afiliados, estes não se sentem representados. Meirelles (2015) aponta ainda que, além do critério territorial, existe também o desmembramento pela especificidade, já que este critério,presente nos artigos 570 e 571 da CLT, não é objetivo e permite interpretações diversas a luz do caso concreto.Neste sentido, Feliciano (2017) aponta que a criatividade brasileira, conhecida por criar soluções alternativas onde não há solução por via convencional, é responsável por uma infinidade de diferenciações sindicais, com o objetivo de fugir da unicidade sindical. Assim, nota-se mais uma vez a criação de sindicatos vazios de representatividade. Com efeito, o Brasil tem registrado, por exemplo, o sindicato dos trabalhadores em casas lotéricas (aparentemente fundado por quem nunca exerceu tal atividade), o sindicato das empresas 238 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho de desmanche de veículos, o sindicato dos inspetores técnicos em segurança veicular, a federação de trabalhadores no comércio de minérios e derivados de petróleo, o sindicato dos tratadores jockeys e similares, o sindicato da indústria de camisas para homem e roupas brancas (e veja você, caro leitor em busca de oportunidades setoriais, que, se formos pelas réguas de cores, estará aberto um horizonte infinito de possibilidades de diferenciação sindical…), e assim sucessivamente. Outro dia, trabalhando em Brasília, passou por mim a viatura de algo como um “sindicato dos trabalhadores no comércio varejista e atacadista de materiais de construção”… Se formos pelo objeto específico do comércio (material de construção, eletrodomésticos, equipamentos médicos, veículos automotores, cerâmica, roupas da moda, roupas fora de mora etc. etc.), outra vez o céu será o limite. (FELICIANO, 2017, sem paginação) Pela realidade do sistema sindical brasileiro, é possível perceber que o princípio da unicidade não garante uma unidade sindical, pelo contrário: o princípio imposto pela constituição, além de obstar a plena liberdade sindical, torna precária a representatividade natural que um ente sindical deveria possuir, devido à multiplicação desnecessária de sindicatos registrados e o enfraquecimento destas entidades resultado das criações “fantasmas”. Desde que foi implementado no governo Vargas, o modelo sindical brasileiro não sofreu grandes mudanças. A criação do aludido modelo foi resultado de uma necessidade de controle político da seara trabalhista, desvirtuando o verdadeiro fim a que deveria se destinar. Schwarcz e Starling (2015, p.362) afirmam que a política trabalhista de Getúlio Vargas possuía duas metades: por um lado criou as leis de proteção ao trabalhador, por outro, reprimiu qualquer esforço de organização dos trabalhadores fora do controle do Estado, “liquidou com o sindicalismo autônomo, enquadrou os sindicatos como órgãos de colaboração com o Estado”. Este controle inicial dos sindicatos pelo Estado acabou por não permitir um pleno desenvolvimento dos mesmos, a partir do viés de autonomia e representatividade, pois não teve, mesmo após 239 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 a constituição de 88, a liberdade necessária para seu pleno funcionamento e desenvolvimento. Para Brito Filho (2012, p.65), a partir da constituição de 88 foi conquistada maior liberdade com menos interferência do Estado nos sindicatos, porém mudou pouco o panorama do sindicalismo brasileiro: Muda pouco, entretanto, pois ao lado desta liberdade são mantidas as bases do sistema corporativista: a unicidade sindical; a contribuição compulsória e a competência normativa da Justiça do Trabalho, as quais, juntas, denominamos tripé da incompetência ou tripé da farsa, por sustentarem um sindicalismo sem compromisso com suas bases(...). Assim, diversos autores defendem a urgência de uma reforma sindical, e que a reforma trabalhista trazida com a lei 13.467/2017 deveria ter sido precedida por esta reforma. Delgado (2019) afirma ser inevitável uma reforma, de modo a adequar o sistema sindical à plena liberdade de associação e à plena liberdade sindical. De qualquer modo, a citada reforma trabalhista perdeu uma chance de corrigir o problema ora apresentado. Para Ferreira (2018), apesar de ter suprimido a contribuição sindical obrigatória, a reforma manteve a unicidade sindical, fazendo com que o discurso de liberdade sindical ainda não seja real. A supressão da contribuição foi meio caminho andado para que os sindicatos busquem formas de atrair seus filiados, baseados num sentimento de solidariedade e identidade de classe. No entanto, a permanência da unicidade sindical causa um problema talvez maior. Sem a liberdade sindical plena, seria possível os sindicatos se organizarem de forma a tornar-se representativos de suas respectivas classes? Em um estudo sobre a crise de representatividade dos sindicatos brasileiros, Cardoso (2015) analisa como a unicidade sindical e o imposto sindical compulsório, e,consequentemente, a disputa por ele, deixaram os sindicatos de base esvaziados de adeptos e cúpulas sindicais em grande atividade organizativa, o que aparentemente era paradoxal. 240 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Estariam os sindicatos em crise? Para o autor não seria o caso, bastando verificar a ação dos sindicatos nas negociações coletivas, com interferência mínima da Justiça do Trabalho. Logo, os sindicatos funcionam e tem autonomia em suas ações. Porém a falta de liberdade de formação destes sindicatos, e as saídas alternativas na busca de se criar uma espécie de monopólio de algumas categorias trazem à realidade pratica dos sindicatos a questão da falta de representatividade de muitos deles junto àqueles que deveriam ser partes integrantes e participantes ativos dos sindicatos. Logo, não se trata de uma crise dos sindicatos, mas da representatividade dos sindicatos. A forma como foram criados, a obrigatoriedade do financiamento pelo imposto e a regra da unicidade sindical faz com que os sindicatos não tenham a necessidade de atrair seus filiados, não havendo uma identidade de classe, não havendo solidariedade. A história do sindicalismo oferece como alternativa mais comum a construção de solidariedade e identidade de categoria ou classe. Mas a dificuldade parece estar justamente nisso: construir uma prática sindical com apelo a solidariedade e à participação, que leve os trabalhadores a se sentirem representados por suas entidades de classe ao ponto de se cotizarem para sustentá-las. (CARDOSO, 2015, sem paginação) Para os que defendem a necessidade da reforma sindical, são estes os pontos principais que devem ser alterados na legislação pátria para que se busque a plena liberdade sindicale os efeitos que esta pode trazer à representatividade dos sindicatos. 4 OS EFEITOS DA LIBERDADE SINDICAL NA REPRESENTATIVIDADE DOS SINDICATOS A plena liberdade sindical aprovada pela Convenção nº 87 da OIT possui reais efeitos na representatividade das entidades sindicais. A forma de implementação e desenvolvimento dos sindicatos no Brasil,como relatado,demonstra a relação direta entre a falta de 241 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 liberdade sindical plena e a ausência de representatividade nas organizações sindicais. A essência da existência de organização de categorias em sindicatos é a busca por autonomia e equilíbrio daqueles que sozinhos não tem força proporcional para discutir melhores condições e desenvolvimento de suas categorias profissionais. A imposição de regras como a da unicidade sindical transformam os sindicatos em formas paralelas de Estado. Se hoje no Brasil há crise de representatividade na política, o mesmo pode ser visto nos sindicatos. Neste sentido, Almeida (2008) afirma que a pouca representatividade das entidades sindicais é resultado de serem estas instituições investidas de um monopólio de representação assegurada por lei e não por livre escolha dos membros da base. Ou seja, a exigência constitucional da unicidade sindical retira das entidades sindicais a natural busca por atender necessidades mais autênticas ou mais democráticas, pois não precisam se preocupar em manter seus filiados por afinidades, já que os mantém por lei. Como já frisado anteriormente, diversos autores, entre eles Brito Filho (2017), afirmam que a reforma trabalhista deveria ter sido antecedida por uma reforma sindical, constituindo-se entidades sindicais verdadeiramente representativas dos trabalhadores, proporcionando o real equilíbrio entre trabalhadores e empregadores. Esta reforma sindical defendida pelos autores pesquisados neste artigo, deve trazer como principal alteração o fim da unicidade sindical para permitir a possibilidade de a representação se dar por diversas formas, levando os trabalhadores a se socorrerem de entidades que realmente atendam a seus anseios (BRITO FILHO, 2012), o que permitiria o acompanhamento de perto das possibilidades de negociação, principalmente pós reforma trabalhista, trazendo a idéia da solidariedade que deve permear os sindicatos. Para Feliciano (2017), com a regra formal da unicidade sindical, que se baliza pela anterioridade temporal, “não se avaliam, do ponto de vista legal-formal, quaisquer aspectos ligados à efetiva representatividade da categoria profissional ou econômica”. A imensa maioria das centrais sindicais brasileiras defende a continuidade do modelo atual, com a contribuição compulsória e a unicidade sindical, ao argumento de que o sindicalismo brasileiro não sobreviveria a esta mudança e que o fim da unicidade geraria a 242 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho atomização e o consequente enfraquecimento dos sindicatos nas bases territoriais (FELICIANO, 2017). No entanto, Feliciano (2017) aponta que esta atomização já existe no Brasil e justamente por culpa da unicidade sindical constitucional. O autor aponta, ao contrário do que defendem as centrais sindicais, que o fim da unicidade sindical fortalecerá a autenticidade dos sindicatos: O fim da unicidade talvez produza, nessas hipóteses, o efeito contrário: sindicatos rivais, que se diferenciaram mais ou menos artificiosamente em razão da impossibilidade de haver duas representações sindicais para a mesma categoria profissional na mesma base territorial, voltariam às suas intenções representativas genuínas e passariam a disputar entre si a representação de uma mesma categoria profissional comum, como acontece na Itália, na Alemanha e em praticamente toda a Europa ocidental. Isto aconteceu em diversos países europeus: o pluralismo sindical conteve a tendência de proliferação de sindicatos com menor representatividade, estimulando a convergência de forças em torno de objetivos comuns. (FELICIANO, 2017, sem paginação) O autor complementa sua ideia afirmando que a reforma deve ser discutida e implementada, viabilizando a ratificação da Convenção nº 87 da OIT, respeitando um período de transição para que não prejudique os sindicatos menores e realmente autênticos que já existem. Assim, límpida fica a identificação dos efeitos da liberdade sindical plena na representatividade dos sindicatos: a maior interação e real representação entre o sindicato e seu filiado. A discussão repercute também na questão da contribuição compulsória. Com o fim da obrigatoriedade pós reforma trabalhista, como os trabalhadores terão interesse em contribuir autonomamente com sindicatos dos quais não se sentem parte, não se sentem representados? A convivência contraditória na Constituição entre a regra da liberdade sindical e a regra da unicidade causa um grande atraso na 243 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ideia de realização plena dos sindicatos. Nas palavras de Meirelles (2015): “Mais do que um modelo ideal, a liberdade sindical constitui um dos pilares da dignidade da pessoa humana, principio maior de nossa Lei Fundamental. Sua concretização clama por urgência”. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo foi discutida a relação entre a plena liberdade sindical e a representatividade dos sindicatos e os efeitos perceptíveis nesta relação. Estruturou-se a pesquisa em três partes. A primeira parte destinou-se a descrever o modelo de liberdade sindical defendido pela OIT por meio da Convenção nº 87, conceituando a liberdade sindical e apresentando sua importância para o combate à interferência governamental na atuação sindical, permitindo a livre negociação entre empregados e empregadores, evitando o desvio da função destas organizações. Em seguida analisou-se a liberdade sindical no modelo sindical adotado pelo Brasil, as razões da não ratificação da convenção e os resultados disso em termos da representatividade dos sindicatos brasileiros, a partir da leitura do principio da unicidade sindical adotado no Brasil e a contradição que o mesmo causa quando impede a plena liberdade sindical, reverberando em criações de sindicatos fantasmas que repercutem diretamente na questão da baixa representatividade dos sindicatos brasileiros. Na terceira parte analisou-se os efeitos da ausência da liberdade sindical no contexto brasileiro e apresentou-se a necessidade de uma reforma sindical, baseada na retirada do princípio da unicidade sindical do ordenamento jurídico, para que seja viabilizada a ratificação da Convenção nº87 pelo Brasil e, assim, a plena realização sindical. Tendo em vista o exposto, compreende-se que a falta de liberdade sindical plena no modelo sindical adotado no Brasil reforçou a falta de representatividade dos sindicatos, visto que nasceram na era Vargas como forma de controle político e, com a não adoção do modelo de liberdade sindical plena, o desenvolvimento dos sindicatos seguiu um caminho que afastou as idéias genuínas que devem estar presentes nestas organizações como a solidariedade. 244 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Assim, é direto o efeito na representatividade dos sindicatos a não adoção do que preconiza a Convenção nº 87 da OIT, por todas as razões expostas na pesquisa, tendo os sindicatos brasileiros, mesmo com atuação constante na defesa dos direitos das categorias, se esvaziado de representatividade, o que o torna mais uma espécie de instituição vertical a qual os profissionais filiados não se sentem parte, afetando assim o desenvolvimento da relação laboral em diversos aspectos, como na constante busca de aperfeiçoamento da idéia de trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade. 245 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS ALMEIDA, MHT. 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O trabalho buscará analisar as alterações de compromisso do Estado com o financiamento do SIDH a partir dos dados apresentados pela própria Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), bem como a partir da análise de casos envolvendo o estado brasileiro perante a CorteIDH e do grau de implementação orçamentária das condenações. Pretende-se, desta forma, demonstrar um desajuste entre o discurso do estado brasileiro e o processo de aportes financeiros na implementação de direitos que resulta em uma realidade frágil do SIDH. Doutora em Direito pela UFPA (2021). Visiting scholar at Human Rights Institute of Columbia University in the City of New York (2019); Global Legal Studies of Wisconsin University (20182019); Forsythe Family Program on Human Rights and Humanitarian Affairs of University of Nebraska/Lincoln (2019); Universidad Iberoamericana Ciudad de México (2018); PUC RIO (2017) e na FGV SP (2017). Mestra em Direito pela UFPA (2016). Successfully attended in the Academy on Human Rights and Humanitarian Law’s Program of Advanced Studies on Human Rights and Humanitarian Law of the American University Washington College of Law (2015). Pesquisadora Visitante da Corte Interamericana de Direitos Humanos (2015 e 2019). Bacharela em Direito pelo CESUPA (2014). Professora do Programa de Mestrado em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional do CESUPA e do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA. Advogada. 188 Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA). Mestra em Direito pela UFPA. Assessora de Procuradoria no Ministério Público de Contas do Estado do Pará (MPC/PA). 187 249 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Palavras-Chave: Brasil. Financiamento de Direitos Humanos. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Orçamento Público. Abstract: This article aims to describe the current state of financing the Interamerican System of Human Rights (IAHRS) by the Brazilian state through ana analysis of the Regular Fund and the voluntary contributions that Brazil has made in the last decade (2010/2020), by the view provided by the “Strenghtening Process”, that took place between 2011 and 2013. The work will analyze changes in the State’s commitment to funding the ISHR based on the data presented by the Interamerican Court of Human Rights (CourtIACHR) and by the Interamerican Commission on Human Rights (IACHR), as well as based on the analysis of cases involving the Brazilian state before the CourtIACHR and the degree of the budgetary implementation of the convictions. It is intended, in this way, to demonstrate a mismatch between the discourse of the Brazilian state and the process of financial contributions in the implementation of rights that results in a fragile reality of the IAHRS. Key Words: Brazil. Human Rights Funding. Interamerican Human Rights System. Public Budget. 1 INTRODUÇÃO A análise dos sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos revela-se um dos campos mais férteis para a análise do caráter evolutivo do direito internacional dos Direitos Humanos, pois desenvolve interpretações judiciais a partir de parâmetros principiológicos que não se esgotam na mera transcrição literal dos Tratados Internacionais, mas em uma aplicação para além do texto, a qual, diante das nefastas violações, ouve a voz das vítimas por objetivar uma proteção pró-homine eficaz. Por essas razões, discutir o sistema interamericano de Direitos Humanos (SIDH) exige muito mais que a simples leitura da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH); faz-se necessário utilizar dos diversos elementos normativos do direito internacional público e de todos os instrumentos que este campo tão vasto oferece a fim de se alcançar uma análise plural e aí sim, compreender como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) e a Co250 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho missão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) reconhecem e fundamentam os princípios validados pela CADH. O SIDH baseia-se na ideia de que a proteção dos Direitos Humanos não deve se reduzir a soberania de um Estado. É por isso que em seu principal documento normativo, a CADH assinada na Costa Rica em 1969 e com vigência a partir de 1978, reconhece e assegura direitos civis e políticos como obrigações erga omnes aos países americanos, além de estabelecer um aparato de monitoramento dessas obrigações que é integrado pela CIDH e a CorteIDH. Nas últimas décadas, o SIDH conseguiu contribuir demasiadamente para o desenvolvimento da temática dos Direitos Humanos no continente americano. Entretanto, tem-se observado uma paulatina espécie de deterioração da sustentabilidade financeira do referido sistema, o que compromete o exercício regular e pleno de suas funções. A partir desta situação, é preciso chamar atenção para o fato de que a implementação de direitos exige a aplicação de recursos em níveis mínimos e adequados, o que exige um comprometimento dos Estados com a proteção e a promoção de direitos humanos. Destaca-se, aqui, a situação do Brasil, enquanto membro da Organização dos Estados Americanos (OEA), que assumiu essa responsabilidade ao adentrar na organização, da qual decorre a consequente necessidade de garantir os meios necessários para que eles se realizem. No que diz respeito ao sistema de financiamento do SIDH, este se faz de duas formas: pelo Fundo Regular e pelos Fundos Específicos. O Fundo Regular, forma principal de custeio do SIDH, diz respeito a valores decorrentes de designação pelo simples fato de compor os quadros da OEA189. Trata-se de um fundo formado com recursos decorrentes da designação de valores calculados com base na potência da economia de cada país. Os Fundos Específicos, por sua vez, são de origem voluntária e decorrem de doações realizadas por Estados membros, Estados observadores ou mesmo outras instituições. São recursos decorrentes de mera liberalidade e não tem finalidade específica. De acordo com dados apresentados pela CorteIDh e pela CIDH, em especial pelo trabalho realizado pelas Auditorias Externas, 189 Art. 72, Capítulo IV, das Normas Gerais para o funcionamento da Secretaria Geral da OEA. 251 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 é possível observar os números do financiamento regular e dos voluntários por parte do Brasil sofrendo redução constante, conforme se passa a apontar. Para subsidiar a análise, será tomada como marco teórico a produção realizada durante os anos de 2011 a 2013, decorrente do chamado “Processo de Fortalecimento”, no qual os Estados membros da OEA manifestaram-se criticamente e apresentaram propostas sobre temas do funcionamento e do alcance do SIDH, dentre os quais o do financiamento do sistema e os seus entraves. A partir disto, pretende-se demonstrar a contradição entre o discurso do Brasil, que conta com uma participação relevante na formação econômica da OEA e o processo dos aportes financeiros incompatíveis, o que resulta em uma fragilidade do SIDH. Em um primeiro momento será realizada uma análise genérica das contribuições brasileiras ao SIDH; para posteriormente avaliar-se casos de condenações do Estado perante a CorteIDH e o nível de desembolso designado pelo país, demonstrando-se que o problema não é orçamentário, mas exclusivamente de ausência de comprometimento. A fim de subsidiar a análise dos fundos de financiamento, adotou-se a metodologia de sistematização e análise de dados de fontes primárias mediante corte temporal destacado entre 2006 e 2013. Tomou-se por base o ano de 2006 em virtude de ter sido esse o ano em que foram anunciadas novas estratégias de arrecadação ao Fundo Regular da OEA como forma de tentar reduzir os impactos da crise financeira mundial. Por fim, apresentam-se as conclusões que se voltam consternadas ao futuro do SIDH mediante um financiamento cada vez menor em contraste com um custo cada vez maior de financiamento dos direitos que ele deve garantir. 2 SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS: BREVES NOÇÕES Antes de se adentrar na questão do financiamento do Sistema Interamericano, faz-se necessário o entendimento da funcionalidade do organismo em si, em especial sobre: (a) Convenção Americana de 252 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Direitos Humanos (CAHD); (b) Comissão Americana de Direitos Humanas (CIDH) e, por fim, a (c) Corte Interamericana de Direitos Humanos. (CorteIDH). A Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, representa o instrumento de maior relevância no que se refere ao Sistema Interamericano de Tutela de Direitos Humanos. O referido documento foi proposto e assinado em San José, na Costa Rica (daí seu o nome), no ano de 1969, de modo que somente passou a vigorar em 1978190. Inicialmente, cabe alertar que somente Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) têm o direito de aderir à Convenção Americana e segundo a própria OEA, dos 35 (trinta e cinco) Estados-membros da OEA, 25 (vinte e cinco) Estados são hoje partes da Convenção Americana. Didaticamente, a Convenção Americana estabelece um rol de direitos humanos os quais os Estados-membros que consignaram o pacto estão comprometidos internacionalmente a respeitar e zelar pelas garantias de cumprimento no âmbito interno de suas jurisdições e soberanias. Relevante lembrar que a CIDH mantém poderes adicionais que não decorrem diretamente da Convenção, dentre eles, o de processar petições individuais no que se referir a casos de Estados não-signatários da mesma. Neste contexto, a República Federativa do Brasil foi um dos Estados que mais tardiamente aderiram à Convenção, fazendo-o apenas em 25 de setembro de 1992. Tendo reconhecido a competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção – por intermédio do Decreto Legislativo n. 89, de 03 de dezembro de 1998 –, desde que os fatos ocorram a partir da vigência da referida figura legal, de acordo, inclusive, com o que prescreve o art. 62191 do instrumento internacional. Foi ratificada em setembro de 1997 por 25 países: Argentina, Barbados, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Grenada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Suriname, Trindade e Tobago, Uruguai e Venezuela. 191 Art. 62. 1. Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção. 190 253 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 É a partir da Convenção Americana de Direitos Humanos que foi criada a Corte Interamericana, definindo suas as atribuições e procedimentos tanto para a Corte quanto para a Comissão. Esta última possui sua sede em Washington D.C. e foi criada pela OEA em 1959 e, em forma conjunta com a Corte Interamericana, instalada em 1979, configurando-se como uma instituição de extrema relevância no Sistema Interamericano. Nesse sentido, explica Piovesan (2000) que também é de a competência da Comissão examinar as petições encaminhadas por indivíduo ou grupos de indivíduos, ou ainda entidades não-governamentais, que contenham denúncia de violação a direito consagrado pela Convenção por Estado que dela seja parte. Importante saber, o Estado, ao se tornar parte da Convenção, aceita automática e obrigatoriamente a competência da Comissão para examinar petições individuais, não sendo necessário a elaboração de qualquer declaração expressa e específica para este fim. Na forma do art. 46192 da Convenção, a Comissão está encarregada de decidir sobre a admissibilidade das petições encaminhadas a ela, tendo como consideração os requisitos expostos neste dispositivo. Havendo juízo de admissibilidade, a Comissão solicita informações ao Governo denunciado. Após o recebimento do relatório sobre as acusações, o Estado possui o prazo de até 03 (três) meses para conferir cumprimento às recomendações (resolução do caso entre as partes, por exemplo), em caso de efetivo descumprimento violador de direitos humanos, ou, então, até mesmo ser submetido à Corte Interamericana193. Sendo assim, no prazo de 3 (três) meses o caso poderá ser encaminhado ao órgão jurisdicional do sistema regional interameArt. 46.1. Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44º ou 45º seja admitida pela Comissão, será necessário: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e, d) que, no caso do artigo 44º, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição. 193 Quanto a este ponto, explica PIOVESAN (2000: 40) que “se, ao longo deste prazo, o caso não for solucionado pelas partes e nem mesmo for submetido à Corte, a Comissão, por maioria absoluta de votos, poderá emitir sua própria opinião e conclusões sobre o caso. A Comissão fará as recomendações pertinentes e fixará um prazo, dentro do qual o Estado deve tomar as medidas que lhe competem para remediar foram adotadas pelo Estado e se as medidas recomendadas foram adotadas pelo Estado e se publicará o informe por ela elaborado no relatório anual de suas atividades”. 192 254 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho ricano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – localizada em San José, na Costa Rica –, podendo tão apenas fazer o encaminhamento (espécie de “denúncia”) a Comissão Interamericana e os Estados-partes, na forma do art. 61.1194, da Convenção Americana. Gorestein (2002:95), esclarece que a CorteIDH é o órgão jurisdicional por excelência, devendo os Estados que se submeteram à sua jurisdição cumprir com as determinações expedidas em sentenças, uma vez que elas são definitivas e inapeláveis, formando um precedente internacional, sendo assim, obrigatórias, não podendo os Estados recusar-se a cumpri-las. Sobre o Brasil, embora tenha o mesmo ratificado a Convenção Americana em 1992, e, portanto, automaticamente tenha se sujeitado ao monitoramento pela Comissão Interamericana, o documento relativo à Corte só foi depositado apenas em dezembro de 1998. Importa, neste aspecto, esclarecer que a aceitação da função contenciosa da Corte depende de expressa manifestação em documento depositado por escrito à OEA, ao contrário do reconhecimento da competência da Comissão para conhecer de demandas individuais, a qual decorre a partir da ratificação da Convenção, sem maiores formalidades. Além da função jurisdicional, a CorteIDH produz pareceres consultivos que são interpretações dos tratados de Direitos Humanos. Nesses pareceres, chamados de Opiniões Consultivas, a CorteIDH define o sentido e o alcance das normas em questão; também se pronuncia sobre a compatibilidade de leis nacionais com os tratados internacionais. Importante destacar que as Opiniões Consultivas permitem utilizar, quando da apresentação internacional de um caso, conceitos que foram estabelecidos pela própria Corte na busca de um resultado semelhante. Neste sentido com matriz didática, a partir das noções básicas dos principais mecanismos de operação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos – com delineamentos básicos da Convenção, Comissão e Corte –, cabe a seguir verificar a forma como esse sistema é custeado, e como o Brasil tem se organizado em seu orçamento público para contribuir com o desenvolvimento da organização. 194 Art. 61.1. Somente os Estados Partes e a Comissão têm direito de submeter caso à decisão da Corte. 255 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 3 FINANCIAMENTO DO SISTEMA INTERAMERICANO: FORTALECENDO DIREITOS Conforme apontado, o SIDH é financiado a partir de duas sistemáticas: a do Fundo Regular e a dos Fundos Específicos, os quais voltam-se para finalidades diferentes e complementares. Durante o Processo de Fortalecimento, que avaliou a relação positiva entre a sustentabilidade financeira do sistema e a melhora de sua atuação, alguns países defenderam o aumento da designação da contribuição dos países ao Fundo Regular. Esta metodologia, de acordo com seus defensores, aumentaria a independência do sistema, já que reduziria a relevância dos Fundos Específicos que contam ainda com contribuições de agentes externos, como Estados observadores e outras instituições. O aumento do Fundo Regular ainda poderia aumentar a previsibilidade de atuação dos órgãos do SIDH, já que é composto de contribuições obrigatórias anuais e, consequentemente, menos voláteis. Ocorre que os processos em questão são complementares pois garantem uma maior designação de recursos ao sistema com todas a consequências benéficas da destinação regular, além de buscar um aumento das contribuições voluntárias, que possuem menos entraves burocráticos, considerando-se que não passam por processos de negociação na complexa estrutura do SIDH. Este inclusive foi o direcionamento tomado pela Assembleia Geral na Resolução AG/RES. 1 (XLIV-E/13), referente ao resultado do processo de reflexão sobre o funcionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para o fortalecimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, de 22 de março de 2013: A Assembleia Geral resolve: (...) Reafirmar seu compromisso de buscar o pleno funcionamento do SIDH através do Fundo Regular da Organização dos Estados Americanos (OEA) sem que isso seja feito em detrimento do financiamento de outros mandatos da Organização. Enquanto se alcança este compromisso, convida os Estados membros, os Estados obser256 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho vadores e outras instituições a continuar a realização de contribuições voluntárias no marco das Diretrizes da Corte Interamericana de Direitos Humanos 2011-2015 e do Plano Estratégico da CIDH 2011-2015, preferencialmente sem fins específicos. Solicitar ao Secretário Geral que apresente ao Conselho Permanente, com a maior brevidade possível, uma análise detalhada e atualizada dos custos do pleno funcionamento dos órgãos do SIDH. Percebe-se que existe uma preocupação com a previsibilidade do sistema sem olvidar a necessidade de contar com recursos extraorçamentários decorrentes de boas práticas entre os Estados envolvidos, o que evidencia uma real preocupação com o custeio efetivo do sistema. Com efeito, a preocupação não é infundada. Conforme se observa do gráfico abaixo, referente a Auditoria Anual de Contas e Estados Financeiros de anos orçamentários encerrados em 2020 e 2019, é possível perceber que existe um passivo de valores por receber de cotas bastante grande. Seja por atraso, seja por simples inadimplemento. QUADRO 1 – COTAS POR RECEBER VERSUS PAGAMENTO DE COTAS (CORRENTES E ATRASADAS) Fonte: Informe ao Conselho Permamente. Auditoria Anual de Contas e Estados Financeiros (anos terminados em 31 de dezembro de 2020 e 2019). 257 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 A situação não é diferente em relação às cotas atuais designadas. Em verdade, conforme se observa do gráfico, existe uma tendência de redução do repasse que se acentua no período de 2019 a 2020, coincidindo com o período de pico de pandemia de Covid-19. QUADRO 2 – COTAS DESIGNADAS VERSUS PAGAMENTO DE COTAS CORRENTES Fonte: Informe ao Conselho Permamente. Auditoria Anual de Contas e Estados Financeiros (anos terminados em 31 de dezembro de 2020 e 2019). Embora sejam notórios os efeitos do impacto orçamentário que a crise sanitária causou, é também notório que a violação de direitos neste período foi proporcionalmente aumentada e o fortalecimento de sistemas de proteção, como o SIDH são mecanismos que merecem reforço. Conforme aponta a auditoria realizada por Auditores Externos da OEA (2021, p. 33), em 31 de dezembro de 2020, o Subfundo de Reserva encerrou o ano com um saldo deficitário de 15,5 milhões de dólares, o qual já contava com um saldo de 40,7 milhões de dólares por cobrar. Entre os anos de 2016 e 2020, observa-se o seguinte panorama de aumentos, diminuições, variações líquidas e saldos de fundos. 258 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho QUADRO 3 – AUMENTO, DIMINUIÇÕES, VARIAÇÃO LÍQUIDA E SALDOS DE FUNDOS Fonte: Informe ao Conselho Permamente. Auditoria Anual de Contas e Estados Financeiros (anos terminados em 31 de dezembro de 2020 e 2019). É importante, ainda, chamar atenção para o fato de que apesar dos compromissos financeiros assumidos pelos Estados membros, a maior destinação de recursos ao chamado Fundo Regular do SIDH implica em atrelar os valores a problemas estruturais e políticos da OEA, uma vez que este fundo tem a finalidade genérica de manter seu funcionamento. A falta de pagamento de cotas e a progressiva redução das contribuições para cobrir os gastos são alguns exemplos dos desafios que o SIDH enfrenta, assim como a aguda crise financeira a que o mundo todo está submetido. Em todo caso, importa frisar que o fortalecimento financeiro do SIDH é condição fundamental para que seja possível a implementação de direitos, sendo um passo necessário para que se vislumbre um mínimo de coerência entre o discurso dos Estados envolvidos e suas práticas. 259 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 4 CONDENAÇÕES ENVOLVENDO O BRASIL E O FINANCIAMENTO DE DIREITOS A partir da análise orçamentária e de repasses realizada no âmbito do SIDH, toma-se o Brasil como Estado membro exemplo a ser avaliado, a partir da redução gradativa de repasse de recursos195 que este país vem realizando e tomando-se por base as condenações envolvendo o Brasil perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Conforme se passa a demonstrar neste ponto, o Brasil possui recursos para implementar as decisões referentes a condenações pela violação de direitos humanos, tanto que fatores orçamentários não foram considerados como relevantes como indicadores de não cumprimento de sentenças. A despeito disto, o Estado não demonstra aderência ao seu compromisso internacional de custear o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, reduzindo os repasses orçamentários que deveria despender ao ente em questão. Historicamente, o segundo maior contribuinte do Fundo Regular da OEA, já que as cotas são calculadas com base no tamanho das economias e capacidades contributivas dos países. Na última década, o Brasil teve designada cotas em percentuais significativos, juntamente com Estados Unidos da América (EUA) e Canadá, sendo estes três países responsáveis por grande parte do orçamento da OEA, com o agravante de que os EUA, em todo caso, não possuem histórico de contribuição regular aos organismos internacionais. Registra-se que somente no ano de 2021, o Brasil é esperado para contribuir sozinho com 13,408% do orçamento total, sendo inferior apenas aos Estados Unidos da América, cuja economia é a mais portentosa da América. 195 Importa destacar que desde o governo Dilma existe um atraso nos repasses orçamentários aos organismos internacionais por parte do Brasil. Embora tenha existido um breve período de quitação financeira no governo Temer, atualmente, no governo Bolsonaro, voltou-se a realizar repasses de forma deficitária. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/divida-do-brasil-com-organismos-internacionais-se-acumula-pais-pode-perder-direito-voto-em-foruns-multilaterais-24750514. Acesso em 21 de setembro de 2021. 260 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho QUADRO 4 – DESIGNAÇÃO DE COTAS REFERENTES AO FUNDO REGULAR DA OEA PARA O ANO DE 2021 Fonte: Orçamento aprovado da Organização dos Estados Americanos para o ano de 2021. Disponível em https://www.oas.org/budget/2021/Presupuesto_Aprobado_2021.pdf Ao se analisar o plano interno, de cumprimento das sentenças condenatórias envolvendo o Brasil perante a CorteIDH, observou-se conforme disponível no portal da transparência do governo fe261 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 deral196, que os fatores orçamentários ou fiscais não são óbices reais à implementação das determinações do SIDH. Com efeito, a previsão orçamentária sob a rubrica “pagamento de indenização às vítimas de violação das obrigações contraídas pela União por meio da adesão a tratados internacionais de proteção dos Direitos Humanos” existe pelo menos desde 2004 (BRASIL, 2004a, não paginado), ou seja, anterior à primeira condenação do brasil perante a CorteIDH, que só ocorreu em 2006. Muito embora se observe também uma discrepância entre os pagamentos efetivamente realizados e o provisionamento e destaque de recursos, é importante frisar que os recursos existem e estão disponíveis orçamentariamente. Conforme aponta FRANCO NETO (2021), o cumprimento das medidas de reparação pecuniária acaba sendo o dispositivo das sentenças condenatórias que possuem maiores chances de efetividade. Não há motivo lógico, desta forma, que justifique o não repasse de recursos decorrentes de obrigação assumida pelo próprio Estado com a OEA a fim de garantir seu funcionamento. 5 CONCLUSÃO O objetivo a que este trabalho se propôs foi o de analisar o financiamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos enquanto categoria de operacionalização do Direito e de critério de engajamento dos Estados membros da Organização dos Estados Americanos. Ainda que de matriz controvertida, este tema pode ser compreendido como um núcleo de contribuições financeiras dos países que colaboram para o funcionamento do Sistema e condicionam a validade e eficácia de todos os órgãos que o compõem. Com esta meta-trabalho, após metodologicamente dimensionar este trabalho a partir de tópicos elucidativos sobre (1) uma suma teórico-procedimental sobre o mister da Corte e Convenção 196 A Lei Complementar nº 131/2019 trouxe a obrigação de que Estados, União e Municípios divulguem na rede mundial de computadores, em tempo real, os seus gastos. Muito embora o portal já exista desde 2004 e seja um sítio eletrônico de acesso livre, a lei em questão contribuiu para que houvesse um aperfeiçoamento na divulgação dos dados. Disponível em http://www.portaltransparencia.gov.br/. 262 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Interamericana de Direitos Humanos a partir da Convenção Americana de Direitos Humanos; (2) a estruturação do financiamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos; (3) o contexto em que se insere o Estado brasileiro na contribuição orçamentária diante das condenações sobre as violações de direitos humanos, e concluir (6) pela necessidade de ampliação e fortalecimento do aporte financeiro do Sistema Interamericano de Direitos Humanos como instrumento da materialização da proteção dos direitos humanos, afim de que não se admita a paralização do trabalho desta organização internacional por falta de verbas. O âmago desta pesquisa científica se encontra(ou), portanto, no olhar de importância que se deve dar à tentativa, cada vez maior, de efetivar os Direitos Humanos e, sendo assim, entender que a legislação pátria – com a abertura constitucional e com a pactuação de tratados internacionais (neste caso, os que regem a América Latina) – a quando da não resolução dos casos e tutela efetiva do cidadão a partir das disposições do orçamento brasileiro, é interdependente dos tratados internacionais, sobretudo os ratificados pelo Brasil, e, neste caso, o país deve ter uma organização orçamentária mais condizente com seus propósitos previstos em tratados internacionais e na Constituição Federal, a fim de garantir a materialização dos princípios, costumes e normas de grande relevância para os entes em âmbito internacional. Em suma, conclui-se que o financiamento dos sistemas internacionais de direitos humanos é uma das formas de garantir a promoção e proteção destes direitos. Ocorre que os países comprometidos por tratados e outros instrumentos não apresentam aderência efetiva a estes pactos, ainda que tenham recursos disponíveis para tanto. O Brasil, aqui analisado, é um grande exemplo disto. Muito embora tenha recursos disponíveis para a efetivação de direitos, conforme demonstram números apresentados pelo próprio governo federal, este omite-se em realizar remessas orçamentárias que são necessárias ao funcionamento regular dos institutos em questão. Além do Brasil, é importante asseverar que os Estados-membros do Sistema Interamericano devem cumprir com o financiamento do organismo, em especial, utilizar suas contribuições como forma de garantia e funcionalidade do Sistema, pois isso representa um dos instrumentos de defesa das arbitrariedades estatal e da regra da maio263 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ria, logo suscita a obrigação erga omnes, necessariamente, devendo ser um imperativo de proteção dos direitos humanos em face aqueles que vierem a violá-los. 264 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 6 REFERÊNCIAS AGUIAR, Ana Laura Becker e GODOY, Gabriel Gualano. Corte Interamericana de Direitos Humanos e a ampliação do conteúdo material do conceito normativo de jus cogens. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos. Ano 8, Volume 8, Número 8, 2008. Disponível em: www.ibdh.org.br/ibdh/Revistas/revista_do_IBDH_ numero_08. pdf. Acesso em: 11/nov/2013. 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Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, Universidade de São Paulo, v. LXIX, faz. II, 1974 267 SUMÁRIO ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 O ACESSO À JUSTIÇA PELA VIA DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS: POTENCIALIDADES DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO NO CONTEXTO DA DESJUDICIALIZAÇÃO Paula Castello Miguel Ricardo Goretti REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho O ACESSO À JUSTIÇA PELA VIA DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS: POTENCIALIDADES DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO NO CONTEXTO DA DESJUDICIALIZAÇÃO197 Paula Castello Miguel198 Ricardo Goretti199 Resumo: Este artigo busca verificar se a ampliação da competência das Serventias Extrajudiciais, em matéria de gestão de conflitos, pode contribuir para a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil. Em termos metodológicos, orienta-se pelo método hipotético-dedutivo de Karl Raymund Popper, que subsidia a realização de testes de falseamento de posO presente artigo é uma versão atualizada e ampliada do texto intitulado Serventia Extrajudicial: potencialidades de um centro multiportas de gestão de conflitos, publicado na terceira edição da obra Justiça Multiportas, pela Editora Juspodivm. A atualização foi realizada com o intuito de incorporar dados mais recentes sobre a movimentação de processos no Brasil, socializados no Relatório Justiça em Números 2022, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A ampliação objetivou contemplar elementos de definição e de caracterização da política nacional de desjudicialização, instituída pela Meta Nacional nº 9 do Poder Judiciário, em conformidade com a Meta nº 16.3 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Também foram incorporadas ao texto informações mais detalhadas sobre a competência das Serventias Extrajudiciais em matéria de gestão de conflitos. 198 Doutora em Direito e mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); registradora de imóveis na Comarca de Eldorado do Sul/RS; professora da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). http://lattes.cnpq.br/2742458255780636 https://orcid.org/0009-0007-3970-0193 paula.zedu@gmail.com 199 Doutor, mestre, especialista em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); graduado em direito pela FDV; diretor Acadêmico da FDV; professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da FDV – Mestrado e Doutorado; professor de Resolução de Conflitos dos Cursos de Graduação e Especialização em Direito da FDV; líder do grupo de pesquisa Políticas Judiciárias e Desjudicialização do PPGD/FDV; advogado. Contato: ricardogoretti@fdv.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1933-0507 Lattes: https://lattes.cnpq.br/5152960082734330 197 269 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 sibilidades de ampliação da competência das Serventias Extrajudiciais para gestão de conflitos, considerando as limitações legais que restringem o campo de atuação de notários e registradores nesse sentido. Estrutura-se em cinco itens de desenvolvimento. Inicialmente, define o direito fundamental em estudo, partindo da lição referencial de Mauro Capelletti e Bryant Garth. Em seguida, delimita os contornos da crise de administração da justiça no Brasil, evidenciando as principais causas e efeitos produzidos por obstáculos processuais atacados pela terceira onda do movimento universal de acesso à justiça. A delimitação desses entraves abre espaço para o desenvolvimento de considerações sobre o papel da desjudicialização no contexto da Agenda 2030 da ONU e da meta nº 9 do Poder Judiciário. Na sequência, apresenta os pressupostos, critérios e métodos de operacionalização do Sistema Multiportas de Gestão de Conflitos, idealizado por Frank Ernest Arnold Sander. Posiciona as Serventias Extrajudiciais como unidades integrantes do Sistema de Justiça brasileiro, aptas a atuar como centros multiportas de gestão de conflitos. Finalmente, lança e problematiza algumas possibilidades de ampliação das atribuições de notários e registradores, visando à efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil. Conclui que a ampliação da competência dos notários e registradores, em matéria de gestão de conflitos, pode contribuir para o desenvolvimento das ações de desjudicialização apregoadas pela Agenda 2030 da ONU e, consequentemente, para a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil. Palavras-chave: Acesso à justiça; Justiça Multiportas; Serventias Extrajudiciais; Agenda 2030 a ONU. Desjudicialização. 1 INTRODUÇÃO A pertinência do presente estudo, que se revela comprometido com a proposição de medidas de efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil, pode ser justificada por dois fatores principais. O primeiro consiste na importância basilar do direito fundamental em questão, para qualquer Estado Democrático de Direito. Sem a garantia do acesso à justiça, direitos consagrados em qualquer ordenamento jurídico não passariam de ideais desprovidos de concretude. Trata-se, portanto, de uma temática universal. O segundo fator versa sobre problemas graves do Sistema de Justiça brasileiro. Um complexo emaranhado de obstáculos dificulta 270 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho ou inviabiliza a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no âmbito do Poder Judiciário. Essas mazelas justificam a importância do desenvolvimento de medidas de qualificação e ampliação das vias de efetivação do direito fundamental de acesso à justiça. Não basta promover reformas processuais de simplificação processual, que confiram maior adequação, efetividade e tempestividade à prestação jurisdicional. É preciso, portanto, fomentar o desenvolvimento de políticas de desjudicialização que fomentem a gestão adequada de conflitos no âmbito extrajudicial. O estudo busca atribuir resposta para o seguinte problema: a ampliação da competência das Serventias Extrajudiciais, em matéria de gestão de conflitos, pode contribuir para a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil? A hipótese falseada na pesquisa consiste na atribuição de uma resposta positiva para a pergunta formulada. A busca de uma resposta para o problema passa pelo desenvolvimento de reflexões e ideias que serão apresentadas em cinco tópicos de desenvolvimento. O item intitulado Acesso à justiça: significado e obstáculos ao exercício de um direito fundamental, estabelece as bases constitucionais de significação do direito fundamental de acesso à justiça. O tópico é orientado pela lição referencial de Mauro Capelletti e Bryant Garth. O item seguinte, Contornos da crise de administração da justiça no Brasil, evidencia as principais causas e efeitos dos obstáculos processuais atacados pela terceira onda do movimento universal de acesso à justiça. A análise é realizada a partir de dados estatísticos historicamente consolidados e fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O item O papel da desjudicialização no contexto da Agenda 2030 da ONU e da Meta nº 9 do Poder Judiciário evidencia que a desjudicialização é uma tendência global, impulsionada por objetivos e metas traçados por organismos internacionais importantes, como a Organização das Nações Unidas (ONU). O estudo demonstra que a Agenda 2030 da ONU e a Meta nº 9 do Poder Judiciário são importantes vetores de expressão de um movimento universal de ampliação das vias de efetivação do direito fundamental de acesso à justiça. O item denominado As serventias extrajudiciais no contexto do sistema multiportas brasileiro é subdividido em duas etapas de desen271 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 volvimento. Inicialmente, no subitem Sistema Multiportas de Gestão de Conflitos, apresenta as bases constitutivas do Sistema Multiportas, idealizado em meados da década de 1970 por Frank Ernest Arnold Sander para o Judiciário norte-americano, conferindo destaque a seus pressupostos, critérios e métodos de operacionalização. Na sequência, o subitem Serventias Extrajudiciais: centro multiportas de gestão de conflitos posiciona os serviços notariais e de registro como unidades integrantes do Sistema de Justiça brasileiro, aptas a atuar como centros multiportas de gestão de conflitos. Esse posicionamento evidencia a tese de que quanto maior for a rede de instituições públicas e privadas comprometidas com os preceitos do sistema multiportas, maiores serão as possibilidades de efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil. O item Contribuições e potencialidades das serventias extrajudiciais para a efetivação do acesso à justiça no Brasil lança e problematiza algumas possibilidades de ampliação das atribuições de notários e registradores, em matéria de gestão de conflitos, considerando as limitações legais impostas às Serventias Extrajudiciais. Ao final desse percurso, conclui-se que a ampliação da competência dos notários e registradores, em matéria de gestão de conflitos, pode contribuir para o desenvolvimento das ações de desjudicialização apregoadas pela Agenda 2030 da ONU e, consequentemente, para a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil. 2 ACESSO À JUSTIÇA: SIGNIFICADO E OBSTÁCULOS AO EXERCÍCIO DE UM DIREITO FUNDAMENTAL A tarefa de atribuição de um sentido constitucionalmente adequado para o direito fundamental de acesso à justiça passa pela delimitação do conceito de justiça: palavra vaga, ambígua e carregada de significado emotivo. Não é sem razão que o estudo do tema abriu campo para o desenvolvimento de diferentes teorias na história. Tradicionalmente, conceitos de justiça são delimitados mediante aplicação de critérios formais e abstratos. Perelman (2005, p. 9) comentou seis: 1) a cada qual a mesma coisa; 2) a cada qual segundo seus méritos; 3) a cada qual segundo suas obras; 4) a cada qual segundo suas necessidades; 272 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 5) a cada qual segundo sua posição; 6) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui. A tarefa de definição do termo justiça ganha contornos de maior complexidade quando se pretende alcançar um sentido individual e concreto. A dificuldade resulta de uma razão prática: aspectos da subjetividade humana influenciam a caracterização do sentido que cada sujeito atribui ao valor justiça. Em sentido amplo, o vocábulo justiça pode ser empregado de duas formas: como representação de uma instituição – o Judiciário – ou de um valor – o justo. Sobre essa questão discorreu Rodrigues (1994, p. 28-29): [...] o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à justiça e acesso ao Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. Quando considerado na perspectiva formal, o acesso à justiça é compreendido como a expressão do ato de demandar alguém ou de se defender em juízo, buscando um provimento jurisdicional que assegure o reconhecimento, a satisfação ou a proteção de uma dada situação jurídica. Nesse sentido, o direito de acesso à justiça se confunde com a ideia de acesso ao Judiciário. O sentido formal do acesso condiciona a consagração do valor justiça à intervenção do Poder Judiciário. Logo, não contempla métodos de prevenção e pacificação de conflitos alternativos ao processo judicial, como a mediação, a conciliação, a negociação e a arbitragem. Quando considerado na perspectiva substancial, o direito em questão é entendido como a expressão do acesso a uma ordem de valores, interesses, fundamentos éticos de igualdade e não apenas a direitos. Nesse sentido mais amplo, o direito de acesso à justiça deixa de se limitar ao exercício do direito de ação ou defesa em Juízo e passa a compreender órgãos e instituições do Sistema de Justiça habilitados para prevenir e pacificar conflitos fora do âmbito do Poder Judiciário, por exemplo: Serventias Extrajudiciais; Defensorias Públicas; Minis273 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 tério Público; Escritórios de Advocacia; Procons; Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito; Câmaras privadas de mediação, conciliação e arbitragem. O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988 estabelece que “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. A leitura isolada desse artigo pode induzir o intérprete a concluir que o sentido constitucionalmente atribuído ao acesso à justiça é o formal e, portanto, restritivo ao processamento de conflitos pela via do processo judicial. Ocorre que situações de lesão ou ameaça a direitos podem e devem ser superadas fora do âmbito do Poder Judiciário. O caráter secundário da jurisdição é o principal fundamento jurídico da afirmação. Somado a ele, podemos pontuar a opção do constituinte por evidenciar: a cidadania como fundamento da República – art. 1o, II; a construção de uma sociedade justa como objetivo da República – art. 3o, I; a defesa da paz e a solução pacífica de conflitos como objetivos da República – art. 4o, VI e VII. Cidadania, justiça, paz e solução pacífica de conflitos também podem ser consagradas por vias extrajudiciais. Considerando a justiça na sua concepção mais ampliada, podemos definir o acesso à justiça como a expressão de um direito fundamental a uma tutela ou prestação efetiva, tempestiva e adequada, com potencial para a consagração de valores, direitos e interesses essenciais para o indivíduo potencial ou efetivamente inserido em situação de conflito. A efetividade se concretiza com a prevenção ou a pacificação do conflito. A tempestividade, com a obtenção ou construção de um resultado justo em tempo razoável. Já a adequação,200 com a utilização de métodos e técnicas que melhor atendam às particularidades do caso concreto (GORETTI, 2021, p. 92-93). O direito fundamental de acesso à justiça pode ser consagrado por atos de tutela jurisdicional ou por uma prestação de serviços de prevenção e pacificação de conflitos no âmbito extrajudicial. A tutela jurisdicional deve ser realizada por um juiz ou por um tribunal imparcial e competente para impor uma solução adjudicada para o conflito de interesses debatido em juízo. A prestação extrajudicial pode ser 200 Para uma melhor compreensão dos requisitos exigidos para a gestão adequada de conflitos, sugerimos a leitura da obra Gestão Adequada de Conflitos: do diagnóstico à escolha do método para cada caso (GORETTI, 2019). 274 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho feita de diferentes formas de intervenção, por vias autocompositivas ou heterocompositivas. As prestações extrajudiciais de natureza heterocompositiva são realizadas por um ou mais árbitros capazes e de confiança das partes em conflito, que recebem o encargo de solucionar um dado conflito que envolva direitos de natureza patrimonial e disponível, nos termos da Lei nº 9.307/1996. As intervenções extrajudiciais autocompositivas podem ser realizadas por: um negociador que represente os interesses do seu representado; um mediador ou conciliador facilitador do diálogo e da prática de concessões entre os sujeitos em conflito; um profissional do Direito que proporcione uma orientação jurídica a um ou mais indivíduos; ou um notário ou registrador, conforme será evidenciado no desenvolvimento do texto. Os estudos referenciais de Cappelletti e Garth já indicavam que, somada à realização de medidas de simplificação processual, a difusão de meios alternativos ao processo judicial figurava como medida de amenização dos efeitos produzidos pelos obstáculos processuais combatidos no contexto da terceira onda do Movimento Universal de Acesso à Justiça. São chamados de obstáculos processuais os estraves que dificultam ou inviabilizam o cumprimento do escopo social, político e jurídico do processo judicial. O crescimento do volume de processos em tramitação, as elevadas taxas de congestionamento, a morosidade e o formalismo exagerado das normas processuais são exemplos de entraves dessa natureza. No presente estudo, evidenciaremos potencialidades das Serventias Extrajudiciais, em matéria de gestão de conflitos, no contexto da terceira onda do referido movimento. Os cartórios extrajudiciais podem e devem ser vistos como instituições integrantes do Sistema de Justiça, que podem atuar como Centros Multiportas de gestão de conflitos. Assim, quanto maior o volume de conflitos pacificados por vias extrajudiciais de acesso à justiça, menor será a sobrecarga de processos no âmbito do Poder Judiciário. É por essa razão que posicionamos os cartórios extrajudiciais como órgãos do Sistema de Justiça dotados de potencial para contribuir não só com a efetivação do direito de acesso à justiça no Brasil, mas também, com a amenização dos efeitos produzidos pelos obstáculos de natureza processual combatidos pela terceira onda do Movimento Universal de Acesso à Justiça. 275 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O Movimento Universal de Acesso à Justiça surgiu em decorrência de uma pesquisa interdisciplinar dirigida por Mauro Cappelletti, professor do Instituto Universitário Europeu e da Università degli Studi di Firenze, em meados da década de 60, na cidade italiana de Florença, com financiamento da Ford Fundation, do Consiglio Nazionale delle Recerche e do Centro Fiorentino do Stuti Giudiziari Comparati. Apesar de ter surgido na Itália, o Projeto Florentino ganhou projeção global, para se tornar referência de estudos para pesquisadores dedicados à temática do acesso à justiça. Trata-se da mais importante investigação já realizada sobre esse tema, uma experiência a qual Cappelletti (1981, p. 761) afirmou ter dedicado os mais intensos anos de sua vida profissional. Os pesquisadores envolvidos no projeto se dedicaram, em um primeiro momento, ao levantamento de entraves à efetivação do acesso à justiça em diferentes países. Na sequência, partiram para a identificação das principais causas e efeitos produzidos. Os entraves identificados foram classificados em três naturezas de obstáculos: econômicos, organizacionais e processuais. Finalmente, partiram para a identificação e proposição de medidas de combate a esses obstáculos. Ao conjunto de ações de combate deu-se o nome de Ondas do Movimento Universal de Acesso à Justiça. Os obstáculos econômicos compreendem o conjunto de entraves que dificultam o inviabilizam o acesso à justiça por pessoas pobres, impossibilitadas de arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios. Também abarcam deficiências na prestação de serviços de assistência jurídica gratuita e na percepção sobre direitos e deveres. Os obstáculos organizacionais abarcam um conjunto de inconsistências e ausências na legislação processual que prejudicam a efetivação de direitos difusos e coletivos. Finalmente, os obstáculos processuais abrangem um conjunto de problemas que comprometem a tutela dos conflitos judicializados e, em sentido mais amplo, a efetividade da tutela jurisdicional. Esses entraves revelam que, “[...] em certas áreas ou espécies de litígios, a solução normal – o tradicional processo litigioso em Juízo – pode não ser o melhor caminho para ensejar a vindicação efetiva de direitos, [motivo pelo qual, conclui Cappelletti], há de visar reais alternativas (stricto sensu) aos juízes ordinários e aos procedimentos usuais” (CAPPELLETTI, 1994, p. 87). 276 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho As soluções práticas para os econômicos, organizacionais e processuais assim foram resumidas por Cappelletti e Garth (1988, p. 31): Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira ‘onda’ desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental e consumidor; e a terceira – e mais recente – é o que podemos chamar simplesmente de ‘enfoque de acesso à justiça’ porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras do acesso de modo mais articulado e compreensivo. A intervenção notarial ou registral está inserida no contexto da terceira onda do Movimento Universal de Acesso à Justiça, conforme será evidenciado no desenvolvimento do presente estudo. 3 CONTORNOS DA CRISE DE ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA NO BRASIL “Crise de administração da justiça” é a expressão utilizada por Santos (2005, p. 165) para representar o fenômeno compreendido como colapso do Judiciário de países que enfrentam obstáculos à efetivação do direito de acesso à justiça no âmbito do Poder Judiciário. O Relatório Justiça em Números 2022 (CNJ, 2022) revela os contornos dessa crise no Brasil, tomando como referência o ano-base 2021.201 A força de trabalho do Judiciário envolveu 424.911 pessoas em 2021. O quadro de pessoal é composto por magistrados, servido201 O Relatório foi estruturado a partir de informações fornecidas ao CNJ por 90 tribunais integrantes do Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário (Siesp). São eles: Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar, Superior Tribunal do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, 5 Tribunais Regionais Federais 24 Tribunais Regionais do Trabalho, 27 Tribunais Regionais Eleitorais, 3 Tribunais de Justiça Militar, 27 Tribunais de Justiça. As informações disponibilizadas não consolidam dados do Supremo Tribunal Federal e nem do próprio Conselho Nacional de Justiça, que possuem estatísticas à parte. 