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Dossiê Políticas urbanas, sustentabilidade e governança

São Paulo: avanços e recuos, após quase uma década da política de mudança do clima

São Paulo: avancées et revers après d'une décennie de politique contre le changement climatique
São Paulo: advances and setbacks, after almost a decade of climate change policy
Jane Zilda dos Santos Ramires et Neli Aparecida de Mello-Théry

Résumés

En 2009, à l’avant-garde des gouvernements des États et du gouvernement fédéral, São Paulo a promulgué la loi sur le changement climatique, une étape importante et significative pour l’une des plus grandes villes de la planète qui accumule des problèmes socio-environnementaux à cause d’une expansion urbaine agressive et désordonnée. Au fur et à mesure que la ville se développe, les taux de pollution de l’eau et de l’atmosphère augmentent, ses espaces verts et les sources d’eau diminuent et des zones à risque sont créées pour accueillir la population à faible revenu, qui ne supporte pas le prix de vivre en ville. Les questions liées à la circulation, à la mobilité et à la production d’énergie mettent également en evidence les défis à relever par les gouvernements locaux. Rendre les villes et les peuplements humains, inclusifs, sûrs, résilients et durables est ce que le nouvel agenda urbain des Nations Unies appelle à la troisième Conférence des Nations Unies sur le logement et le développement durable (Habitat III) en 2016. Cet article a pour objectif d'analyser les actions publiques locales à partir de 2009, en tenant compte du contexte du changement climatique et des objectifs de l'ONU, en particulier en ce qui concerne l'atténuation et l'adaptation au changement climatique, en favorisant l'utilisation et l'occupation du sol en ville de São Paulo.

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Texte intégral

1A sustentabilidade de uma cidade é fruto basicamente do investimento na implantação e expansão de infraestruturas, garantia de acesso aos serviços, redução e urbanização de favelas, preservação e cuidado com os recursos ambientais e oportunidades de trabalho. Atingir estas metas tem sido cada vez mais difícil para as cidades brasileiras, pois em que pese o Brasil ter atingido o 10º no ranking da economia mundial ainda enfrentamos muitos problemas advindos da falta e má gestão dos recursos, ausência de integração das políticas públicas e dos órgãos governamentais, e, no desmonte crescente de suas instituições.

2Atualmente o planejamento ambiental das cidades conta com o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), o Plano de Bacia Hidrográfica, o Plano Ambiental Municipal, a Agenda 21 Local e o Plano de Gestão Integrada da Orla; instrumentos, criados na década de 1990, que segundo o Ministério do Meio Ambiente devem conter ações preventivas e normativas para controlar os impactos territoriais negativos provocados pelos investimentos público-privado aos recursos ambientais.

3Além disso, no mesmo período houve a multiplicação dos planos estratégicos, instrumentos voltados para o planejamento urbano. Esses planos seriam uma opção aos planos diretores excessivamente normativos; uma forma mais democrática de sentir e planejar as cidades diminuindo assim a distância entre o planejamento e gestão.

4Mas a inovação mesmo surgiu com o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, cujos princípios estão calcados na gestão democrática; justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização; recuperação dos investimentos do poder público que tenham resultado em valorização de imóveis urbanos e o direito a cidades sustentáveis, à moradia, à infraestrutura urbana e aos serviços públicos, além de novas oportunidades de gestão e financiamento de seu desenvolvimento.

5Apesar da gama de instrumentos existentes na área específica do planejamento ambiental e àqueles direcionados ao meio urbano, com destaque para os planos diretores e o Estatuto Cidade, observamos que o avanço em direção a sustentabilidade não foi significativo. Hoje, muitas cidades se encontram à beira de um colapso diante de múltiplos problemas relacionados a falta de água, destinação de resíduos, contaminação de recursos hídricos, alagamentos, poluição do ar, mobilidade, exclusão e vulnerabilidade social e territorial, os quais têm sido agravados com o surgimento dos eventos extremos decorrentes da mudança do clima.

