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Notas sobre a “tutela indígena” no Brasil (legal e real), com toques de particularidades do sul de Mato Grosso do Sul

Simone Becker, Taís Cássia Peçanha Rocha

Resumo


Neste artigo será analisada a tutela indigenista, observando o seu rastro histórico e a remanescência de sua ideia nas relações entre indígenas e instituições civis e governamentais. Verificar-se-á quando a tutela passa a caracterizar o racismo institucional, na medida em que ela representa entrave ao indígena no alcance de direitos, ainda que a atual Constituição Federal a tenha extinguido, reconhecendo a capacidade civil plena do indígena brasileiro. Suscitam-se indagações sugestivas, tanto dos “indigenismos” em nosso País quanto da capacidade civil do “índio”, além daquelas referentes ao órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai). Demonstrar-se-á que o preconceito étnico e o racismo institucional caminham lado a lado, o segundo em decorrência do primeiro, num processo de subtração da cidadania indígena. Para tanto, analisar-se-á fato ocorrido no âmbito da Coordenação Regional da Funai em Dourados/MS, em comunidade indígena por ela atendida, referente à emissão de Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Sugere-se que a aplicação da tutela pode ser um fator descaracterizante do protagonismo indígena, que o relega aos caminhos burocráticos circulares de negação de responsabilidade, impedindo-o de alcançar a cidadania plena.


Palavras-chave


Integracionismo. Protagonismo indígena. Racismo institucional. Tutela.

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DOI: http://dx.doi.org/10.5380/rfdufpr.v62i2.49443