277 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 res, comissionados e trabalhadores auxiliares – terceirizados, estagiários, juízes leigos, conciliadores, mediadores e voluntários. Desde 2014 a despesa total do Judiciário supera a marca de R$ 100 bilhões. Em 2021, o gasto total foi de R$ 103.9 bilhões. O valor corresponde a 1,2% do PIB nacional. Do total de despesas do Judiciário 91,5% foram destinados ao pagamento de pessoal, compreendendo: a remuneração com magistrados, servidores, inativos, terceirizados e estagiários, além de benefícios e auxílios com alimentação, saúde, moradia, passagens etc. Esse percentual evidencia que não é factível aumentar o quadro de magistrados e servidores para elevar a produtividade. A despesa média mensal com pagamento de magistrados foi de R$ 60,3. Com servidores, foi de R$ 16,8 mil. Esses valores incluem, além das remunerações: indenizações, encargos sociais, previdenciários, imposto de renda, despesas com viagens a serviço passagens aéreas e diárias. A atividade jurisdicional é dispendiosa, mas também arrecada com o recolhimento de custas, execução, emolumentos, taxas, imposto causa mortis nos inventários, arrolamentos judiciais e imposto de renda. Os R$ 73,42 bilhões arrecadados em 2021 correspondem a 71% das despesas efetuadas. Em razão da própria natureza, o ramo de justiça que mais arrecadou em 2021 foi o Federal. Mais da metade do valor arrecadado pelo Judiciário foi proveniente da Justiça Federal, com a maior parte oriunda da atividade de execução fiscal. O percentual de receitas em relação às despesas foi de 52% na Justiça Estadual e 24% na Justiça do Trabalho. A Justiça Federal retornou aos cofres públicos 295% do valor da sua própria despesa. Durante o ano de 2021, ingressaram 27,7 milhões de processos no Judiciário. A Justiça Estadual recebeu 70,8% do total de casos novos. No mesmo período, foram baixados 26,9 milhões de processos: quantitativo inferior ao de ingressantes. O saldo negativo elevou o estoque de casos em tramitação. Em média, a cada grupo de cem mil habitantes, 11.339 ingressaram com uma ação judicial em 2021. Houve um aumento de 9,9% em relação ao ano anterior. Na Justiça Estadual, a média de casos novos por cem mil habitantes foi de 8.094. Na Justiça do Trabalho, a média nacional foi de 1.042 casos novos por cem mil habi278 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho tantes. Na Justiça Federal, a média nacional foi de 1.843 casos novos por cem mil habitantes. Julgar número de processos superior ao de casos que ingressam anualmente é desafiador. Mas o maior desafio do Judiciário é a administração do passivo acumulado de anos anteriores. Permaneceram pendentes de julgamento, 77,3 milhões de processos em tramitação, acumulados para os anos de 2022 e seguintes. De acordo com O Relatório (CNJ, 2022), seriam necessários aproximadamente dois anos e dez meses de trabalho para zerar o estoque, se não houvesse ingresso de novas demandas e fosse mantida a produtividade dos magistrados e servidores. Esse é o Tempo de Giro do Acervo: indicador que mensura o tamanho do problema do passivo de casos pendentes de julgamento no Judiciário. A crise de efetividade do Judiciário brasileiro é um importante fator motivador da desjudicialização, mas não o único. A principal motivação para a ampliação das vias de efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil não deveria ser a potencial contribuição que os métodos alternativos ao processo judicial podem prestar para a amenização da crise do Judiciário, mas sim o que podem fazer para que o conflito seja administrado de forma mais adequada às particularidades do caso concreto. Nesse sentido, quanto maior for o número de vias disponíveis, maiores serão as possibilidades de que o sujeito em conflito receba um tratamento mais efetivo, tempestivo e adequado. Na sequência do presente estudo, evidenciaremos que a desjudicialização é uma tendência global, impulsionada por objetivos e metas traçados por organismos internacionais importantes, como a ONU. A Agenda 2030 da ONU é dos diplomas mais expressivos nesse sentido. 4 O PAPEL DA DESJUDICIALIZAÇÃO NO CONTEXTO DA AGENDA 2030 DA ONU E DA META Nº 9 DO JUDICIÁRIO No período compreendido entre os dias 25 e 27 de setembro de 2015 representantes de 193 Estados membros, reunidos na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, traçaram 17 Objetivos de 279 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Desenvolvimento Sustentável (ODS) para os 15 anos subsequentes, dando origem a um documento intitulado Transformando o Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Trata-se de um plano de ação para as pessoas, para o planeta tendo em vista a prosperidade. Objetiva a concretização de direitos humanos, na perspectiva de três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015). Além dos 17 ODS, foram anunciadas 169 metas integradas, indivisíveis e transformadoras. O presente estudo versa sobre temática contemplada pelos ODS nº 16: “Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”. No contexto de 12 metas associadas a esse objetivo, destaca-se a de nº 16.3: “Promover o Estado de Direito, em nível nacional e internacional, e garantir a igualdade de acesso à justiça para todos” (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015). Essa meta foi adaptada à realidade brasileira, passando a ter a seguinte redação: “Fortalecer o Estado de Direito e garantir acesso à justiça a todos, especialmente aos que se encontram em situação de vulnerabilidade” (IPEA, 2022). Em novembro de 2019, durante o XII Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado na cidade de Maceió/AL, foram aprovadas 12 metas de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, comprometendo tribunais de todos os segumentos de Justiça (CNJ, 2019b). Implementar as diretrizes estabelecidas na Agenda 2030 passou a ser um desafio para os tribunais brasileiros. Nesse contexto, destaca-se a aprovação da Meta Nacional nº 9 do Poder Judiciário que objetiva “Integrar a Agenda 2030 ao Poder Judiciário. Realizar ações de prevenção ou desjudicialização de litígios voltadas aos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), da Agenda 2030”, em conformidade com a meta nº 16.3 da Agenda 2030. A referida meta, aprovada para os anos de 2020 e 2021, transferiu para os tribunais o dever de “Realizar ações de prevenção ou desjudicialização de litígios voltadas aos ODS da Agenda 2030” (CNJ, 2019a). O glossário da Meta Nacional nº 9 do Poder Judiciário apresenta a seguinte definição para o termo desjudicialização: [...] entende-se por ‘desjudicialização’ a ação voltada à resolução de conflitos, em sua gênese, 280 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho promovendo pacificação social apta a cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Desjudicializar significa reverter a judicialização excessiva a partir da prevenção, localizando a origem do problema e encontrando soluções pacíficas por meio de técnicas de conciliação ou mediação com atores do sistema de justiça, sem que cause impacto no acesso à justiça. A palavra desjudicialização tem natureza qualitativa e não quantitativa. (CNJ, 2019a). A eficiência na realização dos serviços extrajudiciais – e não apenas dos judiciais –, o estímulo à resolução de conflitos sem a necessidade de uma intervenção decisória do Estado e a promoção da sustentabilidade no sentido apregoado pela Agenda 2030 são desafios incorporados pelo Judiciário, que contextualizam e justificam o enquadramento estratégico das Serventias Extrajudiciais como instituições do nosso Sistema de Justiça. 5 AS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS NO CONTEXTO DO SISTEMA MULTIPORTAS BRASILEIRO 5.1 Sistema Multiportas de Gestão de Conflitos O processo de difusão de ações de desjudicialização nos remete ao estudo de uma experiência norte-americana idealizada em 1976 por Frank Ernest Arnold Sander, que ficou conhecida como Sistema Multiportas de Solução de Conflitos – Multi-door Courthouse. Em discurso proferido em evento patrocinado pela American Bar Association sobre os obstáculos à efetivação do acesso à justiça nos Estados Unidos, em 1976, Sander apresentou os elementos basilares do sistema por ele idealizado, que ficaria conhecido mundialmente como Multi-door Courthouse. O teor da palestra foi transcrito em artigo intitulado Varieties of Dispute Processing (SANDER, 2010). Na oportunidade, Sander propôs a instituição de um sistema pautado na lógica da gestão adequada de conflitos mediante a oferta de métodos e técnicas diversificados, no âmbito dos tribunais norte-americanos. Desse modo, o jurisdicionado que se dirigisse ao Judici281 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ário receberia, em um primeiro momento, um atendimento dedicado à realização de uma espécie de triagem ou diagnóstico do conflito. Essa triagem deveria considerar o grau de complexidade do caso, a predisposição das partes para o diálogo, os custos da demanda, as expectativas quanto ao tempo de resolução, dentre outras informações determinantes para a escolha da intervenção mais adequada. A depender das particularidades constatadas no diagnóstico do caso concreto, esse sujeito seria conduzido para um determinado caminho, via ou porta, nos termos assim colocados por Sander (2010, p. 17-18): [...] para o ano 2000, teremos não simplesmente um Palácio de Justiça, mas um Centro de Resolução de Conflitos no qual todo aquele que se apresente como afrontado será levado a um funcionário que, depois de examinar a natureza do conflito, orientará o comparecente a respeito de qual seria o procedimento (ou a sequência de procedimentos) mais apropriado(s) para resolver a referida disputa. A sala de recepção do diretório do referido centro poderia estar estruturada da forma seguinte: Funcionário examinador Sala 1 Mediação Sala 2 Arbitragem Sala 3 Departamento de investigação de direitos Sala 4 Painel de negligência médica Sala 5 Tribunal Superior Sala 6 Defensor Público Sala 7 Segundo Luchiari (2011, p. 308-309), O Fórum de Múltiplas Portas ou Tribunal Multiportas constitui uma forma de organização judiciária na qual o Poder Judiciário funciona como um centro de resolução de disputas, com vários e diversos procedimentos, cada qual com suas vantagens e desvantagens, que devem ser levadas em consideração, no momento da escolha, em função das características específicas de cada conflito e das pessoas nele envolvidas. Em outras 282 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho palavras, o sistema de uma única ‘porta’, que é a do processo judicial, é substituído por um sistema composto de vários tipos de procedimento, que integram um ‘centro de resolução de disputas’, organizado pelo Estado, composto de pessoas treinadas para receber as partes e direcioná-las ao procedimento mais adequado para o seu tipo de conflito. Nesse sentido, considerando que a orientação ao público é feita por um funcionário do Judiciário, ao magistrado cabe, além da função jurisdicional, que lhe é inerente, a fiscalização e o acompanhamento desse trabalho (função gerencial), a fim de assegurar a efetiva realização dos escopos do ordenamento jurídico e a correta atuação dos terceiros facilitadores, com a observância dos princípios constitucionais. Esse sistema que ficou marcado pela incidência do princípio da adaptabilidade e teve sua lógica de operacionalização retratada por Gabbay (2013, p. 123-124) da seguinte forma: Ao invés de uma única porta direcionada ao Judiciário, um centro de solução de conflitos localizado na Corte poderia oferecer várias portas através das quais os indivíduos acessariam diferentes processos (mediação, arbitragem, factfinding, dentre outros [...]. Esse centro de solução de conflitos se destinaria não apenas aos assuntos já tratados pelas cortes, mas também a questões ainda não ventiladas junto ao Judiciário, demandas que estariam suprimidas e que poderiam ver nesses novos caminhos uma forma de expressão. Aas ideias de Sander prosperaram em diversos Estados norte-americanos, tais como: Ohio, Flórida, Connecticut, Maine, Texas, Oklahoma e Washington D.C (ÁLVAREZ, 2003, p. 166). Também inspiraram legisladores de diferentes países, como o Brasil. A experiência norte-americana foi idealizada para tribunais, mas nada impede que sua lógica seja aplicada em outros centros, no âmbito extrajudicial. Escritórios de advocacia, Defensorias Públicas, Promotorias de Justiça, núcleos de prática jurídica, Procons, Centros 283 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Judiciários de Solução Consensual de Conflitos – Cejuscs, Serventias Extrajudiciais e qualquer outra instituição pública ou privada que se dedique às práticas de prevenção e solução de conflitos podem e devem funcionar como Centros Multiportas de Gestão de Conflitos. A expressão Tribunais Multiportas se popularizou no Brasil com o advento do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015). O Diploma Processual incorporou preceitos norteadores da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça, de 29 de novembro de 2010 (CNJ, 2010), que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Uma política que busca assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade, como a mediação e a conciliação. Sinais de influência da política estão presentes em diversos dispositivos do CPC/2015. O incentivo ao uso de métodos como a arbitragem, a mediação e a conciliação, tornou-se norma fundamental, consagrada no art. 3o do CPC/2015. No rol de poderes, deveres e responsabilidades do juiz, o estímulo à autocomposição também é prestigiado nos termos do art. 139 do CPC/2015. Outra mudança importante foi a inclusão dos mediadores e conciliadores judiciais no rol de auxiliares da justiça – art. 149 do CPC/2015. As audiências de mediação e conciliação se tornaram obrigatórias – art. 334 do CPC/2015. Os tribunais passaram a assumir o encargo de criação de Cejuscs, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição nos termos do art. 165 do CPC/2015. Os Cejuscs são unidades do Poder Judiciário, preferencialmente, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, bem como pelo atendimento e orientação ao cidadão – art. 8o da Resolução nº 125/2010 do CNJ. A organização desses centros deve contemplar um setor pré-processual de solução de conflitos, um setor de solução de conflitos processual e um setor de cidadania – art. 10 da Resolução nº 125/2010 do CNJ. A partir de março de 2016, as audiências de conciliação e mediação tornaram-se obrigatórias no curso do processo, mas os índices de acordo não foram elevados como se esperava. Desde então, o per284 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho centual de acordos judiciais sofreu tendência de queda progressiva, até o ano de 2020. É o que revela o Relatório Justiça em Números 2022 do CNJ. Em 2021, após quatro anos de queda – 13,6% em 2016;13,5% em 2017; 12,8% em 2018; 12,4% em 2019; e 11% em 2020 –, o percentual de sentenças homologatórias de acordos aumentou, atingindo 11,9% em 2021. Os resultados insatisfatórios da política instituída pela Resolução nº 125/2010 do CNJ indicam um erro estratégico: a decisão de atribuir aos Cejuscs o encargo de tentar retirar do Judiciário conflitos que já foram judicializados, mediante realização de audiências de conciliação e mediação que se tornaram obrigatórias, por força art. 334 do CPC. As limitações orçamentárias do Judiciário brasileiro, que impedem a realização de investimentos na estruturação dos Cejuscs, assim como na formação, atualização e remuneração de conciliadores e mediadores judiciais, justificam a realização de esforços no sentido de fomentar a gestão extrajudicial dos conflitos. Se empregar esforços no sentido de tentar retirar do Judiciário conflitos já judicializados não tem sido eficiente, necessário se faz investir em políticas de desjudicialização capazes de evitar que desavenças sejam judicializados. As Serventias Extrajudiciais podem contribuir nesse sentido pelas razões que serão evidenciadas a seguir. 5.2 Serviços Notariais e de Registro Os Serviços Notariais e Registrais são conhecidos por Cartórios: termo que, embora ultrapassado, ainda é muito utilizado. Serviços em que se registra um nascimento, se reconhece firma de uma assinatura, se autentica a cópia de um documento, se elabora uma escritura pública ou se faz o registro da propriedade de um imóvel fazem parte da vida do cidadão brasileiro há muitos anos. De 1903, quando foi criado o primeiro Ofício de Títulos e Documentos no Brasil, até os dias de hoje, há grande evolução no que tange às atividades desenvolvidas. Os Serviços Notariais e de Registro estão amparados pelo art. 236 do Texto Constitucional. Esse dispositivo estabelece a natureza 285 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 dos serviços prestados para determinar que: suas atividades serão reguladas por lei; serão fiscalizados pelo Judiciário; as normais gerais relativas aos valores dos serviços serão fixadas por lei federal; o ingresso na atividade se dará por concurso público. O art. 1º da Lei nº 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da Constituição, dispondo sobre os Serviços Notariais e Registrais, definiu como “[...] serviços de organização técnico e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. Vale frisar que os notários e registradores são profissionais dotados de fé pública. Em seu art. 5º, a Lei elencou os titulares dos diferentes serviços prestados pelos titulares dos Serviços Notariais e Registrais202 e, assim, podemos chegar às diferentes atividades desenvolvidas pela espécie de Serventia: Tabelionatos de Notas; Ofícios de Registro de Contratos Marítimos;203 Tabelionados de Protestos de Títulos; Registros de Imóveis; Registros de Títulos e Documentos e Civis das Pessoas Jurídicas; Registros de Títulos e Documentos; e Registros Civis de Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas.204 Todos os serviços por eles prestados estão relacionados com o que se encontra disposto em sua definição encontrada no art. 1º da Lei nº 8.935/94, a saber: “[...] garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. Ao se realizar um registro de nascimento, casamento, óbito ou outro ato do Registro Civil de Pessoas Naturais, busca-se a publicidade de um fato de vida. Ao se O termo Serviço Notariais e Registrais reúne duas categorias diferentes, apesar de muito próximas. Os Serviços Notariais têm na sua titularidade os tabeliães e são apenas dois, a saber: o tabelião de notas; e o tabelião de protestos. Os Serviços Registrais têm na sua titularidade o registrador. Eles são 4: o registrador de imóveis; o registrador de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; o registrador de títulos e documentos; e o registrador civil de pessoas naturais e de interdições e tutelas. Essa explicação é necessária para que seja feita a correta utilização da terminologia da área. Em síntese, o Registrador pratica atos de registro, dos mais diversos, mantendo essa documentação arquivada e com publicidade. O tabelião intervém nos atos das partes conferindo autenticidade, um valor não alcançado pelos documentos particulares. 203 O art. 10 da Lei 8.935/94 estabelece a competência dos tabeliães e oficial e Registro de Contratos Marítimos, a saber: lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública; registrar os documentos da mesma natureza; reconhecer firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo; expedir traslados e certidões relativos a esses atos. Essa Serventia será excluída deste estudo diante da não pertinência de suas atribuições com a temática do acesso à justiça e cidadania. 204 O inciso VII apresenta os Ofícios de Registro e de Distribuição que não exercem atividade-fim. Apenas dividem equitativamente os serviços em praças em que há mais de uma Serventia de Protestos ou de Títulos e Documentos. 202 286 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho fazer o registro de um imóvel, há a constituição do direito de propriedade e alcança-se também a publicidade. Uma escritura pública para a realização de um ato jurídico, visa à eficácia desse ato, por ser, em muitos casos, a forma exigida por lei. Quando se faz cópia de documento perante um Notário ou este reconhece firma de uma assinatura, tem-se a autenticidade e a atuação do notário ou registrador confere segurança ao ato. Durante muitos anos, esses foram os serviços prestados pelas Serventias Extrajudiciais. Um marco histórico foi a possibilidade de realização de Inventário e Divórcio pela via extrajudicial, em 2007. Pode-se afirmar que o fenômeno da desjudicialização ganha enorme força, no Brasil, com essa inovação. O surgimento dessa possibilidade e a rápida aceitação pela comunidade jurídica demonstrou que esse é um caminho não só possível e viável, mas efetivo. A via extrajudicial é facultada em caso de inventário e divórcio, mas a realidade evidencia que não há mais questionamentos sobre a escolha a ser feita quando atendidos os requisitos para a prática de tal ato nas Serventias Extrajudiciais. Não há motivos para ter que suportar o tempo e as formalidades impostas pelo Judiciário, quando a via extrajudicial é possível. Embora essa seja a experiência de desjudicialização mais visível e exitosa, há outras que evidenciam ser possível promover a gestão de conflitos de forma adequada, efetiva e tempestiva, sem que seja necessário recorrer ao Judiciário. No âmbito dos Registros de Imóveis, uma experiência mais antiga é emblemática. O imóvel alienado fiduciariamente é retomado pelo credor por meio de um processo sem a intervenção do Judiciário, conforme previsto na Lei nº 9.514/97. Outra estratégia relevante é o Procedimento de Usucapião Extrajudicial, criado em 2015, que abre caminho para retirar do Judiciário um processo extre- mamente burocrático e lento. Em 2022 veio possibilidade de Adjudi- cação Compulsória na via extrajudicial. O Registro Civil de Pessoas Naturais, considerado como Ofício da Cidadania, tem promovido o acesso à justiça ao ganhar autonomia para solucionar questões que antes dependiam do Judiciário. Podemos citar: o procedimento de retificação de nome pela via administrativa sem que seja necessário sequer a oitiva do Ministério Público; o reconhecimento de paternidade espontâneo; o reconheci287 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 mento voluntário de paternidade ou maternidade socioafetivas, dentre outras. Os Tabelionatos de Protestos estão voltados para a cobrança de dívidas não pagas. O protesto de Certidão de Dívida Ativa é uma iniciativa que demonstra que há possibilidades de cobranças pela via extrajudicial. Laranja (2018, p. 197-198) teceu críticas ao processo de cobrança fiscal brasileiro, que depende, necessariamente, do Poder Judiciário para sinalizar que há possibilidade de avanços, citando a constitucionalidade do Protesto de Certidão de Dívida Ativa. A ampliação das competências das Serventias Extrajudiciais e o êxito dessas iniciativas mencionadas demonstram que estamos diante de um movimento de extrajudicialização, que pode ser conceituado como o movimento que atribui a Serventias Extrajudiciais competências de atos antes realizados pelo Poder Judiciário. Como já afirmado, amplia-se o acesso à justiça em sua perspectiva substancial de forma adequada, efetiva e tempestiva. Importante registrar que a atuação das Serventias contribui para a amenização dos efeitos produzidos pelos obstáculos processuais, mas não supera o obstáculo econômico combatido pela primeira onda do movimento universal de acesso à justiça, uma vez que os valores de determinados serviços prestados pelas Serventias Extrajudiciais dificultam ou impedem o acesso de considerável parcela da população brasileira. Essa é uma questão que precisa ser enfrentada para que o direito fundamental de acesso à justiça seja efetivado de forma mais ampliada. Cabe registrar ainda que, para que se alcance a adequação, é necessário que o movimento de ampliação das competências das Serventias Extrajudiciais tenha continuidade. Como podemos depreender dos exemplos citados, a ampliação dessas competências depende de alterações no nosso ordenamento jurídico. A fim de contribuir com esse movimento, importante se faz estabelecer parâmetros que balizem essa ampliação. É o que faremos na sequência do presente estudo. 288 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 6 CONTRIBUIÇÕES E POTENCIALIDADES DAS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS PARA A EFETIVAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL As Serventias Extrajudiciais são capazes de assumir diversos procedimentos hoje exclusivos do Judiciário. As experiências mencionadas demonstram que o fazem de forma efetiva e tempestiva. É importante identificar quais atribuições podem ser por elas assumidas. Antes disso, cabe estabelecer o que não deve ser atribuído a uma Serventia Extrajudicial. Não devem ser imputadas às Serventias Notariais e Registrais as relações em que há conflitos de interesses marcados por uma pretensão resistida, ou seja: uma lide. Havendo lide, há necessidade de se buscar a tutela jurisdicional, pois essa tem como escopo jurídico a aplicação concreta da vontade do direito, substituindo a vontade das partes no caso concreto, solucionando assim, o conflito existente. Essa é a essência da atividade jurisdicional. A ausência de lide não se caracteriza, necessariamente, como consenso entre as partes envolvidas. As Serventias Extrajudiciais têm demonstrado que são capazes de conduzir procedimentos para verificação de fatos que acarretem determinadas consequências sem substituição da vontade das partes. Em regra, estamos diante de situações consolidadas ou situações em que a parte contrária, ciente do direito do outro, não apresenta resistência. Ou seja, pode haver interesses conflitantes, mas não pretensão resistida. Importante destacar as diferenças entre o consenso entre as partes envolvidas, presente no divórcio e inventário extrajudicial, e a ausência de pretensão resistida, como acontece no caso da usucapião extrajudicial, na retomada do imóvel alienado fiduciariamente e na execução extrajudicial de dívida hipotecária do SFI. No inventário e divórcio extrajudicial, todos os envolvidos devem estar em consenso. Todos, de comum acordo e conjuntamente, buscam a Serventia Extrajudicial para manifestar sua vontade e alcançar a eficácia do ato jurídico. Na usucapião extrajudicial e na execução extrajudicial de dívida hipotecária do SFI, que usaremos como exemplo, não há consenso, não há manifestação de vontade convergente de todos os envolvidos, mas o processo só alcança o seu fim pela via extrajudicial se não houver resistência. 289 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Havendo resistência, a solução pela via extrajudicial não deve se concretizar. Quando o cidadão busca a tutela de seu direito por meio de uma Serventia Extrajudicial e sua pretensão é resistida por outrem, o procedimento não caminha. Em casos como esse, em regra, a parte cujo direito será atingido é cientificada dos atos praticados para que possa cumprir sua obrigação ou se opor. A ausência de manifestação nesse sentido permite que o processo chegue ao seu fim pela via extrajudicial. Caso exista resistência manifestada, o processo não pode prosseguir. Em alguns casos, a manifestação de resistência se dá na Serventia Extrajudicial205 e, em outros, não há espaço para manifestação da resistência na Serventia Extrajudicial,206 mas haverá sempre a possibilidade de se recorrer ao Judiciário para proteção de direitos não respeitados. A atuação judicial ficará reservada aos casos de pretensão resistida e caberá àquele que se opõe buscá-la. O Judiciário atuará apenas quando necessário e não como regra. O notário ou registrador podem buscar o consenso, mas, se não houver êxito, a via judicial será a adequada, pois haverá necessiA fim de exemplificar o que está sendo relatado, usamos como exemplo a Usucapião Extrajudicial. O requerimento é formulado por aquele que entende ter o direito à usucapião de determinado imóvel. O art. 10 do Provimento nº 65/2017 do CNJ exige a anuência expressa dos titulares de direitos constantes na matrícula – dentre eles está o proprietário – e dos confinantes – pois o imóvel que se pretende usucapir não pode avançar sobre a propriedade dos vizinhos. Tal anuência pode ser apresentada pelo requerente ou, não sendo possível, eles serão notificados pelo oficial de Registro de Imóveis – por carta ou edital. Sua inércia será considerada concordância e o procedimento alcancará o fim desejado. Por outro lado, prevê o art. 18, do mesmo Provimento que, “Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial da usucapião apresentada por qualquer dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, por ente público ou por terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis tentará promover a conciliação ou a mediação entre as partes interessadas” e indica a via judicial essa seja infrutífera. 206 A retomada do imóvel pelo credor fiduciário exemplifica essa segunda via. A Lei n. 9.514/97 regulamenta a Alienação Fiduciária de bem imóvel, instituto pelo qual o devedor transfere a propriedade de seu imóvel ao credor como garantia ao pagamento de uma dívida. Essa propriedade é resolúvel. Em caso de não pagamento da dívida, o mecanismo que o credor tem para retomar o imóvel é todo realizado pela via Extrajudicial, que se dá da seguinte forma: vencida a dívida, no todo ou em parte, o devedor tem a obrigação de, por meio de intimação realizada por Serventia Extrajudicial, oferecer ao devedor prazo para a satisfação da dívida. A intimação em regra se faz por carta com comprovante de recebimento ou, excepcionalmente, por edital. Realizado o procedimento de intimação e sem o pagamento, o Registro de Imóveis faz a Consolidação da Propriedade em nome do devedor. Tem o devedor a obrigação de levar o bem a leilão público para garantir a obtenção do melhor valor e comunicar ao devedor as datas de sua realização. Se o leilão resultar em venda com valor superior à dívida, o valor excedente será entregue ao devedor. No caso de o valor ser inferior, a dívida restará quitada e o imóvel permanecerá com o credor que poderá lhe dar o destino que desejar. Destacamos que não há possibilidade de obstar esse procedimento pela simples manifestação de divergência por parte de devedor. A divergência apta a obstar a retomada do bem será, necessariamente, manifestada na via judicial, que poderá determinar correções no procedimento ou mesmo obstá-lo. 205 290 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho dade de aplicação da lei com substituição da vontade da parte e essa atribuição é exclusiva do Poder Judiciário. Ou seja: procedimentos em que devem ocorrer substituição da vontade das partes não se revelam adequados para serem atribuídos a uma Serventia Extrajudicial. A atuação judicial ficará reservada aos casos de pretensão resistida e caberá àquele que se opõe buscá-la. O Judiciário atuará apenas quando necessário e não como regra. Concluímos, portanto, que as Serventias Extrajudiciais podem ter suas competências ampliadas e, com isso, contribuir para a efetivação do direito fundamental do acesso à justiça no Brasil. A ampliação de sua competência, todavia, tem limites que podem ser assim sintetizados: • não devem ser atribuídas às Serventias Notariais e Registrais as relações em que há conflitos de interesses marcados por uma pretensão resistida – lide; • devem ser atribuídas às Serventias Notariais e Registrais os procedimentos que demandem a prática de atos a fim de se alcançar publicidade, autentidade, segurança e eficácia quando as partes envolvidas estiverem em consenso; • devem ser atribuídos os procedimentos em que seja necessária a verificação de fatos para que se obtenha determinada consequência jurídica, quando não houver pretensão resistida pela parte requerida e sem que exista, por parte do Tabelião ou Registrador, julgamento de valor ou substituição da vontade das partes. Essas balizas agora propostas poderão sofrer revisões de forma a se indicar ampliação ainda maior das competências das Serventias Notariais e Registrais. Todavia, apenas a experiência demonstrará essa aptidão e a possibilidade de avanços sem o surgimento de conflitos. É preciso respeitar uma linha evolutiva nesse processo. Sendo assim, afirma-se a possível temporalidade das balizas propostas e a crença de que mais avanços são possíveis, mas não prudentes nesse momento histórico. Nesse contexto de ampliação das competências das Serventias Notariais e Registrais, deve-se ficar atento à possibilidade de extrajudicialização das Ações Constitutivas Necessárias – aquelas em que, mesmo sem lide, sem conflitos de interesses, em razão do reconhecimento de sua relevância, motivadas pela indisponibilidade ou pela es291 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 sencialidade para a sadia vida social, só podem ser operadas por meio da tutela jurisdicional. Nas ações constitutivas necessárias, busca-se a criação de uma nova situação jurídica que não poderia ser criada sem a intervenção do Poder Judiciário. Significa dizer que, ainda que as partes não estejam em conflito, precisam, obrigatoriamente, da jurisdição para que tal situação seja criada. Cabe reavaliar a necessidade da intervenção do Poder Judiciário. Deve-se identificar o que se pretende proteger com sua intervenção obrigatória e refletir se esta é, efetivamente, a única via possível. As Serventias Notariais e Registrais podem ser locus adequado para estabelecer os controles relevantes, de forma mais ágil, sem a necessidade de intervenção judicial. Exigências injustificadas, que se apresentam como obstáculos à efetivação do direito fundamental de acesso à justiça, devem ser superadas. CONCLUSÃO O presente estudo revela que o acesso à justiça é um direito fundamental a uma tutela ou prestação efetiva, tempestiva e adequada. A efetividade se concretiza com a pacificação do conflito; a tempestividade, com a obtenção ou construção de um resultado justo em tempo razoável; a adequação, com a utilização de métodos e técnicas que melhor atendam às particularidades do caso concreto. Trata-se de um direito que pode ser consagrado por atos de tutela jurisdicional ou prestação extrajudicial. No campo das possibilidades de prestação extrajudicial, as Serventias Extrajudiciais se apresentam como centros multiportas capazes de contribuir para a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça, mediante o desenvolvimento das ações de desjudicialização que a ODS nº 6 Agenda 2030 da ONU e a meta nº 9 do Poder Judiciário apregoam. Conflitos de interesses qualificados pela presença de pretensões resistidas não podem ser geridos por Serventias Extrajudiciais. Essas lides devem ser administradas pela via do processo judicial, ou seja: a pacificação de conflitos dessa natureza deve ser realizada por ato decisório de um juiz ou tribunal, mediante a prática de atos decisórios de substituição da vontade das partes no caso concreto. 292 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho As Serventias Extrajudiciais prestam serviços diversificados, com eficiência, conferindo publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos, mas há campo para a ampliação de atribuições. Alguns procedimentos realizados pelo Judiciário, com exclusividade, podem ser assumidos por Serventias Extrajudiciais. Disso resulta concluir que a ampliação da competência dos notários e registradores, em matéria de gestão de conflitos, pode contribuir para a efetivação do direito fundamental de acesso à justiça no Brasil, se preenchidos os seguintes requisitos: a não existência de pretensão resistida; a necessidade da prática de atos que confiram publicidade, autenticidade, segurança e eficácia a um dado negócio jurídico; a exigência da verificação de fatos para que se obtenha determinada consequência jurídica, quando não houver pretensão resistida pela parte requerida e sem que exista, por parte do tabelião ou registrador, julgamento de valor ou substituição da vontade das partes. As Serventias Notariais e Registrais podem se afirmar como locus para a realização de serviços de gestão de conflitos, com agilidade, eficiência e segurança jurídica, sem a necessidade de intervenção judicial. Suas potencialidades revelam a força de expressão das contribuições que podem prestar para a realização de uma tutela juridicamente adequada, efetiva e tempestiva de conflitos de interesses hoje canalizados para o Judiciário por força de diversos entraves legais e burocráticos que devem ser superados. 293 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS ÁLVAREZ, Gladys Stella. La mediación y el acceso a justicia. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2003. 368 p. BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 65, de 14 de dezembro de 2017. Estabelece diretrizes para o procedimento para a usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis, Brasília: Conselho Nacional de Justiça, [2017]. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf. Acesso em: 21 mar. 2023. BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Relatório Justiça em Números 2022. 2022. 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Membro do Ministério Público do Estado do Maranhão, Promotor de Justiça Corregedor MPMA. Coordenador do Grupo de Pesquisa Cultura, Direito e Sociedade DGP CNPQ UFMA. E-mail: cassiuschai@gmail.com 208 Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão UFMA. Especialista em Planejamento Tributário pela Mackenzie Rio (2016), graduou-se em Administração na Fundação Getúlio Vargas ? RJ (2011). Desde 2019 exerce o cargo de Auditora Fiscal da Receita Estadual do Maranhão na SEFAZ-MA. Atuou também como Assistente Técnico Legislativo na Câmara Municipal do Rio de Janeiro de 2018 a 2019, ocupou ainda o cargo efetivo de Analista da Fazenda na Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro de 2013 a 2018, no qual desempenhava a função comissionada de Gestora de Bens Patrimoniais. No setor privado começou sua trajetória profissional em 2011 como Assistente de Operações Financeiras na Brasil Telecom, trabalhou ainda como Analista Patrimonial na Telemar Norte Leste e Analista Junior na Accenture de 2012 a 2013. Acredita que os estudos são melhores meios para o crescimento Profissional e Pessoal. Possui como seu principal interesse as áreas de Direito e Políticas Públicas por crer que o conhecimento aprofundado desses segmentos educacionais lhe permitirá expandir o alcance do seu trabalho como Auditora Fiscal na prestação de um serviço público de excelência aos contribuintes maranheses e consequentemente a toda a sociedade. http://lattes.cnpq.br/0195808654899844 209 Agente da Receita Estadual da SEFAZ/MA. Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal do Maranhão. Pós-graduada em Direito Administrativo pela Universidade Estácio de Sá. Pós-Graduada em Direito e Processo Tributário pela Faculdade CERS. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. http://lattes.cnpq.br/9384318924737981 210 Professora Doutora e Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora do Departamento de Letras – DELER - e do quadro permanente dos Programas de Pós-Graduação em Letras - PPGLETRAS (Campus de São Luís) e PPGLB (Campus de Bacabal) da UFMA Professora colaboradora do PPGDIR - Programa de Pós-Graduação em Direito da UFMA. 207 298 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo analisar em que medida o aumento da arrecadação do fundo maranhense de combate à pobreza no período de 2017 a 2021 contribuiu para a melhoria dos índices de desenvolvimento humano do estado do Maranhão. Para isso, foram utilizados os dados disponibilizados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, pela Secretaria de Estado de Fazenda e pela Secretaria de Estado do Planejamento e Orçamento. A metodologia utilizada faz uso de uma abordagem indutiva por meio de um procedimento exploratório aliado às técnicas de pesquisa analítica, qualitativa, bibliográfica e documental. Os resultados da pesquisa apontam para a má distribuição dos recursos entre os entes municipais, de modo que a capital é privilegiada em detrimento das demais municipalidades. Tendo em vista que os recursos são limitados, as regiões com baixo índice de desenvolvimento acabam por não receber financiamento para o desenvolvimento de políticas públicas capazes de alterar a realidade na qual sua população está inserida. Palavras-chave: Fumacop; Maranhão; Desenvolvimento; Pobreza, Arrecadação de ICMS. LAW and DEVELOPMENT: Case study on fiscal strategy and the fight against economic vulnerability: discussing the fund to combat poverty in the State of Maranhão Abstract: This research aims to analyze the extent to which the increase in the collection of the Maranhão fund to combat poverty in the period from 2017 to 2021 contributed to the improvement of human development indices in the state of Maranhão. For this, data provided by the United Nations Development Program, the State Secretariat for Finance and the State Secretariat for Planning and Budget were used. The applied methodology has made use of an inductive approach by means of an exploratory procedure combined with analytical, qualitative, bibliographical, and documentary research techniques. The survey results point to the poor distribution of resources among municipal entities, so that the capital is privileged to the detriment of other municipalities. Given that resources are limited, regions with a low development rate end up not receiving funding for the development of public policies capable of changing the reality in which their population is inserted. Keywords: Fumacop; Maranhão; Development; Poverty, ICMS collection. 299 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 1 INTRODUÇÃO Considerando que a Constituição de 1988 tem, entre seus objetivos fundamentais, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais, e que, passados 34 anos desde sua promulgação, o alcance dessa meta parece estar em um futuro longínquo, entender as estratégias governamentais e a respectiva implementação regional ou local torna-se crucial no sentido de colaborar e fiscalizar as ações desenvolvidas nesse sentido, pois compreende-se que os ideais constitucionais devem ser efetivados. Assim, o problema desta pesquisa é analisar em que medida o aumento de arrecadação do Fundo de Combate à Pobreza do estado do Maranhão (Fumacop) foi acompanhado pela redução da pobreza no estado. Foi adotada a metodologia exploratória, analítica e qualitativa na investigação, que abrange o período de 2017 a 2021. A delimitação do período deve-se ao fato de que os dados relacionados ao estado do Maranhão, disponibilizados no Atlas do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) da Organização das Nações Unidas (ONU), estão limitados até o ano de 2017. Foram utilizados, ainda, os dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (2019), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dados de arrecadação e execução divulgados respectivamente pela Secretaria de Estado de Fazenda do Maranhão (Sefaz) e pela Secretaria de Estado do Planejamento e Orçamento (Seplan). Os objetivos específicos buscam analisar a lei 8205/2004, que criou o Fumacop; descrever o nível de pobreza do estado do Maranhão a partir do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e do índice de Gini; analisar os dados da pesquisa nacional de amostra de domicílios contínua do IBGE relacionados ao Maranhão; e refletir sobre a relação entre a elevação da arrecadação e a redução dos índices de pobreza nesse estado. A hipótese de trabalho preliminar é que o aumento de arrecadação não se converte em efetiva redução dos índices de pobreza do estado, o que ocasiona privações de liberdades que impedem o processo de desenvolvimento, implicando na ausência de liberdade, conforme a concepção de Amartya Sen. 300 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Este artigo foi desenvolvido no âmbito da disciplina “Sistema de justiça e desenvolvimento”, na linha de pesquisa semiologia, política e instituições do sistema de justiça, do Programa de Mestrado em Direito e Instituições do Sistema de Justiça (PPGDIR) da Universidade Federal do Maranhão, tendo em vista a necessidade de compreender o papel do Estado sob a perspectiva da teoria do desenvolvimento. Assim, o marco teórico escolhido foi Amartya Sem, considerando sua contribuição direta para a construção do IDH, no qual introduziu uma visão de desenvolvimento que vai além da questão econômica, abordando também as liberdades e capacidades dos indivíduos. Além disso, foram utilizadas referências selecionadas a partir de busca no portal de periódicos e no banco de Dissertações e Teses da Capes, assim como as mais citadas nos indexadores de pesquisa como Google Scholar. Ressalta-se, ainda, que a escolha do tema se deve à questão profissional dos pesquisadores, visto que um deles trabalha com a arrecadação dos tributos estaduais e encontrou, nesta pesquisa, a possibilidade de investigar a destinação dos recursos financeiros, mais especificamente os recursos do Fumacop. Outrossim, busca-se colaborar para a formação de um arcabouço teórico sobre a temática, com intuito de contribuir para a melhoria da realidade social do estado do Maranhão. Desse modo, o presente artigo está dividido em cinco tópicos. Inicialmente, foi feita a introdução do assunto, na qual é apresentado o objeto, problemas de pesquisa e justificativa. Em seguida, foi discutido o direito ao desenvolvimento sob a perspectiva de Amartya Sen. O terceiro tópico apresenta características sociais e demográficas do estado do Maranhão, partindo da premissa de que é importante conhecê-lo para poder sugerir mudanças. No quarto tópico apresentou-se, objetivamente, o fundo de combate à pobreza, evidenciando seu fundamento legal, a arrecadação e ainda a destinação dos recursos financeiros. O quinto tópico trata da discussão acerca do alinhamento entre as estratégias governamentais e os objetivos gerais e específicos da agenda 2030 da Organização mundial das Nações Unidas. E, por último, as considerações finais, nas quais discorre-se sobre as conclusões desta pesquisa. Dessa maneira, uma vez esclarecido o percurso trilhado pela pesquisa, é chegada a hora de discutir o conceito de direito ao desenvolvimento. 301 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 2 DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO O ponto central do liberalismo de Smith (2017) é a ideia de que equidade e justiça social são obtidas pelo crescimento econômico, defendendo, assim, que uma sociedade que se estruture em torno de mecanismos que favorecem o crescimento da economia está, consequentemente, fadada a ter índices de desigualdade baixos. Nesse ponto, nota-se que os países desenvolvidos economicamente se empenham em realizar uma série de estudos com orientações voltadas para países em desenvolvimento, a exemplo dos estudos do Banco Mundial voltados para a reforma do judiciário na América Latina e das recomendações elaborados no Consenso de Washington (Dakolias, 1996). No entanto, para Sen (2020), o desenvolvimento econômico é apenas uma das variáveis que contribuem para emancipação do indivíduo, pois, conforme aponta Sousa (2011), uma vez que a ideia generalista de desenvolvimento é fortemente dependente do crescimento, progresso e melhoramento, de uma sociedade que adote tais objetivos e se estruture para efetivá-los são esperados níveis altos de progresso social e consequente redução de desigualdades. Entretanto, conforme aponta Rawls (1997), a riqueza gerada pelo crescimento econômico não costuma ser distribuída de modo equitativo entre os membros de uma sociedade e, assim sendo, aqueles mais vulneráveis, em regra, não são priorizados. Desse modo, o crescimento econômico não é condição suficiente para o estabelecimento de índices razoáveis de indicadores econômicos e sociais. Segundo a teoria de Amartya Sen (2000), o conceito de desenvolvimento envolve expansão de liberdades que permitam aos indivíduos a aquisição de capacidades que favoreçam seu bem-estar, condição que está intrinsecamente relacionada à eliminação de privações decorrentes da pobreza, cuja principal característica é a ausência de renda. Conforme corrobora a análise de Sen (2001, p. 174), “[...] ter uma renda inadequada não é uma questão de ter um nível de renda abaixo de uma linha de pobreza fixada externamente, mas de ter uma renda abaixo do que é adequado para gerar os níveis especificados de capacidades para a pessoa em questão”. De outro modo, embora Sen (2000) apresente algumas críticas à perspectiva da justiça como equidade, de Rawls, tais autores encontram-se alinhados quanto ao papel das instituições em assegu302 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho rar condições razoáveis de sobrevivência. Para Rawls (2000), a justiça como equidade é traduzida por meio da oferta de instrumentos que permitam, aos indivíduos livres e iguais, o pleno desenvolvimento de suas competências, de modo a concretizar suas aspirações pessoais e profissionais. Isso não significa que aquelas pessoas que não obtém sucesso nessa empreitada sejam deixadas de lado, uma vez que, pelo contrário, elas devem ser beneficiadas de modo que possam novamente estar em pé de igualdade para gozar das oportunidades ofertadas. Com igual entendimento, Rawls (1997) assegura que a igualdade equitativa de oportunidades pode ser mais bem aproveitada se todos os indivíduos receberem educação, treinamento e orientação profissional. Por meio do domínio das técnicas, as pessoas poderiam desempenhar atividades que favorecessem o acúmulo de capital e riquezas, inegavelmente aumentando o potencial de contribuição dos indivíduos para uma sociedade solidária, compreendida como um sistema equitativo de cooperação cujos membros seriam auxiliados conforme sua necessidade. O princípio da utilidade, contudo, ainda predomina em algumas instituições do sistema democrático, assumindo que caberá a eliminação ou exclusão de poucos para que a maioria possa usufruir de um benefício maior, como se esses poucos não fossem pessoas que merecessem ser tratadas como iguais. Embora Novais (2006) assegure que o pressuposto da democracia é a igualdade de condições entre seus membros. Desenvolvimento está relacionado à possibilidade de o indivíduo autodeterminar-se. Nessa linha, Therborn (2014) assinala que a concepção de Sen quanto à capacidade de funcionar plenamente como ser humano está relacionada à formulação e implementação de instrumentos que garantam a sobrevivência, tais como: saúde, auxílios, liberdade de escolha, liberdade e acesso ao conhecimento e educação. Trata-se, por conseguinte, da concessão de ferramentas que permita ao homem escolher o caminho a seguir, aliado ao fornecimento de recursos para que bem o percorra. De igual modo, Sousa (2011) afirma que o direito ao desenvolvimento seria, portanto, associado ao direito ao progresso econômico e social, que deve ser buscado pelos estados e pelos indivíduos, por meio da soma dos seus esforços. Uma vez que, conforme registram Alcântara e Chai (2022), no exame do ordenamento interno dos estados soberanos, a figura do Estado ocupa clara posição de superioridade frente aos cidadãos ao estabelecer as normas e aplicá-las, bem como determinar os limites de sua interpretação. 303 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Da mesma forma, Sen (2000) ressalta que há questões determinantes para o desenvolvimento, capacitação e liberdade dos indivíduos, as quais estão para além da análise primordialmente econômica, registrando, por exemplo, o processo de participação política, condição crucial para a inclusão desses na formação da vontade estatal. Justiça equitativa e aquisição de capacidades podem ser, portanto, um caminho para a redução das desigualdades e dos níveis de pobreza. Logo, a ideia de desenvolvimento que fundamenta este artigo agrega elementos sociais que não permitem mais compreender o desenvolvimento como uma questão puramente econômica. Além disso, uma vez que esta pesquisa se dedica à análise do fundo de combate à pobreza, é preciso verificar os ensinamentos de Osório et al. (2011) quanto à classificação da pobreza no Brasil. Os autores desta investigação adotam uma abordagem metodológica que utiliza as linhas de pobreza para categorizar o fenômeno. De acordo com a análise desses autores, é possível registrar três tipos de pobreza, a saber: a absoluta no qual o indivíduo não goza de recursos mínimos para garantir um padrão mínimo de vida, ou seja, ele está abaixo da linha que delineia o nível de pobreza. E a relativa, na qual, o individuo dispõe de um valor mínimo de recursos financeiros que lhe permite suprir suas necessidades alimentares e nutricionais, no entanto, não dispõe de provisões suficientes para a aquisição de outros bens. Neste trabalho, foi adotada a concepção de pobreza absoluta, ou seja, consideram-se pobres as pessoas que estão abaixo do valor fixo de renda estipulado para o suprimento de suas necessidades básicas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estipula que estão situados na faixa de extrema pobreza aqueles que vivem com US$ 1,9 diariamente ou menos. Enquanto o Banco Mundial (2022) aponta que no Brasil encontram-se na faixa de pobreza aqueles que apresentam renda per capita inferior a R$ 16,33 por dia, ou seja, R$ 499,00 mensais. Um estudo realizado pela FGV Social intitulado “Mapa da nova pobreza” revela que 29,60% da população brasileira encontrava-se em situação de pobreza no ano de 2021, o que equivale a 62,9 milhões de pessoas. Tal estudo evidencia que o estado-membro que apresenta maior proporção de pobres é o Maranhão, com 57,90% de sua população vivendo com as relevantes restrições que a ausência de renda impõe. Por outro lado, Santa Catarina é o estado da federação com a menor concentração de pobres, apenas 10,16% da população (NERI, 2022). 304 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Contudo, Sen (2001) chama atenção para classificação da pobreza a partir da fixação de uma linha, pois ocorre a agregação forçada de pessoas que, entre si, possivelmente acessam recursos de forma desigual, mas, uma vez categorizadas, são tratadas como possuidoras de necessidades iguais, condição que não se confirma quando observação da realidade. Ademais, segundo Maués (2020), nos regimes democráticos houve uma redução considerável da desigualdade. No caso brasileiro, por exemplo, a Constituição cidadã (1988), buscou o equilíbrio dos gastos públicos e uma distribuição mais equânime de recursos por meio de programas sociais. No entanto, Arretche (2015) ressalta aquilo que ela chama de desigualdade persistente, ou seja, ainda que se constate a redução de desigualdade entre mulheres e homens, brancos e pretos, além de maior acesso à educação e redução da pobreza, percebe-se que se chega a um platô, no qual pessoas que possuem a mesma educação, por exemplo, graduação e especialização idênticas nem sempre possuem iguais condições de vida em termos de acesso a recursos. Tal fato aponta para a necessidade de maior investigação dos fatores determinantes para essa persistente desigualdade. Desse modo, passa-se a estudar algumas características do estado do Maranhão com a finalidade de ampliar a compreensão e levantar conjecturas que possam colaborar com a superação do grande desafio que é a pobreza que assola esta região. 3 O ESTADO MARANHÃO Este tópico busca apresentar as questões sociais e demográficas que envolvem este ente federativo. Silva et al. (2019) registram que o Maranhão ocupa o último lugar do ranking relacionado à extrema pobreza, condição que eleva substancialmente o nível de restrição da liberdade à qual grande parcela da sua população está submetida. 3.1 Características demográficas Sob o ponto de vista demográfico, o Maranhão, que tem, como capital, a cidade de São Luís, situada em ilha com o mesmo 305 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 nome, está dividido em 217 municípios e sua população estimada é de 7.153.262 pessoas, sendo esse o décimo contingente populacional entre os estados brasileiros. A concentração da população ocorre principalmente nos municípios de São Luís, Imperatriz, São José de Ribamar e Timon. De outro lado, com 329.651,496 km² de extensão, ocupando a oitava posição dentro do território brasileiro (IBGE, 2022). Tendo em vista a concentração de universidades, hospitais e instituições de proteção social na capital do estado, grande número de pessoas opta por morar em São Luís, com o objetivo de ter acesso a melhores serviços, o que tende a gerar um ciclo vicioso, visto que empresas e governo estadual não se planejam para expandir seus serviços. A população do estado é composta por 48,55% de homens e 51,45% de mulheres (IBGE, 2022). Uma explicação possível para o maior percentual de mulheres é que elas tendem a dedicar um maior cuidado na preservação da própria saúde, tendo por consequência uma maior longevidade. Além disso, o IBGE (2018) divulgou estudo no qual demonstra que no Brasil 16,9% das mulheres com 25 anos ou mais possuem grau de escolaridade o nível superior completo, por outro lado, apenas 13,5% dos homens na mesma faixa etária alcançaram o mesmo feito. O uso de contraceptivos e o acesso à informação, contribuíram para a crescente presença das mulheres no mercado de trabalho, na politica, na direção de empresas, fatos que potencializam a influência delas na modelação das estruturas sociais. Segundo Lobato e Ferreira (2021), o estado do Maranhão, tendo em vista o recebimento de grande número de navios que transportaram negros retirados à força da África, é reconhecidamente um estado de população negra. Por isso, é compreensível que 80,84% de sua população se declare negra. Nesse ponto, é importante refletir que a questão da raça sempre permeou o desenho institucional social e econômico do Brasil, conforme análise realizada por Costa, Carneiro e Chai (2021). Além disso, no Maranhão 52,18% das pessoas têm idade entre 15 e 65 anos, ou seja, são potencialmente ativos, enquanto a faixa de idosos alcança 7,92% da população, percentual inferior à média nacional é de 10,01% (IBGE, 2022). Logo, categoriza-se a região como um estado jovem, com a ressalva de que deve iniciar o planejamento para tratar adequadamente seus idosos, visto que a expectativa de vida de seus habitantes hoje é superior a 70 anos. 306 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 3.2 Dos índices de desenvolvimento humano e aspectos sociais O Índice de Desenvolvimento Humano - IDH é uma medida utilizada para categorizar os países segundo os níveis de desenvolvimento, assim, um país pode ser considerado: desenvolvido, se obtiver um IDH entre 0,800 a 1,000; em desenvolvimento, se estiver na faixa que varia de 0,600 a 0,799; e subdesenvolvido, se obtiver uma avaliação entre 0,000 e 0,599 (Castro, 2021). O Brasil, tendo como parâmetro seu IDH de 2021 (0,754), pode ser considerado um país em desenvolvimento (ONU, 2022). Para o cálculo desse índice, utilizam-se indicadores relacionados a três dimensões básicas do desenvolvimento humano: a longevidade, a educação e a renda. A primeira dimensão preocupa-se com a qualidade da saúde disponibilizada aos cidadãos, de modo que eles possam ter uma vida longa e saudável. A segunda diz respeito ao acesso ao conhecimento, condição essencial para a capacitação dos indivíduos e a garantia da possibilidade de autodeterminação. E a terceira, por sua vez, está relacionada ao poder de adquirir produtos essenciais para a manutenção de uma vida digna. Para isso, é necessário o acesso à quantidade suficiente de recursos financeiros. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano do PNUD Brasil (2017), os estados com os melhores índices de desenvolvimento humano são Distrito Federal (0,850) e São Paulo (0,826); e os piores, Maranhão (0,687) e Alagoas (0,683). As dez primeiras posições do ranking são ocupadas por estados das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, enquanto as dez últimas posições são compostas por estados da região Norte e Nordeste. Essa última região, onde se localiza o Maranhão, ocupa, infelizmente, sete dessas posições (PNUD,2022). O Maranhão, quando comparado aos demais estados-membros da federação, frequenta continuamente as últimas posições do ranking. Em 2010 e em 2017, ficou na 25ª posição, à frente apenas do estado de Alagoas. Considerados os resultados de 2022, o seu melhor desempenho é obtido no âmbito da educação, nos quais ele ocupa a 18ª posição geral; enquanto os piores são aqueles relativos à longevidade, no qual ele ocupa a última posição geral. Esses dados apontam que as instituições governamentais no âmbito federal, estadual e municipal e a sociedade civil terão que aplicar com empenho um grande esforço de cooperação conjunta para o alcance 307 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 de um nível razoável de igualdade social no território maranhense, principalmente quanto à expectativa de vida. Inicialmente, as ações podem contemplar a ampliação do acesso à saúde, políticas de prevenção de doenças, expansão da rede de hospitais para a área rural e assistência integral aos seus cidadãos, todavia, é conveniente ressaltar que as desigualdades, em algum nível, estarão sempre presentes, tendo em vista as particularidades de cada um, conforme assinala Therborn (2014). Além disso, embora os indicadores relacionados à dimensão educação apontem para um nível médio de desenvolvimento (0,682) no ano de 2017, é importante observar também os resultados da Pesquisa Nacional da Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) realizada em 2019, que evidencia o número insuficiente de creches para crianças de 0 a 3 anos, de modo que apenas 30,5% das crianças nessa faixa etária são escolarizadas (IBGE, 2022). Segundo os dados da PNAD, o maranhense tem, em média, 8,32 anos de estudo. O percentual de jovens com ensino médio completo (54,17%) também necessita de atenção. A taxa de analfabetismo entre os maiores de 25 anos é inaceitável: 14,93%, enquanto a média nacional é 6,26% (PNUD, 2022). Nesse sentido, Sen (2000) registra que a ausência de educação é um fator de extrema limitação do grau de liberdade desses indivíduos visto que, sem conhecimento, dificilmente serão capazes de aproveitar as oportunidades que lhes são ofertadas, além de aumentar consideravelmente sua suscetibilidade à pobreza, pois, segundo Therborn (2014), essa é uma armadilha fácil de cair e difícil de sair. O autor aponta pesquisas que indicam que pessoas que ficaram pobres continuavam nessa situação após três anos. A terceira dimensão do IDH é a renda, elemento fundamental para a aquisição de bens em uma sociedade capitalista. No estado maranhense, a renda per capita é de R$ 387,34, bem longe do melhor posicionado no ranking, o Distrito Federal, com o valor de R$ 1.681,05 (PNUD, 2022). Sendo um ponto de atenção a ser observado e tratado pelos estados, em especial os nordestinos, visto que o desenvolvimento econômico de uma região está intrinsecamente relacionado ao poder de compra de sua população (Therborn, 2014). Quando da análise dos municípios, é utilizado o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM (PNUD, 2013). No Gráfico 1, são apresentados os resultados da avaliação das municipalidades do estado do Maranhão. 308 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Gráfico 1 Distribuição do desenvolvimento nos municípios maranhenses Fonte: IBGE (2022). O Gráfico 1 demonstra que, dos 217 municípios do estado do Maranhão, 154 apresentam um índice de desenvolvimento humano baixo, ou seja, seus indicadores de educação, longevidade e renda indicam que a população está submetida a graus elevados de privações, não dispondo de recursos mínimos para a garantia de uma vida digna. São Luís, Imperatriz, Paço do Lumiar e São José do Ribamar são os quatro municípios com maior IDHM, o que indica que eles gozam de elevado nível de desenvolvimento. Logo, é possível assegurar que, nesses locais, há um razoável fornecimento de educação, acesso à saúde e distribuição de renda. De outro lado, verifica-se a existência de outros quatros municípios, Satubinha, Jenipapo dos Vieiras, Marajá do Sena e Fernando Falcão, sujeitos à condição de extrema vulnerabilidade, tendo em vista que eles apresentam, nesse levantamento, índices de desenvolvimento muito baixos. Outro ponto relevante é a alta concentração de renda presente no estado, com Índice de GINI de 0,538, evidenciando que poucos usufruem de bons serviços, ou seja, são criadas ilhas de riqueza que são praticamente inacessíveis aos mais pobres. Vide o fato de que, em 2017, apenas 15,25% dos domicílios estavam ligados à rede de esgoto, ou, ainda, que os serviços de coleta de lixo só alcançaram 46,86% dos domicílios. Tal situação é corroborada pelos ensinamentos de Tilly (2013), segundo os quais, a desigualdade é uma relação 309 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 entre pessoas ou conjuntos de pessoas nas quais a interação gera mais vantagens para umas do que para outras. Ampliando a análise para a esfera municipal, verifica-se que os municípios com menor concentração de renda são: Davinópolis (0,4488), João Lisboa (0,4549), Vila Nova dos Martírios (0,4672) e Governador Edison Lobão (0,4708). Enquanto os que apresentam níveis altos de desigualdade, por sua vez, são: Jenipapo dos Vieiras (0,6711), São Domingos do Azeitão (0, 6959), Arame (0,7228) e Alto Parnaíba (0,7887) (IBGE, 2022). Esses dados são evidências dos elevados níveis de desigualdade presentes no estado do Maranhão. É possível notar, ainda, que o município de Jenipapo dos Vieiras figura também na lista de municípios com menor índice de desenvolvimento do estado. Desse modo, o ideal de liberdade defendida por Sen (2000) está bem distante de se concretizar nesse estado maranhense, visto que somente aqueles situados em regiões onde há acesso à educação e saúde, usufruindo de uma renda melhor, podem planejar e determinar os rumos de suas vidas; em contrapartida, os mais vulneráveis não têm perspectiva de futuro e continuam lutando pelo sustento para aquele dia, pois o presente é o que importa e o amanhã pode não chegar. Nesse sentido, apesar dos números apontarem para melhorias contínuas no IDH obtidos pelo estado, é importante não haver acomodação em relação a tais resultados, visto que os níveis de pobreza da região continuam alarmantes e inaceitáveis. É claro que não se prega uma completa extinção da desigualdade, pois isso é utopia, mas a maior redução possível. Em decorrência disso, o próximo capítulo é dedicado à análise de uma política pública instituída pelo estado para combater a pobreza. 4 O FUNDO DE COMBATE À POBREZA O fundo de combate à pobreza é um instrumento de obtenção de recursos pelos estados membros que financiam programas públicos relacionados à distribuição de renda. Ele tem como fundamento o artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), incluído pela Emenda Constitucional n° 31, de 2000 (Queiroz et al., 2016). Os recursos são oriundos da cobrança de um 310 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho adicional do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), tendo como parâmetro o princípio da seletividade, ou seja, a cobrança incide sobre produtos “supérfluos”. Uma vez que a destinação dos valores arrecadados está prevista no próprio ato legal que o instituiu, a natureza dos fundos é considerada atípica, conforme apontado por Queiroz et al. (2016). Cada estado tem liberdade para determinar qual órgão será responsável pela gestão e execução dos recursos, desde que direcionados à finalidade inicial, o combate à pobreza. Nesse sentido, é importante esclarecer que o conceito de pobreza previsto no ADCT tem relação com a garantia de recursos suficientes para a manutenção de um mínimo existencial, ou melhor, para permitir o acesso a níveis dignos de subsistência. Desse modo, percebe-se que o conceito está em consonância com o artigo 25211 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Tendo em vista a necessidade de maior arrecadação para financiar as políticas públicas, o estado do Maranhão, assim como outros estados, fez uso da sua competência legislativa e criou o Fundo Maranhense de Combate à Pobreza (Fumacop), uma vez que a tributação ainda é a principal fonte de receita dos Governos, considerando, ainda, o fato de que a região Nordeste concentra os maiores índices de pobreza extrema (Silva et al., 2019). No estado do Maranhão, o Fumacop foi instituído pela Lei Ordinária nº 8.205 de 2004, a qual prevê a alíquota adicional de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) de 2% a ser aplicada sobre os produtos listados no seu artigo 5º, entre eles bebidas, triciclos, armas, gasolina e energia. Quanto aos dois últimos itens listados acima é discutível a sua caracterização como bens supérfluos. A controvérsia é tão grande que o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7122, a fixação de alíquo211 Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis (ONU, 1948). 311 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ta ICMS sobre energia e telecomunicações em nível superior ao das operações em geral. Do mesmo modo, o Congresso Nacional editou a Lei complementar 194/2022, que passou a considerar os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, os serviços de comunicações e de transporte coletivo como bens e serviços essenciais. Sendo assim, a lei estadual 8205/2004 deverá passar por revisão, de forma a se adequar a essas novas normas. Os resultados dessas alterações legislativas já impactaram a arrecadação do estado, conforme pode ser verificado nos gráficos abaixo: Gráfico 2: Histórico de Arrecadação de Energia. Fonte: Maranhão (2022a). Gráfico 3: Histórico de Arrecadação de Combustível. Fonte: Maranhão (2022a). 312 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Os gráficos 2 e 3 revelam forte queda de arrecadação do ICMS nas operações que envolvem energia e combustível. Essa queda ocorreu devido à redução da alíquota do ICMS, antes de 27% e 25%, respectivamente, passando a ter a alíquota geral de 18%, conforme alteração legal promovida pela lei estadual 11.792/2022. É possível perceber que, no ano de 2022, a previsão de arrecadação do ICMS (total) vinculado às operações com combustível era de R$ 3.933.880.000,00, mas foi revisado para R$ 2.217.430.000,00. O mesmo processo é observado nas operações relacionadas à energia cuja previsão de arrecadação era de R$ 1.233.510.000,00 e foi rebaixada para R$ 654.280.000,00. De outro modo, é importante ressaltar que o Fumacop poderá receber outros recursos, conforme definido no artigo 2º da Lei 8.205/2004, logo dotações orçamentárias estipuladas em leis, doação, auxílio, subvenção e legado, assim como receitas decorrentes da aplicação dos recursos próprios poderão reforçar o montante alocado no fundo (Maranhão, 2004). A seleção dos programas é realizada pelo Comitê de Inclusão Social, criado pela própria lei, e formado por secretários de estado e por membros da sociedade civil, que deverão desempenhar suas ações de acordo com as diretrizes previstas no artigo 14. A execução das ações elencadas no artigo 14-A a 14-H é feita de forma descentralizada, conforme previsto no artigo 15 também da Lei 8.205/2004. Os recursos do fundo poderão ser destinados para financiar as mais variadas atividades, dentre as quais se destacam: construção de moradias dignas, pagamento de contas de energia elétrica da população de baixa renda, concessão de bolsas de aprendizagem a adolescente em condição de vulnerabilidade, fomento à produção de grãos, hortaliças e peixes, melhoria da qualidade da produção do leite, fortalecimento da agroindústria e apoio ao extrativismo do babaçu. Entretanto, chama-se a atenção para a previsão do artigo 10, o qual possibilita, de acordo com o interesse público, o remanejamento, transposição ou transferência de recursos do fundo para finalidade diversa daquela prevista nessa lei. Uma vez que a caracterização do interesse público pode se dar de forma genérica, é necessária a constante fiscalização da destinação dos recursos pagos pela sociedade. Dessa forma, uma vez apresentados os principais aspectos do Fumacop, são exibidos abaixo alguns dados de arrecadação. 313 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 4.1 Da arrecadação do adicional do ICMS A Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) é responsável pela fiscalização e arrecadação desse imposto, entretanto, a gestão é realizada pela Secretaria de Planejamento, Gestão e Orçamento (Seplan), a qual forneceu as informações referentes à arrecadação, destinação e execução dos recursos financeiros do fundo. Os valores de arrecadação demonstrados no gráfico 4 foram retirados das leis orçamentárias anuais aprovadas e disponibilizadas no site da Seplan. Esses foram corrigidos pelo IGP-M (FGV), ou seja, os valores foram trazidos para o exercício de 2021 de modo que a avaliação dos dados estivesse livre dos efeitos inflacionários ocorridos no período. Logo, é possível observar que houve uma certa oscilação na arrecadação do fundo, sendo que, nos anos de 2018 e 2020, quando comparado ao exercício imediatamente anterior, constata-se uma queda de 13% e 11%, respectivamente, no volume de recursos do fundo. No entanto, nos anos de 2019 e 2021, há um crescimento de 12% e 52% de arrecadação. Desse modo, no período de 2017 a 2021, o saldo de crescimento do fundo ainda é positivo, conforme pode ser percebido no gráfico 4. Gráfico 4 Arrecadação Fumacop (2% de ICMS - 2017 a 2021). Fonte: Maranhão (2022b). O movimento da arrecadação do fumacop acompanhou o crescimento da arrecadação total de impostos do estado, conforme observação do gráfico 5, que inclui a totalidade de arrecadação de 314 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho todos os impostos de competência estadual, a saber: ICMS (inclusive Substituição tributária, Fumacop, Simples Nacional), Imposto sobre a Transmissão “causa mortis” e Doação de quaisquer bens ou direitos (ITCD), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), receita do pagamento de débitos inscritos em dívida ativa e outras receitas (multas e juros). Tal crescimento pode ser explicado pelo aumento de preços dos produtos, conforme revelado pelo Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), calculado pela fundação Getúlio Vargas, que acumulou, no período de 2017 a 2021, o percentual de 66,49%. Gráfico 5 Arrecadação Total (2010 a 2020)212 Fonte: Maranhão (2022a). Em 2017, o Maranhão participou com apenas 8,46% do ICMS total que foi arrecadado pelos noves estados do Nordeste. A liderança ficou com a Bahia (28,51%), seguida de Pernambuco (19,45%) e Ceará (15,27%), enquanto os últimos lugares foram ocupados por Alagoas (4,94%) e Sergipe (4,30%), segundo dados da Sefaz (Maranhão, 2022a). Além disso, quando a arrecadação é analisada a partir do Produto Interno Bruto (PIB) estadual, verifica-se que o ICMS arrecadado representa apenas 7,03% dos bens e serviços produzidos pelo estado naquele período. Enquanto, no Piauí e na Paraíba, a arrecadação do ICMS representou 8,38% e 8,31% de seu PIB, respectivamente, demonstrando que tais estados conseguem ter maior efetividade na 212 Valores corrigidos pelo IGP-M a valores de 08/2020. 315 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 arrecadação desse tributo. Da mesma forma, quando da análise da arrecadação total do estado, não se verifica um aumento expressivo de conversão da produção em arrecadação tributária, constatando-se, portanto, que a fiscalização converte, em média, apenas 7,84% em receita. No período de 2016 a 2017, houve uma elevação desse percentual de 0,16% (Maranhão, 2022a). Dos produtos que estão incluídos na cesta de serviços do Fumacop, o que tem maior relevância é o combustível, tendo em vista que o porto do Itaqui, situado no estado, tem grande movimentação dessa mercadoria. No entanto, as modificações legislativas que ocasionaram a redução da alíquota do ICMS incidente sobre este produto, definindo-o como produto essencial, também resultou na exclusão tácita da lista de produtos cuja receita era destinada ao fundo, situação essa que demandará, dos gestores do fundo, uma reanálise na programação dos gastos planejados, visto que haverá uma redução considerável de recursos nos próximos exercícios financeiros. 4.2 Aplicação dos recursos Quando da análise da alocação dos recursos financeiros no exercício de 2021, é possível notar que quatro instituições estaduais, a saber, Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social (Sedes), Fundo Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (FES), Secretaria de Estado das Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid) e Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), monopolizam 97% dos recursos do fundo, de acordo com orçamento aprovado na Assembleia Legislativa. Elas são responsáveis por programas estaduais tais como Restaurante Popular, Minha casa, Meu Maranhão, entre outros. Os recursos são destinados a programas e ações relacionados à nutrição, alimentação e a ações que combatam diretamente a pobreza. A execução dos recursos é feita de forma descentralizada. A secretaria com menor percentual do fundo é a Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Pesca do Maranhão (Sagrima) com apenas 0,043% dos recursos, desenvolvendo ações voltadas para o fortalecimento de cadeias e arranjos produtivos locais na região dos lagos e baixada maranhense, as quais, segundo a cartilha do Fumacop elabo316 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho rada pela Seplan, correspondem aos municípios de Matinha, Bacurituba, Cajapió, Palmeirândia e São Vicente Ferrer. Quando da análise das funções informadas na LOA do ano de 2021, é possível perceber que elas se concentram, em ordem decrescente de consumo de recursos: Assistência Social, Saúde, Habitação, Direitos da Cidadania, Saneamento, Urbanismo, Agricultura e Trabalho. Somente as quatro primeiras concentram 98% dos recursos previstos no orçamento. As atividades de assistência social, que utilizam 43% dos recursos do fundo, são desenvolvidas no âmbito da Sedes. Elas envolvem a construção de unidades de beneficiamento de pescados e caranguejos, formação de banco de alimentos, e têm, como foco principal, o fornecimento de alimentos por meio dos restaurantes populares, que segundo a Seplan estão distribuídos nos seguintes municípios. Tabela 1 Municípios com restaurantes populares (2021). Fonte: Maranhão (2022b). A tabela 1 permite verificar que os restaurantes populares estão presentes em 51 municípios, pouco mais de 23% dos municípios do estado. Chama-se a atenção para o fato de São Luís, apesar de 317 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 situada no topo da lista, não estar listada entre os 70 municípios habilitados213 a receberem recursos do Fumacop, conforme a Cartilha elaborada pela Seplan, que utilizou, como parâmetro, o IDHM dos municípios. O mesmo acontece com Imperatriz e Paço do Lumiar que, conforme apresentado acima, possuem alto IDHM. Ademais, as atividades de saúde são implementadas pelo Fundo Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, e consistem, basicamente, no fornecimento de serviços ambulatoriais e no gerenciamento de Casa de Apoio (Ninar II), Centro de Reabilitação (Ninar I) e policlínicas distribuídas pela capital. É importante ressaltar que os projetos desenvolvidos no município de São Luís consumiram R$ 79.979.388,00 dos R$ 83.900.628,00 que foram direcionados à FES. Quanto aos gastos com habitação financiados pelo Fumacop, cuja gestão fica a cargo da Secid, os recursos são consumidos pelo programa Minha Casa, Meu Maranhão, por meio do qual são executados projetos de reforma de residências rurais e construção de unidades habitacionais na zona urbana, que abrangem áreas de São Luís, Araioses, Conceição do Lago-Açu, Serrano do Maranhão, Região da Amazônia Maranhense, São José de Ribamar, Chapadinha, Guimarães, Barreirinhas, Penalva e Paço do Lumiar. Nesse ponto, São Luís também é beneficiada com 70% dos recursos destinados ao programa, enquanto o último da lista recebeu apenas 0,23% dos recursos. E, por último, os direitos à cidadania que são concebidos no âmbito da SEAP. Nesse âmbito, os principais objetivos quando da utilização dos recursos do Fumacop são o fortalecimento do sistema prisional e a reintegração social e a promoção e defesa dos direitos humanos. Para alcançá-los, a secretaria aderiu ao projeto Apac (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), a qual fornece educação profissional e trabalho aos presos, de modo que eles sejam ressocializados e, após o cumprimento da pena, reintegrados plenamente na sociedade. Os recursos do Fumacop são destinados para as Apac’s presentes nos municípios de São Luís, Itapecuru Mirim, Bacabal, Pedreiras, Imperatriz, Timon e Viana (masculina e feminina), Açailândia, Balsas, Barão de Grajaú e Pinheiro. Mais uma vez é possível notar que 213 Segundo a Cartilha da Seplan, somente municípios com IDHM baixo ou muito baixo estariam credenciados a terem políticas públicas financiadas por recursos do Fumacop com o objetivo de otimizar o potencial de sua aplicação (Maranhão, 2009). 318 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho São Luís e Imperatriz, apesar de não atenderem aos requisitos apontados na cartilha emitida pela Seplan, recebem vultosas quantias do fundo de combate à pobreza. Ao analisar a distribuição geral dos recursos por municípios é constatada a enorme diferença entre os recursos destinados para São Luís e para os demais municípios do estado. Tabela 2 Distribuição de recursos por municípios (2021). IDHM alto IDHM muito baixo Fonte: Maranhão (2022b). Logo, os dados revelam que os recursos estão sendo utilizados em setores importantes para o combate à fome, a ampliação do acesso à saúde e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. No entanto, a forte concentração dos recursos em municípios que apresentam um alto desenvolvimento humano só aumenta o nível de desigualdade no estado, visto que, diante da limitação dos recursos, o orçamento aprovado para 2021 privilegiou demasiadamente os municípios que já possuem certo nível de desenvolvimento econômico, em detrimento dos municípios mais vulneráveis. Diante disso, é preciso dizer que, se a pobreza ainda se mostra como um grande desafio, tal fato deve-se muito às estruturas da sociedade, visto que ela orienta e valida suas próprias escolhas, práticas, relações e crenças. Os fatos sociais são apenas fatos na medida em que as pessoas os reproduzem regularmente (Starr, 2019). São processos sistêmicos, ou seja, não dependem da vontade do indivíduo, pois são regras formais e informais existentes na sociedade, distribuídas por meio de ações (bens materiais e imateriais). 319 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Nesse sentido, Sen (2000) ressalta que as instituições devem trabalhar em cooperação para a remoção das principais fontes de privação, tais como a pobreza, a ausência de serviços públicos, o excesso de controle repressivo do estado, entre outros elementos que impedem ou dificultam a capacidade de funcionar plenamente como homem. Destarte, ainda que o aumento da arrecadação do fundo ocorra com certa linearidade, seus efeitos não serão percebidos por todos os municípios do estado, visto que os recursos ficam concentrados na capital. Sendo assim, considerou-se válido analisar alternativas e medidas que podem melhorar e acelerar o processo de transformação social dessa região. 5 PERSPECTIVAS DE MUDANÇAS Segundo Therborn (2014), o ponto de transformação ocorre quando a sociedade manifesta insatisfação com a condição atual e requer o desenvolvimento de políticas públicas que alterem tal realidade. A Constituição que, em regra, apresenta-se como uma ferramenta que oferece segurança jurídica e estabilização social, precisa ter efetivamente concretizados seus componentes sociais, civis e políticos, mais especificamente os dispositivos cidadãos que asseguram os direitos materiais de bem-estar, igualdade social, direitos individuais de liberdade e de participação política, ainda que tenha que passar por emendas para se adaptar às novas demandas sociais (Couto e Arantes, 2006). É importante constatar que, apesar do fundo de combate à pobreza ter, como o próprio nome sugere, o objetivo de reduzir os níveis de pobreza da população, o ICMS que incide sobre mercadorias e prestação de serviços de transporte e comunicação é um tributo indireto, uma vez que ele será repassado para os consumidores finais desses bens. Desse modo, a depender do produto sob o qual incidirá, pode-se estar diante de uma falácia, pois, se os mais vulneráveis forem os principais consumidores desses produtos, serão eles os responsáveis pelo pagamento do imposto, invalidando os efeitos da política pública. Isso posto, não basta aos entes governamentais a instituição de novos impostos, taxas e contribuições, sem que exista um pla320 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho nejamento específico da destinação que será dada a esses recursos, pois, conforme aponta Rothbard (2010), a cobrança indiscriminada de impostos ocasiona a privação e a limitação dos direitos individuais. Desse modo, uma ação que, inicialmente, era tida como benéfica, pode se tornar mais um ponto de vulnerabilidade. Ademais, as políticas públicas desenvolvidas devem dar atenção às mudanças ocorridas no mercado, inclusive aquelas que se refletem nas relações de trabalho, no comportamento das pessoas, nas relações sociais e, principalmente, na participação política que lhes é oferecida, assim, de acordo com o relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 2019, a formulação de programas governamentais pode se orientar em torno das seguintes perspectivas: a) proteção social; b) oportunidade de ampla participação; c) eficiência energética; d) acesso a serviços básicos; e, e) desenvolvimento humano com base na natureza, entre outros (ONU, 2022). Dessa forma, percebe-se que a formulação de uma política pública de combate à pobreza não pode focar apenas em medidas imediatistas como o fornecimento de alimentos por meio dos restaurantes populares, mas na capacitação dos indivíduos, em especial na área de tecnologia, uma vez que a inteligência artificial já é uma realidade no mercado de trabalho. Contudo, não há impedimento para que outros tipos de capacitação possam ser oferecidos. Ademais, a Agenda 2030 também pode ser um instrumento de orientação. Ela possui 17 objetivos gerais, sendo o primeiro deles a erradicação da pobreza em suas mais diversas formas, e o décimo, a redução da desigualdade (ONU, 2015). Uma vez que as duas questões estão conectadas, tratar de uma significa necessariamente envolver a outra. Desse modo, um estado com alta concentração de desigualdade deve empenhar-se em desenvolver ações que viabilizem, à sua população, uma vida que esteja para além da linha da sobrevivência, ou seja, em que os menos favorecidos possam ter maior amparo por parte das ações realizadas no âmbito das instituições que possuem autoridade e responsabilidade sobre a vida da sociedade, que organizam as estruturas e a distribuição de poder e riquezas (Rawls, 1997). Afinal, como leciona Chai, é preciso romper com a lógica segundo a qual a ordem econômica dita e impõe restrições à dignidade, quando o indicado é que a dignidade limite e oriente a atuação eco321 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 nômica, pois a dignidade é o continente do qual a liberdade econômica é o conteúdo (Informação verbal).214 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível verificar que a pobreza é, ainda, um fator de forte limitação da autonomia dos indivíduos, visto que suas escolhas estão condicionadas por suas necessidades. A cooperação social voltada para a promoção de projetos que reduzam essa mazela é fundamental para que as pessoas tenham liberdade de ação e possam se empenhar no alcance dos objetivos próprios. Foi feita uma reflexão acerca do conceito de desenvolvimento, sob uma perspectiva que o eleva para além de uma abordagem puramente econômica, mas que envolve também questões sociais e políticas. Pois, para que um indivíduo alcance certo nível de autonomia devem ser considerados o contexto social no qual ele está inserido, os direitos que lhe são garantidos não apenas formalmente, mas também substancialmente e, além disso, as liberdades políticas que são asseguradas pelas instituições que compõem a sociedade, pois votar e ser votado são fundamentais em uma democracia, assim como poder participar dos conselhos deliberativos, comitês e outros instrumentos que possuem poder de influência sobre os centros de decisão política. Neste sentido, o estado do Maranhão, que, desde 2010, ocupa a posição de estado com menor índice de desenvolvimento humano do Brasil, preocupado em transformar a realidade dos seus cidadãos, criou, em 2004, o Fundo Maranhense de Combate à Pobreza, tendo em vista a previsão constitucional. O fundo é alimentado, principalmente, com os recursos oriundos da cobrança do adicional de 2% de ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) que incide sobre produtos classificados como supérfluos. Ocorre que, da análise de sua arrecadação, percebe-se que, de 2017 a 2021, a arrecadação maranhense tem um saldo positivo de 214 Fala do Profº. Cássius Guimarães Chai na disciplina Sistemas de Justiça e Desenvolvimento, Programa de Pós Graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça, Universidade Federal do Maranhão, em 12 nov. 2022. 322 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho crescimento, condição que se mostra favorável para a implementação de programas e ações governamentais que busquem cumprir o objetivo fundamental que é a redução dos níveis de pobreza no estado. Na análise da destinação dos recursos foi verificado que há uma gestão centralizada na Seplan, no entanto a execução, ou seja, o gasto efetivo dos recursos é feito de forma descentralizada. A gestora dos fundos realiza o planejamento de repasses de acordo com a avaliação dos projetos apresentados por outras secretarias ao Comitê de Políticas de Inclusão Social. Os recursos são usados tanto em projetos de construção de residências populares, fornecimento de alimentação em restaurantes populares, gerenciamento de centros de reabilitação quanto no incentivo à produção de mercadorias agrícolas. A pesquisa verificou que, de acordo com os dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e em conjunto com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD), há uma pequena melhora dos índices de pobreza apresentada pelos municípios do estado, assim como nos índices de longevidade e renda no período de 2010 a 2017, mas o estado continua ocupando a penúltima posição do IDH no Brasil. Isso revela que o provimento de recursos financeiros ainda não foi suficiente para transformar substancialmente a realidade local. Além disso, foi verificado que os recursos do fundo ficam concentrados na capital do estado e nos municípios que têm bons índices de desenvolvimento. Essa escolha realizada pelos gestores públicos é prejudicial aos demais municípios, uma vez que os níveis de pobreza da população operam como fator limitante do desenvolvimento de suas capacidades. Uma vez que os recursos são finitos, exige-se uma distribuição mais equânime, bem como a implementação de uma boa gestão por parte dos administradores públicos. Esta pesquisa está longe de esgotar a questão que envolve o direito ao desenvolvimento e às diversas perspectivas sob as quais ele pode ser explorado, mas, por meio da análise do Fumacop, é possível verificar que a efetividade da arrecadação de recursos na melhoria da qualidade de vida das pessoas depende, principalmente, das escolhas realizadas pelos gestores públicos. Desse modo, a temática aqui estudada delineia novas pistas para novos estudos na área. Sendo assim, o desafio está lançado, tanto para agentes governamentais quanto para as instituições da sociedade civil, no sentido 323 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 de que, uma vez compreendido o contexto social do estado, eles possam empenhar-se em empregar esforços conjuntos para promover a redução dos níveis de pobreza da região, desenvolver as capacidades locais e ampliar o bem-estar de todos os seus cidadãos. Desse modo, o Maranhão poderá ser reconhecido tanto por suas belezas naturais quanto pela emancipação de seus cidadãos. 324 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho REFERÊNCIAS ALCÂNTARA, Rafael Astein Carvalho; CHAI, Cássius Guimarães, (2022) “As epistemologias do sul e os direitos humanos: contribuições epistemológicas para o debate entre relativismo e universalismo”. In: C.A.G. Guimarães et al. (org.), Aspectos Metodológicos da Pesquisa em Direito: fundamentos epistemológicos para o trabalho científico. 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Vinícius Abdala215 Cássius Guimarães Chai216 Alexandre de Castro Coura217 Sumário: 1. Introdução; 2. Caso Família Pacheco Tíneo vs. Bolívia; 3. Distinção conceitual dos institutos jurídicos; 3.1. Migrante Internacional; 3.2. Migrante em situação irregular; 3.3. Refugiado; 3.3.1. Procedimento para reconhecimento de situação de refúgio; 3.3.2. Reconhecimento prima facie Doutorando em Direitos Humanos - USP Mestre em Ciências Criminais - Universidade de Lisboa Advogado Criminalista http://lattes.cnpq.br/9843975036129684 216 Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão (PPGDIR e PPGAERO). Professor Permanente da Faculdade de Direito de Vitória (PPGD/FDV). NDE Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão. Membro do Ministério Público do Estado do Maranhão, Promotor de Justiça Corregedor MPMA. Coordenador do Grupo de Pesquisa Cultura, Direito e Sociedade DGP CNPQ UFMA. E-mail: cassiuschai@gmail.com 217 Realizou pós-doutorado como visiting scholar na American University Washington College of Law e visiting foreign judicial fellow no Centro Judiciário Federal em Washington D.C. Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi professor efetivo (Adjunto nível II) do Departamento de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atualmente é professor permanente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado e Doutorado - da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), líder do Grupo de Pesquisa Hermenêutica Jurídica e Jurisdição Constitucional (FDV/CNPq) e promotor de justiça (ES). Tem experiência nas áreas de Teoria do Direito e Direito Público, com ênfase em Direito Constitucional. Desenvolve e orienta pesquisas relacionadas a direitos e garantias fundamentais, hermenêutica jurídica, jurisdição constitucional e democracia. http://lattes.cnpq.br/5164681013190401 https://orcid.org/0000-0001-7712-3306 215 331 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 da condição de refugiado; 4. Princípio do non-refoulement; 4.1. Non-refoulement na Convenção da ONU sobre Estatuto dos Refugiados de 1951; 4.2. Non-refoulement na Convenção Americana de Direitos Humanos; 5. A origem do non-refoulement indireto pela interpretação fática do caso Família Pacheco Tíneo vs. Bolívia; 6. Considerações Finais. Resumo: As obrigações gerais de respeitar e garantir os direitos humanos derivam de deveres especiais e podem ser determinadas de acordo com as necessidades particulares de proteção do sujeito de direito em virtude de sua condição pessoal e/ou, principalmente, de situações específicas de vulnerabilidade. Justamente neste contexto, o presente artigo, tendo como base a análise do Caso Família Pacheco Tineo vs. Bolívia, com foco no estado de vulnerabilidade de pessoas em situação de refúgio, traça como parâmetro uma redefiniçao hermenêutica do princípio do non-refoulement visando a efetiva aplicação do Direito Internacional dos Direitos humanos no que tange a temática dos refugiados. Palavras-Chave: Princípio do non-refoulement; Estatuto dos Refugiados; Caso Pacheco Tineo vs. Bolívia; Direito Internacional dos Direitos Humanos. Abstract: General obligations to respect na guarantee human rights derive from especial duties and can be determined according to the particular needs of protection of the subject situations of vulnerability. Precisely in the context, the present article, based on the analysis of the case Pacheco Tineo vs. Bolívia, focusing on the state of vulnerability of people in situations of refugee, traces as parameter a hermeneutic redefinition on the principle of non-refoulement aiming at the effective application of the International Human Rights Law on the subject of refugee. Keywords: Principle of non-refoulement; Refugee’s Law; Case of Pacheco Tineo vs. Bolívia; International Human Rights Law. 1 INTRODUÇÃO A migração entendida como um fenômeno multicausal, implica que pessoas se desloquem de maneira forçada ou voluntária como respostas às diferentes motivações de índole econômica, social, política, ambiental ou mesmo em convergência de várias deles. 332 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A título de curiosidade, bem como de análise atual-exemplificativa, nos últimos meses de 2018 e início 2019, grupos de pessoas denominadas de caravanas de migrantes saíram, principalmente, de Honduras, bem como Guatemala, El Salvador e Nicarágua com destino, prioritariamente, aos Estados Unidos da América. Neste contexto, entendendo o refugiado como sujeito de Direito no âmbito internacional, temendo perseguição em seu país de origem, mister se faz assumir, no vies humanitário, que os Estados possuem determinadas obrigações para com esses indivíduos não devendo ser relativizadas com fulcro na simples soberania estatal. Justamente nesta seara e partindo do premissa que tal movimento migratório não figura como fenômeno recente,218 é que o presente trabalho utiliza como pressuposto a análise de um relevante precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos como tentativa de uma ressemantização do princípio do non-refoulement que funciona como um eficiente mecanismo do Direito Internacional dos Direitos Humanos, de prevenir violações aos Direitos e Garantias fundamentais das ditas pessoas em situação de refúgio. Assim, com base na decisão da Corte Interamericana dos Direitos Humanos no Caso Família Pacheco Tíneo vs. Bolívia, a pesquisa estrutura-se em quatro pontos principais visando uma (re) interpretação e, por que não dizer, ressignificação do princípio do non-refoulement. No primeiro tópico, apresentar-se-á o caso concreto e suas delimitações. No segundo momento, delimitar-se-ão as bases norteadores conceituais dos institutos jurídicos envolvidos, tais como conceito de migrante, migrante internacional, refugiado e princípio do non-refoulement. No quarto e último tópico, pretender-se-á inovar e defender a criação de uma nova categoria do mencionado princípio, denominada de non-refoulement indireto. 218 Mas uma análise mais aprofundada sobre a origens dos fluxos migratórios, ver: SILVA. João Carlos Jarochinski. Uma análise sobre os fluxos migratórios mistos. In: 60 anos de ACNUR: Perspectivas de futuro. André de Carvalho Ramos, Gilberto Rodrigues e Guilherme Assis de Almeida, (orgs.). — São Paulo : Editora CL-A Cultural, 2011. pp. 210-220; DERDERIAN, Katherine e SCHOCKAERT, Liesbeth. Respostas a fluxos migratórios mistos: uma perspectiva humanitária. Revista Internacional de Direitos Humanos: SUR, São Paulo, n f. 10, pp. 107-119, jun. 2009. 333 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 2 CASO FAMÍLIA PACHECO TÍNEO VS. BOLÍVIA219 De acordo com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, denominada de CIDH, a família Peruana Pacheco Tíneo que vivia na Bolívia era composta por Rumaldo Juan Pacheco Osco, sua esposa Fredesvinda Tineo Godos e seus filhos Frida Edith Pacheco Tineo, Juana Guadalupe Pacheco Tineo e Juan Ricardo Pacheco Tineo.220 Com fulcro na base fática do caso em concreto, nos anos de 1990, o Sr. Rumaldo Juan Pacheco Osco e Fredesvinda Tineo Godos foram processados no Estado do Peru por supostos atos terroristas, o que culminou com a detenção de ambos e violação de seus direitos e garantias dentro do sistema penitenciário. Importante mencionar que foram liberados em 1994 tendo em vista sua absolvição no mencionado processo. Ocorre, entretanto, que em 13 de outubro de 1995, o Sr. Rumaldo e Sra. Fredeslinda Tineo, ingressaram na Bolívia temendo uma ordem supostamente arbitrária de prisão expedido pelo Estado Peruano, vez que a Suprema Corte Peruana havia anulado a anterior decisão de absolvição.221 Em 16 de Outubro de 1995, por meio do Centro de Estudios y Servicios Especializados sobre Migraciones Involuntarias - “CESEM” e do Alto Comissionado das Nações Unidas sobre Refugiados – ACNUR – e com base no Estatuto dos Refugiados, fora solicitado perante a Comissão Nacional de refugiados da Bolívia – CONARE222 - o status de refugiado para o Sr. Rumaldo e sua esposa. Reconhecimento este aceito pelo aludido órgão.223 Para ler o inteiro teor da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ver: Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo vs. Estado Plurinacional de Bolívia. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 25 de novembro de 2013, Série C, No. 272. 220 Cf. Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo... op. cit., parágrafo 65. 221 Cf. Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo... op. cit., parágrafo 67. 222 De acordo com o Decreto 19639 de 4 de júlio de 1983, “Artículo 1: Créase la Comisión Nacional del Refugiado, la misma que estará conformada de la siguiente manera: 1 Delegado del Ministerio de Relaciones Exteriores y Culto; 1 Delegado del Ministerio del Interior, Migración y Justicia; 1 Delegado del Ministerio de Trabajo y Desarrollo Laboral; 1 Delegado de la Iglesia; 1 Delegado de la Asamblea Permanente de Derechos Humanos; 1 Delegado de la Universidad Mayor de San Andrés, Facultad de Derecho y 1 Delegado del ACNUR. Esta Comisión Nacional que tendrá carácter transitorio, se encargará de asesorar tanto al Ministerio de Relaciones Exteriores y Culto como al Ministerio del Interior, Migración y Justicia en la determinación de la calidad de refugiado”. 223 Cf. Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo... op. cit., parágrafo 68. 219 334 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Em 4 de março de 1998, o Sr. Rumaldo e sua esposa assinaram uma declaração denominada de repatriação voluntária, documento no qual constava a possibilidade de envio da família de forma direta ao Perú. Insta salientar que abaixo da assinatura do Sr. Rumualdo constava uma nota de próprio punho do mesmo salientando que sua voluntariedade se dava tendo em vista não contar com nenhuma atenção governamental desde janeiro de 1998.224 Fato intrigante foi que o Estado Boliviano em sua defesa alegou a resolução 156/98, então vigente em seu território, na qual sinaliza que não há nenhuma irregularidade no envio consentido de alguém para outro país que não aquele de sua origem.225 Em 21 de março de 1998, a família Tineo partiu em direção ao Chile, tendo seu status de refugiados solicitado no Estado chileno 24 de Agosto de 1998 e reconhecido em 29 de dezembro de 1998. Ato contínuo, em 3 de fevereiro de 2001, a família Pacheco Tineo se deslocou para seu Estado de origem com a finalidade de regularização em sua terra natal. Como não lograram êxito e sendo perseguidos pela ditatura do então governo de Fujimori, novamente ingressam na Bolívia em 19 de fevereiro de 2001. Segundo dados do processo, a família alegava que estaria adentrando no Estado Boliviano com única finalidade de chegar ao Perú.226 Ponto importante neste contexto é que adentraram no Estado Boliviano sem nenhum registro em seus passaportes. Ao se apresentarem perante o serviço nacional de imigração boliviana – SENAMIG – foram-lhes retirados os passaportes227, senCf. Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo... op. cit., parágrafo 69. De acordo com a mencionada resolução: “”los Refugiados pueden retornar a sus países de origen de forma voluntaria, perdiendo así su Estatuto de Refugiado como se establece en el Texto de la Convención de las Naciones Unidas sobre el Estatuto de los Refugiados de 1951 en su Capítulo 1, inciso C. 1) [...] Que de acuerdo al oficio CS/109/98 del CESEM del 20 de marro de 1998 que adjunta la “Declaración Jurada de Repatriación Voluntaria a la República del Perú del señor Juan Pacheco, adhiriendo a su esposa e hija. Que en mérito al [artículo 41 del] Decreto Supremo No 24423 del 29 de noviembre de 1996, en su Titulo Sexto, Capítulo IV “DE LA PERMANENCIA DE ASILADOS Y REFUGIADOS” [...] POR TANTO: SE RESUELVE: Dar por concluidas las “Permanencias Temporales de Cortesía” otorgadas el 10 de marzo de 1989 mediante resolución No 142/98 de esta Dirección Nacional a Dn. Rumaldo Juan Pacheco Osco, [...] a su esposa Sra. Fredesvinda Tineo Godos, [...] y a la hija menor Juana Guadalupe Pacheco Tineo [...].Además a la hija menor Frida Edith Pacheco Tineo [...]. Siendo todos de nacionalidad peruana y con Resolución de la CONARE No 360 otorgada el22 de noviembre de 1996 a solicitud expresa del interesado y por abandonar el país por voluntad propia y sin autorización del Supremo Gobierno.” 226 Cf. Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo... op. cit., parágrafo 71 e ss. 227 De acordo com declaração do SENAMIG, “Se evidenció que toda la familia había ingresado ilegalmente a Bolivia, es decir, evadieron y burlaron los controles migratorios fronterizos obligatorios del 224 225 335 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 do-lhes expedida ordem de deportação para o Peru em 23 de fevereiro de 2001 através da resolução 136/2001 asseverando que a família Pacheco Tineo teria violado normas migratórias constantes no art. 48, incisos b), c), g) e k) do decreto 24.423.228 Ao retornarem ao território Peruano, o casal Rumaldo Juan Pacheco Osco e Fredesvinda Tineo Godos foram presos juntamente com seus três filhos menores, ocorrendo a separação a entidade familiar. Após serem processados e absolvidos a Família Pacheco Tineo apresentou denúncia do caso perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Por sua vez, a CIDH constatou terem sidos violados uma série de direitos da Família Pacheco Tineo, quais sejam: garantias judiciais de solicitar e receber asilo; violação do princípio non-refoulement; integridade física, psíquica e moral; bem como proteção especial às crianças. Como não ocorreu solução amistosa Perú y de Bolivia. En ningún momento demostraron ser refugiados. Migración tenía antecedentes de que los mismos renunciaron al estatuto de refugiados y solicitado [sic] su repatriación voluntaria en marzo de 1998”. [...] se tomó contactos telefónicos con el Cónsul de dicho país. No se tuvo respuesta oficial alguna en sentido de que si estas personas pueden o no pueden ingresar a Chile. Por lo tanto se trata a estas personas como a cualquier extranjero con ingreso ilegal. Pacheco abandona las oficinas de Migración y no retorna. La Sra. Tineo es detenida por la Dirección Nacional de lnspectoría y fue remitida a la Policía para ser Expulsada del país al día siguiente” 228 De acordo com o mencionado art. 48: “Serán expulsados del país y no podrán ingresar en el futuro a territorio boliviano, los extranjeros comprendidos en las siguientes causales: a) Que porten o presenten en cualquier tiempo pasaporte, cédula de identidad u otros documentos falsos o adulterados; b) Que hubieran ingresado ilegalmente al país, infringiendo normas establecidas en el presente Decreto Supremo o que formulen declaraciones falsas o presenten documentos o contratos simulados ante las autoridades de Migración o las de Trabajo; c) Que fueran sorprendidos permaneciendo en el país, sin causa justificada, mayor tiempo que el que tuvieran autorizado por su respectiva visa o permanencia; d) Que les hubiera sido cancelada o anulada su permanencia o radicatoria; e) Que estuvieran dedicados a comercio ilícito o hubieran ejecutado actos contrarios a la moral pública o a la salud social o dedicados a la vagancia; f) Que intervengan directa o indirectamente en actividades relacionadas con trata de blancas, narcotráfico, terrorismo, comercio o tenencia de armas, falsificación de moneda o aquellos que encubran o protejan a quienes estuvieran dedicados a ellas, aún cuando las sentencias condenatorias no determinen su expulsión; g) Que hubieran defraudado en cualquier forma al Tesoro General de la nación o a Instituciones del Estado; h) Que hubieran cometido delitos que merezcan pena privativa de libertad mayor a seis meses o condenados por quiebra fraudulenta, aún cuando las sentencias respectivas no determinen su expulsión; i) Que intervengan en cualquier forma en política interna o de dirección sindical o inciten por cualquier medio a la alteración del orden social, político o de las organizaciones sindicales. Que se incorporen a asociaciones que tengan directa o indirectamente fines políticos. Que intervengan en la organización o dirección de desfiles, asambleas o cualquier clase de manifestaciones públicas de carácter político o contrarias a las decisiones del Supremo Gobierno o que efectúen declaraciones o publicaciones en el mismo sentido u ofensivas a las instituciones y / autoridades nacionales. Que inciten de alguna manera al desobedecimiento a las leyes de la República o a las autoridades legalmente constituidas; j) Que entorpezcan en cualquier forma las buenas relaciones internacionales de Bolivia o desarrollen actividades de agitación o propaganda contra los gobiernos de los países con los cuales mantenemos relaciones; k) Que incumplan la residencia que en su caso les hubiera sido impuesta.” 336 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho entre as partes, o caso foi remetido a Corte Interamericana de Direitos Humanos em 21 de fevereiro de 2012.229 3 DISTINÇÃO CONCEITUAL DOS INSTITUTOS JURÍDICOS Antes de adentrar na análise crítico-conceitual sobre a (im) possibilidade de interpretação que originaria o princípio no non-refoulement em uma nova nomenclatura, qual seja o non-refoulement indireto, torna-se necessário uma breve análise conceitual dos institutos que os norteiam. Tal posicionamento, para além de tecnicamente correto, configura a obrigatoriedade da constatação de um maior rigor metodológico do presente trabalho científico. 3.1 Migrante Internacional Não obstante a inexistência da diferença com positividade legal dentro do Direitos Internacional dos Direitos Humanos entre as diferentes nomenclaturas de migrantes, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tem entendido como migrante internacional “toda pessoa que se encontra fora do Estado no qual nasceu”.230 Já a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mesmo aderindo a definição anterior, realiza uma consequente complementariedade enfatizando que o caráter de refugiado é adquirido independentemente do status legal da pessoa no país de destino, a natureza involuntária ou voluntária do deslocamento, suas causas ou a duração da permanência.231 Cf. Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo... op. cit., parágrafo 1. CIDH, Derechos humanos de migrantes, refugiados, apátridas, víctimas de trata de personas y desplazados internos: Normas y estándares del Sistema Interamericano de Direchos Humanos, OEA/Ser. L/V/II. Doc. 46/15, 31 de Deciembre de 2015. párr 124. Nesta mesma linha conceitual, a CIDH no parágrafo 139 traz uma outra definição, qual seja “Movimento Migratório Misto”. Tal termo, refere-se aos movimentos migratórios que se originam de diversas causas e são caracterizados por movimentos populacionais complexos que incluem diferentes grupos de pessoas que estão no contexto da imigração internacional. Dentre eles, os migrantes em razões econômicas ou ambientais, refugiados de status regulares, crianças traficadas ou adolescentes desacompanhados e separados de suas famílias, requerentes de asilo ou migrantes como resultado de desastres naturais e necessitados de proteção. Importante mencionar que, há casos, durante o processo de migração no qual pessoas passam a figurar como vítimas de crimes. 231 OIM. ¿Quién es um migrante? Disponível em: https://www.iom.int/es/quien-es-un-migrante. Data da Consulta: 17 de maio de 2019. 229 230 337 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Em suma, todo ser humano tem o direito prima facie de ser entendido como refugiado, quando presente determinadas adversidades no seu Estado de origem que, de forma direta ou indireta, coloque em risco a sua real condição de vida com dignidade.232 Exatamente neste sentido, tendo como pressuposto a afronta à Dignidade da pessoa Humana,233 em 25 de novembro de 2013, após procedimento investigativo e judicial a Corte Interamericana de Direitos Humanos, dentre outros pontos, condena o Estado Boliviano pela violação do art. 22.8 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, qual seja o princípio do non-refoulement.234 3.2 Migrante em situação irregular A nomenclatura “Migrante em Situação Irregular” refere-se às pessoas que ingressam em um território no qual não são nacionais sem a devida documentação ou que permanecem para além do tempo que autorizado.235 Importante ressaltar que a recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos aos Estados para a utilização do mencionado termo em detrimento aos vocábulos “ilegal” ou “migrante ilegal” dá-se pela necessidade de erradicar a ideia preconceituosa estabelecida de migrantes “ilegais” como sendo criminosos236 Para estudo mais aprofundado sobre o conceito de vida com dignodade e “Dano ao projeto de vida” ver: Corte Interameircana de Direitos Humanos, Caso Loayza Tamayo versus Peru, sentença de 17 de setembro de 1997, Série C, n.º 33. 233 Para uma leitura com maior profundidade técnica sobre o princípio da Dignidade da pessoal Humanos, suas controvérsias epistemológicas e alguns julgados do Sistema Interamericano neste sentido, ver: MONSALVE, Viviana Bohórquez; RAMÁN, Javier Aguirre. As Tensões da Dignidade Humana: conceituação e aplicação no Direito Internacional dos Direitos Humanos. In: revista Internacional dos Direitos Humanos. Rede Universitária de Direitos Humanos – v.1, n. 1. Jan. 2004 – São Paulo. Pp. 41-63; CAMPOY, I. Una revisión de la idea de dignidade humana y de los valores de liberdad, igualdad y solidariedade em relación com la fundamentación de los derechos. Anuário de Filosofia del Derecho, v. 21. BOE: Madrid, 2005. pp-143-166. 234 Mister se faz observar que para o presente trabalho, abordar-se-á apenas o princípio do non-refoulement, vez que figura como foco da pesquisa. Para uma leitura mais detalhada de toda a condenação, ver: PAIVA, Caio Cezar; HEEMANN, Thimotio Aragon. Jurisprudência Internacional dos Direitos Humanos. 2 ed. Belo Horizonte: Editora CEI, 2017. p. 524 e ss. 235 CIDH, Derechos humanos de migrantes... op. cit. Párr 125. 236 CIDH, Derechos humanos de migrantes, ... op.. cit. Párr. 139; y CIDH. Derechos humanos de los migrantes y otras personas em el contexto de la movilidad humana em México. OEA/Ser. L/V/II. Doc. 48/13. 30 de Decembrer de 2013, párr. 45 232 338 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 3.3 Refugiado Do ponto de vista filosófico, Hannah Arendt assevera que nenhum ser humano deveria/gostaria de ser denominado de refugiado, vez que tal termo carrega consigo uma grave visão negativa pré-estabelecida. Talvez a vocábulo correto, deveria ser recém-chegado. Ou em outros termos, de acordo com a autora, a nomenclatura ser humano, por si só, já bastaria para delinear o arcabouço de existência de um indivíduo; sem nenhuma necessidade de amarras conceituais, o que caracterizaria apenas pura retórica de discriminação.237 Juridicamente, a primeira definição universal do termo refugiado é encontrada na Convenção sobre o Estatuto dos refugiados de 1951.238 Posteriormente tal conceito é modificado pelo protocolo de 1967, segundo o qual considera-se refugiado toda pessoa que por fundados temores de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a determinado grupo social ou opiniões políticas se encontra fora de seu país de origem; bem como aqueles que não podem ou não querem retornar para seu país de origem tendo em vista os mencionados temores à sua integridade.239 Importante mencionar, que visando uma melhor adequação ao cenário do continente americano, tal definição foi ampliada pela Declaração de Cartagena de 1984 entendendo refugiados também como pessoas que tenham saído de seu país por ameaça a sua vida, segurança ou liberdade frente à violência generalizada oriundos de conflitos internos, violência massiva à direitos humanos ou outra circunstancia que tenha perturbado de forma grave a segurança pública.240 ARENDT, Hannah. Nós, os refugiados. In; Jerome kohn e Ron H. Feldman (org.). Escritos judaicos, tradução de Laura Degaspare Monte Mascaro, Luciana Garcia de oliveira e Thiago Dias da Silva. Barueri: Monole, 2016, pp. 472-492. Vejamos um trecho elucidativo, p. 491: “(...) Dificilmente consigo imaginar uma atitude mais perigosa, desde que vivemos realmente num mundo no qual seres humanos enquanto tais deixaram de existir já há algum tempo; desde que a sociedade descobriu a discriminação como a maior arma social através a qual pode-se matar um ser humano sem derramar sangue; desde que passaportes ou certificados de nascimento e algumas vezes até recibos de impostos, não são mais papeis formais, mas factos de distinção social.” 238 Art. 1o da Convenção sobre Estatuto dos Refugiados de 1951. 239 CIDH. Informe Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Quarto informe de progresso da relatoria sobre trabalhadores migrantes e membros de suas famílias. OEA/Ser.L/V/II.117 Doc 1 ver. 1. 7 de março de 2003, parágrafo 101. 240 Para um estudo mais aprofundado sobre o tema, ver: ALMEIDA, Guilherme Assis de. A Lei n. 9.474/97 e a definição ampliada de refugiado: breves considerações. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 95, p. 373-383, 1 jan. 2000. SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes; BÜHRING, Marcia Andrea. A problemática dos refugiados/deslocados/migrantes ambientais e a 237 339 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Nesta mesma linha interpretativa, a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), com base no que prescrito pelo ACNUR (Alto Comissionado das Nações Unidas para refugiados), determina que um ser humano é refugiado tanto em sua definição primária do Estatuto dos Refugiados, quanto pela sua definição estendida na Declaração de Cartagena, mesmo antes de sua declaração formal.241 Em termos mais simples, a definição de refugiado, para além de um caráter constitutivo, figura como um caráter declaratório, vez que não se adquire a condição de refugiado em virtude do reconhecimento, mas se reconhece tal condição pelo fato de ser refugiado.242 3.3.1 Procedimento para reconhecimento de situação de refúgio Em sentido lato, trata-se de uma análise discricionária de cada Estado para avaliar se determinada pessoa, que apresentou uma solicitação de refúgio, realmente tem necessidade de acolhimento e proteção Internacional do Estado em detrimento à situações arbitrária em seu país de origem que, poderiam culminar em sua violação do direito à vida e integridade física.243 Não obstante, tendo em vista os elementos constitutivos do Estado, este poderá, através da soberania, estabelecer seus próprios procedimentos internos com fundamento em normas e textos legais244 para a determinação do status de refugiado; sempre especificando os prazos, métodos de avalição, recursos de impugnação à decisões desfavoráveis, dentre outros aspectos que coadunem com a garantia do Devido Procedimento Administrativo. demanda por direitos sociais: desafios de ontem e perspectivas para o amanhã. Direitos fundamentais e justiça, Porto Alegre, v. 4, n. 13, out./dez. 2010, p. 96-109. JUBILUT, Lyra; MIRANDA, André de. Os Desafios de Proteção aos Refugiados e Migrantes Forçados no marco de Cartagena + 30. RMHU – Revista Interdisciplinar de Mobilidade Humana, 2014, 22 (julho-Dezembro). Acesso em 16 de junho de 2019. Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=407042020002> 241 KNEEBONE, Susan. Refugees, asylum seekers and the rule of law: Comparative perspectives. Cambridge University Press, 2009. p. 9. 242 CIDH, Derechos humanos de migrantes, ... op.. cit. Párr. 131; ACNUR. Manual e Diretrizes sobre Procedimentos e Critérios para determinar a Condição de Refúgio. 1979, parágrafo 28 243 ACNUR. A Determinação do estatuto do refugiado: como identificar um refugiado? Módulo informativo No. 2, 1 de setembro de 2015, p. 10. 244 Para os Juristas J.J.Gomes Canotilho e Vidal Moreita, “texto é apenas um enunciado linguístico e norma é o produto da interpretação deste enunciado.” Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vidal. Fundamentos da Constituição. Lisboa: Ed. Coimbra, 1991. p.45. 340 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Importante mencionar, contudo, que esta dita autonomia soberana dos Estados para editar suas legislações devem respeitar o que preconizado pela Alto Comissionado da Nações Unidas sobre Refugiados em relação às obrigações derivadas da Convenção sobre Direito dos Refugiados de 1951. Neste sentindo, em uma primeira análise e com base na proteção universal dos Direitos Humanos, o reconhecimento de refúgio preponderaria em detrimento à soberania Estatal quando houvesse uma colisão entre ambos.245 3.3.2 Reconhecimento prima facie da condição de refugiado As solicitações de reconhecimento de condição de refugiado, de acordo com a regra geral, são analisadas tendo em vista os procedimentos estabelecidos pelo Estado com base nas normativas traçadas pelo alto comissionado das Nações Unidas para Refugiados respeitando a adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito de cada solicitante. Não obstante, que em situações excepcionais nas quais grupos inteiros se deslocam em movimentos migratórios e, como consequência, se torna difícil todas as verificações de pedido de refúgio de forma rápida e satisfatória, surge a possibilidade dos Estados reconhecerem de forma coletiva o status de refugiado.246 Contudo, para que isso ocorra há a necessidade de que existam circunstâncias evidentes e objetivas de que o país de origem colocava em risco a vida e integridade física dos migrantes.247 Mister salientar, no entanto, que o reconhecimento prima facie248 dos refugiados admite provas em contrário,249 bem como clausulas de exclusão.250 Cf. STERNBERG, Mark. R. Von. The grounds of refugee protection in the contexto of international human rights and humanitarian law. New York: Martinus Nijhoff Publishers, 2002. p. 57 e ss. 246 ACNUR. Directrices sobre protección internacional No 11. “Reconocimiento prima facie de la condición de refugiado.” HCR/GIP/ 15/11, 24 de junio de 2015, párr 4. 247 ACNUR. Directrices sobre protección internacional No 11... op. cit. Párr. 18. 248 Para uma análise mais detalhada sobre a deontologia dos direitos e deveres prima facie, ver: RABELO, Miguel. “A ética dos deveres Prima Facie, de David Ross, será uma forma credível de deontologia?” In: Philosophica, 42. Lisboa: Ed. Colibri, 2013. 183-188. 249 MENEZES, Thais Silva. Direitos humanos e direito internacional dos refugiados: uma relação de complementaridade. In: 3° ENCONTRO NACIONAL ABRI 2011, 3., 2011, São Paulo. Acess on: 10 June. 2019. 250 ACNUR. Diretrizes sobre proteção internacional. A aplicação das cláusulas de exclusão: o art. 1F da Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados. HCR/GIP/03/05, 4 de setembro de 2003. 245 341 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Entretanto, mesmo que as clausulas de exclusão apresentem positividade legal, existem autores que criticam sua inconsistência de definição teórica. Neste sentido, Zimmermann aduz que a previsão legal, quando vaga e genérica, configuraria apenas uma formalidade e não um mecanismo de defesa do indivíduo frente às possíveis arbitrariedades Estatais.251 Em outras palavras, termos com vasta possibilidade de interpretação conceitual, possibilitaria ao Estado agir da forma a desrespeitar direitos e garantias individuais sob o escopo da literalidade da letra fria da lei. Nesta linha interpretativa, o reconhecimento prima-facie da condição de refugiado não deve ser confundido com provisoriedade do suposto direito, tendo em vista que uma vez confirmada a condição de refugiado, prima facie ou não, o indivíduo somente a perde caso incorra em alguma cláusula de revogação ou cancelamento da mencionada condição. 4 PRINCÍPIO DO NON-REFOULEMENT O princípio do non-refoulement, do não rechaço ou, simplesmente, da não devolução252 consiste na vedação de retorno compulsório de imigrantes ou pessoas em condição de refúgio para o Estado do qual os mesmos tenham saído por fundados temores de perseguição. Neste sentindo, assevera Giuseppe Puma que o mencionado princípio é um instrumento basilar do Direito Internacional dos Refugiados, proibindo a devolução de refugiados ao seu território de origem quando o mesmo apresenta risco a sua vida ou liberdade pessoal em relação a raça, nacionalidade, religião, condição social ou opinião política.253 Apenas a título de curiosidade, vez que não é foco principal do presente artigo, as clausulas de exclusão encontram-se positivadas no Art. 1F da Convenção sobre o estatuto dos refugiados de 1951. Senão vejamos: a) cometimento de delito contra a paz, delito de guerra ou contra a humanidade; b) cometimento de grave delito comum fora do país de refúgio, antes de ser admitido como refugiado; e c) considerado culpado por atos contrários as finalidades e princípios das ONU. 251 ZIMMERMANN, Andreas. The 1951 Convention Relating to the Status of Refugees and the Its 1976 Protocol: a commentary. Disponível em: http://bit.ly/1FymBWL. p. 1412. 252 A opção pela utilização da nomenclatura non-refoulement deu-se em virtude de facilitação de pesquisa acadêmica nos mecanismos de aplicação do Direito Internacionais dos Direitos Humanos. 253 Cf. PUMA, Giuseppe. Non-refoulement at sea and the european convention on human rights. 342 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Partindo deste pressuposto conceitual e, consequentemente, adentrando na análise prática da questão - tendo como premissa básica a proteção da Pessoa Humana no âmbito do Direito Internacional254 -, mister se faz mencionar que o princípio do non-refoulement apresentaria três problemáticas no tocando à sua real efetividade. Primeiro, a proibição de arbitrariedade na zona fronteiriça, tendo em vista que o direito de busca de refúgio se caracterizaria como um direito prima facie visando o restabelecimento da dignidade do refugiado. Em outras palavras, o indivíduo que busca refúgio tem o direito subjetivo de ingresso e, posterior, análise de seu pedido com respaldo do devido processo administrativo; o que nem sempre é respeitado. Segundo, a verificação se a possível perseguição por parte de agentes privados justificaria a aplicação do Estatuto dos Refugiados, tendo em vista que a Convenção sobre Refugiados e seu protocolo de 1966 amparam de forma expressa, o refúgio aos indivíduos que sofrem perseguição por parte do Estado e não dos entes privados. Por último, mas não menos intrigante, a própria concessão de refúgio e/ ou extradição, uma vez que a solicitação e, posterior reconhecimento da condição de refugiado, impedem a extradição com base nos fatos que ensejaram a concessão do refúgio.255 Importante mencionar que órgãos de Direito Internacional dos Direitos Humanos, são unânimes em afirmar que o princípio do non-refoulement figura como premissa de proteção internacional dos refugiados256; chegando, inclusive, a entende-lo como norma de caráter jus cogens.257 In: MIGRAÇÕES: políticas e direitos humanos sob as perspectivas do Brasil, Itália e Espanha. Coordenação de Caroline PRONER, Estefânia Maria de Queiroz BARBOZA, Gabriel Gualano de GODOY. Curitiba: Juruá, 2015. P 367-388. 254 Para um maior aprofundamento teórico sobre essa temática ver: ALMEIDA, Guilherme Assis de. A Proteção da Pessoa Humana no Direito Internacional: conflitos armados, refugiados e discriminação racial. São Paulo: Editora CLA Cultural, 2018. 255 Para maiores detalhes, ver: RAMOS, André de carvalho. O Princípio do non-refoulement no Direitos dos Refugiados: Do ingresso à Extradição. Revista dos tribunais, RT 892/347, fev./ 210, pp. 11651178. 256 ACNUR, Opinião consultiva sobre a aplicação extraterritorial das obrigações de não devolução em virtude da Convenção sobre o estatuto dos refugiados de 1951 e seu protocolo de 1967, parágrafo 5; CorteIDH. Derechos y garantias de niñas y niños em el contexto de la migración y / o em necesidad protección internacional. Opinión Consultiva OC-21/14 de 19 de agosto de 2014. Série A No. 21, párr. 209. 257 De acordo com o art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, quando da explicação do que vem a ser normas de jus cogens, assim aduz: “norma imperativa de Direito Internacional geral 343 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Jean Allain, por sua vez, observa que para que o mencionado princípio seja considerado como norma de jus cogens são necessários dois requisitos cumulativos: impossibilidade de derrogação e aceitação pela comunidade internacional; conforme enfatizado pela Corte Internacional de Justiça em 1986 no caso Nicaragua.258 Exatamente nesta perspectiva, existiria uma prevalência hierárquica das normas de Jus cogens em detrimento a todas as outras fontes de Direito internacional, o que por si só, caracterizaria sua particularidade de imperatividade, podendo ser de origem convencional ou costumeira.259 4.1 Non- refoulement na Convenção da ONU sobre Estatuto dos Refugiados de 1951. A Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 estabelece em ser art. 33 que nenhum Estado poderá expulsar ou devolver algum refugiado para país em que sua vida e/ou integridade física estejam em perigo. 260 Ressalta-se que em seu âmbito inicial de trabalhos preparatórios para sua criação o princípio do non-refoulement foi criado com a finalidade de proteger a pessoa de forma individualizada e não de refugiados em massa. 261 Nesta mesma linha interpretativa, o Art. 13.4 da Convenção Americana para Prevenir e Punir a Tortura assevera que não será extraditada nem devolvida a pessoa quando haja fundado temor de perigo de sua vida ou de julgamento por tribunal ad hoc no Estado requerente. Não obstante, a mesma convenção afirma que nenhum país é obrigado a permanecer com um indivíduo que seja considerado um é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.” 258 Para maiores detalhes, inclusive sobre o caso Nicarágua, ver: ALLAIN, Jean. The jus cogens nature of non-refoulement. In: International Journal of Refugee Law. Vol. 13, n. 4. 2001, p. 538 e ss. 259 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público – 5a edição – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 150. De acordo com o autor: “(...)toda norma jurídica é obrigatória, mas nem todas as normas são imperativas, como é o caso do jus cogens.” 260 Art. 33.1 da Convenção da ONU sobre estatuto dos Refugiados de 1951. 261 HURWITZ, Agnès. The collective responsibility of states to protect refugees. Oxford; New York: Oxford University Press; 2009. 344 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho perigo para sua seguridade ou que tenha sofrido uma condenação definitiva em um delito potencialmente grave.262 Desta forma, constata-se que a permanência de um refugiado, bem como a sua não devolução direta ao seu país de origem não é absoluta, vez que apresenta exceções positivadas em dispositivos legal. Talvez, o ponto mais importante deste contexto fático - que será solucionado mais adiante – reverbera na resposta de qual seria a possível solução para a aparente antinomia existente entre o interesse do Estado em não ter em seu território alguém com fundado temor de periculosidade e o, possível, perigo à vida oriundo de uma devolução para o país de origem.263 4.2 Non-refoulement na Convenção Americana de Direitos Humanos No âmbito da Convenção Americana dos Direitos Humanos, o mencionado princípio encontra-se preconizado no Art. 22.8 da Convenção Americana dos Direitos Humanos.264 O Sistema Interamericano reconhece que o princípio do non-refoulement funciona como uma pedra angular para salvaguardar a não violação de direitos e garantias fundamentais dos refugiados que se encontrariam veementemente prejudicadas caso houvesse a devolução de pessoas ameaçadas para seu país de origem.265 Importante salientar, como já o fez a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que o princípio do non-refoulement visa resguardar o ser humano de um possível risco quando diante de algum tipo de procedimento na tentativa de devolução a seu país de origem.266 A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, tem interpretado o princípio da não devolução como um direito mais Art. 33.2 da Convenção da ONU sobre estatuto dos Refugiados de 1951. Sobre esse tema, ver: GOODWIN-GILL, G.S.; MCADAM, J. The Refugee in International Law, 3rd ed., Oxford, 2007. TREVISANUT, S. The Principle of Non-refoulement at Sea and the Effectiveness of Asylum Protection. In Max Planck Yearbook of United Nations Law, 2008. 264 Art. 22.8: Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas. 265 Cf. HATHAWAY, James C. The Rigths of Refugees under International Law. Cambridge University Press, 2005, p.363. 266 CorteIDH. Derechos y garantias de niñas y niños em el contexto de la migración y / o em necesidad protección internacional. Opinión Consultiva OC-21/14 de 19 de agosto de 2014. Série A No. 21, párr. 208. 262 263 345 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 amplo em seu conteúdo e alcance no que tange ao direito internacional dos refugiados. Em outros termos, não haveria a proibição da devolução somente quando estivesse em perigo a vida, mas também quando estivesse em dúvida a vida com dignidade. É dizer que não basta respeitar o direito a estar vivo. Mas estar vivo sem sofrer danos a integridade física e psíquica. Exatamente o que preconizado pela Corte no caso família Pacheco Tineo vs. Bolívia.267 Ressalta-se também, no que tange à temática do mencionado princípio, que a Corte no Caso Wong Ho Wing vs. Perú reiterou que dada a gravidade e possíveis consequências da exclusão do status de refugiado, qualquer determinação neste sentido deve passar por um rigoroso procedimento administrativo imparcial e adequado com respeito ao devido processo. Reiterando que tais exigências processuais estarão presentes mesmo em casos onde o indivíduo se encontra em alguma das clausulas de exclusão.268 Outra decisão emblemática da Corte Interamericana de Direitos Humanos no sentido da vedação da afronta ao princípio do non-refoulement é o Caso Velez Loor vs. Panamá, no qual o Sr. Velez Loor, cidadão equatoriano foi preso no Panamá e deportado de forma arbitrária. Neste caso a Corte não só condenou o Estado do Panamá por violação ao princípio do non-refoulement, mas também asseverou que todo e qualquer migrante, legal ou não, tem o direito ao devido processo legal, abrangendo o contraditório e ampla defesa; sendo de primordial importância nos casos de migrantes o contato prévio com uma defesa qualificada, assistência consular, bem como direito a audiência de custódio.269 Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo vs. Estado Plurinacional de Bolívia. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 25 de novembro de 2013. Parágrafo 151 e ss. 268 Corte IDH. Caso Wong Ho Wing vs. Perú. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 22 de junho de 2016. Parágrafo 127 e ss. ZONTA, Ana Carolina; FRANCISCO , Pâmela. Direito dos Refugiados e o Direitos Internacional dos Direitos Humanos: uma análise a partir do caso Wong Ho Wing vs. Peru. In: Anais do I Seminário sobre direitos fundamentais e democracia: Migrações, uma visão comparada entre Brasil e Espanha. Curitiba (PR): UNIBRASIL, 2016. Corte IDH. Opinião Consultiva OC-25/18: A instituição do asilo e seu reconhecimento como direito humano no sistema interamericano. 30 de maio de 2018, parágrafo 122. 269 Cf. Corte IDH. Caso Vélez Loor vs. Panamá. Exceções Preliminares, Fundo, Reparações e Custas. Sentença de 23 de novembro de 2010. Séria C. No. 218. Em seu parágrafo 97 a Corte IDH afirma que: “”(...) no exercício da sua faculdade de fixar políticas migratórias, os Estados podem estabelecer mecanismos de controle de entrada em seu território e saída dele a respeito de pessoas que não sejam seus nacionais, desde que tais políticas sejam compatíveis com as normas de proteção dos direitos humanos estabelecidos na Convenção Americana.” 267 346 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Mesmo não figurando como foco do presente trabalho, mas apenas como título de curiosidade, importante mencionar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já se posicional tanto em sua opinião consultiva de n. 16, quanto nos casos Tibi vs. Equador270 e Acosta Calderón vs. Equador271 que a assistência consular ao preso em situação de migração irregular figura como direito e garantia fundamental. Desconsiderar tal pressuposto além de clara afronta a Convenção Americana, significa o desrespeito a própria Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados. Assim o sendo, é evidente o posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos no sentido de respeito não só a situação de refúgio, mas também a uma real necessidade de precaução no que tange a impossibilidade de afronta ao princípio do non-refoulement, mesmo em situações nas quais os Estados em seu âmbito interno apresentam positividade no sentido de sua permissibilidade. 5 A ORIGEM DO NON-REFOULEMENT INDIRETO ORIUNDO DA INTERPRETAÇÃO FÁTICA DO CASO FAMÍLIA PACHECO TÍNEO VS. BOLÍVIA. Em 21 de fevereiro de 2012, o Estado Boliviano foi condenado perante a Corte Interamericano de Direitos Humanos como violador, dentre outros, do princípio do non-refoulement. Justamente por ser a primeira decisão da Corte IDH discutindo tal princípio, o mesmo, basicamente, foi debatido em sua forma expressa, qual seja a proibição da devolução direta para o país onde outrora se originaram as perseguições.272 Cf. Corte IDH. Caso Tibi Vs. Ecuador, Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas, Sentencia de 7 de septiembre de 2004. 271 Cf. Corte IDH. Caso Acosta Calderón vs. Ecuador. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 24 de junio de 2005. Serie C, n. 129. 272 No parágrafo 129 da decisão no caso Pacheco Tineo vs. Bolívia, a Corte enfatiza que: “En atención a las necesidades especiales de protección de personas y grupos migrantes, este Tribunal interpreta y da contenido a los derechos que la Convención les reconoce, de acuerdo con la evolución del corpus juris internacional aplicable a los derechos humanos de las personas migrantes. Lo anterior “no significa que no se pueda iniciar acción alguna contra las personas migrantes que no cumplan con el ordenamiento jurídico estatal, sino que, al adoptar las medidas que correspondan, los Estados deben respetar sus derechos humanos, en cumplimiento de su obligación de garantizar su ejercicio y 270 347 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Já o princípio do non- refoulement indireto significa a vedação da devolução de refugiados a um terceiro país que, de forma primária, não apresentaria risco a integridade física ou psíquica do indivíduo. Mas que, em um segundo momento, poderia devolvê-lo ao país do qual se viu compelido a migrar. Em outras palavras, configura a não devolução para um terceiro país que apresentaria a previsibilidade de, posteriormente, proceder a devolução dos imigrantes para seu país de origem.273 Nota-se que nem a Convenção da ONU sobre o Estatuto dos refugiados, nem a Convenção Americana dos Direitos Humanos apresentam, de forma expressa, essa vedação. Sendo que a mesma foi fruto de construções jurisprudenciais dos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos, tendo como respaldo principal a o art. 3 da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes que veda tais possibilidades em qualquer âmbito, independentemente se o fato originário tenha como respaldo uma devolução direta ou indireta.274 É dizer que se é vedado um tratamento cruel, desumano ou degradante e que o mesmo pode acontecer quando um país resolve devolver um migrante a um terceiro Estado que, posteriormente, poderia enviar o indivíduo a seu Estado de origem, o qual outrora lhe causava uma efetiva ameaça, também o é proibido a devolução primária. Desta forma, com base neste raciocínio, tanto seria proibida da devolução direta (por determinação legal), quanto a devolução indireta (por interpretação sistêmica). Por outro lado, o Alto Comissionado das Nações Unidas para refugiados entende que é possível a aplicação do princípio do non-refoulement de forma indireta pela simples análise interpretativa do goce a toda persona que se encuentre bajo su jurisdicción, sin discriminación alguna por su regular o irregular estancia, nacionalidad, raza, género o cualquier otra causa. Lo anterior es aún más relevante, si se tiene en cuenta que en el ámbito del derecho internacional se han desarrollado ciertos límites a la aplicación de las políticas migratorias que imponen, en procedimientos de expulsión o deportación de extranjeros, un apego estricto a las garantías del debido proceso, la protección judicial y al respeto de la dignidad humana, cualquiera que sea la condición jurídica o estatus migratorio del migrante.” 273 EDWARDS, Alice. International Human rights law. In: International refugee law. Coord. Daniel Moelckli et. Al. 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Coimbra: Coimbra editora, 2006. 348 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho que contido no art. 33 da Convenção da ONU relativa ao Estatuto dos Refugiados.275 Assim o sendo, independente da positividade legal no sentido apenas do non-refoulement direto, figuraria como plausível e aceitável uma nova interpretação do mencionado princípio - com fulcro no Direitos internacional dos Direitos Humanos - para constatar a real possibilidade de uma criação hermenêutica abrangendo, também, a proibição de aplicação de sua forma indireta. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Toda e qualquer forma de soberania estatal destinada a obter segurança a qualquer custo produz uma nova complicação do sistema, que conduz, por sua vez, a novas inseguranças. Talvez por essa razão, Castanheira Neves afirma que estamos hoje vivendo não a “era de crise”, mas o “excesso problemático do pós-crise”276 e adentrando a era dos escombros propriamente ditos, na qual parece que vale tudo e de qualquer forma para resguardar a dita reconstrução da soberania Estatal; mesmo que para isso, em alguns momentos, haja a necessidade de desconsiderar Direitos Humanos. Assim, desde a criação da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, tal temática ganhou muito relevo e discussões doutrinárias, principalmente no que tange à defesa e aplicabilidade do Direito Internacional dos Direitos Humanos frente à suposta soberania estatal. Neste sentido, partindo do pressuposto da análise do sistema global de proteção de direitos humanos, culminando nos sistemas regionais, mais especificamente o Sistema Interamericano de Direitos Humanos,277 o presente trabalho objetivou-se a estudar um mecanismo de proteção de direitos humanos esculpido no princípio do Nota-se que tal entendimento do ACNUR foi fruto justamente da análise da decisão da corte, cf: Corte IDH. Caso Família Pacheco Tineo vs. Estado Plurinacional de Bolívia... Op. cit. Parágrafo 153. 276 NEVES, A. Castanheira. Pensar o Direito num Tempo de Perplexidades. In: Liber Amicorum de JOSÉ DE SOUSA E BRITO: em comemoração do 70. Aniversário. Ed. Almedina, 2009, p. 3-28. 277 Cf. WOJCIECHOWAKI, Paola Bianchi. O Impacto do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e dos Ditames da Justiça Transicional: A Fragilidade do Estado Democrático de Direito frente à Denegação do Direito à Justiça. In: Direitos Humanos Atual. Coords. Inês Virgínia Prado, Flávia Piovesan. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, pp. 348-369. 275 349 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 non-refoulement; princípio este que estabelece um instrumento de defesa da população em situação de refúgio frente à possíveis violações Estatais. Com base no que já exposto, faz-se necessário duas prévias constatações que se justificam pela mesma fundamentação teórica, qual seja: a necessidade de observação do que codificado ou não, sempre com base na Interpretação oriunda não apenas de mecanismos isolados. Mas, sobretudo, como desdobramentos da interpretação desenvolvida à partir do Direito Internacional dos Direitos Humanos. É dizer que a positividade legal existe para que se possa prevenir de possíveis irregularidades frente a arbitrariedade estatal e não como mecanismo de não ampliação interpretativa quando esta técnica visar a extensão de direitos às classes vulneráveis, como é o caso da população em situação de refúgio. Assim o sendo, constata-se que mesmo o princípio do non-refoulement direto apresentando exceções e limitação em razão de ratione personae, possui uma análise interpretativa com base na relativização de sua aplicação quando se trata de imigração em massa, possibilitando o reconhecimento prima facie do caráter de refugiados. E como consequência, a possibilidade de interpretação inovadora para estender, ao mencionado princípio, também à proibição na devolução indireta; vez que quando do “aparente”278 conflito entre a soberania Estatal e o Direito Internacional dos Direitos Humanos no tocante aos refugiados, este deve prevalecer em detrimento àquele tendo em vista sua (re)leitura como norma de jus cogens. Entendimento de forma contrária, com amparo apenas na letra fria da lei, configuraria, data máxima vênia, uma visão retrógrada da finalidade dos Direitos Humanos, inconciliável com os fundamentos democráticos e o dever internacional de ajuda humanitária, frente ao poder punitivo dos Estados. Em outras palavras e parafraseando Manuel Augusto Meireis, “não são os limites dos Direitos Humanos que precisam se adaptar ao processo, mas é antes o processo que precisa se adaptar às exigências dos Direitos Humanos.”279 O vocábulo “aparente” foi utilizado sob a perspectiva de que a soberania estatal, como um dos elementos constitutivos do Estado, surge para que os indivíduos se sintam protegidos e não perseguidos. Assim, não haveria nenhum conflito, caso o Estado se visse como garantidor dos Direitos Humanos e não apenas de Direitos Fundamentais em sua ordem interna. 279 MEIREIS, Manual Augusto Alves. Homens de Confiança: crise na justiça. Reflexões e contributos do processo penal. 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Apresentaremos o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, composto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH). Em seguida, serão analisados os casos “José Perei1 2 Mestra em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional, pelo Programa de Pós-graduação do Centro Universitário do Estado do Pará (PPGD/CESUPA). Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), com experiência na área de Direito, com ênfase em: Direito Material, Processual e Internacional do Trabalho. Professora na Faculdade Integrada da Amazônia (FINAMA). Advogada Trabalhista. Integra, como pesquisadora, o Grupo de Pesquisa “Novas formas de trabalho, Velhas práticas escravistas” (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5232633034974997) e Grupo de Pesquisa “Emprego, Subemprego e Políticas Públicas na Amazônia” (dgp.cnpq.br/dgp/ espelhogrupo/7396298534363392). Integra, como membro, a Comissão de “Combate ao Trabalho Forçado” da OAB/PA. Currículo lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/9140662201128084. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1840-7963. Doutora em Direito do Estado e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Diretora de Ensino, Pesquisa e Extensão da Faculdade Integrada da Amazônia - FINAMA. Professora do Curso de Graduação e Pós-graduação em Direito da FINAMA ADVOCACIA. Pós-doutoranda e professora convidada do Programa de Pós-Graduação em Direito do UNICURITIBA. Líder do Grupo Permanente de Estudos e Pesquisa “Direito Internacional para o Século XXI”.Currículo lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/9711535801014847 E-mail: carlanoura@gmail.com ORCID: https:// orcid.org/0000-0003-0969-0987 358 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho ra” e “Fazenda Brasil Verde x Brasil” como paradigmas para a discussão do trabalho escravo no âmbito nacional e internacional. Por fim, estabelecer os obstáculos ao combate ao trabalho escravo no Brasil, os quais impedem a efetiva proteção dos Direitos Humanos no ordenamento jurídico nacional. Palavras-Chave: Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos; Trabalho Escravo; Caso “José Pereira”; Caso “Fazenda Brasil Verde x Brasil”. Abstract: This article proposes to discuss the cases “José Pereira” and the case “Fazenda Brazil Verde x Brazil” from the perspective of the protection of human rights and the fight against slave labor in Brazil, goals established internationally. We will present the Inter-American System for the Protection of Human Rights, composed of the Inter-American Commission on Human Rights (IACHR) and the Inter-American Court of Human Rights (CorteIDH). Then, the cases “José Pereira” and “Fazenda Brazil Verde x Brazil” will be analyzed as paradigms for the discussion of slave labor at the national and international level. Finally, to establish the obstacles to the fight against slave labor in Brazil, which prevent the effective protection of Human Rights in the national legal system. Keywords: Inter-American System for the Protection of Human Rights; Slavery; Case “José Pereira”; Case “Fazenda Brazil Verde x Brazil”. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho se propõe a analisar o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, a partir de dois casos paradigmáticos, o caso “José Pereira” e o caso “Fazenda Brasil Verde X Brasil”. Ambos versam sobre a responsabilização do Brasil por violação de Direitos Humanos em relação ao trabalho escravo. A abolição da escravidão, apesar de tardia no Brasil, não foi suficiente para sanar os problemas presentes na sociedade. Isso porque, na época, não houve nenhuma preocupação com políticas públicas de inserção desses trabalhadores no mercado de trabalho, trabalhadores esses se encontravam em situação de extrema pobreza e obtinham pouco ou nenhum conhecimento. Todos esses fatores influenciaram na perpetuação do trabalho escravo, pois ainda é possível encontrar trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho, a chamada: Escravidão Contemporânea. 359 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O Trabalho Escravo contemporâneo, viola a dignidade humana e é uma grave afronta aos direitos humanos e aos direitos fundamentais, sendo, portanto, motivo de preocupação tanto para o Estado brasileiro quanto para a comunidade internacional. Os trabalhadores explorados são em sua maioria homens negros, de origem pobre e em busca de novas oportunidades de vida, assim, são facilmente aliciados e submetidos a condições de trabalho degradantes. Trata-se de pesquisa teórica, qualitativa e documental, construída a partir de pesquisas em livros, periódicos, relatórios e artigos científicos dentro da proposta temática, além da análise dos Relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) que versem sobre o tema em estudo. 2 O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS O Sistema Internacional dos Direitos Humanos possui tanto Sistemas Globais quanto Regionais de proteção dos Direitos Humanos, no entanto, iremos nos ater somente ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, isto porque é o sistema adotado pelo Estado brasileiro. Esse sistema de foi desenvolvido no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), enquanto um sistema regional de proteção dos direitos humanos, coexistindo, por sua vez, com um sistema universal de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos fundamenta-se em dois instrumentos normativos: a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e Convenção Americana. A convenção americana de direitos humanos (1969), também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, é um tratado internacional entre os países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que os estados signatários se comprometeram a: Respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a 360 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social” (COMISSÃO IDH, 1969) Analisam-se as normas aplicadas ao regime da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), isso porque, é ela o instrumento de maior importância no sistema interamericano. O estado brasileiro, ao integrar esse sistema, como “Estado-membro” ou “Estado parte”, se obriga a cumprir com as normas contidas na convenção, não apenas “respeitando” os direitos garantidos no texto, mas também se obriga a “assegurar” o seu livre e pleno exercício. Os Estados-partes têm a obrigação não apenas de ‘respeitar’ estes direitos garantidos na Convenção, mas também de ‘assegurar’ o livre e pleno exercício destes direitos. Um governo tem, consequentemente, obrigações positivas e negativas relativamente à Convenção Americana, de um lado, há a obrigação de não violar direitos individuais; por exemplo, há o dever de não torturar um indivíduo ou de não o privar de um julgamento justo, no entanto a obrigação do Estado vai além deste dever negativo, e pode requerer a adoção de medidas afirmativas necessárias e razoáveis em determinadas circunstâncias para assegurar o pleno exercício dos direitos garantidos pela Convenção Americana. (BUERGENTHAL, 1988) Tratar dessas obrigações, sejam elas obrigações positivas e/ ou negativas, relativas à convenção americana, surge a necessidade de criação de órgãos fiscalizadores, bem como, órgãos que tenham a competência para julgar e punir os Estados-membros que as descumprirem. A convenção então estabelece uma Comissão Interamericana de Direitos Humanos e uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, conferindo a elas “a competência de tratar dos problemas relacionados à satisfação das obrigações enumeradas pela Convenção por parte dos Estados”. 361 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O Sistema Interamericano de proteção dos Direitos Humanos, por meio da Convenção Americana (1969), cria um verdadeiro aparato de monitoramento, constituído por uma Comissão Interamericana de Direitos Humanos e uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, capazes de tornar eficaz a proteção aos direitos humanos. Logo, havendo denúncia, cabe à Comissão o juízo de admissibilidade da petição a ela encaminhada, como a necessidade de prévio esgotamento dos recursos internos. A comissão poderá avaliar ainda se, mesmo não esgotados os recursos internos, houve injustificada demora processual, ou se houve a inobservância do devido processo legal. Por fim, restando infrutífera qualquer resolução pacífica para o caso, a Comissão deverá redigir um relatório, apresentando os fatos e as conclusões pertinentes ao caso. Após o transcurso do prazo de 90 (noventa) dias, e a inércia do Estado denunciado, o caso deverá ser encaminhado à apreciação da Corte Interamericana Direitos Humanos, que, em caráter jurisdicional, dará solução as controvérsias que se apresentem acerca da interpretação ou aplicação da própria Convenção. No presente estudo, iremos nos ater especificamente a competência de julgamento da Corte Interamericana, dos casos submetidos a sua apreciação pela Comissão, nos termos do Art. 62 da Convenção: A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como preveem os incisos anteriores, seja por convenção especial. (COMISSÃO IDH. 1969) Se a Corte entender que efetivamente ocorreu violação grave a direitos humanos, poderá condenar o Estado-membro ao pagamento de justa indenização e/ou a adoção de medidas reparatórias e compensatórias, cabendo ao Estado condenado o imediato cumprimento da decisão proferida. 362 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 3 O CASO “JOSÉ PEREIRA” E O CASO “FAZENDA BRASIL VERDE X BRASIL” O “caso José Pereira” foi o propulsor da discussão entre os grupos que lidavam com um problema sobre o qual não havia um consenso acerca da sua definição, dificultando o enquadramento legal de situações que violavam diferentes aspectos dos direitos humanos, sendo o primeiro caso em que houve responsabilização do Brasil por violação de Direitos Humanos em relação ao trabalho escravo. O Estado brasileiro passou a ratificar os principais tratados de proteção dos direitos humanos a partir do processo de democratização, iniciado em 1985. Impulsionado pela Constituição de 1988, que consagra os princípios da prevalência dos direitos humanos e da dignidade humana, o Brasil passa a se inserir no cenário de proteção internacional dos direitos humanos. (CIDH, 2003). Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, ao consagrarem parâmetros mínimos a serem respeitados pelos Estados, apresentam um duplo impacto: são acionáveis perante as instâncias nacionais e internacionais (CIDH, 2003). No campo nacional, os instrumentos internacionais conjugam-se com o Direito interno, ampliando, fortalecendo e aprimorando o sistema de proteção dos direitos humanos, sob o princípio da primazia da pessoa humana. No campo internacional, os instrumentos existentes permitem invocar a tutela jurídica, mediante a responsabilização do Estado, quando direitos humanos internacionalmente assegurados são violados. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos fundamenta-se em dois instrumentos normativos: a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e Convenção Americana. A Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, é um tratado internacional entre os países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), em seu art. 1º, em que os estados signatários se comprometeram a: Respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a 363 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. (CADH, 1969). O Brasil, ao integrar esse sistema, como “Estado-membro” ou “Estado parte”, se obriga a cumprir com as normas contidas na convenção, não apenas “respeitando” os direitos garantidos no texto, mas também se obriga a “assegurar” o seu livre e pleno exercício. Sobre o tema: Um governo tem, consequentemente, obrigações positivas e negativas relativamente à Convenção Americana. De um lado, há a obrigação de não violar direitos individuais e de adotar medidas afirmativas necessárias e razoáveis, para assegurar o pleno exercício dos direitos garantidos pela Convenção Americana (BUERGENTHAL, 1988). Ao se tratar dessas obrigações, sejam elas obrigações positivas e/ou negativas, relativas à Convenção Americana, surge a necessidade de criação de órgãos fiscalizadores, bem como, órgãos que tenham a competência para julgar e punir os Estados-membros que as descumprirem. A convenção então estabelece uma Comissão Interamericana de Direitos Humanos e uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, conferindo a elas “a competência de tratar dos problemas relacionados à satisfação das obrigações enumeradas pela Convenção por parte dos Estados” (BUERGENTHAL, 1988, s.d.). Assim, o Sistema Interamericano de proteção dos Direitos Humanos, por meio da Convenção Americana (1969) cria um verdadeiro aparato de monitoramento, constituído por uma Comissão Interamericana de Direitos Humanos e uma Corte Interamericana de Direitos Humanos, capazes de tornar eficaz a proteção aos direitos humanos. 364 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Havendo denúncia, cabe à Comissão o juízo de admissibilidade da petição a ela encaminhada, como a necessidade de prévio esgotamento dos recursos internos, podendo avaliar ainda se, mesmo não esgotados os recursos internos, houve injustificada demora processual, ou se houve a inobservância do devido processo legal. Restando infrutífera qualquer resolução pacífica para o caso, a Comissão deverá redigir um relatório, apresentando os fatos e as conclusões pertinentes ao caso. Após o transcurso do prazo de 90 (noventa) dias, e a inércia do Estado denunciado, o caso deverá ser encaminhado à apreciação da Corte Interamericana Direitos Humanos, que, em caráter jurisdicional, dará solução as controvérsias que se apresentem acerca da interpretação ou aplicação da própria Convenção. Em 2003, pela primeira vez, o Estado brasileiro assinou um acordo em que reconhecia sua responsabilidade internacional pela violação dos direitos humanos praticado por particulares. O Brasil violou a Convenção Americana e a Declaração de Direitos Humanos por não ter cumprido com sua obrigação em relação à proteção dos povos que sofreram condições análogas à escravidão impostas por outras pessoas, e ao permitir a persistência dessa prática por omissão ou cumplicidade. Em setembro de 1989, a vítima que tinha então 17 anos de idade, e outros 60 trabalhadores foram retidos contra sua vontade e forçados a trabalhar sem remuneração e em condições desumanas e ilegais. Isso ocorreu na fazenda “Espírito Santo”, localizada no sul do Estado do Pará, onde José Pereira e os demais trabalhadores acabaram submetidos a trabalhos forçados jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho e vida. Em uma tentativa de escapar da fazenda na companhia de outro trabalhador, ambos foram vítimas de uma emboscada por parte dos aliciadores (jagunços) da fazenda, e, atacados com disparos de fuzil. José Pereira conseguiu escapar, fingiu-se de morto, enquanto seu colega morreu em virtude dos disparos. Seus corpos foram levados em uma caminhonete pelos assassinos e deixados em um terreno próximo. José Pereira conseguiu chegar a uma fazenda próxima e foi socorrido, podendo prestar posteriormente sua denúncia à delegacia onde registrou a ocorrência. Por ocasião do fato, José Pereira perdeu um olho e a mão direita. 365 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Diante dos fatos recorrentes, a petição dirigida à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 22 de fevereiro de 1994, alegou que o caso do José Pereira é ilustrativo de uma prática mais geral e recorrente, a prática do trabalho análogo ao escravo. O caso retratava uma prática corriqueira, uma violação que atinge trabalhadores agrícolas, majoritariamente pessoas de classe econômica menos favorável e baixa escolaridade, esses trabalhadores são um alvo favorável para o recrutamento, com falsas promessas de melhores expectativas de vida. Os trabalhadores eram obrigados a trabalhar em condições subumanas, transportados para fazendas distantes, retirados de alguns locais contra sua vontade, utilizavam métodos para privar-lhes de sua liberdade, com armadilhas e ameaças. Nas fazendas, devido à viagem e os inúmeros gastos contraídos com transporte, comida e utensílios básicos de higiene, por exemplo. Os trabalhadores eram privados de sua liberdade, com a justificativa de que precisavam arcar com suas “dívidas”, sob ameaça de morte. Em março do ano de 2000, com a fuga de 2 trabalhadores da “Fazenda Brasil Verde”, localizada no Município de Sapucaia, Estado do Pará, foi possível o resgate de cerca de 85 pessoas, conforme os dados contidos no relatório de fiscalização. A Fazenda Brasil Verde era de propriedade de João Luiz Quagliato Neto e Antônio Jorge Vieira, grandes criadores de gado, que, felizmente, em setembro do presente ano, foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça Federal, em Redenção (PA), pelos crimes previstos nos artigos 149, 207 e 203 do Código Penal, cometidos contra os trabalhadores rurais que foram resgatados da fazenda. Assim, o Estado brasileiro foi condenado em 20 de outubro de 2016 pelo caso Fazenda Brasil Verde, onde a comissão argumentou que o Brasil é internacionalmente responsável pela violação do artigo 6 da Convenção Americana, em relação aos artigos 5, 7, 22 e 1.1 da mesma, em relação aos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, identificados na fiscalização de 2000 (Corte IDH, 2016, p 58). A fiscalização realizada na Fazenda Brasil Verde, em 2000, foi coordenada pelo Ministério Público do Trabalho, que constatou a ausência de eventuais registros de funcionários, bem como situação de trabalho em desacordo com a legislação. 366 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A Corte IDH concluiu ainda que o “Estado não adotou medidas suficientes e efetivas para garantir, sem discriminação, os direitos dos referidos trabalhadores de acordo com o artigo 1.1 da Convenção, em relação aos direitos reconhecidos nos artigos 5, 6, 7 e 22 do mesmo instrumento.” A Corte deliberou e decidiu, por unanimidade, que o Estado deve reiniciar, com a devida diligência, as investigações e/ou processos penais relacionados aos fatos constatados em março de 2000, para, em um prazo razoável, identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis. Se for o caso, o Estado deve restabelecer (ou reconstruir) o processo penal, iniciado em 2001, perante a 2ª Vara de Justiça Federal de Marabá, Estado do Pará: O Estado deve, ou deveria realizar, no prazo de seis meses a partir da notificação da presente Sentença, as publicações indicadas no parágrafo 450 da Sentença, nos termos dispostos na mesma. O Estado deve, ainda, dentro de um prazo razoável a partir da notificação da presente Sentença, adotar as medidas necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito de Direito Internacional de escravidão e suas formas análogas. O Estado deve pagar os montantes fixados no parágrafo 487 da sentença, a título de indenizações por danos imaterial e de reembolso de custas e gastos, nos termos da sentença (Corte IDH, 2001, p. 124)3. Apesar de todas as deliberações, o Estado brasileiro se mantém sempre inerte quanto ao cumprimento integral da sentença condenatória no caso “Fazenda Brasil Verde x Brasil” assim como em outros casos julgados perante a Corte4, o Estado se restringe ao pagamento de indenizações de caráter unicamente patrimoniais e se esquiva de cumprir efetivamente o que foi sentenciado. 3 4 Por fim, “A Corte supervisionará o cumprimento integral desta Sentença, no exercício de suas atribuições e no cumprimento de seus deveres, em conformidade com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado total cumprimento ao disposto na mesma”. Vide caso Gomes Lund x Brasil. Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/observatorio/article/view/479/309. 367 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 3 A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO COMO OBRIGAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO: AVANÇOS E RETROCESSOS O Estado-membro que integra o Sistema Interamericano, ao assinar e/ou ratificar os instrumentos normativos que compõe esse sistema, anteriormente citados, assume a obrigação de cumprir com as decisões proferidas pela CorteIDH, como dispõe a Convenção de Viena: Todo tratado em vigor é obrigatório em relação às partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé”. Acrescenta o art. 27 da Convenção: “Uma parte não pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para o não cumprimento do tratado”. Consagra-se, assim, o princípio da boa-fé, pelo qual cabe ao Estado conferir plena observância ao tratado de que é parte, na medida em que, no livre exercício de sua soberania, o Estado contraiu obrigações jurídicas no plano internacional. (PIOVESAN, 2013, p. 129). Nesse sistema, a CorteIDH, após a análise dos fatos e fundamentos a ela expostos, julgará o caso e poderá ou não condenar o Estado violação aos direitos humanos, e, se condenado, poderá estabelecer as medidas reparatórias e indenizatórias cabíveis, cabendo ao Estado condenado seu cumprimento integral. Certo é que as sentenças internacionais são dispositivos normativos com aplicabilidade plena e execução imediata no ordenamento jurídico interno. A Convenção nº 29 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ratificada conforme Decreto nº 41.721/1957 trouxe a obrigação quanto à abolição de trabalho que seja forçado ou obrigado, conforme dispõe o Art. 1º da respectiva convenção: Art. 1º: Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível. (OIT, 1930). 368 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho O trabalho forçado ou obrigado faz referência, conforme preceitua o artigo 2º da própria convenção, a “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. (OIT, 1930). A organização internacional do trabalho acredita que a servidão por dívida é a forma mais comum de trabalho forçado da contemporaneidade (OIT, 2001). Tem-se que a dívida obriga o trabalhador a permanecer no local de trabalho, e, quando não é suficiente para retê-lo, ele sofre agressões físicas e morais. Essa situação se insere no caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, aliciados e levados a fazenda, pelo chamado “gato”, onde contraiam absurdas dívidas desde o transporte até o local até o custo altíssimo com alimentos e materiais de higiene. A Convenção nº 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada conforme Decreto nº 58.822/1966, reafirma o compromisso assumido pela organização em busca da abolição do trabalho forçado ou obrigatório. Assim, o Art. 1º da Convenção dispõe que: Todo País-membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a abolir toda forma de trabalho forçado ou obrigatório e dele não fazer uso: a) como medida de coerção ou de educação política ou como punição por ter ou expressar opiniões políticas ou pontos de vista ideologicamente opostos ao sistema político, social e econômico vigente; b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico; c) como meio de disciplinar a mão-de-obra; d) como punição por participação em greves; e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa. Por fim, a Convenção Americana (Pacto de San José da Costa Rica) é mais um instrumento normativo de notória importância no combate as espécies de trabalho escravo ou análogo, bem como servidão, conforme dispõe o Art. 6 da Convenção: 369 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Artigo 6. Proibição da escravidão e da servidão 1. Ninguém pode ser submetido a escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa da liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que proíbe o cumprimento da dita pena, imposta por juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade nem a capacidade física e intelectual do recluso. 3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo: a. os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado; b. o serviço militar e, nos países onde se admite a isenção por motivos de consciência, o serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele; c. o serviço imposto em casos de perigo ou calamidade que ameace a existência ou o bem-estar da comunidade; d. o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais. (OEA, 1969). Assim, é clara a obrigação do Estado brasileiro em cumprir integralmente com o disposto na sentença condenatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH), bem como, é dever do Supremo Tribunal Federal (STF) efetuar a compatibilização entre as normativas nacionais e internacionais, se propondo a realizar um “diálogo das Cortes” (CARVALHO, A. 2009). 370 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho escravo contemporâneo é um problema de dimensões internacionais, um verdadeiro flagelo mundial, daí a importância de se tratar do tema. Em razão da condenação do Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) no caso “Fazenda Brasil Verde x Brasil”, em 2016, o Brasil avançou significativamente no combate ao trabalho escravo em todo o seu território. Ainda subsistem inúmeros pontos a serem aprimorados a fim de construir um sistema efetivo de prevenção do trabalho escravo, de punição dos responsáveis e de reparação as vítimas, no entanto, houve investimento na criação de um sistema punitivo mais incisivo. A alteração legislativa do artigo 149 do código penal (Lei nº10.803/2003), com o acréscimo do artigo 149-A (Lei nº 13.344/2016) que contempla vários núcleos verbais e constituiu um importante avanço no combate (prevenção e repressão) ao trabalho escravo contemporâneo. Cabe reconhecer que a integração entre as práticas dos órgãos de repressão ao trabalho escravo, como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF) obtiveram resultados significativos nos últimos anos, conjuntamente com a atuação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) no ajuizamento da ação penal pública. O Brasil fecha 2021 com 1937 resgatados da escravidão, maior soma desde 201. As operações de fiscalização de denúncias ocorreram nas 27 unidades da federação e em apenas 4 não houve resgates: Acre, Amapá, Paraíba e Rondônia. Minas Gerais foi o estado com o maior número de libertados; a produção de café foi a atividade com a maior quantidade de trabalhadores envolvidos (REPÓRTER BRASIL, 2022) Ao lado das operações de campo coordenadas pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, o Estado brasileiro conta com outra arma poderosa no combate ao trabalho escravo, um Cadastro de empregadores, popularmente conhecido como “Lista Suja”, e, com toda certeza, é um dos principais instrumentos da política pública de combate ao trabalho escravo. O Disque Direitos Humanos (Disque 100) é um serviço de disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e 371 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 de denúncias de violações de direitos humanos. A iniciativa SmartLab, em cooperação com o MFDH e com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, compilou importantes dados do disque 100 relacionados a déficits de trabalho decente como as ocorrências registradas sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas. O número total de ocorrências registradas no disque 100, de 2012 a 2019, foi de 5.125. (SMARTLAB, 2022) Na política do atual governo, no entanto, o Ministério do Trabalho e Previdência, e a própria justiça do trabalho, sofreram um grave enfraquecimento. Após todas as conquistas no combate ao trabalho escravo contemporâneo, o atual governo instaurou uma verdadeira “era dos retrocessos”, em que o árduo trabalho dos órgãos e instituições comprometidos com o tema, foi deixado de lado. 372 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho REFERÊNCIAS BUERGENTHAL, Thomas. International human rights. Minnesota: West Publishing, 1988. COMISSÃO IDH. Convenção americana sobre direitos humanos. 1969. Art. 1º. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/ portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 12 fev. 2020. COMISSÃO IDH. Convenção americana sobre direitos humanos. 1969. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c. convencao_americana.htm. Acesso em: 12 fev. 2020. COMISSÃO IDH. Convenção americana sobre direitos humanos. 1969. Art. 62º. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/ portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 12 fev. 2020. CORTE IDH – CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Fazenda Brasil Verde x Brasil. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_318_por.pdf. Acesso em: 07 ago. 2021. CORTE IDH – CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso José Pereira x Brasil. Disponível em: https:// cidh.oas.org/annualrep/2003port/brasil.11289.htm. Acesso em: 07 ago. 2021. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: http://www.onubrasil. org.br/documentos_direitoshumanosphp. Acesso em: 18 nov. 2021. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: https://www. cidh.oas.org/básicos/português/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 20 nov. 2021. 373 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº. 29. Disponível em: http://www.oit.org.br/info/download/conv_29.pdf. Acesso em: 19 nov. 2021. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 105. Disponível em: https://www.ilo.org/brasilia/convencoes/WCMS_235195/langpt/index.htm. Acesso em: 19 nov. 2021. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano De Proteção Dos Direitos Humanos e o Direito brasileiro. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000. 374 SUMÁRIO ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 MIGRAÇÕES FORÇADAS E A AGENDA 30 Juliana Aizawa Gilberto Ferreira Marchetti Filho DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 MIGRAÇÕES FORÇADAS E A AGENDA 30 Juliana Aizawa1 Gilberto Ferreira Marchetti Filho2 Resumo: O presente estudo tem por proposta apresentar se é possível a concessão do refúgio ambiental, para as pessoas deslocadas internacionalmente em razão de desastres ambientais. Partimos da análise do Estatuto dos Refugiados, as dimensões dos direitos humanos na contemporaneidade e os movimentos internacionais acerca da validação e promoção do direito ambiental. A escrita se ancora nas contribuições teóricas sobre migrações internacionais de Stephen Castles e nos últimos relatórios internacionais de distintas agências internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre mobilidade humana internacional e desastres ambientais. Tendo por síntese, a pesquisa busca compreender qual o suporte teórico jurídico que pode amparar as migrações forçadas por razões ambientais e as possíveis oportunidades que o despertar de consciência, resiliente e sustentável, pode trazer para a humanidade. Palavras-chaves: Migrações Forçadas; Direitos Humanos; Agenda 30. Abstract: The purpose of this study is to show whether it is possible to grant environmental refuge to people who have been displaced internationally as a result of environmental disasters. We start by analyzing the Refugee Statute, the dimensions of human rights in contemporary times and international movements to validate and promote environmental law. The research is based on the theoretical contributions on international migration by Stephen 1 2 Bacharel em Direito pela UFMS/CPTL, Mestre em Fronteiras em Direitos Humanos pela UFGD, doutoranda em Geografia pela UFGD, professora da graduação e pós-graduação, advogada, tem domínios em temáticas interdisciplinares que envolvem: migração, refúgio, geopolítica, direito constitucional e direito internacional. E-mail: jtraizawa@gmail.com ORCID: https://orcid.org/00000001-6630-9594 Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Processo Civil e Cidadania pela UNIPAR em 2018. Bolsista PROSUP/CAPES. Professor de Direito. Integrante do grupo de pesquisa CNPq Estado e Economia no Brasil da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: gilberto.marchetti@unigran.br ORCID: https://orcid.org/0000-00025602-2538 376 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Castles and on the latest international reports by various international agencies of the United Nations (UN) on international human mobility and environmental disasters. In summary, the research seeks to understand the theoretical legal support that can support forced migration for environmental reasons and the possible opportunities that the awakening of consciousness, resilient and sustainable, can bring to humanity. Keywords: Forced displacement; Human Rights; Implementation of the Sendai Framework. 1 INTRODUÇÃO A temática sobre migrações se tornou pauta recorrente, porém incompreendida. Não invariavelmente o migrante é taxada de refugiado e vice-versa, principalmente quando vem de um país que é economicamente mais vulnerável. Por isso é oportuno entender qual é o conceito clássico do refúgio e se é possível abrandar tal conceito. Além disso, o presente estudo apresenta as variáveis quanto a receptividade, asilo e situações de apatridia que ainda permeiam as delimitações das políticas migratórias entre países anfitriões. Visto que, a acolhida, entrada e permanência de migrantes internacionais, pessoas de outra nacionalidade, não nacionais; colide frontalmente com o exercício da soberania de cada Estado-nacional. É exatamente no exercício das soberanias que vemos Estados, por vezes, incapacitados diante da ordem global econômica de gerirem as necessidades iniciais de seus civis. Tais desigualdades se atenuam entre norte e sul global, quando a insegurança alimentar (pobreza) somada aos desastres ambientais, geram novos fluxos de migrantes internacionais. Em razão do número alarmante de pessoas deslocadas publicado nos relatórios anuais do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR/UNHCR), Organização Internacional das Migrações (OIM/IOM) e Deslocamento Internacional e Segurança Alimentar (DISA/IDMC), alternativas têm sido buscadas para tentar reparar a crise global. Observa-se, portanto, que o problema investigado nessa pesquisa é: qual a relação das migrações internacionais com a Agenda 30? Para isso temos como hipótese geral se as pessoas em mobilidade 377 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 internacionais serão reconhecidas como migrantes internacionais ou refugiadas ambientais. A justificava acadêmica é o debate crescente sobre a concessão do refúgio ambiental, tendo em vista os desastres ambientais cada vez mais recorrentes. Bem como, quais os outros mecanismos interdisciplinares, inclusive adotado por agências internacionais da Organização das Nações Unidas, que dialogam com a temática migrações internacionais e desastres ambientais. As metodologias de pesquisas utilizadas foram: dialética, bibliográfica, histórica, documental, comparativa e exploratória. Os teóricos que deram suporte para a escrita são: Stephen Castles, Hidelbrando Accioly et. al; Dalmo de Abreu Dalari, Flavia Piovesan, Maria de Paula Dallari Bucci e Milton Santos. Como proposta de construção cognitiva do problema analisado, a escrita se inicia ao confrontar o teor da Convenção de 1951 e o Refúgio Ambiental. De forma subsequente irá analisar as contemporaneidades e dimensões dos direitos humanos. E por fim, buscará demonstrar a importância do cumprimento da agenda 30 versus as migrações internacionais. Para tanto, iniciaremos o diálogo com a teoria até chegarmos aos dados recentes. 2 CONVENÇÃO DE 1951 E O REFÚGIO AMBIENTAL O direito para refugiados, pessoas deslocadas territorialmente, ganhou espaço na pauta jurídica humanitária internacional em razão da nova ordem mundial, resultante das mazelas da 2ª Guerra Mundial que se findou no continente europeu em 1945. Entre os desafios postos para o direito internacional estava a realocação de pessoas deslocadas, por esse motivo é que a Organização das Nações Unidas (ONU) fundada em 1945, criou Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em 1951. O ANUR é uma organização internacional que teria o mandato de 3 anos e administraria a Convenção Relativa ao Estatuto para Refugiados, editado em 1951, a qual tem por objetivo realocar pessoas que estavam em países distintos aos de suas nacionalidades, em razão de acontecimento ocorridos até janeiro de 1951, no continente europeu. Bem como, o Estatuto atribui o termo “refugiado” a qualquer pessoa: 378 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Artigo 1 [...] Inciso 2: que em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequências de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele (Acnur, 1951, grifo nosso). Por condicionantes diversas e os novos Estados-nacionais, que surgiram após 1945, como a maior parte dos países Africanos que tiveram sua independência a partir de 1956. Os conflitos e novos fluxos de deslocados seriam inevitáveis, por essa razão em 1967 foi editado o Protocolo adicional a Convenção de 1951, que retirou o recorte temporal e geográfico - “acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa”. Observa-se que, a partir de 1951 os Estados-nacionais passaram a reconhecer o instituto do refúgio como um mecanismo de acolhida humanitária, cujas causas para reconhecimento da condição de refugiado se limitam a 5 motivos - perseguição por raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. Entre os 5 motivos, em nenhum deles há abrangência para a concessão do refúgio por causas ambientais. Conforme apontam contribuições da pesquisadora Ramos (2011) sobre migrações que envolvam causas ambientais, entre discussões minuciosas e mais brancas, é notável a falta de consenso quanto a definição oficial a quem seria trajado pelo termo “refugiado ambiental”. Ela afirma que: Sequer há consenso sobre a expressão ou termo mais adequados e representativos para descrever o fenômeno. Há inúmeras sugestões constantes na literatura especializada, tais como, “refugiados ambientais”, “refugiados climáticos”, “migrantes ambientalmente forçados”, “migrantes ambientalmente induzidos” (Ramos, 2011, p. 74). 379 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Note-se, não há consenso para abrandar o regime ou conceito extensivo sobre “refugiados ambientais”. Isso porque a Convenção de 1951 traz como elemento definidor o “fundado temor”, perseguição de um determinado grupo, que sofra ou venha a sofrer risco de morte. O motivo “ambiental” como elemento extensivo de mobilidade humana sazonais, internas ou externas, esvaziaria por si só os caracterizadores para a concessão do refúgio. Visto que, as migrações internacionais são multicausais e o refúgio, usualmente, decorre de perseguição de pessoas que não podem contar, ou não contam, com a proteção de seu Estado-nacional. O que difere as causas do refúgio versus o elemento ambiental, como causador do deslocamento de pessoas ou grupo de pessoas, é a causalidade em um todo. Por exemplo, o desenraizamento de pessoas por catástrofes ambientais, quando invocado, seria interpretado como causa única: o terremoto, ciclone, deslizamento de terra ou furacão? O que a teoria ou novas linhas teóricas sobre política migratório internacional deve considerar como fatores multicausais de uma crise humanitária, de pessoas deslocadas territorialmente, após uma catástrofe ambiental é o elemento pobreza. Esta, por si só, faz emergir a multicausalidade da nova crise humanitária, que conta com raízes profundas decoloniais e demonstram a incapacidade econômica dos Estados-nacionais, considerados hipossuficientes, frente a ordem neoliberal intensificada com a globalização (Castles, 2002). A hipossuficiência desses Estados-nacionais desponta dos países com maior acúmulo material de riquezas, por não conseguirem gerir as necessidades primárias das pessoas fixas em seu território. A incapacidade financeira repercute nas mazelas da pobreza populacional, que inclusive, não consegue acessar os recursos naturais do próprio Estado-nacional. E a última moléstia que as pessoas fixas em Estados-nacionais hipossuficientes poderiam suportar é um desastre ambiental, que, usualmente, não foram elas a causadora da respectiva tragédia (Bauman e Bordoni, 2016; Santos, 2010). Importante recordar alguns registros históricas ambientais, que por si só, não foram responsáveis por um novo ciclo migratório 380 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho internacional e/ou surgimento de novos campos para refugiados em razão do motivo ambiental. Por exemplo, no ano de 1986 houve a explosão da Usina Nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, que resultou na liberação massiva de material radioativo. Situação diferente, ao fundado temor que a população da Ucrânia vem sofrendo a partir 2021-2022, em razão da anexação territorial por parte da Rússia. As duas situações envolvem o mesmo território e por quê o elemento ambiental do acidente em Chernobyl não foi o suficiente para a o desenraizamento em massa? Justamente por ser monocausal e não multicausal. Outro exemplo, no ano de 1999 as chuvas intensas na Venezuela causaram o deslizamento de terras e inundações, acarretando a morte de milhares de pessoas. O desastre ambiental conhecido por Deslizamento de Terra de Vargas, pela sua monocausalidade, por si só não fomentou o deslocamento em massa da população, ao contrário da multicausalidade que a crise política de 2019, desencadeando uma mobilidade internacional intensa de venezuelanos(as), solicitantes de refúgio. Ainda, podemos citar o Furacão Katrina que ocorreu em Nova Orleans, em 2005, o qual foi considerado um dos mais ostensivos na história dos Estados Unidos. O terremoto e tsunami em 2011 no Japão levou a uma crise na usina nuclear de Fukushima, em Daiichi. Ou o desastre em 2015, na hidroelétrica da cidade de Mariana, Minas Gerais, Brasil. Nenhum desses eventos climáticos desencadearam, monocausalmente, um fluxo intenso de deslocados territoriais internacionais. Pelos precedentes históricos é perceptível que não podemos deixar de considerar que as causas ambientais estão conexas com as ações do antropoceno. Entretanto, a multicausalidade e não a monocausalidade deve ser observada, entre as causas conexas, para o reconhecimento e concessão do “status” jurídico migratório a um determinado contingente populacional. Isso porque, segundo a linha teórica de Piguet (2008), as causas que visam ampliar a concessão e reconhecimento de um grupo base como refugiados por causas ambientais, não busca incentivar maior solidariedade internacional em prol dos deslocados, mas desencadeiam um sentimento de indiferença nos possíveis Estados anfitriões. 381 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Outrora, um exemplo triste e letal, que seria um caso de concessão de refúgio ambiental e medida reparativa internacional, seriam as vítimas do agente laranja no Vietnã. O agrotóxico foi utilizado por aviões dos Estados Unidos, despejando um herbicida para desfolhar as florestas tropicais do Vietnã, como estratégia de Guerra contra os vietnamitas entre 1961 e 1971. Estudos demonstram que a população do Vietnã está na sua terceira geração de descendentes pós-guerra, que ainda sofrem com deformidade congênitas, sequelas biológicas humanitárias do agente laranja (Criado, 2019). Verifica-se que nessa situação houve fundado temor associado ao elemento ambiental suportado pela população, entretanto, até o presente momento não há nenhuma condenação jurídica internacional, expressiva, diante do ato letal cometido pelos Estados Unidos contra a população vietnamita. Muito menos campanhas de acolhida humanitária, em países desenvolvidos, para que os descendentes vietnamitas pudessem ser acolhidos e receberem um tratamento médico permanente. O sociólogo britânico Stephen Castles (2002)3 destaca que desde o fim da Guerra Fria (1990), os Estados receptores estão cada vez mais restritivos nas interpretações quanto a definição de refugiado. E relembra que o regime de “não partida” adotado na Guerra Fria foi substituído pelo “regime de não chegada”, ou seja, não aceitação ou hostilidade aos novos fluxos de deslocados. Além disso, acrescentar um novo termo, como o refúgio ambiental, implica em ignorar a inoportuna origem do Eurocentrismo, que nas suas origens, ignora e desampara o deslocamento em massa por guerras generalizadas e condições multicausais que levam milhares de pessoas, a se deslocarem nos países do Sul (Castles, 2002). Contribuição teórica que se consolida com os dados apresentados pelo Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) de 2023, referente ao ano de 2022 – Global trands Report 2022. Durante o ano de 2022, 3 Tradução livre. “In these circumstances, many refugee advocates and non-governmental organisations have pointed to the inadequacies of the 1951 Convention definition. It is Eurocentric in its origins and ignores the reality of mass displacement through war and generalised conflict in countries of the South. The majority of persons in need of protection and assistance do not count as refugees”. 382 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho o número de 3.8 milhões de pessoas conseguiram a proteção temporária e somente 336,800 mil pessoas foram reconhecidas como grupo base de refugiados. Visto que, a maior parte do grupo base de refugiados foram acolhidos em países africanos, incluindo Sudão do Sul, Etiópia, Uganda, Quênia e República Democrática do Congo. Figura 1: Tipo de asilo reconhecido por país em 2022. Fonte: Acnur, 2023, p. 33. Analisando a Figura 1 percebemos que o destaque em azul indicam os países que mais reconheceram a condição individual de refugiados. Já o destaque na cor preta orienta que na Uganda houve o reconhecimento de um grupo base como refugiados. E o traçado vermelho serve de indicador dos países que concederam a proteção temporária, mas não a acolhida e/ou reconhecimento do refúgio por parte do país anfitrião. A Alemanha, Polônia e Czechia ganham destaque nessa categoria, em razão dos deslocados emergidos da guerra na Ucrânia. Observa-se que a definição de um novo conceito não é uma tarefa fácil, principalmente em um terreno árido que são as relações internacionais, as quais demandam uma boa articulação entre Estados, apoio financeiro, orientações políticas e governamentais assertivas. Isso para que não se tenham maiores implicações e prejuízos, quanto a rejeição de pessoas em mobilidade internacional que carecem de asilo, 383 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 e por consequência torne ainda mais difíceis a atuação de agências internacionais, quanto ao suporte humanitário para os fluxos de deslocados. E mesmo, com os mecanismos mandamentais do Direito Internacional, a acolhida ou reconhecimento da condição de refugiados de um determinado grupo, depende da política migratória de cada Estado-nacional. Os quais, são bem criteriosos e adotam procedimentos internos complexos para a concessão do refúgio, isso quando permitem que o grupo de solicitantes de refúgio se insiram no novo território nacional, pois não é incomum a adoção de campos para refugiados como política migratória, com o consequente número de pessoas em situação de apátrida4. Os dados do ACNUR (2023) relativos ao ano de 2022, a maioria dos apátridas estão Bangladesh (952.300), Costa do Marfim (931.100), Mianmar (630.000) e Tailândia (574.200), onde estão alocados os maiores campos para refugiados atualmente. Na figura 2 podemos ter uma projeção através dos círculos na cor amarela, sobre a concentração de refugiados no mundo e uma projeção especial dos países com maior número de apátridas. Figura 2: Dados demográficos sobre apátrida pelo mundo Fonte: Acnur, 2023, p. 47. Atualmente, o número de deslocados forçados pelo mundo é de 108,4 milhões de pessoas (ACNUR, 2023) e os motivos clássicos 4 A definição sobre apátrida está no artigo 1º da Convenção da ONU de 1954 relativa ao Estatuto dos Apátridas - “o termo apátrida designará toda a pessoa que não seja considerada por qualquer Estado, segundo a sua legislação, como seu nacional” (Nova Iorque, 1954). 384 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho ainda são os ancoradouros jurídicos para a concessão do refúgio. Entretanto, iniciativas propostas pelas Conferências Internacionais sobre o Meio Ambiente das Nações Unidas e a atuação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) têm apresentado alternativas para acolhida, suporte e gestão de subsídios para pessoas deslocadas internacionalmente, por motivos de desastres ambientais. Ainda vale ressaltar que todos os países signatários da Carta da ONU se comprometeram em cumprir com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), oriundos do documento internacional conhecido como Agenda 30. As metas estão representadas por 17 ODS audaciosos que devem ser cumpridos até 2030, entre elas estão presentes o propósito de erradicar a pobreza, a fome, acesso a água, saneamento, energia limpa e acessível, trabalho decente, acesso à justiça e paz. Os Objetivos da Agenda 30 estão diretamente associados a multicausalidade das migrações internacionais forçadas, principalmente a pobreza e a falta de água, por pessoas oriundas de países economicamente vulneráveis. Entretando, carece-nos nortear o direito ambiental no universalismo dos direitos humanos na contemporaneidade. 3 CONTEMPORÂNEIDADES E DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS Na ordem do universalismo dos direitos humanos, por parte da teoria existe uma divisão entre as classificações e características materiais dos direitos que se visam promover. Na ordem cíclica das dimensões de direitos fundamentais, os de primeira dimensão estão atrelados a individualidade, propriedade e vida privada, que se consolidaram e replicaram a civil law, a qual tinha por fundamento o formalismo dos registros públicos para definir o que seria de competência de cada Estado-nacional (Bobbio, 2004; Dalari, 2002). São os direitos individuais que propagam o ideal do “eu” frente ao “nós”, o individual, unitário, atrelado a propriedade, o que tornam as “coisas” como ensejo de maior interesse e responsabilidade do Estado. Isso porque, na organização dos novos Estados-nacionais, para que esses sejam reconhecidos como sujeitos de direito internacional 385 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 precisam ter as seguintes características: território determinado, governo, população permanente e capacidade de entrar em relação com os demais Estados (Acciolly et. al, 2021). A lógica territorial está associada aos tratados internacionais em que fixam limites, fronteiras entre um Estado-nacional e outro. No direito doméstico, o território de um Estado-nacional se materializa nos registros públicos das propriedades privadas (Acciolly et. al, 2021). E para regular essa dinâmica dos Estados-nacionais, o governo é reafirmado por uma Carta Política, que é a Constituição. Das premissas de organização dos Estados no modelo que foi instituído a partir do século XVII, torna-se compreensível, portanto, que o modelo de propriedade instituído pela Civil Law é indispensável para definir as territorialidades limitadas através das fronteiras regulamentadas nas Cartas Constitucionais (Dalari, 2002). O que é importante extrair desse modelo no direito moderno é que alguns países, ainda não se adequaram ao modelo de Estado-nacional, como são os casos dos países Africanos e os da região do sul da Ásia. Visto que, o processo decolonial nesses países se intensificaram após 1952, um tempo depois do fim da 2ª Guerra Mundial (Acciolly et. al, 2021; Dalari, 2002). Ainda que, permeiem críticas a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH/1948) quanto a sua eficiência e promoção por todos os países signatários (universalismo). Se não fosse por seu texto escrito (positivado), talvez o processo decolonial dos países do sul global seria ainda mais tardio (Piovesan, 2023). É importante associar que a promoção dos direitos de segunda dimensão, conhecidos como direitos sociais, estarão disponíveis se os direitos de primeira dimensão (individuais) já estiverem consolidados. Vez que, a transição da esfera privada para a pública é o que fez emergir o Estado social, o Estado que tende a garantir alternativas para que o capital trabalho possa financiar outras iniciativas, inclusive a livre iniciativa (Santos, 2010). Através dessa necessidade e transformação social impulsionada pela Revolução Industrial, por conta da precarização da relação de trabalho, mulheres e crianças em pisos de fábrica. Houve, portanto, a necessidade de delimitar direitos trabalhistas, seguros sociais, proteção a maternidade, e as crianças passaram a ser reconhecidas como sujeitos de direitos (Piovesan, 2023). 386 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Observa-se que, no decurso dessa transformação e evolução dos direitos de primeira dimensão para os de segunda dimensão, o que representa a progressão de um sistema para outro é o trabalho que passa a ser prestado, não apenas em âmbito doméstico (casa ou propriedade familiar), mas na vida pública (Piovesan, 2023, Arendt, 2018). Por isso, institui-se a capacidade de tributar de cada Estado, para que esse possa gerir as necessidades de seu contingente populacional, promovendo iniciativas que visem a geração e manutenção de postos de trabalho. E na troca força de trabalho e lucro provindo do que se é produzido pelo trabalho, possa-se a mover a máquina pública em função da própria atividade Estatal, ou para financiar atividades que devam ser geridas pelo Estado, como: assistências, saúde, educação, moradia, transporte e lazer, por exemplo (Bucci, 2021). Entretanto, o que temos visto é que os direitos sociais uma vez consolidados, toda a comunidade internacional, direta ou indiretamente, tem sido provocada a pensar e executar os direitos de terceira dimensão, os chamados direitos de solidariedade. Aqueles que são oriundos da vinculação entre pessoas (seres humanos) e natureza, pensar sobre os recursos naturais finitos, as desigualdades em razão do acúmulo material de riquezas e os “verdadeiros círculos viciosos de miséria e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana” (Ramos, 2022, p. 33). A lógica comunitária, o “nós”, se torna pauta de debate, na contemporaneidade, principalmente com um movimento em que consterna a ordem propensa de formação de direitos e obrigações – o direito ambiental -, o qual se ativa com um alarde dos países pobres e em desenvolvimento, contra as degradações e alterações climáticas causadas pelos países ricos (Acciolly et. al, 2021; Frederici, 2021). Os direitos de terceira dimensão executados como direitos difusos e coletivos e são instituídos para garantir e promover direitos fundamentais a um número indeterminado de pessoas, como é o caso do direito ambiental - direitos difusos, ou a uma categoria de pessoas - direitos coletivos. As três dimensões de direitos humanos estão conexas em projeções plurais, entretanto é uma evidência que alguns Estados em desenvolvimento, mal conseguem prover os direitos de primeira dimensão. Por consequência e falta dos direitos de segunda e terceira 387 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 dimensão, a população fixa é forçada a migrar, principalmente pelas causas mais recentes – desastres ambientais. Diante dessa impotência, fatores plurais e estruturais somam como percussores das migrações internacionais, que desde 2018 tem constado recordes de mobilidade humana internacional, como uma constante nos relatórios do ACNUR. Nesse interim é importante compreendermos como a comunidade internacional tem promovido o debate e transformado em ações, a pauta do desenvolvimento sustentável versus as migrações forçadas. 4 A IMPORTÂNCIA DO CUMPRIMENTO DA AGENDA 30 VERSUS AS MIGRAÇÕES FORÇADAS O Direito Internacional Ambiental teve por marco inicial a Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, a qual emergiu três documentos: a Declaração de Princípios de Estocolmo, com 26 princípios e um preâmbulo; o Plano de Ação para o Meio Ambiente, que contém 109 recomendações; e a resolução que criou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O notável é o contexto contemporâneo descrito no parágrafo quarto do preâmbulo da Convenção de Estocolmo de 1972: 4. Nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais estão motivados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas seguem vivendo muito abaixo dos níveis mínimos necessários para uma existência humana digna, privada de alimentação e vestuário, de habitação e educação, de condições de saúde e de higiene adequadas. Assim, os países em desenvolvimento devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, tendo presente suas prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhorar o meio ambiente. Com o mesmo fim, os países industrializados devem esforçar-se para reduzir a distância que os separa dos países em desenvolvimento. Nos países industrializados, os problemas ambientais estão geralmente relacionados 388 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho com a industrialização e o desenvolvimento tecnológico (Estocolmo, 1972). As desigualdades entre norte e sul continua a destoar em um mesmo mundo, pessoas ainda carecem de condições dignas de existência, sendo privadas, principalmente, de água e alimentação. E de fato, a Conferência de Estocolmo foi um evento que conduziu um debate imprescindível, mas ainda, prematuro em Conferências Mundiais – as desigualdades entre países industrializados e os em desenvolvimento; o desenvolvimento econômico versus problemas associados a natureza e elementos essenciais para a vida humana. Neste interim, o período entre 1972 e 1992 houve uma reflexão significativa sobre a promoção e compromisso internacional do direito ambiental, como as Convenções-quadro sobre Mudança do Clima e sobre Diversidade Biológica de 1992, a qual visa a promoção do desenvolvimento sustentável como premissa econômica global. Ainda em 1992 tem a Declaração do Rio de Janeiro, que resultou em alguns documentos não vinculantes5, como a Agenda 21 e a Declaração de Princípios sobre as Florestas. Ambos os documentos visam a proteção ambiental como parte integrante do desenvolvimento e não separado deste. Já no ano de 1994 foi firmada a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas, tendo em vista as zonas áridas, semiáridas, secas e subúmidas constituem uma proporção considerável da superfície emersa da Terra e são fonte de sustento de uma grande parte da população mundial. Essa Convenção observou que elevada concentração de países em desenvolvimento, em particular os menos avançados são os mais afetados por seca grave e/ou desertificação, como é o caso de alguns países do continente africano (Paris, 1994). Em 2002 ocorreu o Fórum Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, onde foi editada a Declaração de Johanesburgo. Respectivo documento destaca os desafios postos para a promoção do desen5 Os mecanismos da Soft law condiz as normas, princípios ou diretrizes que não têm força legal vinculante, obrigatória, exemplo – declarações, recomendações. Ao contrário do “Hard law” - direito vinculativo, que são normas legalmente exigíveis, como tratados, acordos e pactos (Accioly et. al, 2021). 389 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 volvimento, sendo notável que os benefícios oriundos dos custos da globalização são distribuídos desigualmente, visto que os países em desenvolvimento são os mais afetados. Reafirmamos nossa promessa de aplicar foco especial e dar atenção prioritária à luta contra as condições mundiais que apresentam severas ameaças ao desenvolvimento sustentável de nosso povo. Entre essas condições estão: fome crônica; desnutrição; ocupações estrangeiras; conflitos armados; problemas com drogas ilícitas; crime organizado; corrupção; desastres naturais; tráfico de armamentos; tráfico humano; terrorismo; intolerância e incitamento ao ódio racial, étnico e religioso, entre outros; xenofobia; e doenças endêmicas, transmissíveis e crônicas, em particular HIV/AIDS, malária e tuberculose (Johanesburgo, 2002). Em 2012 houve a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que ocorreu no Rio de Janeiro e ficou conhecida como Rio mais vinte (Rio+20). Entre as discussões e compromissos pautados, a Plenária 1 consignou de forma escrita as causas estruturais da injustiça social e ambiental, quais sejam: a) O sistema capitalista. b) Enxergar o ser humano como o centro e não como parte de uma biodiversidade. c) A mudança na forma de entendimento da economia – uma economia que não está a serviço das necessidades humanas e se converte somente em fonte de acumulação financeira. d) A mercantilização da natureza, da água, do ar e dos alimentos. e) A organização social feita pela lógica do patriarcado. f ) O racismo. g) A exploração dos países do hemisfério sul pelos países do hemisfério norte. h) Exclusão das práticas tradicionais e dos saberes tradicionais de uso da terra e imposição de um modo de exploração mercantil dela. 390 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho i) O modelo neoliberal e a cultura do consumo. j) Os investimentos dos bancos nacionais em uma estratégia de desenvolvimento com base no modelo capitalista do uso da terra. k) Distribuição desigual da terra e acumulação de poder na mão de poucos. L) Privatização do espaço público (Rio de Janeiro, 2012). E a Conferência Mundial que tem repercutido maior ênfase e compromisso -“das palavras à ação” - foi realiza de 14 a 18 de março de 2015, em Sendai, Miyagi, no Japão. O Marco de Sendai tem por revisão a implementação do Marco de Ação de Hyogo 2005-2015. O Marco de Sendai (2015-2030) é conhecido como Agenda 30 e visa o compromisso e necessidade em adotar estratégias e planos regionais/ nacionais, para a redução do risco de desastres ambientais. 7. Deve haver uma abordagem mais ampla e centrada nas pessoas para prevenir os riscos de desastres. As práticas de redução do risco de desastres precisam ser multissetoriais e orientadas para uma variedade de perigos, devendo ser inclusivas e acessíveis para que possam se tornar eficientes e eficazes. Reconhecendo seu papel de liderança, regulamentação e coordenação, os governos devem envolver as partes interessadas, inclusive mulheres, crianças e jovens, pessoas com deficiência, pessoas pobres, migrantes, povos indígenas, voluntários, profissionais da saúde e idosos na concepção e implementação de políticas, planos e normas. É necessário que os setores público e privado e organizações da sociedade civil, bem como academia e instituições científicas e de pesquisa, trabalhem em conjunto e criem oportunidades de colaboração, e que as empresas integrem o risco de desastres em suas práticas de gestão (Sendai, 2015, p.5) A migração forçada é um dos elementos mais comuns e imediatos dos desastres ambientais. Por isso preparar ações contumazes são fundamentais para reduzir os impactos suportados pelas populações afetadas. Neste sentido, o Quadro de Sendai aponta alguns 391 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 exercícios regulares de preparação para desastres, como: exercícios de evacuação, recuperação e respostas eficazes aos novos fluxos de deslocados. As medidas para enfrentar o deslocamento por desastres visa soluções duradouras e integradoras ao plano de reparação, sendo designadas em 6 passos: 1) Evitar o deslocamento e reforçar a resiliência: Mapear deslocamentos anteriores e identificar populações em risco; desenvolver medidas de RRD para aumentar resiliência e reduzir a exposição; considerar a migração ou medidas de reassentamento planificado. 2) Preparar para o Deslocamento Inevitável Identificar pontos focais de deslocamento: assegurar a disponibilidade de recursos para as autoridades locais ajudarem as pessoas deslocadas; informar e consultar as comunidades em risco sobre os riscos e planos de evacuação; identificar áreas para albergar os deslocados e planear a prestação de serviços. 3) Responder Assegurar que as evacuações protejam os direitos humanos, incluindo a segurança contra a violência baseada no gênero e o tráfico: identificar as pessoas deslocadas e as suas necessidades; consultar e informar populações deslocadas. 4) Apoio à Resiliência das Populações Deslocadas e de Acolhimento o mais rapidamente possível: assegurar o acesso aos serviços básicos; facilitar documentos de substituição; monitorar e responder às necessidades ao longo do tempo; apoiar a integração no mercado de trabalho local; apoiar o regresso à escola. 5) Encontrar soluções duradouras consultar as pessoas deslocadas e as comunidades de acolhimento para desenvolver uma estratégia de soluções duradouras: assegurar a atribuição de orçamentos; incluir as necessidades das pessoas deslocadas nos planos de reconstrução e recuperação. 6) Avaliar ao longo do tempo avaliar continuamente se as pessoas deslocadas encontraram soluções: avaliar risco de futuros deslocamentos (UNDRR, 2017, p. 9). 392 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Obseva-se que o Quadro de Sendai para a Redução do Risco de Desastres (2015-2030) reconhece e associa as migrações forçadas6 de pessoas a desastres ambientais. Entretanto, caso o deslocamento não possa ser evitado, o Quadro de Sendai propõe ações para preparar respostas que reduzam as potenciais necessidades humanitárias e reforcem a resiliência das pessoas afetadas, até que sejam capazes de encontrar uma solução aceitável para o seu deslocamento (UNDRR, 2017). A principal preocupação do Quadro de Sendai é auxiliar no monitoramento interno de cada país, nas mais distintas regiões do mundo, de forma que os problemas relativos aos Riscos de Desastres ambientais, sejam tratados com resiliências pelos próprios países com a redistribuição financeiras dos países colaboradores, como uma medida preventiva que visa evitar novos fluxos de migrantes internacionais forçados. Assim, de forma complementar ao Quadro de Sendai foi realizada a Conferência Humanitária Mundial (2016) sobre migrações ambientais, a qual criou a Plataforma para o Deslocamento por Desastres (PDD) que é administrada pelo Escritório da Nações Unidas para Redução do Risco e Desastres (UNISDRR ou UNDRR)7. O avanço trazido pela PDD e UNDRR são os relatórios anuais sobre o monitoramento para a Redução do Risco, como um mecanismo relevante para o direcionamento financeiro para atender as populações mais vulneráveis e a promoção da sustentabilidade, a fim de que as populações afetadas por desastres ambientais consigam recomeçar e gradativamente alcancem a autossuficiência. Percebe-se que, a alternativa duradoura que se busca implementar é entender os conflitos internos, como mecanismo reparativo, 6 7 Migração forçada: Termo geral usado para caracterizar o movimento migratório em que existe um elemento de coação, nomeadamente ameaças à vida ou à sobrevivência, quer tenham origem em causas naturais, quer em causas provocadas pelo homem (por ex., movimentos de refugiados e pessoas internamente deslocadas, bem como pessoas deslocadas devido a desastres naturais ou ambientais, químicos ou nucleares, fome ou projetos de desenvolvimento) (OIM, 2009, p. 41). O Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (originalmente UNISDR) foi criado em 1999 para facilitar a implementação da Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (ISDR ou IDMC). A UNISDR foi mandatada “para servir como ponto focal no sistema das Nações Unidas para a coordenação da redução de desastres e para garantir sinergias entre as atividades de redução de desastres do sistema das Nações Unidas e as organizações e atividades regionais nos campos socioeconômico e humanitário” (Resolução 56/195 da Assembleia Geral das Nações Unidas) (UNRR, 2023). 393 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 a fim de evitar novos fluxos de deslocados internacionais e medidas eficazes para impedir a instabilidade interna do país de origem. Entre essas alternativas está a resiliência, combate a fome com alternativas sustentáveis (subsídio, suporte e produção do próprio alimento) e em casos de deslocamento forçados, que os migrantes forçados sejam os protagonistas e não apenas a população passiva que necessita permanentemente de ajuda humanitária (UNDRR, 2017). O Relatório Global de 2023 do IDMC (Deslocamento Internacional e Segurança Alimentar) sobre deslocamento interno de 2022, informa que mundialmente o número de deslocados internos por desastres foram 32,6 milhões de pessoas, sendo 31,845,000 relacionados ao clima; 9,980,00 por tempestades e 716,000 por razões geofísicas. Figura 3:Número de deslocados e principais causas ambientais E reporta que o número de deslocados na América foi de 2.6 milhões de pessoas e entre os cinco países com maior número de deslocados são: 5,600 por conflitos internos e violência e 708,000 por desastres no Brasil; 675,000 por desastres nos Estados Unidos; 339,000 por conflitos internos e violência e 281,000 por desastres na Colômbia; 106,000 por conflitos e violência e 15,000 por desastres no Haiti; 90,000 por desastres em Cuba (IDMC, 2023, p. 72). A divulgação de informações por meio dos dados apresentados pelo IDMC (2023) viabiliza a compreensão sobre as causas de 394 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho mobilidade interna e os riscos. E ao conhecer o problema, as partes interessadas, tem a possibilidade de implementar e fortalecer a cultura da prevenção. Através de normas especializadas, organizações técnicas, educação e treinamento sobre a redução do risco de desastres, inclusive a possibilidade em propor um plano nacional para acompanhar as tendências e padrões de risco, possíveis perdas e impactos dos desastres (IDMC, 2023). No entanto, o deslocamento internacional não está apenas associado ao risco ambiental. Outro fator que influência a mobilidade interna e internacional é a insegurança alimentar. A Organização para a Alimentação e Agricultura da Nações Unidas (Food and Agriculture Organization of the United Nations FAO) designa elementos de pessoas que sofrem por insegurança alimentar, sendo aquelas que não tem acesso regular a uma alimentação segura e nutritiva suficiente, para o crescimento e desenvolvimento normal e uma vida ativa saudável. E isso decorre da indisponibilidade de alimentos ou falta de recursos para poder prover esses alimentos (FAO, 2023). O fato os descolamentos forçados aparecerem como um plano de fundo para problemas estruturais dos países menos desenvolvidos, é uma constante. No entanto, a insegurança alimentar é um sério agravante, primário e estrutural, de problemas humanitários graves do mundo. Essas evidências reforçam a multicausalidade das migrações internacionais, principalmente por criarem vulnerabilidades duradouras e numerosos desafios para os deslocados internos e/ou as comunidades anfitriãs que acolham os deslocados internacionais (Stephen, 2002; Piguet, 2008). Observa-se que a fragilidade dos Estados diante dos desastres ambientais é cada vez mais recorrente e o desafio é conseguir subsídios para promoverem a proteção social (seguridade social) dos deslocados internos. Entretanto, quando a vulnerabilidade de um país se torna incidente diante da insuficiência de recursos e os problemas estruturais são agravados pelos desastres ambientais, o resultado são pessoas forçadas a migrarem internacionalmente. E para reparar a crise de migrantes internacionais que tiveram por causa última o desastre ambiental, é necessário investir e acreditar no vínculo a ser promovido entre empresas privadas e grupos 395 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 de produtores agrícolas locais. Para que as novas tecnologias possam chegar aqueles que trabalham em sistema comunitário ou em regime de economia familiar, na agricultura de subsistência, evitando dessa forma a fome e miséria estrema (IDMC, 2023). Por fim, verifica-se que o monitoramento para a Redução do Risco tem por principal objetivo auxiliar as crises internas de cada Estado-nacional, mas quando não for possível reparar o fluxo de deslocados internos, que os países anfitriões possam conceder acesso a recursos outros que viabilizem a sobrevivência dos migrantes internacionais forçados além da ajuda humanitária. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O direito para pessoas forçadas a se deslocarem internacionalmente passou a ser garantido através do Estatuto para os Refugiados em 1951. Os motivos clássicos que ensejam o reconhecimento do status de refugiado é o fundado temor por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Tendo em vista que, não há consenso sobre o conceito extensivo para o refúgio em decorrência de desastres ambientais. Isso porque, o motivo “ambiental” como elemento extensivo de mobilidade humana sazonais, internas ou externas, esvaziaria por si só o caracterizador para a concessão do refúgio, que é o “fundado temor ou temendo perseguição”. Além disso, abrandar mais um elemento para o reconhecimento jurídico do status de refugiado, não incentivará a abertura de fronteiras de um possível Estado anfitrião. Atualmente, o número de deslocados forçados pelo mundo é de 108,4 milhões de pessoas, sendo que 32,6 milhões de pessoas são por causas ambientais. E entre esse numeroso contingente populacional, 3.8 milhões de pessoas conseguiram a proteção temporária e somente 336,800 mil pessoas foram reconhecidas como grupo base de refugiados. É notório que a instabilidade climática e desastres ambientais são cada vez mais recorrentes e as pessoas de países em desenvolvimento são as mais afetadas. Os dados apresentados pelo Relatório Global do IDMC em 2023, informa que no ano de 2022 as pessoas se deslocaram internamente por motivos relacionados ao clima, tempestades e uma pequena proporção por razões geofísicas. 396 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Um dos elementos somados aos desastres ambientais como propulsores das migrações internacionais é a insegurança alimentar (fome). E o fato de os descolamentos forçados aparecerem como um plano de fundo para problemas estruturais dos países menos desenvolvidos, é uma constante. Observando essas variáveis, a Plataforma para o Deslocamento por Desastres (PDD) administrada pelo Escritório da Nações Unidas para Redução do Risco e Desastres (UNISDRR ou UNDRR) têm trazido alguns avanços quanto ao monitoramento para a Redução de Riscos de deslocados internos, como mecanismos reparativos. Entre as alternativas empreendidas estão a resiliência, combate a fome com alternativas sustentáveis (subsídio, suporte e produção do próprio alimento) e em casos de deslocamentos internacionais forçados, busca-se implementar a cultura para que os migrantes forçados sejam os protagonistas e não apenas a população passiva que necessita permanentemente de ajuda humanitária Constata-se que, a cooperação e compromisso de ações concretas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), dispostos na Agenda 30, integram as alternativas mais próximas e executáveis por nós, gentes e natureza. E ainda que, não se tenha a concessão e/ou reconhecimento do refúgio ambiental, a pauta é importante para que não nos esqueçamos das pessoas e a importância de transformarmos o desenvolvimento sustentável em ações concretas. 397 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS ACCIOLY, Hidelbrando et. al. Manual de direito internacional público. 25. ed. 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Quando falamos em avançar para ODS em todo o mundo, estamos também a falar da necessidade e possibilidade de uma ética internacional comum. 2 Resumo: Em 2015, a Organização das Nações Unidas anunciou a Agenda 2030, considerada um plano de ação ambicioso, estruturado sob 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que de forma integrada e indivisível estão equilibrados sob o tripé econômico, social e ambiental, base do desenvolvimento sustentável. Assim, o presente capítulo tem como objetivo analisar como o Brasil vem trilhando essa trajetória para alcançar os objetivos previstos na Agenda. Para tanto, o texto propõe uma visão global histórica de como a sustentabilidade foi entendida, bem como, uma introdução aos ODS. Posteriormente, o trabalho coloca uma lente sobre a realidade brasileira, para examinar a estrutura de aderência, implemento ou mesmo a execução desses objetivos. O artigo leva em consideração como as atividades humanas afetam o equilíbrio do ecossistema, concentrando-se na crise das mudanças climáticas e traz à tona a importância dos múltiplos 1 2 Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). É professora de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e membro do Núcleo Interdisciplinar de Professores na FAAP. É pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Estado e Economia no Brasil”. Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Professora Adjunta na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), realizando estágio de pós-doutorado em Ciência Jurídica na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Líder do grupo de pesquisa “Direito, Cidadania e Desenvolvimento Sustentável”. SACHS, Jeffrey D. A era do desenvolvimento sustentável. Actual Editora, 2017. 403 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 atores na governança ambiental, com base na cooperação internacional e nos princípios de solidariedade intergeracional. Palavras-chave: Objetivos do Desenvolvimento Sustentável; Agenda 2030; Desenvolvimento sustentável; Mudanças climáticas; Litigância climática. Abstract: In 2015, the United Nations announced the 2030 Agenda, considered an ambitious action plan, structured under 17 Sustainable Development Goals (SDGs), which are integrated and indivisible. They are under the economic, social, and environmental tripod, the basis of sustainable development. Thus, this chapter aims to analyze how Brazil has been following this trajectory to achieve the objectives set out in the Agenda. To this purpose, the text brings a global historical view of how sustainability was understood and makes an introduction to the SDGs. Subsequently, the work puts a lens on the Brazilian reality, to examine the structure of adherence, implementing, or even the execution of these goals. The paper takes into account how human activities impact the ecosystem’s balance, focusing on the climate change crisis and brings up the multiple actors’ importance on environmental governance, based on international cooperation and intergenerational solidarity principles. Keywords: Sustainable Development Goals; 2030 Agenda; Sustainable development; Climate changes; Climate Litigation. 1 INTRODUÇÃO Em 2015, a Organização das Nações Unidas lançou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que fazem parte da sua proposta mais atual aos Estados membros, a “Agenda 2030”. Adotada por 193 Estados membros, as metas representam um importante passo internacional para colocar a humanidade em uma trajetória em direção ao desenvolvimento sustentável. O que será necessário para um Estado membro como o Brasil, alcançar esses objetivos ambiciosos? Este trabalho tem o objetivo de responder a essa pergunta. Inicia-se a investigação com uma visão global histórica de como a sustentabilidade foi entendida, bem como uma introdução aos ODS. O que são, como podemos medir o progresso em relação a eles e a relevância dos ODS para o gerenciamento dos sistemas globais de 404 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho apoio à humanidade. Posteriormente, o trabalho coloca uma lente sobre a realidade brasileira, para examinar de maneira geral a estrutura de aderência, implemento ou mesmo a execução desses objetivos. Para tanto, o regime jurídico-político e de governança ambiental serão levados em consideração, assim como, a atuação dos vários atores que de alguma forma estão respondendo e implementando os ODS. Os ODS fornecem uma visão compartilhada globalmente para o futuro e, portanto, são importantes para toda a comunidade Internacional. Por esse motivo, este artigo propõe ainda, sob o ponto de vista do direito internacional do meio ambiente, que a ação seja local e multinível já que os desafios do desenvolvimento sustentável diferem de país para país, de regiões para regiões, ou ainda, entre comunidades. Foi em um esforço para garantir um futuro próspero para todos na Terra que os ODS foram adotados, mas esses objetivos não podem ser alcançados sem proponentes ativos em todas as partes da sociedade. Portanto, discutir sobre os 17 ODS e como eles podem ser implementados em nível nacional de forma genérica e abrangente pode ser uma emboscada. Isso porque segundo a orientação das Nações Unidas, apesar de os objetivos serem globais, a realização de suas metas dependerá da capacidade dos governos subnacionais de torná-las realidade em cidades e regiões. Assim, pode-se afirmar que a Agenda 2030 da ONU, propõe acima de tudo, como o mundo irá compartilhar os recursos do Planeta Terra dado que a previsão do crescimento populacional mundial é algo entre 9-10 bilhões de pessoas buscando por desenvolvimento até 2050.3 As Nações Unidas já propuseram diversas outras agendas importantes. Entretanto, a Agenda 2030 é a primeira que realmente integra vetores essenciais na proteção das pessoas e dos recursos do planeta. A relevância da Agenda 2030 também está na aderência e participação dos Estados membros das Nações Unidas. Uma forte participação da sociedade civil e isso faz da agenda revolucionária e ambiciosa. 3 O Perspectivas Mundiais de População 2019: Destaques apresenta os principais resultados da 26ª rodada de estimativas e projeções da ONU sobre a população global. Disponível em: https://population. un.org/wpp/ Acesso em 20/06/2020. 405 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO OBJETIVO GLOBAL As origens do Desenvolvimento Sustentável, como um conceito e o debate que envolve esta ideia ao longo da história estão ligadas com o fato de que as atividades humanas podem influenciar no equilíbrio do Planeta da Terra, ressaltando limites e desigualdades nas condições de qualidade de vida não apenas para os seres humanos que aqui habitam nos tempos atuais mas também trazendo a noção de solidariedade intergeracional. O conceito de Desenvolvimento Sustentável (DS), na esteira do que foi debatido na Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano das Nações Unidas e registrado no corpo do Relatório Brundtland de 1987, é aquele que “satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”4. Dessa maneira, é sustentável o desenvolvimento que se sustenta sob três pilares ou ainda que abrange três dimensões: a dimensão econômica, social e ambiental. Dentro da dimensão econômica é abrigado o aspecto de produção e crescimento de riqueza, para um país, grupo econômico ou uma empresa privada. Dentro de espectro, para conseguir se manter de forma funcional, é preciso gerar renda, movimentar dinheiro e transformar bens, vender serviços. Nesse sentido tal crescimento econômico, contudo, não pode vir às custas da destruição do meio ambiente ou exclusão e indignidade das pessoas. Isto é, para que haja desenvolvimento sustentável, não se pode trabalhar com pessoas escravas ou em condição análoga à escravidão, não se pode abusar de trabalho infantil, e é preciso respeitar a mão-de-obra como reais seres humanos, não como mera parte da engrenagem que faz a máquina andar. Da mesma maneira, não se pode também produzir riqueza em prejuízo da natureza, contaminando os cursos d’água, solo ou ar, nem desmatando áreas protegidas e sensíveis à conservação da biodiversidade e equilíbrio do clima, ou ainda, gastando irresponsavelmente recursos não renováveis. Para promover o DS é preciso encontrar um equilíbrio entre as três dimensões, para que uma não sobrepuje demais as outras. 4 Disponível em <https://nacoesunidas.org/acao/meio-ambiente/>. Acesso em 20/06/2020. 406 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento também faz parte da história deste conceito. O documento consignou em seu princípio terceiro que “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e ambientais de gerações presentes e futuras”5. Dado que o Desenvolvimento Sustentável é aquele que busca o desenvolvimento econômico de modo harmônico com a preservação do meio ambiente e assegurando a equidade social é possível dizer que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente foi o instrumento doméstico, que por sua vez registrou essa mesma lógica como seu principal objetivo no artigo 4o, inciso I: a “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”6. Neste sentido, um dos fundamentos constitucionais para o desenvolvimento sustentável encontra-se no artigo 170 da Constituição Federal que, ao dispor sobre a ordem econômica, afirma que esta (...) “tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observando-se, segundo o inciso VI, “a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”7. Ainda no que concerne o ordenamento jurídico brasileiro, frisa-se que a Constituição Federal estabelece no parágrafo primeiro do artigo 225, que o poder público tem o dever de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente. Para tanto, o texto constitucional elenca algumas incumbências vitais para o desenho da política ambiental brasileira. Em suma, a perspectiva ampla que enxerga o desenvolvimento sustentável como um objetivo global composto por três pilares (ambiental, econômico e social) é uma abordagem de passagem de paradigma estritamente antropocêntrico para um outro paradigma de caráter misto antropocêntrico-ecocêntrico que desloca o homem 5 6 7 Declaração do Rio de Janeiro. Estud. av., São Paulo , v. 6, n. 15, p. 153-159, Aug. 1992. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141992000200013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20/06/2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6938.htm>. Acesso em 20/06/2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 20/06/2020. 407 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 como centro e “considera o meio ambiente como um valor em si mesmo”8. As interações humanas com os processos ecológicos levaram a uma situação de limite em vários aspectos ecológicos do planeta, situação frequentemente chamada de crise ambiental global. A ideia de que os pilares ou dimensões do DS devem ser considerados em conjunto, de modo que a intersecção das três áreas leva à compatibilização do desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico é, na realidade, uma proposta de um novo design de economia, de modo de vida, de mindset.9 Dentro de um modelo econômico ainda considerado tradicional com processo produtivo baseado na queima de combustíveis fósseis e na alta emissão de carbono, em que a problemática ultrapassa fronteiras e exige ações coordenadas entre atores em condições tão diferentes e percursos diversos, tem buscado ao longo do tempo diferentes modelos que pudessem solucionar os problemas concernentes ao meio ambiente. Regulação por meio de acordos internacionais, tentativas de impor responsabilidade por danos ao meio ambiente, coalizões de Estados e governos subnacionais, empresas, instituições e outras organizações não-governamentais. Nesse percurso o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) na Governança Ambiental Global (GAG) tem sido fundamental.10 Desde 1972 muitos acordos internacionais envolvendo a proteção do meio ambiente foram implementados, houve apoio aos países para elaborarem muitos de seus dispositivos legais na área am8 9 10 Nas palavras de Herman Benjamin “Só mais tarde, com o advento de uma verdadeira consciência ecológica, se afirmou uma pré-compreensão ecocêntrica, que considera o ambiente como um valor em si mesmo, digno de protecção jurídica, independentemente do interesse que a sua defesa e conservação possa ter para o próprio homem.” BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. A responsabilidade civil pelo dano ambiental no Direito brasileiro e as lições do Direito Comparado. Brasilia: BDJur, 1998. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/8632/A_Responsabilidade_Civil.pdf>. LONGUINI, Mayara Ferrari; BENFATTI, Fabio Fernandes Neves. 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Dez anos depois, em 2002, ocorreu em Johanesburgo, na África do Sul, a Rio+10. E então, em 2012, novamente no Rio de Janeiro, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20.12 Além das conferências em si, destaque-se ainda, a “Declaração do Milênio das Nações Unidas” que em Assembleia Geral, chamada de “Cúpula do Milênio das Nações Unidas” e realizada de 6 a 8 de setembro de 2000, na sede da ONU em Nova York, instituiu os Objetivos do Milênio (ODM). Os ODM tiveram como prazo limite de execução o ano 2015 e como parte do processo de criação de uma agenda que viria a dar continuidade aos objetivos do milênio, foram lançadas as bases durante a Rio+20 para que “os países-membros da ONU construíssem coletivamente e a partir da experiência exitosa dos ODM um novo conjunto de objetivos e metas voltadas para o desenvolvimento sustentável, que passariam a vigorar no período pós-2015”13. Foi então que durante a reunião da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2015, a Assembleia Geral da ONU adotou o documento intitulado “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, lançando nessa oportunidade um “plano de ação” que propõe aos países 17 Objetivos para alcançar o desenvolvimento sustentável.14 A sequência e conteúdo dos debates travados nas conferências da ONU demonstram um cenário em que em um primeiro momento eram priorizados, pela comunidade internacional, acordos que 11 12 13 14 Disponível em: <https://nacoesunidas.org/crescem-as-leis-para-proteger-o-meio-ambiente-mas-ha-falhas-graves-de-implementacao-diz-relatorio/>. Acesso em: 27/06/2020. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/conferencias-de-meio-ambiente-e-desenvolvimento-sustentavel-miniguia-da-onu/>. Acesso em: 27/06/2020. ROMA, Júlio César. Os objetivos de desenvolvimento do milênio e sua transição para os objetivos de desenvolvimento sustentável. Cienc. 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Segundo André Aranha Corrêa do Lago, a Rio+20 complementou um processo iniciado em 1972 com a Conferência de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano.15 Trazer a preocupação por todos esses desafios em um único acordo e, ao mesmo tempo, vinculá-los aos relacionados aos componentes econômicos e sociais do desenvolvimento sustentável é uma consequência lógica, não apenas das conclusões do Relatório Brundtland, mas do progresso e reconhecimento de que as sociedades humanas são um componente integrante e importante do sistema da Terra. Lembrando que o Relatório de Brundtland pontuou duas questões nevrálgicas para a colocar em prática o que se chama de desenvolvimento sustentável: a primeira é a equidade intergeracional, que significa não privar as futuras gerações de ter acesso aos recursos do Planeta e qualidade de vida; e a segunda questão é a composição de três dimensões do desenvolvimento sustentável – a dimensão da sustentabilidade econômica, social e ambiental. A sustentabilidade econômica exige que a demanda humana por recursos seja trazida e mantida dentro da oferta global desses recursos. A sustentabilidade social demanda que certos direitos basais sejam respeitados.16 Especialmente após a Conferência de Estocolmo, promovida pela Organização das Nações Unidas em 1972, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico se tornou um mote cada vez mais discutido: a sustentabilidade. A lógica desse pensamento ganhou uma nova camada quando a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (WCED ou Comissão de Brundtland) apresenta o relatório Our Common Future, inseriu a ideia da solidariedade entre gerações e então a expressão “desenvolvimento susten15 16 LAGO, André Aranha Corrêa do. Conferências de desenvolvimento sustentável / André Aranha Corrêa do Lago. – Brasília: FUNAG, 2013. p. 16. Our common future. Report of the World Commission on Environment and Development. G. H. Brundtland, (Ed.). WCED, 1987. Oxford: Oxford University Press. Relatório de Brundtland, também intitulado Our Common Future, foi editado em 1987 e produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU em 1983. Abordou temas como necessidades humanas, crescimento econômico dos países, pobreza, consumo de energia, recursos ambientais e poluição. 410 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho tável”, foi popularizada mundialmente com a ampla difusão do Relatório de Brundtland, e, mais tarde, também amplamente discutido nas Conferências da ONU sobre Meio Ambiente.17 Logo, em 2015, passou a vigorar a nova agenda de desenvolvimento das Nações Unidas – Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável – almejando dar as diretrizes ao desenvolvimento global e orientar as políticas públicas nos próximos 15 anos. A Agenda é um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade, consistindo em: uma declaração; 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e 169 metas; meios de implementação e de parcerias globais, além de um arcabouço para acompanhamento e revisão. Para melhor visualização seguem elencados os 17 objetivos na Tabela 1, apresentada a seguir: Tabela 1: Lista dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 17 Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. Objetivo 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. Objetivo 7. Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos. Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. Objetivo 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação. Feil, Alexandre André; Schreibe, Dusan. Sustentabilidade e desenvolvimento sustentável: desvendando as sobreposições e alcances de seus significados. Cad. EBAPE.BR, v. 14, no 3, Artigo 7, Rio de Janeiro, Jul./Set. 2017. 411 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles. Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos. Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade. Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. Fonte Tabela 1: criado pelas autoras, com base no site da ONU.18 2.1. Estrutura dos ODS e o que os diferencia de outros instrumentos internacionais Como dito, o entendimento da sustentabilidade como objetivo coaduna-se com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) adotados em 2015 na Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, os quais devem orientar as políticas nacionais e as ações de cooperação internacional, em uma atualização e sucessão aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Chama a atenção que a agenda proposta procura envolver e comprometer não só países, mas também as pessoas, indivíduos comuns, de todas as partes do mundo, reforçando a noção de interdependência19 e transversalidade dos problemas ambientais20. 18 19 20 Disponível em: <http://www.agenda2030.org.br>. Acesso em 20/06/2020. Organização das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.agenda2030.org.br/sobre/>. Acesso em Julho de 2018. BURALLI, Rafael Junqueira et al. Moving towards the Sustainable Development Goals: The Unleash Innovation Lab Experience. Ambient. soc., São Paulo, v. 21, 2018. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2018000100401&lng=en&nrm=iso>. 412 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Cada objetivo traz uma ambiciosa lista de tarefas a serem cumpridas até 2030. Ao todo são 169 metas associadas que são integradas e indivisíveis, fornecendo uma visão para o modelo de mundo que os Estados Membros que essa administração resultasse. Entretanto, seria realmente possível gerenciar atividades globais em uma estrutura geopolítica que não possui, e provavelmente nunca terá, um único governo global? O Direito Internacional e mais especificamente, o Direito Internacional do Meio Ambiente veio sistematizar conceitos e gerar conhecimento nesse campo. A aplicação da soft law no âmbito do Direito Ambiental Internacional (DAI) tornou-se comum após a Conferência de Estocolmo, auxiliando na construção de uma estrutura voltada para a cooperação internacional referente a tal temática. Dessa maneira, o estabelecimento de instituições nos níveis internacional e regional, destacando-se a ONU e a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, facilitou o consenso entre vários Estados para a formulação de instrumentos não vinculativos apropriados para a obtenção dos objetivos gerais. A heterogeneidade da comunidade internacional traduz-se em dificuldades em aceitar termos vinculativos no âmbito do DAI, adicionalmente as demandas diferenciadas entre os países em desenvolvimento e desenvolvidos induzem ao emprego de instrumentos como resoluções, recomendações e declarações.21 Entende-se que a soft law oferece uma alternativa aos métodos coercitivos considerados onerosos pelos Estados, sua flexibilidade também permite respostas rápidas aos novos desafios ambientais. Um fenômeno atual é o espelhamento de leis brandas para introduzir novas medidas ambientais na legislação nacional dos Estados. As problemáticas para a soft law no DAI encontram-se na possível falta de clareza em relação ao status da norma, especialmente quando tange a implementação e aplicação estatal. Nesse sentido, a falta de prática estatal afeta a instituição de novos padrões de comportamento, impedindo o desenvolvimento do direito consuetudinário pautado pelos instrumentos da soft law.22 21 22 Acesso em: 30 Jun. 2030. Epub July 10, 2018. http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422asoc17ex0001vu18l1td. AHMED, Arif; MUSTOFA, Jahid. Role of Soft Law in Environmental Protection: An Overview Global Journal of Politics and Law Research Vol.4, No.2, pp.1-18, March 2016. Idem. 413 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O conceito de soft law aproxima-se de normas que não são juridicamente obrigatórias, mas que ao mesmo tempo não são privadas de força legal. Nesse sentido, baseia-se no consenso entre Estados, compromissos gerais, entre outras medidas, para alcançar objetivos situados no âmbito global. Sob tal perspectiva, os instrumentos da soft law não são juridicamente vinculativos, porém possuem um efeito relevante no estabelecimento de padrões de comportamento e na promoção algumas políticas globalmente. Em termos gerais, instrumentos regulatórios dotados de força normativa limitada e não vinculantes, com amplo espaço interpretativo e ambiguidade dos termos, caracterizam a soft law. Por conseguinte, a soft law demonstra-se dependente da persuasão e não da coerção associada à hard law; atributo que a coloca como uma fonte importante do direito internacional. O que é a Agenda 2030 se não o que a literatura chama de soft law, cujo objetivo parece ser o explorado acima: a institucionalização de um modelo ou estrutura de governança que estimula os atores a agir, mirando objetivos e metas pertinentes à intenção de conciliar a preservação ambiental e a responsabilidade social com o crescimento econômico. No âmbito jurídico, a soft law atua como um direito não vinculativo, ou seja, não obrigatório. Diferentemente de um tratado, por exemplo, a soft law representa um direito mais flexível e rápido, com a intenção de indicar objetivos e princípios que os Estados estão dispostos a apoiar publicamente. Sua característica não vinculativa, no entanto, não tira sua eficiência e importância na esfera do Direito Internacional, muito pelo contrário. Estudiosos de Direito Internacional como Kenneth W. Abbott e Duncan Snidal23 argumentam que muitas vezes a soft law é preferível a hard law, isso porque essa modalidade atende propósitos muito úteis diante da conjuntura moderna, como: adiantar o processo de abordagem de problemas urgentes, facilitar a elaboração de leis internacionais e executar medidas mesmo sem vincular legalmente os Estados, tendo em vista seu caráter recomendatório. 23 Abbott, Kenneth Wayne and Snidal, Duncan, Hard and Soft Law in International Governance (2000). International Organization, Vol. 54, p. 421, 2000, Available at SSRN: https://ssrn.com/ abstract=1402966 414 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A eficácia da soft law reside na sua vinculação política e não legal, visto que os políticos tomadores de decisão são, muitas vezes, influenciados por soluções jurídicas não vinculativas. Segundo José Cretella Neto os “Estados se veem obrigados a agir de boa-fé ao procurarem executar os enunciados contidos nas declarações, transformando-os em instrumentos jurídicos”24. O desenvolvimento de temáticas referentes ao direito ambiental desde a Declaração de Estocolmo e a Declaração do Rio é notável. O fato de serem questões globais que transpassam fronteiras e que devem ser solucionados de forma coletiva se tornou uma premissa para muitos atores do sistema e resultou na elaboração, ratificação e implementação de documentos que atuassem nos âmbitos nacionais, regionais e internacionais de hard e soft law. Dentre os diversos impactos que a soft law tem no direito ambiental um extremamente relevante para sua aplicabilidade é a agilidade em responder aos problemas ambientais, a flexibilidade para atuar e, caso necessário, a possibilidade de mudar as medidas para outras mais adequadas sem muita burocracia. Tudo isso torna essa modalidade muito mais viável do que a hard law. Além disso, a soft law apresentou um maior “apelo” para os Estados de menor renda, que no cenário de debate sobre direito ambiental buscavam atingir resultados positivos sem abdicar do crescimento econômico e da busca de relevância no sistema internacional. Ao mesmo tempo dialogou com os Estados mais ricos e desenvolvidos por ter uma aplicação que se adequa com seus interesses sem eventuais ameaças à soberania nacional desses países. Independente dos desafios e dos contrapontos que alguns podem apresentar a soft law atua no direito ambiental de forma crucial. Em parte, devido às medidas dessa natureza jurídica terem a capacidade de atuar em diversas estruturas econômicas, com diversos interesses e diversos níveis de desenvolvimento; e em parte por fornecerem múltiplos instrumentos legais para organizações internacionais e auxiliarem em tomadas de decisões dos mesmos. 24 CRETELLA NETO, José. Curso de direito internacional do meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 263. 415 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 2.2 Como medir progresso dos ODS? Os ODS foram assumidos pelos Estados membros com um “compromisso”, produto de um processo político de negociação. Cada um dos 17 objetivos possui diversas metas, que somadas, alcançam o número de 169 metas. Contudo, não faz sentido ter metas se não houver uma forma de medir progresso. Assim, a Organização das Nações Unidas criou indicadores (ao todo são 230 indicadores) para que as metas possam ser acompanhadas e o seu progresso avaliado. Esses indicadores estão longe de garantir uma medida efetiva do progresso global em relação aos ODS, pois só conseguiriam indicar progresso, caso existisse uma coleta de dados padronizada e utilização de métricas para avaliar com precisão tal progresso. Ainda com relação aos indicadores e avaliação de progresso, há inclusive, no âmbito do ODS 17 uma meta específica (17.19) que visa desenvolver novas medidas para avaliar o crescimento sustentável.25 17.19 Até 2030, valer-se de iniciativas existentes para desenvolver medidas do progresso do desenvolvimento sustentável que complementem o produto interno bruto [PIB] e apoiem a capacitação estatística nos países em desenvolvimento.26 O lado positivo de se ter um plano de ação é a possibilidade de conferir como está a evolução ao longo do caminho e de demonstrar os desafios já superados e a ser enfrentados. Sabe-se que o desenvolvimento sustentável tem um componente ambiental, e três dos ODS 13, 14 e 15 lidam diretamente com o tipo de ambiente que queremos manter na Terra. Então, é importante considerar as interações humanas com o meio ambiente, justamente porque o Antropoceno representa exatamente um período em que o Humano está no centro das prioridades, deixando marcas. 25 26 17.19 Até 2030, valer-se de iniciativas existentes para desenvolver medidas do progresso do desenvolvimento sustentável que complementem o produto interno bruto [PIB] e apoiem a capacitação estatística nos países em desenvolvimento. (Tradução livre pelas autoras) Texto original: “17.19 By 2030, build on existing initiatives to develop measurements of progress on sustainable development that complement gross domestic product, and support statistical capacity-building in developing countries.” Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/>. Acesso em: 20/06/2020 Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/>. Acesso em: 20/06/2020. 416 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Durante o século passado, em um período de grande aceleração, especialmente devido ao aumento da população, ao aumento da riqueza e das novas tecnologias, houve um tremendo aumento nas atividades e movimentação humana, crescimento da população mundial, crescimento dos PIB de alguns países, investimento estrangeiro, pessoas que moram nas cidades, uso de energia e fertilizantes, represamento de rios, uso de água doce, produção de papel, transporte, telecomunicações e turismo internacional mostram um enorme aumento desde a década de 1950. É esclarecedora a passagem do artigo de Biermann: While past global governance efforts have relied largely on top-down regulation or market-based approaches, the SDGs promise a novel type of governance that make use of non-legally binding, global goals set by the UN member states. The approach of governance through goals is marked by a number of key characteristics, none of which is specific to this type of governance. Yet all these characteristics together, in our view, amount to a unique and novel way of steering and distinct type of institutional arrangement in global governance.27 A Terra opera como um sistema independente composto por componentes físicos, químicos, biológicos e humanos em interação. E essa é a soma dessas interações que determina o estado ou as condições ambientais do planeta como um todo. Por isso é que se faz necessária uma mudança de foco da política ambiental para uma nova ideia de que todo o sistema terrestre está em processo de transição. O objetivo deste sistema de governança, portanto, deve ser a proteção de todo o sistema terrestre em todas as partes a ele inter-relacionadas.28 27 28 Tradução livre pelas autoras: Embora os esforços anteriores de governança global tenham se baseado amplamente na regulamentação descendente ou em abordagens baseadas no mercado, os ODS prometem um novo tipo de governança que faz uso de metas globais não juridicamente vinculativas definidas pelos Estados membros da ONU. A abordagem da governança por meio de metas é marcada por várias características-chave, nenhuma das quais é específica para esse tipo de governança. Contudo, todas essas características juntas, em nossa opinião, representam uma maneira única e inovadora de orientar e um tipo distinto de arranjo institucional na governança global. BIERMANN, Frank; NORICHIKA, Kanie; KIM, Rakhyum. Governing through Goals: Sustainable Development Goals as Governance Innovation. Cambridge, Massachusetts; London, England: MIT Press, 2017. Acesso em 18/07/2020. Disponível em: < https://es.unpacampaign.org/350/frank-biermann-19th-century-global-governance-not-fit-to-tackle-climate-change/>. Acesso em: 27/06/2020. 417 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 2.3 Interações e interconectividade entre ODS Não se pode negar a complexidade de uma agenda como esta. Lutar pelo alcance dos 17 objetivos é uma missão hercúlea. Não obstante a dificuldade de lidar com 17 objetivos diferentes há uma questão, que é inerente a proposta da Agenda, que é o que os pesquisadores chamam de interações dos ODS. Sob esse ponto de vista, não se pode percorrer uma trajetória de desenvolvimento sustentável, a menos que objetivos sejam trabalhados simultaneamente para reduzir os impactos negativos, ao mesmo tempo em que exploramos as interações positivas. Nesse sentido, pesquisas que objetivaram mapear as interações, como a que foi realizada pelo The International Council for Science (ICSU)29 – demonstraram potenciais sinergias e conflitos quando há interação entre quatro objetivos selecionados com os demais, sendo eles: ODS2, fome zero, ODS3, boa saúde e bem-estar, ODS7, energia acessível e limpa e ODS14, vida abaixo da água, bem como com esses objetivos e os outros objetivos. Algumas interações são negativas e outras positivas, e nem todas têm o mesmo peso. Sendo que, algumas são mais importantes que outras em termos de alcançar o desenvolvimento sustentável. Mas segundo o estudo, não há incompatibilidades tais que façam com que o alcance de um ODS mine o alcance de outro: This analysis found no fundamental incompatibilities between goals (i.e. where one target as defined in the 2030 Agenda would make it impossible to achieve another). However, it did identify a set of potential constraints and conditionalities that require coordinated policy interventions to shelter the most vulnerable groups, promote equitable access to services and development opportunities, and manage competing demands over 29 Tradução livre pelas autoras: Essa análise não encontrou incompatibilidades fundamentais entre as metas (ou seja, onde uma meta definida na Agenda 2030 tornaria impossível a conquista de outra). No entanto, identificou um conjunto de possíveis restrições e condicionalidades que requerem intervenções políticas coordenadas para abrigar os grupos mais vulneráveis, promover acesso equitativo a serviços e oportunidades de desenvolvimento e gerenciar demandas concorrentes por recursos naturais para apoiar o desenvolvimento econômico e social dentro dos limites ambientais. Disponível em: <https://council.science/publications/a-guide-to-sdg-interactions-from-science-to-implementation/>. Acesso em: 27/06/2020. 418 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho natural resources to support economic and social development within environmental limits.30 Ainda nesse sentido de restrições e condicionalidades para cumprimento dos ODS um outro desafio que se apresenta está no intervenções políticas coordenadas gerenciar demandas concorrentes por recursos naturais para apoiar o desenvolvimento econômico e social dentro dos limites ambientais, que será abordado no último item deste trabalho. O relatório inclui análise detalhada de quatro ODS e suas interações com outros objetivos: ODS2: Fome Zero; ODS3: Boa saúde e bem-estar; ODS7: Energia limpa e acessível; ODS14: Vida abaixo da água. Para ajudar no entendimento dessas interações entre ODS (positivas e negativas) é elucidativo o exemplo hipotético envolvendo o sistema de produção dos alimentos. Como se sabe, os alimentos são vitais para saúde e sobrevivência dos seres humanos. Acontece que além da saúde existem diversas outras conexões quando se pensa na produção de tais alimentos, o que acarreta, portanto, múltiplas interações entre os ODS. A primeira delas é o ODS1 (erradicação da pobreza) já que o desenvolvimento agrícola é uma parte essencial da agenda de redução da pobreza. A segunda é obviamente as conexões entre comida, nutrição e saúde, (ODS2: fome zero e agricultura sustentável e ODS3: Saúde e bem-estar). Depois, existe uma forte conexão com a água, pois a utilização de recursos hídricos pela agricultura corresponde à 70% da água utilizável da Terra. Há ainda, grande conexão com a biodiversidade (ODS 14 e 15) pois a produção agrícola é um dos principais impulsionadores das mudanças na biodiversidade, e, também nas mudanças climáticas, na medida em que a forma como a agricultura como um todo é desenvolvida influencia enormemente no sistema climático local e global, envolve o uso e mudança de uso da terra, monoculturas, sementes geneticamente modificadas, o uso de pesticidas, uso de energia, queima de combustíveis fosseis, geração de resíduos e rejeitos. Este exemplo é capaz de ilustrar a múltiplas conexões entre os ODS e mais do que isso, demonstra como os governos costumam atuar em termos de regulação. Segmentando, por exemplo neste caso, 30 Idem. 419 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 no setor da agroindústria com um enfoque exclusivamente econômico, quando, na verdade deveria envolver todo um sistema de serviços ambientais, de força de trabalho e consumo por pessoas, bem como, de produtividade econômica. Tudo isso, de acordo com a sensibilidade da exposição de sistemas produtivos em cada localidade do País.31 Nesse sentido, desde de um pequeno agricultor arando a sua terra, às políticas em nível nacional, até as políticas em nível global, por certo, há que se organizar e regulamentar de formas diferentes pois algumas das soluções estão no nível nacional outras não. Assim, a ideia de governança multinível32 entende que algumas medidas devem ser adotadas por determinada região geográfica, o que pode abranger alguns países. Outras precisam de ações tão específicas ao contexto, que determinada porção de terra, localizada em uma região de importante ao equilíbrio ecológico precise ser preservada. Retornando ao raciocínio sobre as interações entre ODS seria possível ir além trazendo as relações da alimentação com cultura e seus hábitos de dieta. Tem sido discutido os efeitos ambientais negativos que decorrem do consumo de carne vermelha, especialmente a bovina, como desmatamento e emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE). A pesca predatória ou sobrepesca que ameaça a estabilidade das unidades populacionais de peixes. E, ainda, consumo de animais silvestres ou exóticos, muitas vezes comercializados ainda vivos para serem consumidos recém-abatidos também tem consequências na biodiversidade e no controle de zoonoses.33 De outro lado, em alguns lugares do mundo, as pessoas comem carne três ou quatro vezes por ano em cerimônias. Definitivamente, não há excesso de consumo e há meios de subsistência que dependem da produção animal. Então não seria o caso de acabar com a produção pecuária, pois neste caso, isso impactaria negativamente na agenda da pobreza, por exemplo. 31 32 33 GASQUES, José Garcia; VIEIRA FILHO, José Eustáquio Ribeiro; et al. Agricultura, transformação produtiva e sustentabilidade / organizadores: Brasília: Ipea, 2016. p. 374. Disponível em: <https:// www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/160725_agricultura_transformacao_produtiva.pdf> Acesso em 25/06/2020. BEYERLIN, Ulrich; MARAUHN, Thilo. International Environmental Governance, 1996, p. 261. Disponível em: <https://www.svb.org.br/livros/impactos-alimentacao.pdf>. Acesso em: 25/06/2020. 420 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 3 GERENCIANDO IMPACTOS HUMANOS NO MUNDO NATURAL Os 17 objetivos selam um compromisso mundial cujo foco está nas pessoas, na saúde, na fraternidade entre as nações. Para concretizá-los, é preciso gerenciar os impactos da atividade humana na natureza. Trata-se de um agir estratégico (na perspectiva internacional) para o grande desafio de se manter nos limites de um só planeta, cuja ação delineia-se a partir dos pilares do desenvolvimento sustentável, enquanto direito e dever fundamental (no pano interno) previsto na Constituição Federal de 1988 (CF/88). O objetivo principal é a defesa da vida e condições de existência, em todas as suas formas, e em todo planeta, o que revela o interesse global e consequentemente local, e demanda o engajamento de todos em prol da manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Está-se diante dos desafios do Antropoceno34, uma era inaugurada pela ação humana sobre a natureza no planeta, em substituição ao Holoceno (era anterior). Desde o início da segunda década do século XXI, a preocupação assenta-se na forma como o homem vem intervindo e como se dará esta relação homem-natureza no planeta Terra nos próximos anos, do ponto de vista de uma sociedade sustentável, considerando os estudos e evidências científicas divulgados quanto ao impacto negativo dessa ação na manutenção da vida e da natureza. O Antropoceno (“Era dos Seres Humanos”) é caracterizado pela crise, que denuncia uma emergência ambiental e demanda a adoção de políticas que reformulem significativamente o modelo de desenvolvimento e imponham que os padrões de crescimento econômico reverenciem os limites naturais do planeta. 34 O termo Antropoceno foi introduzido pelo químico holandês Paul Crutzen (vencedor do Prêmio Nobel de Química em 1995). Para Peralta e Leite (2012, p. 14) “trata-se de uma época em que a Terra está dominada pelo ser humano – o Homo faber. O nosso tempo é único no que diz respeito a tecnologia, aumento populacional, e crescimento econômico. Os seres humanos tiveram a ousadia e a arrogância de provocar e iniciar uma nova era geológica. Assim, temos um mundo dinâmico, interconectado, mas ao mesmo tempo estamos empurrando o Planeta para o colapso. A Terra está no seu limite” (DI PIETRO, Josilene Hernandes Ortolan; MACHADO, Edinilson Donisete; ALVES, Fernando de Brito. Mediação socioambiental como método adequado de resolução de conflitos para (re)estabelecer o mínimo existencial ecológico nas hipóteses de desastres ambientais. Revista Catalana de Dret Ambiental, [en línia], 2019, Vol. 10, Núm. 2, https://www.raco.cat/index.php/rcda/article/ view/367416). 421 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Com efeito, a atividade humana deve refletir práticas adequadas para implementação dos ODS e concretização do desenvolvimento sustentável, denunciando a clemência por um modelo produtivo adequado aos limites e absorção do planeta. Essas mudanças advêm de reflexões e propostas globais, que devem ser materializadas em ações locais, cujo pilares focam em erradicar a pobreza, combater as mudanças climáticas e seus impactos, assegurando prosperidade para todos. Sempre dentro das metas, realidade e capacidade de cada parte, o importante é que o desenvolvimento respeite e tenha como norte a dignidade da pessoa humana. Do contrário, não será sustentável. O trabalho das metas para atingir os ODS está atrelado às contribuições dos diversos atores sociais, com base na cooperação global e solidariedade. Assim, é importante considerar as forma pelas quais as atividades humanas impactam na Agenda 2030. Isso porque, atualmente, existe um consenso científico quanto à causa antropogênica do aquecimento global, isto é, há embasamento científico de que a ação humana impacta negativamente na natureza e no clima do planeta35, sendo sua principal causa. De acordo com o Relatório Especial Sobre Mudança Climática e Terra do IPCC, “Human influence on the climate system is clear. This is evident from the increasing greenhouse gas concentrations in the atmosphere, positive radiative forcing, observed warming, and understanding of the climate system36” Os impactos adversos de cunho ambiental são problemas de dimensão global. E um ponto é central: todos acentuam a desigualdade, impedem que garantia de um mínimo social e caminham na contramão da promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. 35 36 Neste ponto cita-se a criação do IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC http://www.ipcc.ch/), uma organização de governos membros das Nações Unidas, constituído em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Seu objetivo é produzir relatórios, a partir de uma revisão de literatura e informações científicas sobre alterações climáticas, a fim de serem utilizadas pelos governos e negociações internacionais em prol da construção de políticas climáticas. Em 2013, o IPCC publicou o Quinto Relatório de Avaliação (disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ ar5/wg1/), no qual registrou-se que mudança climática é um fato real, tendo como principal causa a atividade humana. Tradução livre pelas autoras: “A influência humana no sistema climático é clara. Isso é evidente pelo aumento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, forçamento radiativo positivo, aquecimento observado e entendimento do sistema climático”. In:https://www.ipcc.ch/site/assets/ uploads/2018/02/WG1AR5_SPM_FINAL.pdf, p.11. 422 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho É o que ocorre com as mudanças climáticas, com o fenômeno da desertificação37, a degradação do solo, a insegurança quanto ao fornecimento de alimentos, recursos hídricos, os fluxos de gases de efeito estufa nos ecossistemas terrestres, a acidificação e aumento do nível dos oceanos. São fatores que, com base científica, geram desequilíbrio e perda da biodiversidade global, que por usa vez contribui para ocorrência de eventos climáticos extremos (intenso período de secas, chuvas muito fortes, ondas de frio, calor). Nesse aspecto, ressalta-se o chamado do “Relatório de Avaliação Global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos” (Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services), documento apresentado pela “Plataforma Intergovernamental de Científico-Política sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistemas (IPBES)”38 em 2019, que apontou para uma aceleração da perda da biodiversidade e deterioração da natureza sem precedentes nos últimos anos em todo planeta. Human actions threaten more species with global extinction now than ever before. An average of around 25 per cent of species in assessed animal and plant groups are threatened, suggesting that around 1 million species already face extinction, many within decades, unless action is taken to reduce the intensity of drivers of biodiversity loss. Without such action, there will be a further acceleration in the global rate of species extinction, which is already at least tens to hundreds of times higher than it has averaged over the past 10 million years39. 37 38 39 Art. 1º, a: “Por desertificação entende-se a degradação da terra nas zonas áridas e sub-úmidas secas, resultantes de vários fatores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas”. (ONU. Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação. 3. ed. Brasileira. Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: https://www.mma.gov.br/estruturas/sedr_desertif/_arquivos/unccd_portugues.pdf. Acesso em 22 de julho de 2020). Trata-se de um órgão intergovernamental independente constituído pelos Estados, em 2012, com objetivo de desenvolver atividades e pesquisas para dar suporte à elaboração de políticas voltadas à proteção da biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Tradução livre pelas autoras: “As ações humanas ameaçam mais espécies com extinção global agora do que nunca. Uma média de cerca de 25% das espécies nos grupos de animais e plantas avaliados estão ameaçadas, sugerindo que cerca de 1 milhão de espécies já enfrentam extinção, muitas delas há décadas, a menos que sejam tomadas medidas para reduzir a intensidade de fatores determinantes da perda de biodiversidade. Sem essa ação, haverá uma aceleração adicional na taxa global de extinção de espécies, que já é pelo menos dezenas a centenas de vezes maior do que a média dos últimos 10 milhões de anos. In: IPBES (2019): Summary for policymakers of the global assessment report on 423 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 O sucesso dos ODS e o cumprimento das suas metas dependem da preservação da biodiversidade. Assim, novas práticas produtivas, novas mudanças para proteger e restaurar (o que assim for possível) a natureza, são imprescindíveis para frear e reverter os impactos humanos (transfronteiriços, ressalta-se) no clima e na biodiversidade. Assim, trabalhar com os ODS e suas respectivas metas, na perspectiva normativa de um desenvolvimento sustentável, é projetar a sociedade (internacional e nacional) para a prosperidade socioambiental e econômica. Deste modo, considerando a faceta ambiental do desenvolvimento sustentável, neste capítulo propõe-se verificar o ODS que se relaciona diretamente com a questão do meio ambiente, em uma perspectiva jurídica, indicando instrumentos que se dispõe atualmente para contornar essas contingências e caminhar rumo ao cumprimento das metas dos ODS relacionados ao clima e à biodiversidade. 3.1 Ação contra a mudança global do clima O ODS 13 propõe que medidas para combater a mudança global do clima sejam urgentemente tomadas. Para tanto, estabelece metas para conduzir ações: 13.1 Reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima e às catástrofes naturais em todos os países. 13.2 Integrar medidas da mudança do clima nas políticas, estratégias e planejamentos nacionais. 13.3 Melhorar a educação, aumentar a conscientização e a capacidade humana e institucional sobre mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce da mudança do clima. 13.a Implementar o compromisso assumido pelos países desenvolvidos partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima [UNFCCC] para a meta de mobilizar biodiversity and ecosystem services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. S. Díaz, J. Settele, E. S. Brondízio E.S., H. T. Ngo, M. Guèze, J. Agard, A. Arneth, P. Balvanera, K. A. Brauman, S. H. M. Butchart, K. M. A. Chan, L. A. Garibaldi, K. Ichii, J. Liu, S. M. Subramanian, G. F. Midgley, P. Miloslavich, Z. Molnár, D. Obura, A. Pfaff, S. Polasky, A. Purvis, J. Razzaque, B. Reyers, R. Roy Chowdhury, Y. J. Shin, I. J. Visseren-Hamakers, K. J. Willis, and C. N. Zayas (eds.). IPBES secretariat, Bonn, Germany. 56 pages, p. 12. 424 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho conjuntamente US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020, de todas as fontes, para atender às necessidades dos países em desenvolvimento, no contexto das ações de mitigação significativas e transparência na implementação; e operacionalizar plenamente o Fundo Verde para o Clima por meio de sua capitalização o mais cedo possível. 13.b Promover mecanismos para a criação de capacidades para o planejamento relacionado à mudança do clima e à gestão eficaz, nos países menos desenvolvidos, mudança global do clima e à gestão eficaz, nos países menos desenvolvidos, inclusive com foco em mulheres, jovens, comunidades locais e marginalizadas. Para se adequar à realidade nacional, o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) elaborou o relatório “Agenda 2030”: ODS – Metas Nacionais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”40. Quanto à meta 13.2, o relatório enuncia a importância de se “integrar a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) às políticas, estratégias e planejamentos nacionais”, o que determina a adaptação do país à mudança do clima, estabelecendo programas específicos e compromissos em empregar esforços para integrar e fazer cumprir as políticas climáticas. Cumpre referir, nesse sentido, ao compromisso assumido pelo Brasil na COP-15 (Copenhagen, 2009), propondo-se voluntariamente reduzir entre 36,1 a 38,9% de suas emissões traçadas até 2020. Para tanto, em 2009 foi promulgada a lei n. 12.187/2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), cujo art. 12 reafirma o compromisso proposto.41 A PNMC é a principal política relacionada à meta do ODS 13 e, apesar de algumas críticas42, é considerada um marco normativo 40 41 42 Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8636/1/Agenda%202030%20ODS%20 Metas%20Nac%20dos%20Obj%20de%20Desenv%20Susten%202018.pdf. CONTIPELLI, Ernani; CHIARELLO, Felipe. Solidaridad, cambio climático y tributación sobre el carbono. Revista de Direito Ambiental: RDA, v. 23, n. 91, p. 391-403, jul./set. 2018, p. 393. Nesse sentido, Nusdeo: “Há críticas pela celeridade com a qual se aprovou a lei, contribuindo para uma “ampla generalidade de suas normas, que se limitam a expressar diretrizes , sem criar deveres jurídicos específicos aos setores público e privado. E embora estabeleça instrumentos , não os disciplina com clareza” (NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Mudanças climáticas e os instrumentos jurídicos adotados pela legislação brasileira para o seu combate. In: NUSDEO, Ana Maria de Oliveira; TRENNEPOHL, Terence. Temas de direito ambiental econômico. São Paulo: Thomson Reuters. 2019, 425 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 e representa um progresso no combate à crise climática. Sua execução permite aumentar a capacidade de adaptação e resiliência e diminuição da emissão de GEEs, da forma desejada. Importante registrar que a PNMC se estrutura a partir de diversos instrumentos para sua implementação: planejamento, monitoramento, regulamento, economia de baixo carbono, fomento à pesquisa, orçamento para medidas de mitigação e adaptação, comando e controle. Dentre os quais destaca-se o “Plano Nacional sobre Mudança do Clima”, estabelecido antes mesmo da PNMC, aprovado no final de 2008, com a meta de reduzir os índices de desmatamento na Amazônia. O plano está regulamentado atualmente pelo Decreto n. 9578/201843. De acordo com art. 3º, este Plano será integrado pelos planos de ação para a prevenção e o controle do desmatamento nos biomas e ainda pelos planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas, previstos nos arts. 6º e 11, da PNCM, respectivamente. No mesmo sentido, a lei n. 12114/2009 estabelece o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e o decreto 9.578/2018 consolida sua regulamentação. Propor planos para implementação de políticas públicas ambientais é fazer uso de instrumentos econômicos, entendidos como “mecanismos de estímulo às condutas de preservação ambiental objetivadas pelas normas políticas”, que “constituem a resposta jurídica 43 p. 208.). E também Wedy: “Andou bem o legislador ao erigir o desenvolvimento sustentável como princípio de observância obrigatória na PNMC o que acaba por vincular os entes políticos e os órgãos da administração pública. Melhor seria se tivesse nomeado expressamente neste artigo a iniciativa privada que movimenta a economia no exercício de suas atividades e recebe concessões, autorizações e permissões do Poder Público para o exercício destas. A atividade privada, aliás, produz o maior volume de externalidades ambientais negativas, entre as quais as emissões de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global” (WEDY, Gabriel. Mudança Climática: sustentabilidade e ética na legislação brasileira. In: Congresso Brasileiro de Direito Ambiental (21o: 2016 : São Paulo, SP) Jurisprudência, ética e justiça ambiental no século XXI [recurso eletrônico] org. Antonio Herman Benjamin, José Rubens Morato Leite. – São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2016, p. 110). O autor também faz referência às omissões sobre a tributação sobre o carbono e a adoção do comércio de autorizações das emissões no estilo cap-and- trade. O Decreto n. 9578/2018, revogou o Decreto n. 7390/2010, que fora o primeiro a regulamentar a PNMC. Ambos trouxeram as mesmas projeções e metas. Por sua vez, o art. 17 do decreto regulamentador apresenta cinco outros planos para desenvolver ações voltadas ao cumprimento das metas nacionais: “I - Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal - PPCDAm; II - Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado - PPCerrado; III - Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE ;IV - Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura - Plano ABC; e V - Plano Setorial de Redução de Emissões da Siderurgia”. 426 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho mais genuína da tentativa de conciliação da preservação ambiental com um lógica econômica”44. Ademais, o tema ambiental tem tratamento dentro da ordem econômica, quando o art. 170 da CF/88 prevê que a atividade econômica deve ser exercido em consonância com preservação ambiental. Na busca pela efetividade da PNMC, o descumprimento de metas e regulamentação das propostas autoriza seu questionamento judicial sob à ótica constitucional, à luz do art. 174 da CF/88. Como destaca Nusdeo45: A figura do Plano governamental é relativamente pouco estudada pelos juristas, mas há que se lembrar a regra constitucional do artigo 174, que estabelece ser o planejamento determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Desse modo, eventual distanciamento das políticas das em relação às metas estabelecidas nesse plano, podem vir a ser exigidas judicialmente. A utilização dos planos setoriais possibilita cada Estado “olhar” para suas fraquezas e potencialidades e então se estruturarem para atingir as metas propostas. No plano nacional, o desmatamento (sobretudo do bioma Amazônia) representa a grande fraqueza e vulnerabilidade frente ao combate às mudanças climáticas. Considerando o atual cenário nacional, que deveria refletir a busca por medidas que cumprissem os compromissos de mitigação, adaptação e gestão dos riscos, é relevante destacar o aumento exponencial da taxa de desmatamento, acentuado em 2019, com 10.300 km2 da Amazônia Legal desmatados (dados do PRODES, do período de agosto de 2018 a julho de 2019), o que representa a maior extensão de área já desmatada dos últimos dez anos (aumento em torno de 30% considerando o mesmo período anterior)46. As recentes 44 45 46 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Direito Ambiental & Economia. São Paulo: Juruá, 2018, p.76. NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Política climática brasileira e seu potencial de judicialização: os tipos de ação que têm os governos como réus, à semelhança do caso urgenda. Os tipos de ação que têm os governos como réus, à semelhança do caso Urgenda. 2019. Disponível em: https://www.jota.info/ opiniao-e-analise/artigos/politica-climatica-brasileira-e-seu-potencial-de-judicializacao-06052019. Acesso em: 21 julho 2020. Disponível em: <http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/legal_amazon/ increments>. Acesso em: 21 julho 2020. 427 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 projeções para o interstício 2019-2020 são ainda mais alarmantes: estima-se ser 72% ainda maior que o do período anterior (desmatamento acumulado nos últimos 10 meses (de agosto de 2019 a maio deste ano) na Amazônia Legal já é mais de 70% maior do que o registrado no mesmo período anterior (dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real – Deter - do Inpe)47. Nessa perspectiva de emergência climática, cumpre ratificar uma abordagem jurídica, invocando-se o cumprimento de diretrizes e normativas para efetivar deveres jurídicos dos diversos atores sociais, em especial os entes estatais, ante os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, como instrumento para a manutenção de sobrevivência das espécies (todas as formas). Oportuno se torna analisar se a litigância climática pode ser utilizada como ação estratégica no combate às mudanças climáticas no Brasil, cumprindo as metas da Agenda 2030. 3.2 Litígios climáticos na promoção do desenvolvimento sustentável e concretização da Agenda 2030 Como se observa, ainda que exista uma estrutura normativa jurídica mínima regulamentando a questão ambiental no Brasil, com proteção constitucional, a implementação das medidas para contribuir e limitar o aquecimento da temperatura global ainda carece de efetividade. Outrossim, ante à ineficiência de regimes normativos para lidar com a crise climática, iniciou-se nos últimos anos invocar o Poder Judiciário para se manifestar e aplicar direitos e obrigações relacionados às mudanças climáticas, como pontuam Joana Setzer, Kamyla Cunha e Amália Botter Fabbri48. Trata-se da litigância climática, mecanismo que envolve ações judicias ou pleitos em instâncias administrativas que abordem questões, normas ou fatos relacionados às mudanças climáticas. Registra-se a origem 47 48 Disponível em: <https://jornal.usp.br/ciencias/pesquisadores-temem-explosao-de-desmatamento-em-2020/>. Acesso em: 21 julho 2020. In: litigância Climática: novas fronteiras para o direito ambiental no Brasil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. 428 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Nessa linha, Gabriel Wedy49 salienta: Os litígios climáticos têm como objetivos pressionar o Estado Legislador, Estado Administrador e os entes particulares a cumprirem, mediante provocação do Estado Juiz, o compromisso mundial no sentido de garantir um clima adequado com o corte das emissões de gases de efeito estufa e o incentivo à produção das energias renováveis acompanhados do necessário deferimento de medidas judiciais hábeis a concretizar os princípios da precaução e da prevenção com a finalidade, igualmente, de evitar catástrofes ambientais e de promover o princípio do desenvolvimento sustentável. Os litígios climáticos, outrossim, são essenciais para suprir omissões estatais na esfera administrativa e as lacunas deixadas pelo legislador em relação à novel matéria. Neste cenário, o Estado Juiz, em todo o mundo, tem julgado um crescente número de demandas envolvendo o Direito das Mudanças Climáticas aplicando, direta e indiretamente, o princípio da proporcionalidade, vedando excessos e omissões.50 As ações climáticas são promovidas para responsabilizar entes públicos e privados, podendo apresentar o tema de forma central, periférica/indireta ou ainda de forma incidental. É o caso, por exemplo, das ações voltadas ao combate do desmatamento no Brasil: ainda que não expressem diretamente tratar de ações que abordem o tema, outros argumentos relacionados ao clima são invocados. Tem-se, portanto, os litígios climáticos diretos (quando diretamente resta clarividente que o objetivo da ação é a questão climática) e indiretos, que abordam outros pontos tangentes à crise climática. Na verdade, há diversas possibilidades considerando causa de pedir, legitimidade ativa e passai, pedido e objeto da ação no universo da litigância 49 50 WEDY, Gabriel. Litígios climáticos: de acordo com o direito brasileiro, norte-americano e alemão. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 33-34. NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Política climática brasileira e seu potencial de judicialização: os tipos de ação que têm os governos como réus, à semelhança do caso urgenda. Os tipos de ação que têm os governos como réus, à semelhança do caso Urgenda. 2019. Disponível em: https://www.jota.info/ opiniao-e-analise/artigos/politica-climatica-brasileira-e-seu-potencial-de-judicializacao-06052019. Acesso em: 21 julho 2020. 429 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 climática. Ela pode envolver quatro aspectos: redução das emissões de GEE (mitigação), redução da vulnerabilidade a que expõem as mudanças climáticas (adaptação), pleito de reparação pelos danos que podem causar (perdas e danos) e que haja uma gestão dos riscos climáticos. Ainda, de acordo Wedy51, a introdução da litigância climática representa uma perspectiva estratégica no combate à crise climática no cenário brasileiro, que é marcado pela corrupção, pela ausência de democracia para implementação de políticas públicas ambientais, pela adoção e fomento de práticas que um desenvolvimento insustentável, em total agressão ao bem ambiental constitucionalmente tutelado, sem haver perspectiva de um cumprimento voluntário do compromisso e dever constitucional de tutela ambiental oponível a todos. Imprescindível e necessária uma abordagem jurídica por meio da intervenção do Poder Judiciário para o cumprimento do desafio global da crise climática. Em conclusão, a litigância climática é uma estratégia complementar à ação política de reivindicação da adoção de políticas climáticas, de aumento de sua ambição ou, simplesmente, da efetividade de normas que as estruturam. Vem desempenhando papel crescente para a consecução desses objetivos em outros países.No Brasil, pode vir a ter um papel relevante, seja para reivindicar maior empenho por parte do governo, para ampliar seu reconhecimento como uma questão de direitos humanos (no caso da opção por litígios estratégicos), seja, ainda, se o quadro normativo, que se desenvolveu ao longo da última década, perder efetividade. Nesse último caso, os espaços de cogência estabelecidos nas diferentes normas que sustentam a política climática brasileira, poderão vir a ser invocados para mantê-la em operação. Cumpre observar a propositura, em 05 de junho de 2020, de duas ações52, por quatro partido políticos brasileiros, junto ao Supre51 52 WEDY, Gabriel. Desenvolvimento sustentável na era das mudanças climáticas: um direito fundamental. São Paulo: Saraiva Jur, 2018. Foram propostas com ações de inconstitucionalidade por omissão (ADO 59 e 60). A ADO 60 foi convertida na Ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 708. 430 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho mo Tribunal Federal (STF), em face da União. A ADO 60 (convertida em ADPF) objetiva obter uma declaração de omissão por parte do Poder Público por não colocar em funcionamento o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, importante instrumento financeiro da PNMC, como abordado anteriormente, que se encontra inativo desde 2019, mesmo havendo, segundo sustentam os litigantes, previsões milionárias no orçamento. Ainda, tem como objeto obrigações de fazer, para que haja a retomada das atividades e a reativação da governança do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), dois instrumentos financeiros essenciais da política ambiental e climática. Nesse sentido, na ADO 60, convertida na ADPF 708, uma decisão inovadora foi proferida pelo Relator, Ministro Luis Roberto Barroso53, sob o argumento das graves consequências econômicas e sociais advindas de políticas ambientais que descumprem compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. (...) O quadro descrito na petição inicial, se confirmado, revela a existência de um estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental, a exigir providências de natureza estrutural. Vale reiterar: a proteção ambiental não constitui uma opção política, mas um dever constitucional. E, ao reconhecer a importância da redução do desmatamento e emissão de gases de efeitos estufa e seus impactos climáticos e econômicos, e, considerando a necessidade de uma ampla compreensão sobre o estado atual das políticas públicas em matéria ambiental, “sobre a operacionalização e o funcionamento do Fundo Clima e sobre os diversos atores e atividades eventualmente impactados por tais políticas;”, e ainda, considerando “que essas questões extrapolam os limites do estritamente jurídico, demandando conhecimento interdisciplinar a respeito de aspectos científicos, socioambientais e econômicos, decido pela convocação de audiência pública”54, para 53 54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 60/DF. Relator Ministro Luis Roberto Barroso. Publicação: 30.06.2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343625717&ext=.pdf. Acesso em 30 julho de 2020, p.02. A audiência será realizada por meio virtual, inicialmente designada para 21 e 22 de setembro de 2020. 431 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 que “sejam ouvidos autoridades, instituições oficiais, organizações da sociedade civil, institutos de pesquisa, entidades de classe e outros atores que possam prestar contribuição relevante para o debate”55. Concluindo, nas palavras de Caio Borges56, com um “orçamento de carbono” cada vez mais reduzido [...], o mundo simplesmente não pode se dar ao luxo de ter o sexto maior emissor de GEE indiferente a um problema que, por sua própria definição e natureza, só pode ser enfrentado por meio da ação coletiva global”. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde a cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, o Brasil, por meio de seus governos locais tem trabalhado na busca de um formato mais transversal no que se refere à dimensão ambiental em todos os ODS, notadamente em temas como manejo sustentável dos recursos naturais, oceanos, florestas, água, biodiversidade, urbanização e o da mudança do clima. Apesar do esforço dos governos locais ainda se espera que o sistema de governança se aperfeiçoe diante da estrutura federativa brasileira que, de acordo com a CF (art. 24, incisos I, VI, VII e VIII, e parágrafos), possui três níveis de organização administrativa e política e confere autonomia aos governos estaduais para estabelecer políticas de acordo com suas próprias prioridades, dentro de seus limites de jurisdição. Indubitavelmente o aperfeiçoamento de um sistema de governança que seja capaz de implementar os ODS com sucesso necessita de uma atuação de múltiplos atores tanto no âmbito nacional, quanto no regional e internacional. Os Instrumentos Internacionais que o Brasil faz parte, como, Tratados, Acordos, Convenções, Protocolos, compromissos em âmbito das Organizações Internacionais (como é o caso da Agenda 2030), compõem seu direito interno, sendo introduzidos no ordenamento 55 56 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADO 60/DF. Relator Ministro Luis Roberto Barroso. Publicação: 30.06.2020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343625717&ext=.pdf. Acesso em 30 julho de 2020, p. 11. BORGES, Caio. Litigância climática no STF:: as lições dos casos paradigmáticos internacionais. as lições dos casos paradigmáticos internacionais. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/ opiniao-e-analise/artigos/litigancia-climatica-no-stf-as-licoes-dos-casos-paradigmaticos-internacionais-07072020. Acesso em: 30 jul. 2020. 432 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho jurídico nacional por meio dos respectivos processos e burocracias de internalização (via decreto presidencial que os promulga, após passar pelo Congresso Nacional por meio de decreto legislativo). Tudo isso para dizer que uma atuação política doméstica coerente com os compromissos assumidos internacionalmente é o que os cidadãos brasileiros e habitantes de todo o planeta anseiam. É dever inadiável a promoção do Desenvolvimento Sustentável pelo Estado e a sociedade brasileira, cumprindo o dever fundamental constitucionalmente estabelecido de proteção ambiental. Implementar as metas para o desenvolvimento sustentável implica proteger a vida, promover a saúde e assegurar o direito de todos de viver em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, premissa dos demais direitos humanos. Na trajetória brasileira, a litigância climática revela o Poder Judiciário como aliado para contornar os efeitos adversos das mudanças climáticas, por meio da regularização de normas e instrumentos, capaz de elevar a posição do Brasil na promoção do desenvolvimento sustentável. 433 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS AHMED, Arif; MUSTOFA, Jahid. Role of Soft Law in Environmental Protection: An Overview Global Journal of Politics and Law Research Vol.4, No.2, pp.1-18, March 2016. BEYERLIN, Ulrich; MARAUHN, Thilo. 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Cláudia Michelly Sales de Paiva Tonacio Elda Coelho de Azevedo Bussinguer REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho OS IMPACTOS DO TRABALHO ESCRAVO NA SAÚDE HUMANA E O PAPEL DO EMPREGADOR NA REPARAÇÃO DOS DANOS À SAÚDE CAUSADOS AO TRABALHADOR RESGATADO. Cláudia Michelly Sales de Paiva Tonacio1 Elda Coelho de Azevedo Bussinguer2 Resumo: No ordenamento jurídico brasileiro, a proteção do trabalho e o direito à saúde são deveres do Estado estabelecidos constitucionalmente. Todavia, mais de um século após a abolição da escravatura no Brasil, o país ainda é palco de condutas afrontosas à dignidade dos trabalhadores em diversas acepções. Desponta, desse modo, a relevância da investigação do instituto da escravidão moderna e os seus impactos na saúde humana, sob o enfoque dos aspectos legais que rechaçam tal conduta. O objetivo deste artigo, portanto, é discutir os impactos do trabalho escravo na saúde humana, identificando as principais consequências para os trabalhadores, sob a perspectiva do arcabouço jurídico protetivo do trabalho digno, tanto no âmbito nacional quanto na esfera internacional e o papel do empregador na reparação dos danos causados ao obreiro. Além disso, busca-se analisar 1 2 Mestranda em Direito Constitucional, na área de Direitos e Garantias Fundamentais pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da FDV, Bacharela em Direito pela UFRN, pós-graduada em Direito Constitucional pela UFRN. Professora do curso de Direito do Centro Universitário MULTIVIX, Advogada. Livre Docente pela Universidade do Rio de Janeiro (UniRio). Pós-doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em Bioética pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Direito da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Coordenadora de Pesquisa, Extensão e Relações Internacionais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) . Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito da FDV (Mestrado e Doutorado em Direitos e Garantias Fundamentais). Editora da Revista Direitos e Garantias Fundamentais (QUALIS A 1). Coordenadora do BIOGEPE- Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Políticas Públicas, Direito à Saúde e Bioética. Membro da Rede Interamericana de Pesquisa em Direitos e Garantias Fundamentais. Colunista de A Gazeta. Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética.. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 do CNPq. 439 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 a importância da prevenção e combate ao trabalho escravo como uma medida de proteção à saúde e garantia de direitos humanos fundamentais. Do estudo, concluiu-se que a realização plena da dignidade da pessoa humana só é possível se o trabalho for adequadamente valorizado e respeitado, e se o direito à saúde dos trabalhadores for assegurado. Ademais, defende-se que o empregador tem o dever de reparar os danos à saúde do trabalhador, conforme estabelecido pela legislação trabalhista e pela jurisprudência dos tribunais. Palavras-chave: Trabalho escravo, Dignidade da pessoa humana, Saúde, Trabalho digno. Sumário: Introdução; 1. Do Tráfico Negreiro à Escravidão Contemporânea: um paradoxo entre a realidade histórica do trabalho escravo e o discurso da liberdade.1.2. Definição do Trabalho em condições análogas às de escravo 2. Arcabouço Jurídico de Proteção do Trabalho Digno. 2.1 Normatização internacional, Definição do Trabalho em condições análogas às de escravo. 2.2 Disposições do Ordenamento Jurídico Brasileiro sobre o Direito ao Trabalho. 2.3. Dever estatal de tutela do trabalho digno; 3. Impactos do Trabalho escravo na saúde humana e o papel do empregador na reparação dos danos causados ao trabalhador resgatado. Conclusão. Referências 1 INTRODUÇÃO A exploração do homem pelo homem remonta à Antiguidade. A propriedade do escravo pelo Senhor concedia-lhe plenos direitos para dispor da força de trabalho e demais aspectos da vida daquele. À época, o trabalho tinha conotação de atividade de menor importância em contraponto à supremacia do ócio, tendo a ressignificação do valor da força laboral perpassado por períodos de extrema degradação do obreiro, a exemplo da exigibilidade de jornadas exaustivas e sem limitação, menosprezo pelo exercício laboral da mulher e do menor e altos índices de acidentes relacionados às funções executadas. Felizmente, no contexto atual, o labor se apresenta com viés completamente distinto, revelando-se como elemento fundamental para a manutenção da sociedade e da própria dignidade do homem. Em outro âmbito, porém intrinsecamente relacionado ao tema do Trabalho escravo contemporâneo, despontam com máxima 440 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho evidência as questões relativas à saúde do trabalhador escravizado e a consequente necessidade de reparação por parte do agente causador do dano, o empregador. Destaca-se, pois, nesta pesquisa, o tema da “escravidão moderna”, relacionando-o ao direito à saúde, constitucionalmente assegurado; o qual não se resume apenas a tratamentos curativos, mas, abrange em seu conceito um completo bem-estar físico, emocional, psíquico e social, relacionados a um meio ambiente saudável, boa alimentação, moradia, saneamento básico, educação e acesso a bens mínimos para uma existência digna (OMS,2005). No Brasil, as desigualdades sociais, bem como a estrutura de empregabilidade, têm raízes profundas nos legados coloniais que deixaram uma marca persistente no país. Essas desigualdades se manifestam em exploração de trabalhadores e em violações de direitos fundamentais. Neste cenário, é de se dizer que trabalhadores em condições análogas à escravidão, além de sofrerem diversas violações em seus direitos fundamentais, podem desenvolver doenças das mais variadas espécies. Sendo assim, a pergunta que se eleva nesta pesquisa é quais são os impactos do trabalho escravo contemporâneo na saúde humana e de que forma o empregador deve se responsabilizar pelos danos causados à saúde do obreiro? Defende-se, como hipótese, que são reais e incontáveis os impactos sofridos pelo trabalhador em sua saúde corporal e psíquica. desde a enfermidades respiratórias por exposição à poeira, fumaça e produtos químicos, além de doenças infecciosas por falta de saneamento básico adequado. Ademais, o estresse e a violência psicológica a que esses trabalhadores são submetidos, a distância dos familiares, a baixa autoestima, a humilhação recorrente aliada aos maus-tratos, podem levar a problemas psíquicos e emocionais, sendo obrigação do empregador reparar os danos causados ao obreiro na medida do prejuízo ocasionado. Todavia, conquanto a legislação de âmbito nacional e internacional disponha de diversos subsídios para rebater tal prática, inclusive com amparo constitucional e tipificação penal específica, a exploração de seres humanos sob regime análogo ao escravo ainda encontra ressonância no meio social. É forçoso reconhecer também 441 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 que o trabalhador, como parte hipossuficiente na relação, muitas vezes revela-se incapaz de se contrapor às oportunidades laborais que se apresentam ou à submissão a sistemas econômico-sociais pré-existentes. O labor humano é uma das forças motrizes da nossa sociedade e figura como um dos Fundamentos da República. Assim, não há que se conceber que mais de um século após a abolição da escravatura no Brasil, o país ainda seja palco de condutas afrontosas à dignidade dos trabalhadores, prejudicando-os em sua integridade física, moral e psíquica. No ordenamento jurídico brasileiro, a proteção do instituto do trabalho pelo Estado tem status constitucional. A Carta Magna de 1988 traçou indiscutivelmente um patamar civilizatório mínimo a ser respeitado nos pactos laborais, além de proibir expressamente, em seu art. 5º, a tortura e o tratamento desumano e degradante. (Brasil,1988) O estudo, em comento, objetiva traçar uma discussão sobre os impactos do trabalho escravo na saúde humana, identificando as principais consequências para os trabalhadores e para a sociedade em geral, sob a perspectiva do arcabouço jurídico protetivo do trabalho digno, tanto no âmbito nacional quanto na esfera internacional. Além disso, busca-se destacar a importância da prevenção e combate ao trabalho escravo como uma medida de proteção à saúde e garantia de direitos humanos fundamentais, bem como delinear as nuances históricas da escravidão no Brasil, investigar e abordar o dever estatal de tutela à saúde; delimitar os requisitos que referendam a definição do trabalho em condições análogas ao de escravo no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que afeta à saúde do obreiro em suas mais variadas possibilidades e por fim discutir sobre o papel do empregador na reparação dos danos causados ao obreiro resgatado. Para tanto, será empreendido um levantamento bibliográfico em fontes oficiais, artigos, revistas e periódicos acerca da escravidão e suas nuances históricas, do direito à saúde e suas origens, do arcabouço da proteção jurídica do trabalho digno, da definição do trabalho em condições análogas às de escravo no ordenamento jurídico brasileiro, do dever estatal de proteção do trabalho digno no combate ao trabalho escravo, os impactos na saúde humana e o papel do 442 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho empregador na responsabilização dos danos causados ao trabalhador resgatado. Outrossim, o Brasil assumiu o compromisso de combater o trabalho em condições análogas às de escravo por meio de diversos instrumentos de cunho internacional, como a Convenção das Nações Unidas sobre Escravatura ou a Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado nº 105 da Organização Internacional do Trabalho-OIT. É cediço, ainda, que qualquer nação signatária da Declaração Universal dos Direitos Humanos, como o Brasil, tem o dever de promover o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades. 2 DO TRÁFICO NEGREIRO À ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA: UM PARADOXO ENTRE A REALIDADE HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO E O DISCURSO DA LIBERDADE “ No que tange ao cenário nacional, a década de 1530 é apontada como o marco do início da escravidão no país, que teria sido deflagrada com a submissão laboral dos povos originários e substituída, gradativamente, pelos negros africanos traficados em navios. Há registros históricos de que os conflitos entre os jesuítas e colonizadores e a própria relutância dos indígenas em acatar a concepção de trabalhos ininterruptos, além do alto número de mortes destes decorrentes do contato com o homem branco, contribuíram para desestimular a continuidade da escravização de tais povos. A escravização dos negros africanos, por sua vez, encontra resquícios nas relações que os portugueses desenvolviam na Ilha da Madeira e se estabeleceu de forma duradoura e extensa no país. Entre outras justificativas para tal disseminação, o tráfico negreiro se mostrou um negócio lucrativo que oferecia mão de obra de baixo custo e em quantidade suficiente para atender as demandas suscitadas na lavoura. Ademais, sua durabilidade encontrou respaldo no arcabouço legal vigente, notoriamente direcionado à manutenção de relações de poder e submissão. 443 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Schwarcz e Gomes (2018) abordam a questão da escravidão africana no Brasil, destacando que aproximadamente 4,8 milhões de africanos foram trazidos ao país entre 1550 e 1860. A prática da escravidão enraizou-se de forma cruel na história brasileira, deixando marcas profundas na rotina social dos indivíduos até os dias atuais, o que contribuiu para a manutenção de um sistema opressivo que perpetuou a violência e a injustiça social por séculos. O país, além de ter sido o último a abolir essa forma perversa de mão de obra nas Américas, foi que mais recebeu africanos saídos de seu continente de maneira compulsória. A história demonstra que a escravidão encontrava amparo na própria legislação, a qual se atrelava ao direito costumeiro e favorecia as dinâmicas de hierarquia com opressão. Os códigos Manuelino, Afonsino e Filipino subsidiavam castigos e maus-tratos contribuindo com a institucionalização do poder indiscriminado dos senhores. (Schwarcz e Gomes, 2018) Vê-se, desse modo, que a submissão de seres humanos a outros seres humanos se fez presente ao longo da história, sendo o ponto comum nos diversos tipos de relação traçados a fragilidade do lado subjugado. Corroborando tal afirmação, Barros (2013, p.195) enfatiza: A Escravidão — seja no período Antigo ou no Moderno — constitui a ‘desigualdade radical’ por excelência. O Escravo é obviamente aquele que perdeu a Liberdade da mente, já que há outras formas de perder a liberdade sem se tornar escravo, mas é também aquele que perdeu quase (senão todos) os direitos sobre si, sobre o seu trabalho, sobre a sua própria capacidade de oferecer ou recusar‐se ao trabalho. A assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel não foi suficiente para a abolição da escravidão. Os ex-escravos analfabetos, “livres,” porém sem opção de trabalho, moradia e dignidade passaram a vagar nas estradas dos séculos. Na atualidade, a submissão de trabalhadores a condições degradantes é muitas vezes associada a aspectos socioeconômicos que favorecem o desequilíbrio de poder. 444 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho “Os trabalhadores que se submetem ao trabalho escravo, só o fazem por estarem em situação limite de sobrevivência, tendo que aguentar a humilhação e exploração, tendendo, inclusive, a naturalizar essas relações de dominação”. (Barros 2013, p.12) De fato, a carência de oferta de oportunidades de desenvolvimento a determinadas parcelas da população os torna alvos fáceis de interesses econômicos desenfreados e contribui, sobremaneira, para a difusão da odiosa prática da escravidão contemporânea em nosso país. Maurício Lima (2023), ao relatar a discussão oriunda da Oficina do Fórum Social Mundial, destacou quem são os novos escravos: vítimas de um mercado financeiro que gera miseráveis, a maior parte nordestinos, além de crianças, pessoas com deficiência, prostitutas, foragidos da justiça, flagelados e principalmente quem tem fome. (Lima, 2003) De acordo com a obra de Jorge Souto Maior (2010), o trabalho escravo contemporâneo se caracteriza por ser realizado em condições aviltantes e degradantes, onde há violação sistemática dos direitos humanos fundamentais. Sublinhe-se que em pesquisa empreendida sobre o tema da escravidão contemporânea, Sá, Fischer e Mesquita (2020), tendo por base dados fornecidos pelo DETRAE/SIT, elencam a lista das 10 atividades econômicas com maior quantidade de trabalhadores escravizados ao longo dos últimos anos, a saber: criação de bovinos para corte, fabricação de álcool, cultivo de cana-de-açúcar, produção de carvão vegetal - florestas nativas, extração de madeira em florestas nativas, cultivo de outras plantas de lavoura permanente não especificadas anteriormente, cultivo de soja, cultivo de algodão herbáceo, produção de ferro-gusa, cultivo de milho. Denota-se, por conseguinte, a predominância da irregularidade no meio rural brasileiro. 2.1 Definição do trabalho em Condições Análogas às de Escravo O trabalho em condições análogas às de escravo encontra diversas nomenclaturas na literatura, tais como: trabalho degradante, trabalho forçado, escravidão contemporânea, semiescravidão, escravidão moderna e neoescravidão. A formação do trabalho escravo con445 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 temporâneo está relacionada à adoção de atitudes que são contrárias ao trabalho digno, tais como: uso de força física, abuso sexual, abandono do trabalhador em locais remotos e vigilância armada, os quais representam uma violação clara da liberdade de movimento da vítima. O trabalho forçado ou compulsório é considerado como aquele que é realizado sob ameaça ou sem o exercício livre da vontade. Essas práticas são uma afronta aos princípios fundamentais do trabalho decente. Além disso, são uma expressão da exploração brutal da mão de obra, que visa maximizar os lucros à custa da saúde, integridade física e psicológica dos trabalhadores. (Sá, Fischer E Mesquita, 2020). Filgueiras (2015) ressalta que a expressão “trabalho análogo ao de escravo” se encaixa em um contexto global de exploração da mão de obra, apresentando características do sistema produtivo capitalista atual. Nesse sistema, a pressão do capital para aumentar suas margens de lucro não reconhece limites na exploração do trabalho, prejudicando a integridade física e a dignidade do trabalhador como ser humano. Segundo Hobsbawm (1995, p. 78), “o trabalho escravo é a expressão mais extrema da lógica capitalista por explorar o trabalhador até o limite, sem se preocupar com sua dignidade ou seus direitos”. Todavia, a conceituação objetiva do trabalho em condições análogas às de escravo, adotada no art. 2 da Convenção sobre trabalho Forçado ou Obrigatório da OIT nº 29, ratificada pelo Brasil afirma que “Trabalho forçado ou compulsório é todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de uma sanção e para o qual a pessoa não se ofereceu espontaneamente”. Sá, Fischer e Mesquita (2020, p. 198) rememoram que foi a partir da edição da Lei 10.833, de 29 de dezembro de 2003, que o conceito de trabalho escravo passou a abranger de modo expresso a jornada exaustiva e as condições degradantes. Esclarecem, ainda: “A jornada exaustiva corresponde a toda forma de trabalho, de natureza física ou mental, que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os relacionados à segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social”. Quanto à condição degradante, atrelam-na à negação da dignidade humana. 446 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Conquanto o conceito penal contribua enormemente para a compreensão da prática irregular e criminosa em discussão, convém ressaltar que a esfera administrativa faz uso de parâmetros mais elastecidos, vez que o atendimento ao interesse público sobrepuja a política criminal garantista, em especial a proteção do status libertatis do réu. (Brasil, 2011) Com o fim de oferecer transparência ao conceito, o órgão ministerial do trabalho explicita diversas formas de ocorrência da degradação laboral, tais como: constrangimento físico e/ou moral a que é submetido o trabalhador – seja na deturpação das formas de contratação e do consentimento do trabalhador ao celebrar o vínculo, seja na impossibilidade desse trabalhador de extinguir o vínculo conforme sua vontade, no momento e pelas razões que entender apropriadas – até as péssimas condições de trabalho e de remuneração: alojamentos sem condições de habitação, falta de instalações sanitárias e de água potável, falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual e de boas condições de saúde, higiene e segurança no trabalho; jornadas exaustivas; remuneração irregular, promoção do endividamento pela venda de mercadorias aos trabalhadores (truck system). (Ministério Do Trabalho E Emprego, 2011) Barros (2011, p.10) reforça a aceitação da amplificação do conceito penal ao apontar como condutas caracterizadoras da escravidão contemporânea a ausência de carteira de trabalho assinada; a supressão do repouso semanal remunerado; jornada extraordinária superior a duas horas; a inexistência de remuneração, equipamentos de segurança para manuseio de agrotóxicos, alojamentos adequados, instalações sanitárias, água potável e alimentação adequada e a privação da liberdade de locomoção e submissão à vigilância armada na execução das tarefas. Por fim, a imobilização da força de trabalho pelo endividamento prévio também se apresenta como conduta afrontosa a dignidade. Seguindo o viés de entendimento amplo do conceito de escravidão para além da liberdade de locomoção, tem se apresentado a jurisprudência do STF: Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa 447 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno.”. [STF. Inq 3.412, rel. min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. min. Rosa Weber, P, j. 29-3-2012, DJE de 12- 11-2012.] A própria OIT- Organização Internacional do Trabalho também aponta variada exemplificação de situações configuradoras de trabalhos forçados, como violência, exigência de serviços sexuais, intimidação, retenção de documentos, recrutamento enganoso, entre outras condições; deixando claro que o espectro de caracterização da coerção é amplo. Vê-se, portanto, que, independentemente da designação que lhe é conferida, a caracterização deste tipo de labor perpassa pela identificação da existência de quaisquer afrontas à liberdade ou à dignidade do trabalhador no ambiente laboral. 3 ARCABOUÇO JURÍDICO DE PROTEÇÃO DO TRABALHO DIGNO A tutela do trabalho digno exsurge como dever estatal em diversos dispositivos de espectro internacional, conforme se demonstra a seguir. 3.1 Normatização Internacional A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, tendo como lema a dignidade humana, preceitua em seu art. IV: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. (Declaração Universal de Direitos Humanos, 1948) Da convenção sobre a Escravatura, assinada em Genebra em 25 de setembro de 1926, é possível extrair o conceito amplo de escravidão: “A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os tributos do direito de propriedade”. 448 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A Organização Internacional do Trabalho, por meio da Convenção nº 29 de 1930, estabelece em seu art. 1º: Todos os Membros da Organização Internacional do Trabalho que ratificam a presente convenção se obrigam a suprimir o emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas no mais curto prazo possível. O art. 2º da convenção nº 105 de 1957 do órgão trabalhista internacional reforça o dever já firmado no documento anterior ao dispor: Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a adotar medidas eficazes, no sentido da abolição imediata e completa do trabalho forçado ou obrigatório, tal como descrito no art. 1 da presente convenção. Indo ao encontro de tais instrumentos normativos, a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfego de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura de 1966 trata de práticas análogas à escravidão e assevera em seu Artigo 1º que devem ser abolidas as práticas escravagistas. De forma semelhante, o art. 8 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992) expressa a proibição da submissão de pessoas à escravidão quando estabelece: “Ninguém poderá ser submetido à escravidão; a escravidão e o tráfico de escravos, em todos as suas formas, ficam proibidos”. Seguindo a deliberação do Pacto anterior, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 1992, aduz em seu art. 6: “Ninguém pode ser submetido à escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas”. Já o art. 7º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992) dispõe: “Os Estados pactuantes reconhecem o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas”. (Brasil, 1992) 449 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Coube ao último apontar, ainda, os parâmetros mínimos garantidores do direito a condições de trabalho dignas. Entre os quais, salienta-se: remuneração dos trabalhadores, como valor mínimo necessário à subsistência e equidade no que tange a funções, independentemente do sexo do ocupante do cargo; oportunidades igualitárias de ascensão no emprego; saúde e segurança laborais; descanso em sentido amplo; jornada legal, entre outros. 3.2 Disposições do Ordenamento Jurídico Brasileiro Seguindo o viés dos diversos instrumentos legais dos quais o Brasil é signatário, a Constituição Cidadã de 1988 estabelece parâmetros protetivos do labor e o dever de o Estado garantir a dignidade da pessoa humana alçando-os ao patamar de Fundamentos da República, dos Princípios que a regem e de Direitos e Garantias Fundamentais. O art. 1º da CF dispõe expressamente que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. (Brasil, 1988) A prevalência dos direitos humanos, por sua vez, integra o escopo dos princípios que regem a República e está inserta no inciso II do art. 4º da Carta Magna. Já a vedação expressa ao tratamento desumano ou degradante é encontrada no rol de garantias e direitos fundamentais constitucionais dispostos no art. 5º, cujo caput explicita: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Convém acrescentar que, ao tratar da ordem econômica e da função social da propriedade no art. 170, a Carta Magna traça clara vinculação do preceito ao princípio da dignidade humana e aos ditames da justiça social por meio da valorização do trabalho humano. No que tange especificamente à propriedade rural, coube ao art. 186 da CF explicitar que o cumprimento da função social está atrelado ao atendimento dos requisitos: (...) III – observância das disposições 450 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (Brasil, 1988) Não bastassem os inúmeros preceitos positivos voltados a incentivar o trabalho digno, a reprovabilidade da conduta de redução de trabalhadores a condições análogas às de escravo no ordenamento jurídico brasileiro encontra-se sedimentada na tipificação inserta no art. 149 do Código Penal Brasileiro: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (Brasil, 1940) Os impactos deletérios da manutenção de trabalhadores em situação degradante na esfera econômica também encontram guarida no texto constitucional, mais especificamente no art. 243 e decorrem da nova redação aprovada por meio da Emenda Constitucional nº 81. Há expressa previsão de expropriação de terras de empregadores que mantiverem trabalhadores em tais condições e a destinação daquelas à reforma agrária e programas de habitação popular, além do confisco de bens de valor econômico apreendidos. (Brasil, 1988) Resta inequívoco, desse modo, que, ao longo da história, os diversos instrumentos elaborados com o fim de garantir patamares civilizatórios mínimos ao redor do mundo, buscaram contemplar, como dever inafastável dos países que o adotavam, a proteção do trabalho digno. É cediço, ainda, que o Brasil, como signatário destes diversos instrumentos, não encontra amparo para se esquivar das medidas necessárias a viabilizar o alcance de tal objetivo. 3.3 Dever Estatal de Tutela do Trabalho Digno Ao tratar da dignidade da pessoa humana, Miraglia (2010, p. 35) esclarece que “a dignidade da pessoa humana constitui princípio, fundamento e objetivo do Estado brasileiro. É o valor supremo sobre o qual se edifica a sociedade brasileira”. 451 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Ocorre que o respeito à dignidade da pessoa humana perpassa necessariamente pelo direito a um trabalho decente, com respeito à integridade física e moral e salário que se coadune aos ditames legais. O Estado Democrático brasileiro é radicado no princípio da dignidade do ser humano, estando os direitos sociais no rol de direitos fundamentais. Assim, a violação desse direito afronta não apenas o conceito de dignidade, como também põe em xeque a própria democracia no país. (Vedovato et al 2016) Delgado (2006, p.126) corrobora o acima exposto ao dispor que a objetificação do ser humano viola a dignidade: “No desempenho das relações sociais, em que se destacam as trabalhistas, deve ser vedada a violação da dignidade, o que significa que o ser humano jamais poderá ser utilizado como objeto ou meio para a realização do querer alheio”. Completa a autora ao dizer que o sistema de valores a ser utilizado como diretriz do Estado Democrático deve concentrar-se no ser humano enquanto pessoa. É oportuno mencionar também que a própria Organização Internacional do Trabalho estabelece a capacidade de garantir uma vida digna como critério para a caracterização do trabalho decente. Sendo inequívoco o fato de que a dignidade da pessoa humana está intrinsecamente relacionada ao direito ao labor em condições adequadas, revela-se como dever inafastável do Estado a adoção de medidas assecuratórias do exercício deste direito. Assentados os dispositivos legais assecuratórios do trabalho digno e voltados a combater a escravidão contemporânea, revela-se essencial o entendimento das circunstâncias que caracterizam a ocorrência de tal prática, o que se delineia em seguida. 4 OS IMPACTOS DO TRABALHO ESCRAVO NA SAÚDE DO TRABALHADOR E O PAPEL DO EMPREGADOR NA REPARAÇÃO DOS DANOS À SAÚDE CAUSADOS AO TRABALHADOR RESGATADO Ao longo da história, a concepção de saúde foi evoluindo. No século IV a.C., Hipócrates, filósofo grego, já mencionava a influência do ambiente e estilo de vida dos habitantes sobre a saúde: o estilo 452 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho de vida dos habitantes e as condições de trabalho eram responsáveis pelo nível de saúde das populações. Essa conclusão foi um marco importante na história da conceituação da saúde, pois permitiu uma abordagem mais ampla sobre o tema, considerando fatores socioeconômicos e culturais que influenciam a saúde das pessoas, reflete o mesmo autor. (Dallari,2009) Noutra esteira, há uma corrente de pensamento que a define como a ausência de doenças. Essa ideia teve origem nos trabalhos do filósofo francês Descartes, que comparou o corpo humano a uma máquina e buscou descobrir a “causa da conservação da saúde”. No século XIX, essa corrente de pensamento enfatizou o caráter mecanicista da doença, e a sociedade industrial explicou-a como um defeito na linha de montagem que exigia reparo especializado. Pasteur e Koch, com seus trabalhos sobre a etiologia das doenças, forneceram a causa que explicou o defeito na linha de montagem humana. (Dallari, 2009) Atualmente, a concepção de saúde tem sido cada vez mais abrangente, considerando aspectos biopsicossociais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. Isso significa que a saúde deve ser entendida como um estado global de bem-estar, que envolve aspectos físicos, emocionais, sociais e culturais, e que depende de múltiplos fatores, como acesso a serviços de saúde, alimentação adequada, educação, moradia, trabalho digno, entre outros. (Brasil, 2021) Além dos aspectos já mencionados, a alimentação é um dos pilares fundamentais da saúde, juntamente com o ambiente, o estilo de vida, as condições socioeconômicas e culturais, e os aspectos físicos, emocionais e sociais. Não faz muito tempo, “a saúde era garantida somente àqueles com carteira de trabalho assinada e mediante contribuição ou àqueles que pudessem pagar por ela. Fora do sistema estava a maioria da população.” (Delduque et al,2009). A extrema exploração da força de trabalho viola direitos humanos fundamentais e tal afirmação é indubitável. Para Jorge Souto Maior (2015), o trabalho escravo contemporâneo é um resultado direto de um modo de produção que se baseia em relações sociais desumanas, e não deve ser considerado apenas como um fenômeno resultante da informalidade. 453 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 No dizer de Barbosa (2018, p. 55), o” trabalho escravo é um flagelo social que atenta contra a dignidade humana e afeta de forma contundente a saúde física e mental dos trabalhadores”. Nesse horizonte, a exposição às condições de trabalho inadequadas, jornadas exaustivas, exposição a riscos ocupacionais e ambientais, baixa remuneração ou ausência de pagamentos, controles armados são alguns dos motivos que podem gerar, especialmente, consequências danosas à saúde do obreiro. As disparidades nos cuidados médicos entre escravos e cidadãos livres sempre foram significativas. Para os escravos, havia pouca consideração pelas causas subjacentes às doenças e o tratamento se concentrava em reparar seus corpos para que pudessem voltar ao trabalho. (Jaiger, 1986) Pode-se afirmar que o trabalho escravo é um grave problema social e de saúde pública. As condições de trabalho a que os escravos são submetidos, muitas vezes em atividades insalubres e perigosas, afetam negativamente sua saúde física e mental, além de resultar em altas taxas de mortalidade. Os trabalhadores são frequentemente expostos a doenças infecciosas, lesões e intoxicações, além de sofrerem com a falta de acesso a serviços de saúde adequados. (Rangel et al, 2015). De acordo com Barros et al. (2016), as condições de trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar no Nordeste do Brasil, por exemplo, em que muitos trabalhadores são submetidos a condições análogas à escravidão, podem levar a graves problemas de saúde, como intoxicação por agrotóxicos e doenças relacionadas ao calor. No contexto agrícola, os principais riscos e danos são acidentes com ferramentas manuais, máquinas e implementos agrícolas, lesões traumáticas de diferentes graus de intensidade. Também são comuns acidentes com animais peçonhentos, como aranhas, escorpiões, abelhas, vespas e marimbondos, cuja relação com o trabalho nem sempre é estabelecida. (Silva, 2005) Outro problema enfrentado pelos trabalhadores escravos contemporâneos no Brasil é a falta de acesso aos serviços de saúde. De acordo com o Ministério Público do Trabalho, muitos trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão não têm acesso aos serviços de saúde, o que agrava ainda mais os problemas de saúde decorrentes do trabalho escravo. (Brasil, 2017) 454 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Pode-se afirmar que a relação entre trabalho escravo e saúde é evidente. O trabalho escravo envolve, entre outras coisas, “condições degradantes de trabalho, jornadas extenuantes, violência, entre outros fatores que contribuem para o adoecimento físico e mental dos trabalhadores.” (Lima, 2007, p. 99). Além das condições insalubres de trabalho, os trabalhadores escravizados também sofrem diversos tipos de violência, como a física, a psicológica e a sexual. Nesse contexto, a violência sexual é particularmente preocupante, pois pode resultar em doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e aborto. Essa situação expõe a gravidade da situação dessas pessoas e o quanto ainda é necessário avançar na luta pela garantia dos direitos humanos. (Lima, 2007) A falta de acesso à educação e informação torna os trabalhadores mais vulneráveis a abusos e exploração, já que muitos desconhecem seus direitos trabalhistas e não têm conhecimento sobre o que caracteriza o trabalho escravo. Por não saberem distinguir entre uma situação de trabalho regular e uma de escravidão, ou por não encontrarem alternativa diversa para sobrevivência, acabam sendo submetidos a condições degradantes e trabalho forçado, vez que “a luta contra o trabalho escravo é uma luta pela justiça social e pelos direitos humanos. Enquanto houver exploração do trabalho humano, não pode haver verdadeira liberdade e igualdade” - Hobsbawm, 1995, p. 122) A violação dos direitos humanos e a falta de proteção social aos trabalhadores em situação análoga à escravidão resultam em condições precárias de vida e trabalho, levando a uma série de problemas de saúde. Entre esses problemas, destacam-se a desnutrição, as doenças infecciosas e parasitárias, as doenças ocupacionais, a violência física e psicológica, além de problemas relacionados à saúde mental. (Lima,2007) Importa destacar que a saúde dos trabalhadores escravizados pode ser comprometida não apenas durante o período de exploração do trabalho, mas após a libertação. Além disso, a violação dos direitos humanos pode gerar além de traumas físicos, consequências psicológicas, como o estresse pós-traumático, dificultando a reinserção do escravizado ao mercado de trabalho. O empregador, por sua vez, ao utilizar mão de obra e escravizá-la, comete uma série de violações 455 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 aos direitos humanos fundamentais, dentre os quais o desrespeito ao direito à saúde. Neste sentido, Alves (2013) assevera que empregador que submete o trabalhador a condições análogas à escravidão, além da imposição de sanções penais e administrativas, tem o dever de arcar com os danos causados à saúde do trabalhador, incluindo os gastos com tratamento médico e medicamentos, sob pena de enriquecimento sem causa e responsabilidade civil. Defende-se, neste artigo, o dever concernente ao empregador no sentido de reparar os danos à saúde causados ao trabalhador resgatado do trabalho escravo. Essa reparação pode ser feita de diversas formas, como o custeio do tratamento médico, psicológico e odontológico do obreiro, bem como o fornecimento de medicamentos e equipamentos de proteção individual. É importante destacar que a reparação dos danos à saúde não é uma questão meramente humanitária, mas um dever que se impõe: A Constituição Federal brasileira prevê o direito à saúde como um direito fundamental e inalienável, garantido a todos os cidadãos. Além disso, a Lei nº 8.080/1990, que regulamenta o Sistema Único de Saúde (SUS), estabelece que é dever do Estado garantir a assistência à saúde de todos os cidadãos, incluindo aqueles que foram vítimas do trabalho escravo e tal dever não exclui o da família, das empresas e da sociedade. (Brasil,1990) Assim, a reparação dos danos à saúde causados pelo trabalho escravo deve ser obrigação do empregador, a qual deve ser cumprida de forma efetiva e adequada. É necessário que as empresas desenvolvam políticas e práticas de responsabilidade social que valorizem o trabalhador como um ser humano digno e respeitado. A garantia do direito à saúde é um passo fundamental nesse sentido. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 prevê, ainda, a proteção do trabalhador em seu artigo 7º, que trata dos direitos sociais. O artigo dispõe que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”, entre eles, o seguro contra acidentes de trabalho, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres e perigosas. (Brasil,1988) 456 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Além disso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece no artigo 2º que “considera-se empregadora a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Nesse sentido, é dever do empregador garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável para seus funcionários, cumprindo com as normas regulamentadoras que visam proteger a saúde e a integridade física do trabalhador. (Brasil, 1943) Cabe ao empregador, que assumiu os riscos da atividade econômica e explorou o trabalho humano de forma ilegal e criminosa, arcar com os custos da reparação aos danos causados à saúde do obreiro. A adoção de medidas preventivas, como a fiscalização e o combate ao trabalho escravo, e a aplicação de sanções adequadas aos infratores são essenciais para que sejam evitados novos casos de exploração do trabalho humano e preservada a dignidade da pessoa humana, vez que de acordo com a Constituição Federal de 1988, é dever do empregador garantir um ambiente de trabalho saudável e seguro, bem como a proteção contra os riscos da atividade laboral. (Brasil, 1988) Dallari (2008, p. 119) destaca que “a proteção à saúde do trabalhador é um dever do Estado e uma obrigação das empresas, que devem proporcionar um ambiente de trabalho adequado e implementar medidas preventivas para evitar a exposição dos trabalhadores a riscos à saúde”. Essa obrigação se estende inclusive aos trabalhadores resgatados do trabalho escravo, que muitas vezes sofrem danos à saúde decorrentes das condições precárias de trabalho a que foram submetidos. Além disso, a legislação trabalhista brasileira prevê que, em casos de doenças relacionadas ao trabalho, o empregador é responsável pelo custeio do tratamento médico do trabalhador, conforme previsto no artigo 20 da Lei nº 8.213/91, o qual dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Segundo esse dispositivo legal, “a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador” e “a empresa responderá pela reparação dos danos que decorrerem de doenças profissionais ou do trabalho”. (Brasil, 1991) Dessa forma, defende-se a responsabilidade do empregador em custear o tratamento de saúde do trabalhador resgatado, vez que 457 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 esse tipo de trabalho é considerado uma das piores formas de exploração laboral, com graves consequências para a saúde e integridade física e psicológica do trabalhador. Como destaca Carneiro (2011, p. 13), “os trabalhadores resgatados têm direito à assistência médica, psicológica e social, bem como à garantia de acesso aos serviços previdenciários e trabalhistas, cabendo ao empregador, na condição de causador dos danos, o dever de repará-los”. Na afirmação de Santos (2016, p. 161), “o dever de reparação dos danos à saúde do trabalhador resgatado é um direito fundamental, e não pode ser interpretado como uma obrigação a ser cumprida de forma benéfica e excepcional pelo Estado ou pelo empregador”. Ademais, a responsabilidade do empregador também abrange o dever de indenizar o trabalhador resgatado pelos danos morais e materiais causados pela sua exploração no trabalho escravo. A reparação devida aos trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão envolve, além dos danos à saúde, a indenização pelos danos morais e materiais causados pela exploração, decorrentes de violações aos direitos humanos fundamentais, entre os quais a dignidade da pessoa humana.” (Brasil, 2017) A Corte Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Estado brasileiro, internacionalmente, pela não prevenção da prática de trabalho escravo moderno. O Brasil é o primeiro país condenado pela OEA nessa seara. O Estado brasileiro deve indenizar 128 vítimas resgatadas durante fiscalizações do Ministério Público do Trabalho na Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará, nos anos de 1997 e 2000. Apenas nessa fazenda, mais de 300 trabalhadores foram resgatados, entre 1989 e 2002. As reparações devem custar aos cofres públicos cerca de US$ 5 milhões. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2016) A CIDH determinou que o Estado reparasse as violações de direitos humanos tanto materiais como morais ocorridas, além da restituição às vítimas dos salários advindos do trabalho realizado. Ademais, restou a indicação de que fosse investigado de maneira imparcial e eficaz os fatos ocorridos, com o objetivo de identificar os responsáveis a fim de impor as sanções devidas (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2016) No entanto, em que pese a ocorrência da condenação supra, a implementação de um sistema de reparação integral esbarra em 458 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho diversos obstáculos: em que pese o hercúleo esforço dos auditores do trabalho, membros do Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, a falta de fiscalização adequada ao trabalho escravo ainda existe porque na maioria das vezes os trabalhadores são submetidos a condições degradantes em locais de difícil acesso, o que dificulta o trabalho dos órgãos fiscalizadores. Além disso, os empregadores que se utilizam da mão de obra escrava criam estratégias diversas para ocultar as condições de trabalho, dificultando a identificação das situações de exploração. Outro óbice é a falta de conscientização por parte dos próprios trabalhadores sobre seus direitos e sobre as condições adequadas de trabalho. Muitos trabalhadores desconhecem o seu valor como pessoa e do seu trabalho, o que culmina na facilitação da exploração por parte dos empregadores. Além disso, muitos trabalhadores acabam aceitando condições precárias de trabalho por falta de opção ou por medo de perder o emprego e mesmo após o resgate, retornam a condições de trabalho semelhantes. A fragilidade normativa também é uma barreira para a responsabilização do empregador pelos danos causados à saúde do trabalhador resgatado. A despeito da legislação trabalhista brasileira prever a responsabilidade civil do empregador pelos danos causados ao obreiro, não raras vezes essa responsabilidade é ignorada ou minimizada. Ademais, a falta de normatização específica para punição ao empregador escravagista no que concerne especialmente ao trabalho escravo dificulta a responsabilização dos empregadores. A dificuldade de comprovação do nexo causal entre as condições de trabalho e as doenças ou lesões dos trabalhadores é outro desafio a ser vencido. Muitas vezes, os trabalhadores resgatados apresentam doenças ou lesões que não são imediatamente identificáveis como relacionadas às condições de trabalho. Isso dificulta a comprovação da causalidade e, consequentemente, a responsabilização do empregador. Nesta vertente, a falta de uma cultura de responsabilização por parte dos empregadores e da sociedade em geral é um empecilho para a responsabilização pelos danos causados à saúde do trabalhador resgatado. Finalmente, apesar dos obstáculos evidenciados, a sociedade, embora a passos lentos, tem crescido na conscientização, mobilização 459 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 e denúncia a respeito da responsabilização dos empregadores envolvidos nesse horror moderno denominado escravidão contemporânea. 5 CONCLUSÃO A abolição da escravatura no Brasil, conquanto consista em um marco histórico de reconhecimento do valor do homem, não impediu a continuidade de condutas afrontosas à dignidade humana e por conseguinte a direitos elementares do ser humano, como a submissão de trabalhadores a condições degradantes de trabalho. Ressalta-se que o conceito de dignidade está diretamente relacionado ao direito ao usufruto do trabalho decente, capaz de proporcionar condições mínimas de saúde e segurança, salário-mínimo legal, jornada limitada, sem qualquer tipo de privação da liberdade de locomoção ou escolha. Desse modo, a esfera legal protetiva do trabalho digno atrela-se de forma incontestável ao arcabouço jurídico que defende a dignidade da pessoa humana em sentido amplo. É cediço que há diversos instrumentos legais voltados a tutelar o labor no ordenamento jurídico brasileiro, seja na esfera do direito trabalhista propriamente dito, seja no âmbito do direito constitucional ou dos direitos humanos. Independentemente da identificação didática da seara de proteção, é objetivo comum dos instrumentos legais e, por conseguinte, dos Estados de onde se originam ou que se comprometem a cumpri-los garantir que o labor se torne efetivamente fonte de dignificação do homem, e não um meio de objetificação deste. Registra-se, ainda, que a legislação penal estabeleceu critérios objetivos para a caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo, mas que o conceito penal não impede uma interpretação ampliada da definição. Ocorre que não é plausível a exigência da constatação de homens atados a grilhões para que se perceba o aviltamento da dignidade humana, vez que explorações desmedidas, enclausuramento ou mesmo a limitação de acesso a condições mínimas de conforto, ainda que ligados aos trabalhadores por cordas invisíveis, são capazes de restringir de forma inaceitável os direitos a que fazem jus. 460 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Restou patente que o trabalho escravo tem consequências graves na saúde humana. Os trabalhadores escravizados são expostos a condições insalubres, falta de alimentação adequada, privação de sono e descanso, além de serem submetidos a situações de violência física e psicológica. Essas condições podem levar a uma série de doenças físicas e mentais, como desnutrição, doenças respiratórias, problemas cardíacos, transtornos mentais como depressão e ansiedade, entre outros. Apesar da significativa disseminação do problema no país, percebe-se, embora lentamente, avanços significativos: as ações de resgate de trabalhadores têm se apresentado como relevante medida estatal de combate à precarização laboral e vêm consolidando resultados positivos ao longo de sua história. Ademais, os reflexos administrativos, penais e cíveis não apenas se voltam a garantir a contraprestação ao trabalhador do que lhe é devido diretamente, seja em decorrência do trabalho desenvolvido, seja na forma de indenização pelos danos sofridos, como também se transmudam em verbas que retornam ao Estado e podem ser utilizadas em políticas públicas de favorecimento do trabalho digno ou são utilizadas no beneficiamento direto dos trabalhadores prejudicados. Nesta seara, a responsabilização do empregador pelos danos causados à saúde do obreiro desponta como uma alternativa viável e sólida à falta de oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores ofendidos diretamente em sua dignidade pela precarização extrema do labor. Diante desse cenário, é necessário que haja a implementação de políticas públicas voltadas à erradicação do trabalho escravo e à promoção da saúde e segurança dos trabalhadores. Isso inclui a fiscalização efetiva por parte dos órgãos responsáveis, a aplicação de penalidades severas para os empregadores que mantêm trabalhadores em condições degradantes de trabalho, a oferta de serviços de saúde e segurança no trabalho aos trabalhadores e a garantia de seus direitos trabalhistas. 461 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 REFERÊNCIAS BARROS, Ilena Felipe. Trabalho Assalariado no Campo e Novas Formas de Exploração da Força de Trabalho Camponesa. 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Embora o Direito deva ter por objeto a preocupação com o controle jurídico das políticas públicas, a sindicabilidade das ações governamentais há muito tem se mostrado tema sensível, inclusive inspirando amplo debate sobre o que se tem denominado, ainda que sem o mínimo consenso conceitual necessário, de ativismo judicial. No tocante aos direitos humanos, mais importante que os identificar e reconhecer, afigura-se imperioso efetivá-los. Decerto, a efetividade da proteção aos direitos humanos é um desafio para o Direito, principalmente consideradas as inúmeras faces desse fenômeno cujo ponto de partida é a dignidade da pessoa humana e cujo ponto culminante é a justiça. Inobstante, os tempos atuais apresentam o desafio amplificado de se estabelecer adequadas políticas públicas de direitos humanos. 1 2 Coordenador do Observatório da Implementação dos ODS da OAB-SP. Professor da Faculdade de Direito e do Programa de Mestrado em Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília – UNISANTA (BRASIL). Doutor e Mestre em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Advogado. Professor do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Roma La Sapienza, pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata e pela Università del Salento. Doutor em Direito pela Università del Salento. Doutor em Direito Público e Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.. Líder do Grupo de Pesquisa O Discurso Jusfundamental da Dignidade da Pessoa Humana no Direito Comparado (UFBA/CNPQ). 470 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Essa adequação, por sua vez, tem demonstrado carecer de uma abordagem sob um enfoque jurídico suficientemente apto a justificá-la. Com efeito, o necessário controle jurídico (administrativo e/ ou judicial) das políticas públicas de direitos humanos desvela o problema da necessidade de um mecanismo de controle mais compatível com o nosso tempo, o qual cumpra os difíceis papéis de se preservar a dignidade da pessoa humana e, ao mesmo tempo, se atingir um ideal de justiça, observados aspectos individuais e coletivos. Entendemos que esses papéis podem ser cumpridos sob uma perspectiva do desenvolvimento enquanto um processo que, arraigado na dignidade da pessoa humana, possa levar à efetividade dos direitos humanos. Ou seja, defendemos que o direito ao desenvolvimento, por meio de sua função de controle das políticas públicas de direitos humanos, possa servir como mais uma ferramenta jurídica para os operadores do Direito vocacionados à planificação, à interpretação e aplicação dessas normas jurídicas. A presente investigação se valeu do levantamento de normas jurídicas nacionais e de documentos internacionais sobre direitos humanos, além de textos doutrinários. Os dados coletados foram analisados pelo uso da técnica da revisão crítico-narrativa, amparada no estruturalismo hermenêutico. Em outras palavras, resumimos o conteúdo das normas jurídicas e dos documentos internacionais e o pensamento dos autores dos textos doutrinários e agregamos a crítica dialógica dos autores consultados e dos autores do presente texto. 3 DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS A busca pela efetividade dos direitos humanos é uma questão premente à qual o direito ao desenvolvimento está relacionado intimamente. O direito ao desenvolvimento guarda ainda intrínseca conexão com outra questão correlata, a das políticas públicas destinadas a essa efetividade. Uma explicação possível para essas ligações está na historicidade do desenvolvimento enquanto fenômeno relevante para o Direito. O desenvolvimento, antes mesmo de ser reconhecido no âmbito do direito internacional (direito do desenvolvimento) como um 471 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 direito autônomo, foi formalmente reconhecido nesse cenário global como uma espécie de condição fática ou de pressuposto de fato para a viabilidade da efetivação dos direitos humanos. Após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948 (ONU, A/RES/217(III), emergiu a preocupação com a efetividade desses direitos, o que levou, em 13 de maio de 1968, à Conferência Internacional sobre Direitos Humanos de Teerã, em cujo seio se elaborou a Proclamação de Teerã (ONU, A/CONF.32/41). Por meio da Proclamação de Teerã, passados quase vinte anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a comunidade internacional exprimiu a sua compreensão de que os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes. Conforme o magistério autorizado de Marcelo Lamy (2014, p.295), nesta oportunidade, a comunidade internacional conscientizou-se de que os direitos humanos são indivisíveis e dependem uns dos outros, bem como de políticas nacionais e internacionais de desenvolvimento econômico e social. Deveras, o desenvolvimento, antes de se tornar formalmente um direito, teve caráter instrumental para a efetividade dos direitos humanos, atribuindo-lhes unidade e interdependência. Essa interdependência, por sua vez, se estendeu às políticas públicas destinadas ao próprio desenvolvimento e, consequentemente, aos direitos humanos. Segundo Danilo de oliveira (2023, p. 6), a partir da Proclamação de Teerã, formalizou-se o consenso em torno da necessidade de políticas públicas nacionais e internacionais voltadas para o desenvolvimento econômico e social, pautadas na impossibilidade da realização dos direitos civis e políticos sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais. Essa indivisibilidade de direitos humanos de distintas dimensões depende, então, do desenvolvimento, nesse contexto já não mais compreendido como um fenômeno econômico isoladamente considerado. O próprio desenvolvimento, condição fática para a proteção de direitos indivisíveis, isto é, dos direitos humanos, é composto por inúmeras facetas indissociáveis. Sendo assim, podemos nos perguntar o motivo pelo qual a Proclamação de Teerã precisou cumprir o papel fundamental de desvelar a unidade e a interdependência dos direitos humanos. Tal instrumento internacional se fez necessário porque, cerca de dois anos 472 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho antes, em 16 de dezembro de 1966, foram adotados dois instrumentos – o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, para explicitar, pormenorizadamente, o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Logo, com a Proclamação de Teerã, como os contextos fáticos prévios para a implementação dos direitos humanos foram compreendidos como indissociáveis e interdependentes, consequentemente, como indissociáveis e interdependentes serão compreendidos os próprios direitos humanos a serem efetivados a partir desses contextos. Posteriormente, três momentos merecem a nossa atenção, porque demonstram uma significativa mudança na compreensão sobre o fenômeno do desenvolvimento. Em 23 de novembro de 1979, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, pela Resolução n. 34/46, reconheceu formalmente o próprio desenvolvimento como um direito. Operou-se, nessa data, o reconhecimento formal do direito ao desenvolvimento como um direito humano, prescrevendo-se, desde então, a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento como uma prerrogativa de cada pessoa humana e de toda a humanidade. Em 1981, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos declarou que todos os povos têm direito ao desenvolvimento econômico, social e cultural, atribuindo ao Estado o dever de assegurar o seu exercício, individual ou coletivamente (artigo 22). Esse documento internacional que fora aprovado durante a 18ªConferência de Chefes de Estado e Governo, ocorrida em Nairóbi, no Quênia, inovou ao afirmar a titularidade dos direitos humanos pelos povos, seja no plano interno, seja no internacional, na mesma linhada Resolução n. 34/46, 23 de novembro de 1979. Por sua vez, em 04 de dezembro de 1986, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (ONU, A/RES/41/128). Hoje,esse documento internacional integra a Agenda 2030. Conforme o magistério de Danilo de Oliveira (2023, p. 8), parece irrefutável a admissão de que o desenvolvimento foi reconhecido como um direito, como um direito humano. Formalmente, o direito ao desenvolvimento é um direito humano, cujas característi473 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 cas são a unidade (indivisibilidade) e a interdisciplinaridade (interdependência), cujo sujeito central é a pessoa humana. Conceitualmente, o direito ao desenvolvimento já foi reconhecido como o direito a um processo de desenvolvimento, conforme o relatório transmitido durante o quinquagésimo quinto período de sessões da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Trata-se, pois, do direito ao desenvolvimento como direito a um processo de desenvolvimento não é apenas um direito geral ou a soma de um conjunto de direitos. É o direito a um processo que amplie as possibilidades ou a liberdade dos indivíduos de aumentar seu bem-estar e alcançar o que valorizam. Com efeito, este processo, guiado pela indivisibilidade e interdependência, abrange todas as dimensões dos direitos humanos, cuja integração se dá pelo próprio direito ao desenvolvimento que, uma vez condutor desse processo, tem natureza interdimensional. Sendo assim, o direito ao desenvolvimento é um direito humano interdimensional. Essa natureza interdimensional, por sua vez, encontra esteio desde a concepção pré-jurídica do desenvolvimento e se reforça na sua concepção enquanto um direito humano multifacetário. 3 A MULTIFUNCIONALIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO Reconhecemos, a priori, três funções do direito ao desenvolvimento.Uma função de integração, outra de controle e, por fim, a de vetor hermenêutico. Aqui, nos ateremos à função do direito ao desenvolvimento de controle de políticas públicas, porém, não sem antes tecer breves comentários às demais funções, integradora e hermenêutica. Uma breve abordagem sobre a função de integração do direito ao desenvolvimento nos faz voltar a sua historicidade, a própria História dos direitos humanos, como vimos na seção anterior. Desde a sua concepção pré-jurídica, o desenvolvimento, enquanto fenômeno relevante para o Direito, carrega consigo uma intersetorialidade (política, econômica, social) que decorre da complexidade da vida humana. 474 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Uma vez juridicizado, o desenvolvimento carrega em si um amálgama, o amálgama desenvolvimentista, absolutamente compatível com a unidade e a interdependência dos direitos humanos. Daí, dizermos, noutras palavras, que o direito ao desenvolvimento tem natureza interdimensional, haja vista ele ter essa função de integração das distintas dimensões dos direitos humanos, cuja finalidade, não nos olvidemos, é a sua efetividade. Para a função integradora do desenvolvimento é fundamental a planificação das políticas públicas por meio do Direito, o que já foi defendido, no Brasil, por Miguel Reale (2011, p.741), para quem a formação do jurista deve ser objeto de imediata revisão, a fim de que as faculdades de Direito preparem também especialistas destinados à função planificadora. Em síntese, juridicizado, o desenvolvimento é um condicionante que conduz à efetividade dos direitos humanos, por meio da integração doutros determinantes: ambientais, sociais, econômicos, políticos e, inclusive, doutros determinantes jurídicos. A função hermenêutica do direito ao desenvolvimento pode ser resumida como a teoria que nos convida a adotar o direito ao desenvolvimento, enquanto um processo, como um vetor, não apenas para novos direitos humanos, mas, ainda, como um vetor para a interpretação e aplicação de normas jurídicas, notadamente das que digam respeito às políticas públicas de direitos humanos, o que se justifica nessa própria pesquisa, pela sua historicidade, fundamentos e diretrizes. Por sua vez, uma breve abordagem acerca da função de controle de políticas públicas pautada no direito ao desenvolvimento, não poderia deixar de estar ancorada no pensamento de Fábio Konder Comparato (2015, p. 416), segundo o qual o desenvolvimento se realiza através de políticas públicas ou programas de ação governamental, nada mais lógico do que criar mecanismos para o controle judicial de políticas públicas, à luz do direito ao desenvolvimento, analogamente ao que ocorre, de há muito, com o controle judicial da constitucionalidade das leis e atos do Poder Público. A seu turno, na visão de Carla Abrantkoski Rister(2007, p. 321), com a industrialização e com a pós-industrialização – inclusive no Brasil –, houve uma inegável transformação dos fins do Estado, o qual, ao invés de apenas produzir o Direito, passou a se preocupar com a realização de políticas públicas 475 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Portanto, a necessidade de se obter um parâmetro desenvolvimentista de justiça para as políticas públicas pode ser justificado, ainda, pela sua própria sindicabilidade, outra questão que causa grandes celeumas durante o debate jurídico acerca dos atos do Poder Público. Decerto, como as políticas públicas são essenciais para o desenvolvimento e, consequentemente, para a efetividade dos direitos humanos, de fato, impõe-se a adoção do direito ao desenvolvimento como mecanismo de controle de políticas públicas, judicial e administrativo. Neste sentido, merece registro Danilo de Oliveira (2023, p. 11), ao sustentar que tal mecanismo de controle terá de incidir, inclusive, sobre as condições para a efetividade dos direitos humanos, não apenas sobre eventuais colisões entre direitos. O mecanismo de controle incidirá sobre as condições e sobreas condicionantes. Isso porque, como já proclamado, a implementação dos direitos humanos depende da adoção de sólidas e eficazes políticas públicas, nacionais e internacionais. Deste modo, esta função de controle das políticas públicas necessárias ao processo de desenvolvimento imbrica-se, pois, com a função do direito ao desenvolvimento de integrar o amálgama desenvolvimentista, isto é, imbrica-se com a função de integração de direitos interdependentes norteada pelo direito ao desenvolvimento, pois essa integração se dá, como já se reconheceu, exatamente por meio de políticas públicas. 5 VETORES PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO Para o desempenho satisfatório de suas funções, o direito ao desenvolvimento requer a observância de certos standards, a saber, como: a centralidade da pessoa humana; a progressividade; o nãoretrocesso; e a interdimensionalidade. O passado, o presente e o futuro, direcionam os nossos olhares para a efetividade dos direitos humanos, de dimensões distintas e interdependentes. Essa interdependência nos desvela a sua complexidade e, ao mesmo tempo, nos impõe o reconhecimento de um eixo comum entre tantas facetas. 476 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Sendo assim, a progressividade pode ser compreendida a partir de três abordagens: uma histórica, uma fenomenológica, uma jurídica. Historicamente, para a concretização dos direitos humanos de índole social, desde o PIDESC, se estabeleceu a previsão de sua realização progressiva, o que não pode ser usado para justificar o mau uso da teoria da reserva do possível, inclusive no Brasil. Com bem refere Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p.156), o argumento da reserva do possível não deve ser utilizado indiscriminadamente para qualquer situação concreta em matéria de direitos fundamentais, sem a necessária consideração da realidade social, pois não se afigura difícil a um ente público justificar a sua omissão social perante critérios de política orçamentária e financeira, mitigando a obrigatoriedade do Estado em cumprir os direitos fundamentais, especialmente aqueles direitos sociais de cunho prestacional, que, por conseguinte, restariam inoperantes. Deveras, ela deveria orientar, primeiramente,o escalonamento da concretização de direitos sociais já reconhecidos, mas ainda violados, assim reduzindo as desigualdades sociais; ela deveria orientar, em segundo lugar, a ampliação do rol dos direitos humanos sociais, ampliando a envergadura da proteção social preexistente. Empiricamente, condição para proteção concreta dos direitos humanos, o desenvolvimento precisou ser visto como uma soma de fatores diversos (caráter expansivo). A ampliação do rol dos pressupostos existentes no mundo fenomênico foi imprescindível para se dar a respectiva proteção às diversas dimensões de direitos humanos. A interdimensionalidade do desenvolvimento, ainda como uma condição ou pressuposto (caráter intersetorial ou transversal), carrega em si mesma uma expressão dessa progressividade a ele inata sob uma perspectiva fenomênica. Juridicamente, tal interdimensionalidade é reafirmada quando o direito ao desenvolvimento tem reconhecida natureza jurídica de direito humano interdimensional. Outro aspecto dessa abordagem jurídica é o de que, pela progressividade, quando interpretadas normas jurídicas relativas às políticas públicas de direitos humanos, parece-nos a mais precisa dentre as eventualmente possíveis aquela exegese que resulte na preservação da máxima efetividade desses direitos. Destacamos, ainda, a expansividade do rol de direitos humanos 477 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 fundamentais, entre nós consagrada constitucionalmente em diversas passagens (art. 4º, II; art. 5º, §2º etc.). Segundo Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p.158), a ideia de vedação ao retrocesso surgiu na jurisprudência europeia como uma espécie de cláusula geral de tutela de direitos fundamentais concretizados, por meio da proteção do cidadão contra ingerências abusivas dos órgãos estatais. A vedação do retrocesso franqueia que se impeça, pela via judicial, a revogação de normas infraconstitucionais que contemplem direitos fundamentais do cidadão. Isso somente se admite caso haja a previsão normativa de implemento de uma política pública quantitativa e qualitativamente equivalente. O não-retrocesso, inerente ao desenvolvimento,se alicerça em dois pilares: o sociológico e o axiológico. A ciência social nos apresenta uma série de riscos sociais internacionais, regionais e locais. A partir de estudos sociais são constatados estados de necessidade que devem figurar como filtros para as políticas públicas de direitos humanos, no sentido de que jamais podem ser desconsiderados, como uma espécie de alerta para prevenir que voltem a figurar como fenômenos sociais (indesejados), acaso já superados. Deveras, necessidades básicas (fome, extrema pobreza) não podem deixar de nortear as políticas públicas, mesmo em países desenvolvidos. Eventualmente materializado o atendimento das necessidades básicas, elas jamais poderão deixar de constar no radar das políticas públicas, simplesmente porque isso configuraria um retrocesso social. Por isso, desenvolvimentistas pregam a impossibilidade da efetividade dos direitos humanos sem um olhar prévio e constantemente atento ao atendimento das necessidades básicas. Pela vertente axiológica, o não-retrocesso significa uma simbiose entre as dimensões dos direitos humanos (unidade e interdependência) da qual resulta a impossibilidade de que uma faceta do processo de desenvolvimento humano seja suprimida do rol dos direitos humanos. Distintas facetas dos direitos humanos se complementam, proporcionando benefícios mútuos e indissociáveis. Como bem salienta Danilo de Oliveira (2023, p. 97), a título ilustrativo, pode-se referir a garantia à propriedade privada, de índole individualista, liberal, e o direito fundamental à função social da propriedade privada, de natureza coletiva, social (incisos XXII e XXIII, do artigo 478 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 5º, respectivamente). Uma vez constitucionalizados, juridicizados, esses direitos se complementam, tornam-se unos e interdependentes. Então, a edição de políticas públicas e, principalmente, a interpretação e a aplicação de suas normas jurídicas que tangenciarem a propriedade privada, deverão ser norteadas pela diretriz do não-retrocesso. Com efeito, determinantes sociais, econômicos e/ou ambientais (contextos) influenciarão a tomada de decisão (motivos determinantes), a opção pela precedência dum ou doutro viés (individual ou coletivo) no caso concreto (implementação de uma política pública), porém sem a expurgação total daquele que se apresentou como o que deveria ceder naquela determinada hipótese, em prol da máxima efetividade do desenvolvimento da pessoa humana. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento, hoje, é um fenômeno jurídico consolidado. Ele ostenta o status de direito humano. No Brasil, de direito humano fundamental (Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, art. 4º, II; art. 5º, §2º). O desenvolvimento tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e a efetividade dos direitos humanos, rol ao qual pertence atribuindo-lhe integridade. Atribuindo integração entre as diferentes facetas desse mesmo rol, como uma função que lhe é inata enquanto instituto jurídico. A sua historicidade o legitima como um direito humano que tem caráter interdimensional e o fundamenta como um processo dinâmico necessário à consolidação da dignidade da pessoa humana enquanto valor-fundante e estático do ideário dos direitos humanos e de muitos sistemas jurídicos atuais. Por isso, consequência natural de sua função integradora é a sua função de controle de políticas públicas de direitos humanos. Nada mais natural que o direito ao desenvolvimento servir de mecanismo de controle da adequação das políticas públicas de direitos humanos, haja vista elas serem imprescindíveis para a efetiva proteção desses direitos, principalmente quando nos lembramos de que os direitos humanos têm inúmeras facetas que precisam ser respeitadas isoladamente para que o todo seja efetivado. O direito ao desenvolvimento, além de estar arraigado em fundamentos sólidos – dentre os quais nos basta invocar o da dig479 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 nidade da pessoa humana, o de sua necessária ressignificação ante a complexidade das relações humanas e os constantes avanços nas suas relações e nas suas formas de relação (tecnologia, algoritmos, inteligência artificial) – apresenta diretrizes seguras que o legitimam juridicamente como mais um mecanismo indissociável da inafastável tarefa estatal (e social) de controle das políticas públicas de direitos humanos, seja no âmbito judicial, seja no extrajudicial (legislativo e administrativo). A centralidade da pessoa humana (pessoa humana como sujeito central), a progressividade, o não-retrocesso e a interdimensionalidade (intersetorialidade ou transversalidade) são diretrizes que, de certo modo, já têm sido ventiladas no âmbito do direito internacional, dos direitos humanos e na seara dos direitos sociais, como na saúde, na previdência e na assistência social (sistema tridimensional de seguridade social, no Brasil). Como diretrizes do direito ao desenvolvimento, apontam para o intérprete e aplicador das normas jurídicas relativas às políticas públicas os limites que os direitos humanos impõem na busca pelo justo. Talvez, mais importante que sustentar a legitimidade ou veracidade presumida de um ato administrativo seja a constatação de que ele não obstrui a proteção dos direitos humanos. O que defendemos, em síntese, é a soma de um novo referencial para o controle das políticas públicas: o do direito ao desenvolvimento. 480 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho REFERÊNCIAS ANJOS FILHO, Robério Nunes dos. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2013. BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. FAGUNDES, Seabra. A Legitimidade do Poder Político na Experiência Brasileira. Recife: Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de Pernambuco, 1982 LAMY, Marcelo. Metodologia da pesquisa: técnicas de investigação, argumentação e redação. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Matrioska Editora, 2020. ____________. Direitos fundamentais de 3ª geração. p. 288/320. In: BRANDÃO, Cláudio (coordenador). Direitos humanos e fundamentais em perspectiva. São Paulo: Atlas, 2014. OLIVEIRA, Danilo de. 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O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: em busca do direito justo. São Paulo: Saraiva, 2010. REALE, Miguel. Direito e planificação. Doutrinas essenciais de direito constitucional. Vol. 6. Revista dos Tribunais, 2011. ____________. Filosofia do direito. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996. RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento – antecedentes, significados e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 482 SUMÁRIO ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 ÉTICA EMPRESARIAL E PRINCÍPIOS REGEDORES DAS RELAÇÕES DE CONSUMO Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr Fernando Knoerr DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ÉTICA EMPRESARIAL E PRINCÍPIOS REGEDORES DAS RELAÇÕES DE CONSUMO Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr1 Fernando Gustavo Knoerr2 1 INTRODUÇÃO A política Nacional das Relações de Consumo é regida por uma série de princípios, insertos nos incisos I a VI do art. 4º do CDC, com o objetivo de atender às “necessidades dos consumidores, em respeito à sua dignidade, saúde e segurança, à proteção de seus interesses econômicos, à melhoria da sua qualidade de vida, bem como à transparência e harmonia das relações de consumo”. É o que podemos constatar ao fazer a leitura desse texto de lei trazido a plano: “ Art. 4º.A política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:1 1 2 Doutora em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Realizou estágio Pós-Doutoral na Universidade de Coimbra. Advogada. Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, Paraná, Brasil. Gestora Acadêmica. Email: viviane@sellosknoerr.com. br Lattes: http://lattes.cnpq.br/4609374374280294 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0775-2267 Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-Portugal. Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Réggio Calábria-Itália. Professor no Programa de Mestrado e Doutorado do UNICURITIBA - PR. Membro correspondente da Academia Paulista de Letras Júrídicas. Foi Procurador Federal de Categoria Especial e Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná - TRE-PR. Advogado Sênior no Escritório Séllos Knoerr Advogados. É parecerista, palestrante e autor de livros e artigos, publicados no Brasil e no exterior. http://lattes.cnpq.br/1635076591951363 https://orcid.org/0000-0002-5398-2234 484 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II – ação governamental no sentido de a proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho; III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da CF), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V – incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII – racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII – estudo constante das modificações do mercado de consumo.” Tais princípios constituem-se em número de seis, os quais analisaremos brevemente um a um. 2 PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE Tem importância basilar para o nosso sistema consumeirista, pois o Código emana desse princípio, sendo que “a vulnerabilidade é 485 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos.”2 O que vai acarretar a necessidade de correção jurídica para minimizar a disparidade entre os sujeitos (consumidor e fornecedor) nas relações de consumo, dentro do princípio constitucional da isonomia, tratando os desiguais desigualmente na medida de suas desigualdades.3 Arruda Alvim em obra conjunta, estabelece ser este princípio, informador e basilar de todo o sistema consumeirista, dado o fato de ensejar “um movimento de polícia jurídica colimando correção jurídica que minimize a disparidade evidenciada no grosso das relações de consumo. A vulnerbilidade do consumidor é incindível do contexto das relações de consumo e independe de seu grau cultural ou econômico, não admitindo pova em contrário, por não se tratar de mera presunção legal. É a vulnerabilidade, qualidade intrínseca, ingênita, peculiar, imanente e indissociável de todos que se colocam na posição de consumidor, em face do conceito legal, pouco importando sua condição social, cultural ou econômica, quer se trate de consumidor-pessoa jurídica ou consumidor-pessoa física”.4 A fim de permitir ao leitor a visualização prática da importância deste princípio, vejamos a decisão unânime proferida pelo STJ em Recurso Especial: “Código de Defesa do Consumidor”. Foro de eleição. Cláusula considerada abusiva. Conclusão extraída da análise dos fatos (enunciado n. 7 da sum/STJ). Recurso inacolhido. I – A cláusula de eleição do foro inserida em contrato de adesão somente não prevalece se “abusiva”, o que se verifica quando constatado: a) que, no momento da celebração, parte aderente não dispunha de intelecção suficiente para compreender o sentido e os efeitos da estipulação contratual; b) que da prevalência de tal estipulação resulta inviabilidade ou especial dificuldade de acesso ao Judiciário; c) que se trata de contrato de obrigatória adesão, assim considerado o que tenha por objeto produto ou serviço fornecido com exclusividade por determinada empresa. II – Entendimento que se afigura aplicável mesmo quando em causa relação de consumo regida pela Lei n. 8.078/90. III – Recurso não conhecido.” (STJ – 3ª Turma – RESP n. 160193/SP, Rel. Mm. Waldemar Zveiter, j. 4.8.1998, v.u.) 486 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 3 PRINCÍPIO DO DEVER GOVERNAMENTAL Fixador do atual modelo intervencionista do Estado, demonstra a insuficiência dos particulares para resolver pendências nas relações de consumo, sendo observado sob dois aspectos a seguir descritos: a) Como “modelo de intervencionismo estatal”, para corrigir as distorções do “mercado de consumo”, de acordo com o art. 4º, II, VI e VII; b) Como “prestador de serviços”, dado o dever de o Estado otimizar os serviços públicos , promovendo sua racionalização e melhoria, conforme o art. 4º, VIII. Neste sentido é adequada a análise da decisão unânime do STJ em recurso especial sobre tributação de serviço público. Veja-se: “Tributário. Serviço de Fornecimento de Água. Taxa. Natureza Tributária.” 1. O serviço de fornecimento de água e esgoto é cobrado do usuário pela entidade fornecedora como sendo taxa, quando tem compulsoriedade. 2. Trata-se no caso em exame, de serviço público concedido, de natureza compulsória, visando atender necessidades coletivas ou públicas. 3. Não tem amparo jurídico a tese de que a diferença entre a taxa e preço público decorre da natureza de relação estabelecida entre o consumidor ou usuário e a entidade prestadora ou fornecedora do bem do serviço, pelo que, se a entidade que presta o serviço é de direito público, o valor cobrado caracterizar-se-ia como taxa, por ser a relação entre ambos de direito público; ao contrário, sendo o prestador do serviço público pessoa jurídica de direito privado, o valor cobrado é preço público/tarifa. 4. Prevalência no ordenamento jurídico das conclusões do X Simpósio Nacional de Direito Tributário, no sentido de que “a natureza jurídica da remuneração decorre da essência da atividade realizadora, não sendo afetada pela existência da concessão. O concessionário recebe remuneração da mesma natureza daquela que o Poder Concedente receberia, se prestasse diretamente o serviço”. (RF, julho a setembro/1987, ano 1897, v.299, p. 40). 5. O art. 11, da Lei n. 2.312, de 3.9.1994 (Código Nacional de Saúde) determina: “É obrigatória a ligação de toda construção 487 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 considerada habitável à rede de canalização de esgoto, cujo afluente terá destino fixado pela autoridade competente.” 6. “No Município de Santo André/SP, as Leis Municipais ns. 1.174/29.11.1956 e 2.742/21.3.1966 obrigam que todos os prédios se liguem à rede coletora de esgotos, dispondo, ainda, que os prédios situados em locais servidos de rede de distribuição de água devem a ela ser ligados obrigatoriamente” (Memorial apresentado pela recorrente). 7. Obrigatoriedade do serviço de água e esgoto. Atividade pública (serviço) essencial posta à disposição da coletividade para o seu bem estar e proteção à saúde, no Município de Santo André/SP. 8. “A remuneração dos serviços de água e esgoto normalmente feita por taxa, em face da obrigatoriedade da ligação domiciliar à rede pública” (Helly Lopes Meirelles, in Direito Municipal Brasileiro, 3ª ed. São Paulo: RT, 1977, p. 492). 9. “Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias de tributo”. (Hugo de Brito Machado, “in” Regime Tributário da Venda de Água, Rev. Juríd. Da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual/ Minas Gerais, nº 5, p. 11). 10. Adoção da tese, na situação específica examinada, de que a contribuição pelo fornecimento de água é taxa. Aplicação da prescrição tributária, em face da ocorrência de mais de cinco anos do início da data em que o deferido tributo podia ser exigido. 11. Recurso especial provido”. (STJ - 1ª Turma – RESP n. 167489/SP, Rel. Mm.: Ministro José Delgado, j. 2.6.1998, v.u.). 4 PRINCÍPIO DA GARANTIA DE ADEQUAÇÃO Implica em que produtos e serviços devem atender adequadamente às necessidades dos consumidores em segurança e qualidade, respeitando sua saúde, segurança, dignidade e interesses econômicos,5 viabilizando a concretização dos princípios regedores da nossa ordem econômica, previstos no art. 170 da Constituição Federal. Conforme exorta José Geraldo Brito Filomeno,6 “é preciso acabar-se com a máxima “produto tipo exortação”, ou seja, dando a 488 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho entender – e o que resulta em última análise verdadeiro – que o consumidor brasileiro pode perfeitamente suportar produtos e serviços de qualidade inferior ao contrário de similares remetidos ao exterior.” Para tanto porém, o aspecto social da educação pública faz-se essencial, pois, apenas uma população devidamente informada, terá condições de exigir a qualidade devida nos produtos e serviços dos quais se utiliza. Este princípio é relativo não apenas à adequação de produtos ao que se destinam, como também de serviços, os quais devem atender exatamente às expectativas geradas pelo fornecedor ao consumidor. É como a ideia de segurança ao se contratar um serviço de seguro, ou a de pensionista e seus dependentes receberem atendimento médico-hospitalar pela Previdência Social, ou ainda de que um automóvel atenda às expectativas do consumidor. Conheçam-se decisões a respeito: 1) “Seguro. Automóvel. Furto. Perda total do bem. Indenização. Valor ajustado no contrato. Quitação passada pelo devedor. Fundamento não impugnado. A despeito de firmada a quitação pelo segurado, não se tem como exaurido o seu direito ao ressarcimento em face de norma inserta no Código de Defesa do Consumidor, invocada pela decisão recorrida e não impugnada no RESP. Tratando-se de perda total do veículo, é devida na integralidade a quantia ajustada na apólice (art. 1.462 do CC), independentemente de seu valor médio vigente no mercado. Precedente da Quarta Turma. Recurso especial conhecido, em parte, e desprovido.” (STJ 4ª Turma – RESP n. 162915/MG, Rel. Mm. Barros Monteiro, j. 2.6.1998, v. u.). 2) “Honorários médicos. Paciente dependente de segurado da previdência social orgânica faz jus a atendimento médico-hospitalar gratuito em estabelecimento e por profissional credenciado, desde que aceite internação em habitação classificada como enfermaria. Somente poderão ser cobradas diferenças de preços de serviços hospitalares e de honorários profissionais se o paciente aceitar mudança de classe de internação, optando por habitação privativa. Promissória emitida por crédito de honorários médicos inexigíveis porque gratuita deveria ser a prestação do serviço. Título desprovido de causa. Embargos acolhidos. Sentença reformada. 489 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Decisão: Dado provimento. Unânime. (TAC/RS – APC n. 189084734, Rel. Ivo Gabriel da Cunha, j. 18.10.1989, v. u.). 3) “Consumidor – Veículo automotor – Defeito de fabricação – Caracterização – Automóvel de luxo que, mesmo após a atuação do fabricante, continuou a apresentar superaquecimento interno, obrigando o comprador a utilizá-lo sem desfrutar do padrão mínimo de conforto esperável para a espécie – Responsabilidade do fabricante pela reparação do vício, sujeitando-o a substituir o veículo por outro da mesma espécie e em perfeitas condições de uso – Inteligência do art. 18, § 1°, I, da Lei n. 8.078/90. Se a atuação do fabricante foi insuficiente para suprir o defeito de fabricação verificado em veículo automotor, obrigando o consumidor a utilizá-lo sem desfrutar do padrão mínimo de conforto esperável para um automóvel de luxo, impõe-se reconhecer a responsabilidade do primeiro pela reparação do problema, sujeitando-o a substituir o veículo por outro da mesma espécie e em perfeitas condições de uso, conforme rezao art. 18, § 1°, I, do CDC.” (Ap n. 782.484-2 - 3ª Câm. – j. 21.9.1999, Rel. Juiz Antonio Rigolin) 5 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ Referido no inciso III do art. 4° do CDC, dita que fornecedor e consumidor devem “respeitar um conjunto de deveres reconduzidos num prisma juspositivo e numa ótica histórico-cultural, a uma regra de atuação de boa-fé”,7 resultando na transparência e harmonia (art. 4° caput) – das relações de consumo. Antonio Junqueira de Azevedo em relatório brasileiro a respeito do tema, feito em 1992 para as Jourrnées Louisianaises, da Association Henri Capitant, sintetizou que “o princípio da boa-fé, quer no seu aspecto subjetivo, quer no objetivo de regra de comportamento, te, na formação dos contratos, grande aplicação na vida prática do povo brasileiro; uma verificação sociológica mostraria facilmente que as expressões “boa-fé” e “má-fé” são as mais usadas quando alguém comenta com outrem um negócio feito. No campo jurídico, porém, deixando de lado a questão da má-fé que, no fundo, diz respeito à boa-fé subjetiva, cumpre há disposição expressa no direito brasileiro sobre a formação contratual (nem mesmo sobre execução contratu490 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho al). Novas leis, especialmente a Constituição da República (1988) e o Código de Proteção do Consumidor (1990), revelam, todavia, um aumento do número de disposições que se referem explicitamente à boa-fé objetiva.”8 Vários casos envolvendo questionamentos sobre atos cometidos por má-fé em relações de consumo já foram levados a nossos tribunais, tal qual o exemplo de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, a seguir: “Agravo Regimental. Recurso Especial não admitido. Compromisso de compra e venda. Restituição das parcelas pagas. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 1. Não se justifica a produção de outras provas, vez que o Tribunal a quo objetivou impedir o enriquecimento ilícito da empresa ao determinar a devolução de 80% das parcelas pagas pelo adquirente do imóvel, observando-se, assim, os preceitos do Código de Defesa do Consumidor e em consonância com o entendimento jurisprudencial desta Corte. Cerceamento de defesa não caracterizado. 2. Agravo Regimental improvido.” (STJ - 3ª Turma – AGA n. 177869/SP, Rel. Mm. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 17.9.1998, v. u.). 6 PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO OU TRANSPARÊNCIA Este demonstra a preocupação do legislador com que o consumidor seja informado e educado para exercer seus direitos, fazendo com que se torne eficaz e completa a vigência do CDC.9 De acordo com as ponderações de Alberto do Amaral Júnior, “o art. 30 do Código de Defesa do Consumidor determina que: “Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com redação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga a fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.” Esta regra constitui decorrência lógica de três princípios previstos pelo Código: o princípio da transparência, que se encontra no art. 4º, caput, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, consagrado pelo inciso I do art. 4º, e o princípio da boa-fé, art. 4º, III. 491 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Segundo o princípio da transparência, o consumidor deve possuir informações precisas e claras sobre os produtos e serviços existentes no mercado. O fornecedor, em conseqüência, tem o dever de informar os consumidores sobre os bens que estes venham a adquirir. Assim concebido, o princípio da transparência vincula-se a um dos principais postulados da economia clássica, qual seja, o de que o funcionamento eficiente do mercado depende das informações que os agentes econômicos dispuseram sobre os bens trocados. Trata-se da transposição para o mundo econômico da noção de visibilidade de poder que acompanhou o nascimento do Estado constitucional no final do século XVIII e início do século XIX. No mercado de capitais, desde há muito, a previsão legislativa do full disclosure significou a imposição do dever de informar em relação aos acontecimentos que possam influir em seu funcionamento. Daí a proibição do uso de informações reservadas, insider trading, cujo resultado acarretaria a distorção dos mecanismos de mercado. No âmbito da proteção ao consumidor, os diversos países europeus e os EUA, a partir das décadas de 60 e 70, reconheceram o direito à informação como elemento central para a melhoria das relações de consumo. O art. 6º, III do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu que os consumidores têm direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, preços, bem como todos os riscos que apresentam. O direito à informação não se limita à fase pré-contratual abrangendo o conteúdo das relações contratuais. Os contratos para o consumo devem ser redigidos de forma clara sob pena de não vincularem os consumidores (art. 46). Já os contratos por adesão serão redigidos com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar a sua compreensão pelo consumidor (art. 54, § 3º). Com a mudança na forma de comunicação entre os agentes econômicos, surgida com o desenvolvimento da publicidade moderna, foi preciso não apenas impor a divulgação de informação, como também reelaborar os esquemas tradicionais da oferta ao público. Para concretizar tal objetivo, o legislador brasileiro decidiu atribuir caráter vinculante a toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada pelo fornecedor”.10 492 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho A inspiração neste princípio permitiu ao Superior Tribunal de Justiça, subsídios para decidir, por unanimidade, caso concreto. Vejamos: “RHC – Crime Contra o Consumidor – art. 7º, inciso VII, da Lei n. 8.137/90. Denúncia que corrige a anterior, julgada inepta, descrevendo mais claramente a ação delituosa e juntando a publicidade que teria induzido a vítima a erro. 1. A nova denúncia, descrevendo, agora, de forma adequada, a atividade reputada como criminosa, anexando-se, inclusive, a publicidade que teria contribuído para o erro do consumidor, corrige a falha detectada anteriormente por meio de um “writ”, estando apta a ensejar a correspondente ação penal. 2. Recurso improvido.” (STJ - 6ª Turma - RHC n. 7531/SP, Re. Mm. Anselmo Santiago, j. 20.10.1998). 7 PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA Ainda que não expresso diretamente pelo art. 4º do CDC, dada a necessidade de facilitar o acesso à justiça e agilizar o curso processual das demandas propostas, a Lei criou meios de desobstruir tais caminhos prevendo o tratamento coletivo de pretensões individuais e a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Conforme os registros de Arruda Alvim, a “necessidade de conferir efetividade ao processo e facilitação do acesso à justiça exigiu que se fortalecesse a posição do consumidor, retirando-o da condição de postulante de direito atomizado, pulverizado, para inseri-lo em um contexto mais amplo, com a criação de mecanismos de ordem processual que realmente representassem a desobstrução do acesso à Justiça e o tratamento coletivo de pretensões individuais que isolada e fragmentariamente poucas condições teriam de adequada condução.” Podemos visualizar que os tribunais vem sendo unânimes na facilitação do acesso ao judiciário aos consumidores. Vejam-se os casos: a) “Processual Civil. Ação Civil Pública. Direitos e interesses individuais homogêneos. Ministério Público. Legitimidade. Recurso especial. 493 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 1. Há certos direitos e interesses individuais homogêneos que, quando visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, passam a representar mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, mas verdadeiros interesses sociais, sendo cabível sua proteção pela ação civil pública. 2. É o Ministério Público ente legitimado a postular, via ação civil pública, a proteção do direito ao salário-mínimo dos servidores municipais, tendo em vista sua relevância social, o número de pessoas que envolvem a economia processual. 3. Recurso conhecido e provido.” (STJ - 5ª Turma - RESP n. 95347/SE, Rel. Ministro Edson Vidigal j. 24.11.1998, v. u.). b) “Mandado de Segurança. Ministério público. Mensalidades escolares. Requisição de informes a estabelecimento de ensino destinados a instruir procedimento de investigação preliminar. Interesse coletivo. Legitimidade de parte. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública na defesa de interesses coletivos de comunidade de pais e alunos, sendo-lhes permitido, por conseguinte, requisitar informações aos estabelecimentos de ensino destinadas a instruir procedimento de investigação preliminar. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ - 4ª Turma - RESP n. 168881/DF, Rel. Ministro Barros Monteiro, j. 21.5.1998, v. u.). Note-se que a “criação de instrumentos processuais adequados para a proteção do consumidor, atinge dois diferentes planos de incidência. O primeiro quanto à possibilidades que cria para a efetivação da proteção do consumidor em juízo, contribuindo para que se possa concretamente extrair resultado das demandas relativas ao direito de consumo. O segundo plano de incidência, decorre não do uso destes mecanismos em juízo, mas de sua simples potencialidade de uso, e diz respeito à necessidade de se criar uma nova “mentalidade” que nos afaste de paternalismo do Estado e nos traga para uma sociedade mais consciente e participativa.”11 Desta forma, “O legislador do CDC, lançou mão de técnica legislativa consistente em, inicialmente, elencar princípios e direitos básicos a serem tutelados, com posterior detalhamento quanto à forma de execução da proteção e da defesa.”12 494 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 1. O objeto de nosso estudo é o fato do produto, resultado de vícios de qualidade ou informação dos bens de consumo, bem como defeitos de produção, que possam atingir danosamente ao consumidor direito ou a terceiros (bystanders) vítimas do dano (art. 17), pois os fornecedores de serviços, o CDC trata diferenciadamente, obrigando-nos a estudar o tema em trabalho próprio.13 2. Para caracterizarmos a ocorrência ou iminência do fato do produto (ou serviço), e conseqüentemente responsabilizarmos o seu fornecedor, imprescindível a presença de três pressupostos básicos, os quais serão neste momento mencionados e mais adiante abordados: a) o fato ou defeito do produto, b) o dano emergente ou iminente (eventus damni), c) o nexo causal ou relação de causalidade entre o defeito e o evento danoso. Requisitos os quais vão caracterizar a Teoria da Responsabilidade Objetiva, alicerce do instituto em questão e que prega a responsabilização do fornecedor pelo fato do produto (ou serviço), pelo simples motivo de tê-lo colocado no mercado, independentemente de culpa ou dolo na existência de vícios ou defeitos nos bens oferecidos ou comercializados.14 3. É sabido que o Direito Civil tradicional cuidava do assunto da responsabilidade, mas, como dissemos, “tornou-se insuficiente para uma estrutura na qual as relações entre as pessoas foram substituídas por aquelas de consumo em massa”.15 4. Por tratar-se de novidade jurídica, ainda há muito o que se doutrinar sobre o assunto, de acordo com a sua evolução jurisprudencial e as dúvidas que por certo advirão com a sua aplicabilidade, dada a polêmica que a Constituição Federal de 1988 causou em nosso sistema jurídico tradicional, objetivando proteger o consumidor, o qual de acordo com o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.16 5. Veja-se se que para Paulo Luiz Neto Lobo, ‘dá-se a relação de consumo quando coisas ou serviços são fornecidos ao consumidor por quem exerce atividade econômico-jurídica permanente, o fornecedor. Atividade é um complexo de atos teleologicamente orientados, tendo 495 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 continuidade e duração dirigidos a um fim. A atividade deve sempre tender a um resultado, constituindo um comportamento orientado.” 17 6. Desse modo, realçando os contornos legais do instituto, buscando o seu verdadeiro sentido como norma jurídica e desenvolvendo estudo específico e sistemático sobre os problemas que o envolvem, procuramos objetivamente discutir as soluções cabíveis aos questionamentos suscitados pela doutrina e pela jurisprudência. Comporta refletirmos a respeito do fundamental papel dos princípios para a existência de um sistema jurídico. A principiologia prevista no Código de Defesa do Consumidor, estabelece limites para a sua própria interpretação, norteando as suas regras. Os princípios como tais, são os pilares do microsistema criado pelo CDC, exercendo função básica como padrão tecnológico do sistema, ao estabelecer as linhas mestras que movimentam o todo. Isto porque, necessária a compreensão do sentido integrado das leis, já que a lei não existe para si mas sim para viger no ordenamento jurídico. Neste sentido, Eduardo Garcia Enterria in Reflexiones sobre la ley e los princípios generles del derecho, Cuadernos Civitas, 1986, pp. 28/29 e 34/35, aduz sobre a importância dos princípios para existência de um sistema jurídico, como se propõe a ser o Código de Defesa do Consumidor. Vejamos: “O substrato da construção positiva desapareceu com eles. Não só a consciência jurídica geral (que é algo que necessariamente está na mesma base da ordem jurídica), se tem nisto forçada a postular uma justiça extralegal, e incluem freqüentemente contra, ademais o simples serviço técnico de integração de algumas leis elaboradas em tais condições dentro do sistema geral do que a ordem exige. Rigorosamente, com uma impersonalidade muito mais enérgica do que se poderia dar em relação aos velhos códigos unitários e sistematizados, uma apelação constante aos princípios gerais do direito. A superioridade do Direito Romano sobre outro dos grandes legisladores lembrados, como que os juristas fossem os primeiros que começaram na jurisprudência segundo princípios o qual se tem acreditado na sua formação pois com a superioridade e certeza, frente à qualquer código perfeito e guardado de todos os que à história nos apresenta”. Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin, in Comentário ao Código de Proteção ao Consumidor, coordenação de Juarez de Oliveira. São Paulo: Ed. Saraiva, 1991, pp. 224/5. 496 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Nelson Nery Júnior, op. Cit., p.53. Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins, Código do Consumidor Comentado, in Biblioteca de Direito do Consumidor, Diretor: Antonio Herman V. Benjamin, 2ª ed., ver. Ampl. São Paulo: Ed. RT, 1995, pp.44 e 45. Ada Pellegrini Grinover et alli, op. Cit., p. 9. José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direitos do consumidor, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 43, salientando ainda que no mesmo sentido o governo federal no início da década de 90 implementou o Programa Nacional de Qualidade e Produtividade, adotando a norma internacional NB 19000, conhecida como ISSO 9000, exigida a partir de 1993 pela Comunidade Européia como essencial para a aceitação da entrada e comercialização de produtos em sua circunscrição. Mas, ao mesmo tempo Filomeno adverte que “não é só o mercado externo que deveria preocupar as empresas, uma vez que, quem estiver operando em conformidade com os critérios da NB 19000 poderá evitar problemas legais, que podem ocorrer a partir da vigência da Lei n. 8.078/90 que institui o Código de Defesa do Consumidor.” James J. Marins Souza, op. cit., p. 40, n. 54. Antonio Junqueira de Azevedo, A boa –fé na Formação dos Contratos, in Direito do Consumidor, Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, vol. 3. São Paulo: Ed. RT, setembro/dezembro 1992, pp. 85 e 86. Ada Pellegrini Grinover et alli, op. cit., pp. 497/8. Alberto do Amaral Júnior, O Princípio da Vinculação da Mensagem Publicitária, in Direito do Consumidor, Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, vol. 14. São Paulo: Ed. RT, abril/ junho 1995, pp. 45 e 46. Arruda Alvim et alli, op. cit., p. 50. James J. Marins Souza, op. cit., p. 49. Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre fruição e riscos. § 1º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: 497 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. § 2º. O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. § 4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apura mediante a verificação de culpa. Nelson Nery Júnior, op. cit., pp. 3/56. Vera Helena de Mello Franco, in op. cit. São Paulo: Maltese, 1991, p.30. Art. 2º do CDC: “toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” Paulo Luiz Neto Lôbo, Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas. São Paulo, 1991, p. 498 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Alvim, A., Alvim, T., Alvim, E. A e Marins, J., Código do Consumidor Comentado, in Biblioteca de Direito do Consumidor, 2ª ed., ver. Ampl. São Paulo: Ed. RT, 1995. Amaral Jr. Alberto, O Princípio da Vinculação da Mensagem Publicitária, in Direito do Consumidor, Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, vol. 14. São Paulo: Ed. RT, abril/junho 1995. Azevedo, A. J. . A boa-fé na Formação dos Contratos, in Direito do Consumidor, Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, vol. 3. São Paulo: Ed. RT, setembro/dezembro 1992. Benjamin, A.H.V, in Comentário ao Código de Proteção ao Consumidor, São Paulo: Ed. Saraiva, 1991. Enterria, E.G, in Reflexiones sobre la ley e los princípios generles del derecho, Cuadernos Civitas, 1986. Filomeno, J.G.B, Manual de direitos do consumidor, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1991. Lôbo, Paulo L.N , Condições Gerais dos Contratos e Cláusulas Abusivas. São Paulo, 1991. MARQUES, Claudia Lima. Benjamin, Antonio Herman V. Manual de Direito do Consumidor - 10ª Edição.2022 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do consumidor. Revista dos Tribunais.2019 NERY Junior, Nelson. Andrade Nery, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado 21ª edição.2023 NERY Junior, Nelson. Andrade Nery, Rosa Maria de. Instituições de Direito Civil. Direitos da Personalidade. 2017 499 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Tokars, F. L.. Primeiros Estudos de Direito Empresarial. 246. ed. São Paulo: LTr, 2007. Tokars, F. L. . Estabelecimento Empresarial. São Paulo - SP: LTr, 2006. 500 SUMÁRIO ISBN 978-65-00-86824-1 • HTTPS://DOI.ORG/10.55658/GPCDS978-65-00-86824-1 ABUSO DEL DERECHO EN EL DERECHO INTERNACIONAL PÚBLICO, A PROPÓSITO DE RIGGS VERSUS PALMER Y DEL CASO DEL MURO. Sergio Peña Neira DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ABUSO DEL DERECHO EN EL DERECHO INTERNACIONAL PÚBLICO, A PROPÓSITO DE RIGGS VERSUS PALMER Y DEL CASO DEL MURO. Sergio Peña Neira1 Abstract: The Riggs versus Palmer case is one leading case related to the problem of absence of law and the obligation of any tribunal to apply the law. Moreover, the main problem is based on the difficulties to understand a problem of morality, elements of law, positivism and extra-legal elements. Main point here is that the case may help to understand the methodology of law and particularly the method of thinking of judges’ legal reasoning (of jurists) in difficult cases applying a legal rule and the only possible solution and the best argument. In international law such constraint will be focus on the issue of international conflicts without a rule of law and where, if necessary, the judge have to find the rule of law in various other sources than the rules consider by international law. Resumen: El “abuso del Derecho” es un caso de ejemplo en que frente a la obligación de resolver el conflicto en la ausencia de norma jurídica que así lo indique. El caso puede auxiliarnos a entender la metodología del Derecho y, particularmente, la metodología de los jueces para resolver un asunto, la manera en que los juristas razonan en casos difíciles y la forma en que es posible hallar la única solución posible. Lo que es más interesante, el problema es la norma general y la norma específica contenida en una fuente de Derecho internacional, fuente cuyo contorno podría no estar claramente establecido. De allí el interés en el “abuso del Derecho” para el Derecho internacional. Es una forma de comprender la interpretación y aplicación de normas generales con principios que se enfrentan a normas específicas, que cómo lo declara una opinión disidente en un caso, pueden carecer de 1 Profesor de Derecho internacional en la Universidad Mayor, Chile, Doctor en Derecho, Miembro y Director de la Sociedad chilena de Derecho internacional, International Law Association (Chilean Branch) y de la Sociedad chilena de Filosofía jurídica y Social. 502 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho la descripción específica o de la consideración del tribunal a los hechos en su totalidad. Palabras claves: Razonamiento jurídico, ausencia de norma o laguna legal 1 INTRODUCCIÓN Este texto es estudio de razonamiento jurídico de un problema presentado en tribunales internacionales que aplican Derecho Internacional Público2 pero cuyo origen es una norma general no vigente frente a normas específicas, vigentes el “abuso del Derecho” es la norma general y las normas específicas sancionan actos ilícitos por incumplimiento de sus obligaciones en ellas contenidas. Este problema se ha planteado sino siempre, en una cantidad importante de oportunidades. El asunto es más o menos así, surge un conflicto internacional, alguien exige algo que no le corresponde y, no hay norma jurídica internacional explícita. Es, sin embargo, interesante saber de este tipo de discusiones en materia sucesoria en los Estados Unidos; cuestión que al parecer es de gran importancia para los norteamericanos. Esto, a diferencia de lo que indica Dworkin y que algunos citan como principios del derecho y su aplicación, no es más que razonamiento jurídico puesto en práctica. Aplicación de la máxima que “nadie puede aprovecharse de su propio dolo” o de un enriquecimiento en este caso, con causa ilícita. Lamentablemente Bello tuvo su labor fructífera en Chile y no en Nueva York porque de ser así bastaría con aplicar el artículo 1466 y 1682 del Código civil chileno. Podría incluso pensarse en la norma que se plantea en la célebre sentencia “Marbury versus Madison” donde de modo alguno hay norma que resuelva el conflicto y le juez Marshall aplicar razonamiento jurídico. La construcción del texto resulta interesante. El discurso del juez Earl o el razonamiento de este juez tiene como base una afirmación donde se plantea la ausencia de norma al caso, es decir el problema, dejando implícitamente la pregunta correspondiente ex2 Esto, sin perjuicio de enfrentarnos a un problema de cómo los moralistas jurídicos han aplicado este y otros casos a fin de lograr introducir la moralidad en el Derecho cfr. Gandulfo, Eduardo, Los moralistas jurídicos, su desembarco y toma, inédito. 503 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 presada pero más que como una pregunta propiamente tal como un problema teórico-práctico, en cuanto la ausencia de respuesta trae la imposibilidad de conocer lanorma y, a la vez, de resolver el caso. A su vez se sitúa el juez Earl entre la existencia de norma y la existencia de la equidad. La equidad no como una forma de morigerar la norma sino de crear la misma. 2 LA SENTENCIA El caso Brevemente el señor Palmer es el testador y deja sus bienes a su sobrino Riggs en su testamento. Éste lo asesina y solicita se cumpla la voluntad testamentaria. No hay norma que impida tal cumplimiento. El razonamiento de la Corte gira en torno a esto3. 3 EL PROBLEMA PARA LOS JUECES: NON LIQUET La solución al caso resulta tremendamente relevante. Resolver un asunto en que existe una situación extraordinaria como la ausencia de norma jurídica legal o de otra índole resulta muy interesante. Las soluciones pueden encontrarse dentro del ordenamiento jurídico o fuera del ordenamiento jurídico pero es el razonamiento el que auxilia a formular la solución razonada y justificar la decisión correcta. Veamos qué dice la sentencia al respecto: “Él ahora reclama la propiedad, y la única pregunta que debe guía nuestra decisión (judicial) es ¿Si él puede tenerla? Los defensores dicen que el testador se encuentra muerto; que su muerte fue de una manera conforme a como se ha descrito y se ha admitido a prueba, y eso, por consiguiente, habrá de producir efecto conforme a las palabras de la ley. 3 Philo Riggs, as Guardian ad litem et al., Appellants, v Elmer E. Palmer et al., Respondents, Corte de Apelacion Del Estado de Nueva York, 9 de octubre de 1889 115 NY 506 Título citado como: Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889). 504 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Es realmente cierto que las leyes que regulan la forma, prueba y efectos de los testamentos y la devolución de la propiedad, si se interpreta literalmente y si su fuerza y efecto no puede de manera alguna y bajo ninguna circunstancia ser controlada o modificada entrega la propiedad al asesino”4. El redactor de la sentencia, el juez Earl, plantea un problema aun más grave que la necesidad de resolver la contienda sin existir ley que regule los hechos, el punto, en nuestra opinión, es que la ley que regula este tema, aplicada literalmente, le da la razón al propio demandante, quien es, a su vez, el respectivo autor del delito que motiva el cambio de situación jurídica, es decir, de instituido sucesor por testamento a heredero testamentario. El sentido de las leyes Sin embargo, el objeto de la ley, el sentido de la misma, es otro, de acuerdo a la Corte. Se quiere por la ley que “los testadores en la disposición de su propiedad de los objetos de su generosidad en la muerte, que se lleven a efecto sus deseos finales legalmente expresados; y en consideración y llevando efecto a los mismos este propósito se debe mantener a la vista.” 5. Agrega la sentencia lo que no se encontraba en el propósito del legislador, sin indicar cómo se obtuvo dicho propósito, salvo razonamiento jurídico, sentido común, especulación o una combinación de los mismos. Lo que no se encontraba en el propósito del legislador era: “que se lleven a efecto sus deseos finales legalmente expresados; y en consideración y llevando efecto a los mismos este propósito se debe mantener a la vista.” 6. Así también agrega una regla de interpretación lógica en cuanto a su expresión, pero, en nuestra opinión, absurda para el contexto de la sentencia: “Es un canon familiar de construcción que una cosa que una cosa dentro de la intención de los 4 5 6 Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 2 y 3. Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 3. Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 4. 505 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 legisladores de una ley deberá encontrarse en la ley como si la misma estuviere dentro de la letra; y una cosa que se no esta dentro de la letra de la ley a menos que sea que se encuentre dentro de la letra de la ley a menos que esta sea dentro de la intención de los legisladores.”. Hubiere alcanzado mayor sentido para la sentencia, contar con el fundamento normativo para la tal afirmación o, al menos, lograr entender el porqué de la misma. Esta segunda posibilidad se alcanza con una explicación lógica o una explicación metodológica. La primera se puede obtener aplicando conceptos mínimos de lógica y la segunda buscando en el ordenamiento jurídico la integración de normas necesarias que alcancen para sostener la afirmación de encontrarse en la letra de la ley y que, a la vez, sea parte de la intención de los legisladores. Se aplica, además, el razonamiento de Bacon cuando la sentencia cita que en base a la equidad, un caso que no se encuentra dentro de la letra de la ley se entendería dentro del sentido de la misma porque, en este caso, “está dentro del daño al cual se le ha proveído un remedio”7. Se exige el siguiente ejercicio, preguntarse si el legislador ha intentado abracar el caso con la ley utilizando el criterio de un hombre “recto y razonable”. Se hace referencia el que la equidad puede ser acorde a la ley pero restrictiva del sentido de la misma, puede ser acorde pero ampliando el sentido de la misma o puede ser contraria a dicho sentido. Entonces la misma sentencia aprovecha la oportunidad de pronunciarse: “Si los legisladores pueden, en relación a este caso, ser consultados, ellos habrían de decir que ellos tuvieron la intención que en su lenguaje general que la propiedad del testado o de un ancestro debe transmitirse a una persona que ha tomado (quitado) la vida de él con el propósito expreso de quedarse para sí la propiedad [del ancestro muerto]?”8. 7 8 Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 4. Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 4. 506 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Para estos efectos se aplican a fin de alcanzar una solución, la opinión más autorizada que fundamenta la sentencia, es decir, la negativa a la petición del nieto. Así indica la sentencia la necesidad de mantener fuera las consecuencias absurdas de una ley, es decir, un criterio lógico en cuanto se rechaza la noción de absurdo. “En Los Comentarios número 1 [501] de Blackstone9 el autor habla de la “construcción de leyes, dice: “ Si resulta o aparece de las mismas una consecuencias absurda, manifiestamente contradictoria a la razón común, ellas son, en relación a tales consecuencias colaterales, prohibidas.”10. Junto a lo anterior se entregan algunas razones de lo que se considera absurdo, por ejemplo la aplicación irrestricta de la ley pudiendo matar a quien la transgrede quien a su vez lo ha hecho para salvar una vida 11. Quizás el aspecto más interesante es que expresamente la sentencia explica que la máxima que se aplicará es del Common Law, es decir, se inserta dentro del ordenamiento jurídico12, a saber, “[a]demás, todas las leyes así como todos los contratos pueden ser controlados en sus operaciones y efectos por máximas generales y fundamentales del Common Law.” 13. ¿Es entonces posible afirmar que las máximas aquí indicadas provienen de un ámbito externo al derecho?¿Son dichas máximas mero indicador de una orientación en la interpretación o, por el contrario, son normas jurídicas? 4 LA MÁXIMA La sentencia, luego de afirmar lo relativo a la pertenencia al Common Law señala la máxima que reproducimos: 9 10 11 12 13 Este texto en sus cuatro volúmenes se encuentra siendo traducido del inglés por el comentarista de la sentencia (N. del T.). Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 4. Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 5. Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 5. Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 5. 507 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 “Ninguno puede serle permitido obtener beneficios de su propio engaño o fraude o de obtener ventajas de su propio error, o fundar una afirmación o reclamo en su propia iniquidad o adquirir propiedad por su propio crimen.”14. Esta expresión no puede menos que estar acorde con la Constitución de los Estados Unidos de Norteamérica. La misma respeta los principios contenidos en dicha constitución. A esa altura del tiempo todo tribunal y juez al menos (a diferencia del juez Douglas en el caso Marbury v. Madison) tenía estudios de derecho y probablemente conocía que se requería de una tipificación de los delitos a fin de poder cumplir con los requisitos constitucionales del “due process of law” o, más aun, para evitar que dicho principio constitucional fuere violado al aplicar una máxima carente de normatividad. Es decir, en el tema de una máxima jurídica no sólo se considera que deba efectuar la explicación de una institución jurídica o de un área del Derecho. Más aun, debe a lo menos no atacar y derogar los principios que constituyen la base del ordenamiento jurídico de que se trate y que se expresan, en muchos casos, en la Constitución Política de un Estado a través de las normas que constituyen las garantías de los habitantes de un país. Es un hecho que la garantía del “proceso debido” lleva indudablemente a mirar a la máxima recién expresada como aquella poseedora de poder normativo, normatividad jurídica y. por consiguiente, capaz de resolver un asunto, pero bajo el respeto de las normas jurídicas de mayor envergadura o importancia, en el caso que nos ocupa, las normas del “proceso debido” o “due process of law”. Es por ello que las mismas normas, siguiendo esta línea de argumentación, no pertenecen a simples máximas sino que posen poder normativo jurídico que se enmarca dentro de lo que es un ordenamiento jurídico como el norteamericano, debiendo obedecer la constitución y configurándose no sólo como la fórmula de solución al caso, sino como una norma jurídica más del ordenamiento jurídico expresada en la sentencia. 14 Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 5. 508 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 5 LA SENTENCIA COMO FUENTE DEL DERECHO Y COMO NORMA JURÍDICA Riggs versus Palmer se convierte entonces en una “caja de sorpresas”. A saber, es una norma jurídica este principio o máxima expresado. Pero existe un segundo punto relevante. Es la posibilidad de descubrir que al convertir o expresar una máxima que es una norma jurídica nos lleva, lógicamente, a la conclusión que es la sentencia el acto de creación de tal norma jurídica, no en un proceso de interpretación, sólo, sino en un procedimiento de creación de la norma jurídica que fue incorporada como máxima a la sentencia a fin de solucionar un conflicto. Proceso permitido por la normativa constitucional y legal. Esto no resulta nuevo, así en el Código Civil chileno, además del objeto ilícito que adolecería la petición el nieto es indigno y el mismo Código de Procedimiento Civil chileno, a propósito de los requisitos de la sentencia señala que debe indicarse los principios en que se basa la sentencia. Lo interesante es que, sin perjuicio de la sentencia que se anuncia como desfavorable para el nieto, nos hayamos frente a la necesidad de reconocer que la creación normativa supone la existencia de otra norma jurídica. La creación normativa supone el respeto de otras normas jurídicas de carácter aun más fundamental en la escala de normas jurídicas que derivan de la Constitución Política del Estado. Que la creación normativa supone que el tribunal debe observar las normas jurídicas implícitas, normas jurídicas al fin y al cabo, normas jurídicas absolutamente y propiamente jurídicas, pertenecientes a un ordenamiento jurídico y no se puede aceptar que tales normas jurídicas pudieren tener, al menos en este caso, un origen extra-jurídico, o fueren sencillamente contrarias a las normas jurídicas de mayor envergadura. Sin duda que además de un procedimiento lógico por el tribunal en cuanto a ejecutar inductivamente, de las diversas normas jurídicas, la determinación del principio, debe ejecutar un procedimiento básico de corte lógico jurídico a fin de comparar unas normas con otras normas jurídicas y determinar que no se violen aquellas de mayor relevancia como las relativos al “proceso debido” pero que solucionen el conflicto15. 15 El tema de las normas jurídicas implícitas resulta tremendamente complejo. No es fácil poder definir lo explícito de una norma jurídica o lo implícito de la misma. Pero conocemos la primera parte del procedimiento metodológico, que se vierte en argumentaciones, para poder lograr la explicitación de una norma jurídica implícita. 509 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 6 EL ORIGEN DE ESTA NORMA IMPLÍCITA La sentencia se encarga expresamente de enunciar otras fuentes, ya no sólo el que pertenece al “Common Law” sino que esta máxima tiene su origen en la “ley universal administrada por todas las naciones civilizadas”16. También en el precedente judicial, es decir, se obtienen en cualquier caso de fuentes que dicen relación con un ordenamiento jurídico “terrenal” o del presente17. 7 EL CASO DEL DERECHO INTERNACIONAL PÚBLICO Este tema de la ausencia de normas jurídicas que resuelvan el problema jurídico planteado al tribunal no es nuevo en el Derecho internacional público. Es el tribunal quien conoce el Derecho aunque las partes necesariamente plantearán la existencia de una norma jurídica es finalmente el tribunal quien deberá ejecutar la actividad de decidir. Tal decisión puede ser una interpretación y aplicación o una creación. Aunque la norma jurídica que dicta el tribunal sea nueva todo tribunal pretende extraerla de una norma jurídica preexistente o como en el caso en comento de un principio del Derecho que resume un razonamiento jurídico. Sin embargo, el tema no se detiene en este punto. La pregunta que no nos puede dejar de acuciarnos es la relativa a la forma en que un tribunal decide por una fuente del derecho18 a fin de incluir en dicha fuente un razonamiento jurídico que decida la controversia. Se inicia este proceso dentro del contexto de un caso jurídicamente relevante19. Este tema para el Derecho internacional pública es de importancia capital no sólo en la solución de controversias inter es- 16 17 18 19 Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 16. Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889), párrafo 16. Esta no es la pregunta acerca de la laguna del derecho (no existe norma jurídica en el ordenamiento jurídico ni existe razonamiento jurídico en el ordenamiento jurídico). Debo indicar que frente a casos “resueltos” el Profesor Frederick Schauer, a propósito de la solución del Código Civil chileno me indicó que ello no era correcto que la misma no significaba una solución, Schauer, Frederick, Curso on how lawyers think, Universidad Alberto Hurtado, Santiago de Chile, 2014. Navarro, Pablo, Casos difíciles, lagunas en el Derecho y discreción judicial, en Atria, Fernando, et al., Lagunas en el Derecho, Marcial Pons, 2005, p. 88. 510 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho tatales20, inter organismos internacionales en sí o con Estados21 y de controversias donde el sujeto de derecho es la persona22, sino, en la aplicación del Derecho internacional en el Derecho nacional23. Un caso en que se expresa el problema del “abuso del Derecho” en Derecho internacional, el cual en opinión de esta investigación obvió el mismo, es expresado por la Corte Internacional de Justicia. Es difícil, si existen normas específicas que regulan el acto y la ilicitud por violación de la norma jurídica, ocupar una norma genérica como el “abuso del Derecho”. “The wall, along the route chosen, and its associated régime gravely infringe a number of rights of Palestinians residing in the territory occupied by Israel, and the infringements resulting from that route cannot be justified by military exigencies or by the requirements of national security or public order.”24 Una conclusión similar la expresa el juez Buergenthal en su opinión disidente. Así: “Moreover, given the demonstrable great hardship to which the affected Palestinian population is being subjected in and around the enclaves created by those segments of the wall, 1 seriously doubt that the wall would here satisfy the proportionality requirement to qualify as a legitimate measure of self-defence.” 25 Lo que es más interesante, la misma Corte internacional de Justicia explica la ausencia de justificación de tales actos y el que dicha 20 21 22 23 24 25 Estos son los casos que conoce ordinariamente la Corte Internacional de Justicia. Estos casos los conoce la Corte Internacional de Justicia. Casos conocidos por la Corte Internacional Penal o la Corte Internacional de Justicia en ciertas materias, el caso La Grand, LaGrand (Germany v. United States of America), Judgement, I. C. J. Reports 2001, p. 466. Este es el problema de los efectos que se producen en el Ordenamiento jurídico nacional. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory, Advisory Opinion, I. C. J. Reports 2004, p. 136, para. 137. Buergenthal, Thomas, Dissent Opinion, in Legal Consequences cf the Construction of a Wu11 in the Occupied Palestinian Territory, Advisory Opinion, I. C. J. Reports 2004, p. 112, para. 9. 511 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ausencia lleva al ilícito26. Esto lleva necesariamente a la consecuencia. El “abuso del Derecho” sólo cabe cuando normas jurídicas provenientes de las fuentes de Derecho internacional, particularmente tratados, han regulado las materias. 8 LOS TRATADOS INTERNACIONALES Los tratados internacionales son fuente del Derecho internacional, de eso la literatura da cuenta y existe codificación al respecto en la Convención de Viena sobre Derecho de los Tratados (CVDT). El problema de determinar si la norma jurídica contenida y expresada en un artículo de un tratado internacional es aplicable o no resulta de suyo siempre considerarlo. El tribunal al decidir un caso, teniendo presente la existencia de una norma jurídica puede aplicarla, omitirla o sencillamente aplicar otra norma jurídica. Es necesario considerar entender que tal “aplicación” podría considerarse o una aplicación propiamente o derechamente una creación en sus diversas formas, así por concordancia, por ejemplo. La costumbre internacional, del mismo modo que el tratado, es considerada una fuente del Derecho internacional público. En ella el que el tribunal decida aplicarla por haberla, o no, invocado la parte, es vital para entender el razonamiento del tribunal. Supone reconocer la existencia de la práctica y de la opinio iuris aunque en el acto de reconocimiento haya creación de la norma jurídica. En el caso de los principios de derecho la cuestión se vuelve aun más controversial. Cómo el juez aplica un principio cuya existencia no se encuentra en el Derecho. En el caso del legislador nacional al aceptar una norma jurídica internacional bajo el proceso de ratificación la cuestión se vuelve a plantear. ¿Es necesario que acoja o no y ratifique una norma jurídica?27 26 27 Legal Consequences of the Construction of a Wu11 in the Occupied Palestinian Territory, Advisory Opinion, I. C. J. Reports 2004, p. 136, para. 140. Ciertamente un Estado ha firmado el tratado, es el supuesto de la ratificación. Sin embargo, tal firma no hace nacer la obligación internacional de aplicación. 512 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho 9 EL ESTADO DE DERECHO INTERNACIONAL FRENTE A LA INEXISTENCIA DE RAZONAMIENTO JURÍDICO Y DE NORMA JURÍDICA En los casos jurídicamente relevantes, aquellos que el ordenamiento jurídico podría considerar como necesarios de regular, la configuración de la norma jurídica supone algún elemento anterior (historia del Derecho), un razonamiento jurídico similar (analogía jurídica). De no existir la misma la pregunta se mantiene, cómo se escoge la norma jurídica que deviene en solucionadora del problema. Ciertamente en el proceso de toma de decisión puede existir un componente de autoridad, sea que venga impuesta, un “borrador” que indica el tipo de norma jurídica que habrá de regir la materia, sea que un ente indique que debe discutirse y resolverse un asunto de tal o cual forma. Podría ocurrir, supuesta la igualdad de las partes, que el proceso sea propio de una negociación. La negociación supone, en términos ideales, la existencia de igualdad y la conciencia de la necesidad de regulación del tema por los negociadores. 10 CONCLUSIÓN Estas sentencias muestran su extensión más allá de justificar máximas jurídicas externas al derecho, al menos ha quedado claro que la sentencia trabaja con normas jurídicas que pertenecen a ordenamientos jurídicos diversos, particularmente al ordenamiento jurídico norteamericano o del “Common Law” sea porque expresamente la sentencia lo índica, porque pertenecen a las normas de naciones civilizadas o porque pertenecen a un serie de sentencias previamente dictadas, o todos estos argumentos en conjunto. El Derecho internacional público ha enfrentado al “abuso del Derecho”. Se ha sancionado el mismo desde diversas formas, aunque el problema más serio es distinguir dicha figura de ilícitos internacionales más específicos. 513 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 BIBLIOGRAFÍA Buergenthal, Thomas, Dissent Opinion, in Legal Consequences cf the Construction of a Wu11 in the Occupied Palestinian Territory, Advisory Opinion, I. C. J. Reports 2004, p. 112, para. 9. Navarro, Pablo, Casos difíciles, lagunas en el Derecho y discreción judicial, en Atria, Fernando, et al., Lagunas en el Derecho, Marcial Pons, 2005, p. 88. LaGrand (Germany v. United States of America), Judgement, I. C. J. Reports 2001, p. 466. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory, Advisory Opinion, I. C. J. Reports 2004, p. 136, para. 140. Schauer, Frederick, Curso on how lawyers think, Universidad Alberto Hurtado, Santiago de Chile, 2014. Philo Riggs, as Guardian ad litem et al., Appellants, v Elmer E. Palmer et al., Respondents, Corte de Apelacion Del Estado de Nueva York, 9 de octubre de 1889 115 NY 506 Título citado como: Riggs v Palmer, 115 NY 506 (1889). 514 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho COLABORADORES DA OBRA Cássius Guimarães Chai Diplomado pela Escola Superior de Guerra: Curso Superior de Defesa e Curso de Política e Estratégia, 2019. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (1994), com especialização em Direito e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (1999), mestrado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001) e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Cardozo School of Law - Yeshiva University (2006).Visiting Law Professor The Normal University of Political Science and Law of Beijing e de Shanghai; Visiting Researcher and Lecturer Chinese Academy of Social Sciences - International Institute of Law. Visiting Research Scholar Cardozo School of Law, 2003. Estudos Doutorais e de pós.doutorado em Derecho Administrativo de la Sociedad del Conocimiento - Universidad de Salamanca, 2007 a 2010; Estudos pós.doutorais e Visiting Professor, guest of Legal Department of Central European University - Hu, 2007; estudos extraordinários European University Institute - ITA, 2010; estudos na The Hague Academy of International Law - Haia, 2011; Professor Titular da Escola Superior do Ministério Público do Maranhão (ESMPMA). Pós-doutor em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Pós-doutor em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (Portugal). Professor Associado da Universidade Federal do Maranhão, Curso de Graduação em Direito, área Direito Público, e titular do programa de pós-graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça e do Programa de Engenharia Aeroespacial (Geopolítica). Professor Permanente do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Dieito de Vitória em Direitos e Garantias Fundamentais, tutor da disciplina Geopolítica, Criminologia e Desenvolvimento. Membro-professor da International Association of Constitutional Law; Membro da ESIL - European Society of International Law; Membro da International Association of Political Science, vice-chair RC 46 Migration and 515 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Citizenship, board member RC 26 Human Rights. Membro da American Political Science Association e da Association Française de Science Politique; International Association of Penal Law; Law and Society Association; membro da International Association of Prosecutors, 2003. Membro da International Criminology Society. Membro da International Law Association. Membro da Sociedade Brasileira de Bioetica. Membro do IBCCrim e do ICP. Membro da ANDHEP. Membro Efetivo da Associação Brasileira de Editores Científicos - ABEC. Promotor de Justiça do Ministério Público do Maranhão - concurso de 1995; Tem experiência na área de Direito e das Ciências Políticas, com ênfase em Direito Público: Direito Constitucional, Direito Internacional, Direito Administrativo, Direito de Família e Teoria do Direito e da Constituição, atuando principalmente nos seguintes temas: controle da administração pública, papel socioinstitucional do Ministério Público e políticas públicas; controle de constitucionalidade e processo constitucional; Saúde Pública e Direitos Humanos; Sistemas Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos, Combate ao trabalho escravo e tráfico de pessoas; Justiça Global e Prevenção ao Crime: Contra-terrorismo; Criminalidade Organizada e Corrupção; Geopolítica, Criminologia e Desenvolvimento. E-mail: cassiuschai@gmail.com http://lattes.cnpq.br/7954290513228454 https://orcid.org/0000-0001-5893-3901 Carla Noura Teixeira Doutora em Direito do Estado e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Diretora de Ensino, Pesquisa e Extensão da Faculdade Integrada da Amazônia (FINAMA). Professora do Curso de Graduação e Pós-graduação em Direito da FINAMA ADVOCACIA. Pós-doutoranda e professora convidada do Programa de Pós-Graduação em Direito do UNICURITIBA. Líder do Grupo Permanente de Estudos e Pesquisa “Direito Internacional para o Século XXI”. E-mail: carlanoura@gmail.com https://lattes.cnpq.br/9711535801014847 https://orcid.org/0000-0003-0969-0987 516 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Felipe Chiarello de Souza Pinto Advogado. Possui mestrado em Direito (2000) e doutorado (2006) em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi Secretário Municipal de Educação de São Vicente/ SP; Membro do Conselho Técnico Científico, do Conselho Superior e do Comitê da Área do Direito da CAPES-MEC, onde Presidiu a Comissão de Classificação de Livros (2010 e 2012/2013); Coordenador Adjunto dos Programas da Área do Direito da CAPES (2019/2022); Membro da Comissão de Revisão da Matriz Curricular da Graduação em Direito no Brasil (Convidado Externo CNE) (2018) e Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e Professor Titular da Faculdade de Direito e do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Membro da Academia Mackenzista de Letras. Membro Pesquisador 2 do CNPq. Membro do Comitê da Área do Direito no Programa SciELO/FAPESP e Membro Titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Parecerista na Área do Direito da CAPES-MEC; Professor colaborador do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF). Doutor Honoris Causa do Centro Universitário Dinâmica das Cataratas (UDC). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Estado, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito Administrativo Econômico, Direito Constitucional e Garantias Fundamentais, Ética, Educação e Pesquisa. http://lattes.cnpq.br/9554142049617388 https://orcid.org/0000-0002-2834-6324 Adriana Isabelle Barbosa Lima Sá Leitão Doutoranda do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Pisa (UNIPI - Itália), na área de concentração Direito Comercial, Direito Internacional, Direito da União Europeia e Processo (2021 - atual). Mestra em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará - UFC (2021), com período de mobilidade acadêmica internacional realizada no The College of New Jersey (TCNJ EUA). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC (2019), com período de mobilidade acadêmica internacional realizada 517 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 na Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires (UNICEN - Argentina). Colaboradora do Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE - França), com pesquisas focadas no Tratado global da ONU contra a poluição por plásticos. Integrante do Portal Direito Internacional sem Fronteiras (DIsF), como Pesquisadora e Assistente Editorial. Mentora da Linha de Direito da União Europeia no Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI/UFC) e pesquisadora do Centro de Estudos em Direito do Mar “Vicente Marotta Rangel” (CEDMAR/USP). Alexandre de Castro Coura Realizou pós-doutorado como visiting scholar na American University Washington College of Law e visiting foreign judicial fellow no Centro Judiciário Federal em Washington D.C. Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi professor efetivo (Adjunto nível II) do Departamento de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Atualmente é professor permanente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado e Doutorado - da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), líder do Grupo de Pesquisa Hermenêutica Jurídica e Jurisdição Constitucional (FDV/CNPq) e promotor de justiça (ES). Tem experiência nas áreas de Teoria do Direito e Direito Público, com ênfase em Direito Constitucional. Desenvolve e orienta pesquisas relacionadas a direitos e garantias fundamentais, hermenêutica jurídica, jurisdição constitucional e democracia. http://lattes.cnpq.br/5164681013190401 https://orcid.org/0000-0001-7712-3306 Augustus Bonner Cochran III Adeline A. Loridans Professor of Political Science at Agnes Scott College in Atlanta, Georgia, USA. He is author of Sexual Harassment and the Law: The Mechelle Vinson Case (University Press of Kansas, 2004) and Democracy Heading South: National. Politics in the Shadow of Dixie (University Press of Kansas, 2001). He received his. BA from Davidson College, MA from Indiana University, PhD from the University of North Carolina, all in political science, and holds a JD in law from Georgia State University. 518 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Cláudia Michelly Sales de Paiva Tonacio Mestranda em Direito Constitucional, na área de Direitos e Garantias Fundamentais pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu da FDV, Bacharela em Direito pela UFRN, pós-graduada em Direito Constitucional pela UFRN. Professora do curso de Direito do Centro Universitário MULTIVIX, Advogada. Dafne Fernandez de Bastos Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Estado do Pará (UFPA). Mestra em Direito pela UFPA. Assessora de Procuradoria no Ministério Público de Contas do Estado do Pará (MPC/PA). Lattes: http://lattes.cnpq.br/4596531574466409 Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7035-3985 Danilo de Oliveira Coordenador do Observatório da Implementação dos ODS da OAB-SP. Professor da Faculdade de Direito e do Programa de Mestrado em Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília – UNISANTA (BRASIL). Doutor e Mestre em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Elda Coelho de Azevedo Bussinguer Livre Docente pela Universidade do Rio de Janeiro (UniRio). Pós-doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em Bioética pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Coordenadora e professora titular do Programa de Pós-Graduação em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Editora da Revista Direitos e Garantias Fundamentais - Qualis A1. Coordenadora do BIOGEPE - Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Políticas Públicas, Direito à Saúde e Bioética. Presidenta da Sociedade Brasileira de Bioética. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 do CNPq. E-mail: elda.cab@gmail.com http://lattes.cnpq.br/8933361259561564 https://orcid.org/0000-0003-4303-4211. 519 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Eliana Maria de Souza Franco Teixeira Docente vinculada ao Instituto de Ciências Jurídicas. Professora colaboradora do Programa de Mestrado em Gestão Pública do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA). Professora permanente do Programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento do ICJ, da Universidade Federal do Pará. Vice-Diretora da Faculdade de Direito do ICJ/UFPA. E-mail: elianafranco@ufpa.br Fernanda Regis da Luz Fernandes Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Membro do GEPDI – Grupo de Estudo e Pesquisa em Direito Internacional CNPq. E-mail: fernandalj2728@gmail.com Fernando Gustavo Knoerr Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra-Portugal. Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Réggio Calábria-Itália. Professor no Programa de Mestrado e Doutorado do UNICURITIBA - PR. Membro correspondente da Academia Paulista de Letras Júrídicas. Foi Procurador Federal de Categoria Especial e Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná - TRE-PR. Advogado Sênior no Escritório Séllos Knoerr Advogados. É parecerista, palestrante e autor de livros e artigos, publicados no Brasil e no exterior. http://lattes.cnpq.br/1635076591951363 https://orcid.org/0000-0002-5398-2234 Georgenor de Sousa Franco Filho Bacharel Em Direito pela Universidade Federal do Pará (1975) e doutorado em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1995). É Doutor “honoris causa” pela Universidade da Amazônia (UNAMA)(2013). Atualmente é Professor Titular VII de Direito Internacional e de Direito do Trabalho da Universidade da Amazônia (UNAMA), Desembargador do 520 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Trabalho de carreira aposentado do TRT da 8 Região (desde 29-112023), presidente honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Membro de Numero da Academia Ibero-Americana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, Membro da Sociedad Hispano Brasileña de Derecho Comparado, da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas e da Asociación Iberoamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, atuando principalmente nos seguintes temas: direito do trabalho, direito internacional, direitos humanos, direito constitucional. http://lattes.cnpq.br/0092850570547983 Gilberto Ferreira Marchetti Filho Doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Processo Civil e Cidadania pela UNIPAR em 2018. Bolsista PROSUP/CAPES. Professor de Direito. Integrante do grupo de pesquisa CNPq Estado e Economia no Brasil da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: gilberto.marchetti@unigran.br https://orcid.org/0000-0002-5602-2538 Gilmara de Jesus Azevedo Martins Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Especialista em Planejamento Tributário pela Mackenzie Rio (2016), graduou-se em Administração na Fundação Getúlio Vargas ? RJ (2011). Desde 2019 exerce o cargo de Auditora Fiscal da Receita Estadual do Maranhão na SEFAZ-MA. Atuou também como Assistente Técnico Legislativo na Câmara Municipal do Rio de Janeiro de 2018 a 2019, ocupou ainda o cargo efetivo de Analista da Fazenda na Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro de 2013 a 2018, no qual desempenhava a função comissionada de Gestora de Bens Patrimoniais. No setor privado começou sua trajetória profissional em 2011 como Assistente de Operações Financeiras na Brasil Telecom, trabalhou ainda como Analista Patrimonial na Telemar Norte Leste e Analista Junior na Accenture de 2012 a 2013. Acredita que os estudos são melhores meios para o crescimento Profissional e Pessoal. Possui como seu principal interesse as áreas de Direito e Políticas Públicas por crer 521 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 que o conhecimento aprofundado desses segmentos educacionais lhe permitirá expandir o alcance do seu trabalho como Auditora Fiscal na prestação de um serviço público de excelência aos contribuintes maranheses e consequentemente a toda a sociedade. http://lattes.cnpq.br/0195808654899844 Jefferson Rosa Cordeiro Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná (2000). Graduado em Ciências Contábeis pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1996). Pós-graduado em Direito Público (2001) e em Direito Processual Civil (2003) pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos. Atualmente é Procurador Municipal da Procuradoria Geral do Município de Campina Grande do Sul e Membro da Comissão de Direito Público da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná. E-mail: jeffersonrosacordeiro@hotmail.com. http://lattes.cnpq.br/8993372596493922 https://orcid.org/0000-0003-0231-142X José Edmilson de Souza-Lima Doutor e Pós-Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Federal Universidade do Paraná, Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina, Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Paraná. Entre 2014 e 2015 Coordenou o Centro de Pesquisas do Município Instituto de Administração Pública de Curitiba. Atualmente é pesquisador e professor do Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba (UNICURITIBA) e o Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento (PPGMADE) na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele publicou dezenas de artigos em periódicos internacionais e nacionais e livros em diversas editoras casas. Sua pesquisa concentra-se em Ciências Ambientais de sociologia contribuições e seus interesses estão associados aos seguintes temas: sustentabilidade, políticas públicas, descolonialidade e meio ambiente. http://lattes.cnpq.br/8225855745037056 https://orcid.org/0000-0002-5434-0225 522 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Josilene Hernandes Ortolan Di Pietro Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Professora Adjunta na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), realizando estágio de pós-doutorado em Ciência Jurídica na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Líder do grupo de pesquisa “Direito, Cidadania e Desenvolvimento Sustentável”. http://lattes.cnpq.br/2344451651702020 https://orcid.org/0000-0002-3014-983X Juliana Aizawa Bacharel em Direito pela UFMS/CPTL, Mestre em Fronteiras em Direitos Humanos pela UFGD, doutoranda em Geografia pela UFGD, professora da graduação e pós-graduação, advogada, tem domínios em temáticas interdisciplinares que envolvem: migração, refúgio, geopolítica, direito constitucional e direito internacional. E-mail: jtraizawa@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-6630-9594 Laís Castro Mestra em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional, pelo Programa de Pós-graduação do Centro Universitário do Estado do Pará (PPGD/CESUPA). Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), com experiência na área de Direito, com ênfase em: Direito Material, Processual e Internacional do Trabalho. Professora na Faculdade Integrada da Amazônia (FINAMA). Advogada Trabalhista. Integra, como pesquisadora, o Grupo de Pesquisa “Novas formas de trabalho, Velhas práticas escravistas” (dgp.cnpq.br/ dgp/espelhogrupo/5232633034974997) e Grupo de Pesquisa “Emprego, Subemprego e Políticas Públicas na Amazônia” (dgp. cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7396298534363392). Integra, como membro, a Comissão de “Combate ao Trabalho Forçado” da OAB/PA. Currículo lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/9140662201128084. https://orcid.org/0000-0002-1840-7963. 523 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Lívia Gaigher Bósio Campello Pós-Doutorado em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), Doutorado em Direito das Relações Econômicas e Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/ SP) e Mestrado em Políticas Públicas e Processo pelo Centro Universitário Fluminense (UNIFLU). Professora da graduação e mestrado na Faculdade de Direito (FADIR/UFMS). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD/UFMS). Coordenadora local do Programa de Doutorado Interinstitucional (DINTER - USP/UFMS). Líder do Grupo de Pesquisa «Direitos Humanos, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Global» (UFMS/CNPq). Coordenadora do Projeto de Pesquisa «Cooperação Internacional e Meio Ambiente» (Fundect/MS). Editora-chefe da Revista Direito UFMS. Associada ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (CONPEDI) desde 2005. Filiada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) desde 2011. Representante da ANPG no Conselho Deliberativo do CNPq (2013-2014). http://lattes.cnpq.br/9067637443861868 https://orcid.org/0000-0002-1233-1902 Luciane Cristina Silva Figueiredo Santos Graduanda em Direito pela Universidade da Amazônia - UNAMA. Membro da Clínica de Direitos Humanos – CADHU, sob coordenação geral do Prof. Me. Aleph Hassan Costa Amin. E-mail: luciane.csfs@gmail.com http://lattes.cnpq.br/2178906919603865 Luiz Eduardo Gunther Professor do “Centro Universitário Curitiba” - UNICURITIBA; Juiz de apelação trabalhista no Tribunal Regional do Trabalho, Região n. 9; Pós-Doutor em Direito Público pela PUC-PR; Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, Academia do Direito do Trabalho do Paraná, o Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e a Associação Latino-Americana dos Juízes do Trabalho (ALJT). Assessora do Grupo de Pesquisa que edita a “Revista Eletrônica do TRT9”. http://lattes.cnpq.br/1314611892212586 https://orcid.org/0000-0001-7920-3406 524 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Marcelo de Oliveira Busato Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1999) e Pós-graduação lato sensu em Gestão em Direito Empresarial pela FAE Business, Curitiba (2003). Mayane Bento Doutora em Relações Internacionais (UNB), Mestre em Gestão de recursos naturais e desenvolvimento local na Amazônia (NUMA/ UFPA) e Internacionalista (UNAMA). Professora do curso de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Contato: mayane.bento@yahoo.com.br Mayara Ferrari Longuini Doutora em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). É professora de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e membro do Núcleo Interdisciplinar de Professores na FAAP. É pesquisadora do Grupo de Pesquisa “Estado e Economia no Brasil”. http://lattes.cnpq.br/2613854528964380 https://orcid.org/0000-0002-3514-9820 Mônica Fontenelle Carneiro Graduada em Letras (Port./Ing.) pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Especialista em Língua Inglesa e em Linguística Aplicada ao Ensino da Língua Materna e Estrangeira (UFMA), Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Doutora e Pós Doutora em Linguística (UFC) e Pós Doutoranda em Direito pela Faculdade de Direito de Vitória -(FDV). Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Letras - PPGLETRAS (Mestrado Acadêmico em São Luís), sendo vice coordenadora no biênio 2021-2023, e do Programa de Pós-Graduação em Letras - PPGLETRAS (Mestrado Acadêmico em Bacabal), e colaboradora do PPGDIR - Programa de Pós-Graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça (todos UFMA). Membro do Departamento de Letras (UFMA), com experiência em Letras e Lin525 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 guística, e interesse em Linguística Cognitiva, Linguística Aplicada, Psicolinguística, Lingua(gem), Metáfora, Discurso, Formação de Professores e Ensino/Aprendizagem de Línguas, bem como em Linguagem e Instituições do Sistema de Justiça, Violência e Direitos Humanos. É membro da ABRALIN (Associação Brasileiras de Linguistas) e coordena a Comissão Linguística e Cognição (20/22 e 22/24); da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística), e coordenando o Grupo de Trabalho Linguística e Cognição - LINGCOG, no biênio 2021-23; e da ALAB (Associação de Linguística Aplicada do Brasil). Participou do Grupo de Trabalho Estudos Linguísticos na Amazônia Brasileira - ELIAB, também da ANPOLL (2019-2021). Participa, como pesquisadora, dos Grupos de Pesquisa: Cultura, Direito e Sociedade - GPCDS/UFMA (como vice líder); GELP-COLIN/UFC e GEPLA/UFC, liderando suas unidades em São Luís/MA, todos no Diretório do CNPq. Participa, como membro titular da Comissão Institucional de Ciências Humanas do PIBIC/PIBITI. Participa ainda, como pesquisadora líder de equipe brasileira, do Projeto Internacional de Pesquisa Bibliography of Metaphor and Metonymy (METBIB), coordenado pelas Universidades de Córdoba e de La Rioja (Córdoba e La Rioja, Espanha), em parceria com a John Benjamins Publishing Company (Holanda), junto à qual atua como Editora Associada do projeto; e participou, também, como pesquisadora colaboradora, do Projeto Conceitualização da Metáfora Mãe-Terra por brasileiros e falantes de outras línguas: um estudo comparativo intercultural, coordenado pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, em parceria com instituições estrangeiras e nacionais, dentre as quais a Universidade Federal do Maranhão - UFMA, tendo coordenado essa pesquisa no Maranhão. Realizou estágio no Programa de Educação Continuada do Rhode Island College (EUA), como Professora Visitante, participando do Curso de Ensino a Distância em Países em Desenvolvimento, realizado pelo International Extension College, no Instituto de Educação da Universidade de Londres como bolsista do governo britânico. Participa, como autora de capítulos, das obras: Linguagem, Cultura e Discurso, volumes 1-5 (Pedro e João e Pontes Edi526 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho tores); Linguagem e cognição: desafios e perspectivas contemporâneas (Mercado de Letras); (Per)Cursos (Inter)Disciplinares em Letras vol.1 (Pontes); Linguagem e cognição (Insular); Gênero, ensino e formação de professores e Múltiplas facetas da língua(gem) (Ed. Mercado de Letras); Letras em foco: a linguagem sob diversos olhares, Estudos sobre linguagem: análises linguísticas, discursivas e literárias, Ensino de línguas: tecnologia, Interação e Interfaces, Ensino de Línguas: Interfaces e novas perspectivas, Identidade e discurso: uma perspectiva multidisciplinar, Discursos Linguísticos e Literários, Literatura e outros saberes, Ensino de línguas e discurso, Ensino de línguas e práticas discursivas, Agir de linguagem na escola e na universidade, Estudos da Linguagem: da descrição linguística a suas interpretações (EDUFMA) e, como organizadora, das quatro últimas. Coordenou Cursos de Letras/ Inglês CAESP-PARFOR em quatro municípios maranhenses. http://lattes.cnpq.br/6170689209803775 https://orcid.org/0000-0003-0233-3450 Ney Maranhão Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Pará – UFPA. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal do Pará (PPGD/UFPA – Mestrado e Doutorado). Doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo – USP, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma – La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Professor convidado em diversas Escolas Judiciais de Tribunais Regionais do Trabalho. Professor Coordenador do Grupo de Pesquisa “Contemporaneidade e Trabalho” – GPCONTRAB (UFPA/CNPQ). Titular da Cadeira nº 30 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho – ABDT. Titular da Cadeira nº 25 da Academia Paraense de Letras Jurídicas – APLJ. Juiz Titular de Vara da Justiça do Trabalho da 8ª Região (PA-AP). Facebook: Ney Maranhão II / Instagram: @ 527 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 neymaranhao / Youtube: Prof. Ney Maranhão E-mail: ney.maranhao@gmail.com / http://lattes.cnpq.br/5894619075517595 / https://orcid.org/0000-0002-8644-5902 Paula Castello Miguel Doutora em Direito e mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); registradora de imóveis na Comarca de Eldorado do Sul/RS; professora da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). E-mail: paula.zedu@gmail.com http://lattes.cnpq.br/2742458255780636 https://orcid.org/0009-0007-3970-0193 Rafaela de Deus Lima Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGD-UFMS). Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (FADIR-UFMS) (2014-2018). Integrante do grupo de pesquisa “Direitos Humanos, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Global” - CNPq/ UFMS desde 2016. Membro do projeto de pesquisa “Saúde Planetária: uma abordagem a partir da efetividade dos direitos humanos ambientais na época do Antropoceno” (UFMS) (2020-atual). Bolsista UFMS no projeto de pesquisa “Participação pública, direito à informação e acesso à justiça em matéria ambiental” - PIBIC/UFMS (2017-2018). Bolsista FUNDECT do Projeto de Pesquisa Cooperação Internacional e Meio Ambiente MS/FUNDECT (2016-2017). Rafaela Teixeira Sena Daibes Resque Doutora em Direito pela UFPA (2021). Visiting scholar at Human Rights Institute of Columbia University in the City of New York (2019); Global Legal Studies of Wisconsin University (2018-2019); Forsythe Family Program on Human Rights and Humanitarian Affairs of University of Nebraska/Lincoln (2019); Universidad Iberoamericana Ciudad de México (2018); PUC RIO (2017) e na FGV SP (2017). Mestra em Direito pela UFPA (2016). Successfully attended in the Academy on Human Rights and Humanitarian Law’s 528 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Program of Advanced Studies on Human Rights and Humanitarian Law of the American University Washington College of Law (2015). Pesquisadora Visitante da Corte Interamericana de Direitos Humanos (2015 e 2019). Bacharela em Direito pelo CESUPA (2014). Professora do Programa de Mestrado em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional do CESUPA e do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA. Advogada. http://lattes.cnpq.br/1787469992107576 https://orcid.org/0000-0003-2111-7227 Ricardo Goretti Doutor, mestre, especialista em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); graduado em direito pela FDV; diretor Acadêmico da FDV; professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da FDV – Mestrado e Doutorado; professor de Resolução de Conflitos dos Cursos de Graduação e Especialização em Direito da FDV; líder do grupo de pesquisa Políticas Judiciárias e Desjudicialização do PPGD/FDV; advogado. Contato: E-mail: ricardogoretti@fdv.br. https://lattes.cnpq.br/5152960082734330 https://orcid.org/0000-0002-1933-0507 Ricardo Maurício Freire Soares Advogado. Professor do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Roma La Sapienza, pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata e pela Università del Salento. Doutor em Direito pela Università del Salento. Doutor em Direito Público e Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.. Líder do Grupo de Pesquisa O Discurso Jusfundamental da Dignidade da Pessoa Humana no Direito Comparado (UFBA/CNPQ). Robert Thomé Neto Doutorando no Programa de Direito Empresarial e CIdadania do Centro Universitário de Curitiba (UNICURITIBA); Mestre pelo Programa de Direito Empresarial e Cidadania ;Pós-Graduado em 529 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Direito Tributário e Processo Tributário; Pós-Graduado em Direito Aduaneiro; Bacharel em Direito. Todas pela Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA). Advogado. Sócio Fundador do escritório “Basso, Boletta, Sureck & Thomé Advocacia e Consultoria Jurídica”. Membro da Comissão de Direito do Consumidor OAB-PR, 2019. Membro do Observatório Tarifário da OAB-PR, 2019. Foi Monitor, na Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA), da matéria de Direito Tributário I e Direito Tributário Aplicado do Professor Maurício Darli Timm do Valle. Membro do Grupo de Pesquisa do Centro Universitário de Curitiba (UNICURITIBA): ?Igualdade, Discriminação e Trabalho? do Professor Eduardo Milléo Baracat. Pesquisa temas relacionados a principiologia do Direito, sob o enfoque filosófico-social. Ainda, temas contemporâneos relacionados a Direito Aduaneiro; Tributário e Trabalhista. http://lattes.cnpq.br/9346927202698380 https://orcid.org/0000-0003-1201-1965 Rodrigo de Oliveira Ferreira Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS. Especialista em Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Especialista em Direito Municipal pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Especialista em Proceso Civil, Arbitraje y Mediación pela Universidad de Salamanca - USAL - Espanha. Especializando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Integrante do grupo de pesquisa “Direitos Humanos, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável Global” - CNPq/UFMS desde 2020. https://orcid.org/0000-0001-9546-6417 Sérgio Peña-Neira Profesor de Derecho internacional en la Universidad Mayor, Chile, Doctor en Derecho, Miembro y Director de la Sociedad chilena de Derecho internacional, International Law Association (Chilean Branch) y de la Sociedad chilena de Filosofía jurídica y Social. https://orcid.org/0000-0002-2637-257X 530 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Thainá Lobato de Souza Graduanda do Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC/UFPA, 2020-2021. E-mail: thainalobato12@gmail.com. Vinícius Abdala Doutorando em Direitos Humanos - USP Mestre em Ciências Criminais - Universidade de Lisboa Advogado Criminalista http://lattes.cnpq.br/9843975036129684 Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr Doutora em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Realizou estágio Pós-Doutoral na Universidade de Coimbra. Advogada. Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, Paraná, Brasil. Gestora Acadêmica. Email: viviane@sellosknoerr.com.br http://lattes.cnpq.br/4609374374280294 https://orcid.org/0000-0003-0775-2267 William Monteiro Rocha Doutor em Relações Internacionais (UNB), Mestre em Desenvolvimento Sustentável (NAEA/UFPA) e Internacionalista (UNAMA). Professor dos cursos de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia (UNAMA) e da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Email: william.mrocha@gmail.com Yani Yasmin Crispim de Moraes Agente da Receita Estadual da SEFAZ/MA. Mestranda em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal do Maranhão. Pós-graduada em Direito Administrativo pela Universidade Estácio de Sá. Pós-Graduada em Direito e Processo Tributário pela Faculdade CERS. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. http://lattes.cnpq.br/9384318924737981 531 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 ÍNDICE REMISSIVO Para localizar o termo pretendido, a partir do leitor de PDF, acione o comando Crtl+F ou o comando Localizar - Lupa. Se estiver fazendo a leitura a partir de um telefone móvel, acione a ferramenta de busca / localizar - Lupa). Ação Água Agrário Agricultura Alfabetização Alimentação Ambiente Aprendizagem Áreas Armas Asilo Assistência Bem-estar Biodiversidade Cidadania Cidades Ciência Clima Coleta Colonialidade Comércio Comunicação Conflito Consorcio Consumo Contaminação Cooperação Corrupção Criança 532 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Crise Cultura Custo Decolonial Deficiência Democracia Desastre Desemprego Desenvolvimento Desigualdade Desmatamento Desperdício Dignidade Direito Diretrizes Discriminação Doença Drogas Ecossistema Educação Eficácia Emissão Empoderamento Emprego Energia Envelhecimento Equidade Erradicação Escola Escravidão Contemporánea Escravidão Moderna Escravizado Espécie Estado Estado de Direito Estatística 533 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Estratégia Estresse Evasão Fertilidade Financiamento Floresta Fome Gênero Gestão Governança Governo Guerra Higiene HIV Homem Igualdade Impacto Implementação Imposto Incentivo Inclusão Indicador Indústria Inflação Informação Iniciativa Inovação Instituição Integração Inteligência Interesse Internet Investimento Invisibilidade Jovem Justiça 534 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Legislação Lei Liderança Lixo Malária Mar Maternidade Meio Mercado Meta Metodologia Migração Mobilidade Modelo Monitoramento Moradia Mortalidade Mulher Mundo Nação Nascimento Natureza Negociação Nível Norma Nutrição Objetivo Oceano ODS ONU Oportunidade Organização Orçamento Orientação Origem Pacificação 535 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Pacífico Pacto País Paradigma Parceria Participação Paz Pena Pesquisa Pessoas PIB Planeta Planejamento Plano Pobreza Pobreza Multidimensional Política Política Fiscal Poluição População Prática Preconceito Preço Prevenção Princípio Prioridade Privacidade Processo Produção Produto Professora Programa Projeto Promoção Propriedade Proteção 536 SUMÁRIO REFLEXÕES URGENTES: Sustentabilidade, Desenvolvimento e Trabalho Protocolo Qualidade Quantidade Reciclagem Reconhecimento Recurso Redução Reforço Refugiado Região Regulamentação Relatório Renda Repartição Reprodução Reserva Resíduo Resiliência Resolução Responsabilidade Restauração Risco Saúde Segurança Segregação Serviço Sexo Sindicato Sistema Situação Social Sociedade Sócio Solução Sustentabilidade Tecnologia 537 SUMÁRIO DIREITO INTERNACIONAL ISBN 978-65-00-86824-1 Território Terrorismo Trabalho Tráfico Tratado Tuberculose Turismo União Urbanização Valor Violência Vulnerabilidade 538 SUMÁRIO