6É neste contexto, quando o aprofundamento da crise socioambiental bate à porta, que os governos, em seus diferentes níveis, começam a se mobilizar para criar instrumentos mais específicos que promovam a mitigação e, principalmente, a adaptação no enfrentamento desta problemática.

A trajetória de São Paulo na construção da política climática

7Em 2009 São Paulo instituiu de forma pioneira no Brasil a Lei nº 14.933/09 da Mudança do Clima que estabelece princípios, diretrizes, metas e instrumentos para sua implementação, além de criar o Conselho Municipal e o Comitê Municipal de Mudança do Clima e Ecoeconomia, responsável por estas ações.

8Neste período (2011) foi apresentado o documento denominado “Diretrizes para o Plano de Ação da Cidade de São Paulo” com propostas e estratégias de mitigação e adaptação em vários setores como construção, transporte, energia, resíduos sólidos e uso e ocupação do solo; temas importantes que foram tratados no Plano Diretor (Lei nº 16.050/2014) e no Zoneamento do Município (Lei nº 16.402/2016).

9Vale dizer que a cidade já vinha se preparando na adoção de instrumentos que visavam a mitigação e adaptação dos problemas relacionados a mudança do clima. O Programa Municipal de Uso Racional da Água em Edificações (Lei Municipal nº 14.018/2005) e a proposta do uso de energia solar para aquecimento de água nas novas edificações (Lei nº 14.459/07) são exemplos desta orientação política.

10Assim, no setor da construção, o Plano de Ação teve como objetivo a conservação e o uso racional dos recursos ambientais, priorizando a sustentabilidade das edificações com a utilização de energia renovável e alternativa, materiais com certificações e combate a madeira ilegal. Nos setores de transporte e energia é apontada a necessidade de implementação do transporte público com menor potencial poluidor, notadamente, trem e metrô movidos a energia renovável. É destacado ainda a importância da ampliação dos corredores de ônibus, da efetivação do Sistema Cicloviário e da manutenção e aprimoramento do Plano de Controle de Poluição Veicular (PCPV).

11Segundo a política de mudança climática de 2009, a atualização do inventário de emissões de Gases Geradores do Efeito Estufa (GEE) deve ocorrer a cada 5 anos com meta de redução das emissões de GEE de 30% para 2012 com relação a 2003.

  • 1 O primeiro Inventário de Emissões de GEE foi elaborado em 2005 (ano base de 2003) segundo a metodol (...)

12Em novembro de 2013 São Paulo apresentou o “Inventário de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa” que abarcou o período de 2003 a 2009 com atualização para os anos de 2010 e 2011 nos setores resíduos e energia devido a representatividade sobre os demais.1

13Entre 2003 e 2006 não se observou alteração significativa na emissão de GEE, entretanto a partir de 2007 verificamos uma tendência de aumento impulsionado, principalmente, pelo setor energia seguido do setor resíduos. Somados estes dois setores representavam, em 2009, 98% das emissões de GEE do Município de São Paulo (tabela 1).

  • 2 Valores expressos em gigagramas de dióxido de carbono equivalente (Gg = 1.000 toneladas).

Tabela 1: Emissões de GEE no Município de São Paulo por setores (2003 a 2011)2

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15Considerando a meta de redução de 30% prevista na Lei do Clima, o que se verifica no período foi o aumento das emissões que “(...) só não foi maior devido à participação do etanol na composição do combustível utilizado na frota de veículos da cidade, adoção de veículos bicombustíveis e, em parte do período analisado, preço favorável do etanol face ao preço da gasolina” (PMSP, 2013).

16O Inventário de Emissões de GEE é um instrumento importante a ser considerado pelos governos na formulação de políticas públicas em tempos de mudanças climáticas. E, contrariando as expectativas mais pessimistas foi iniciado em novembro de 2018, com o apoio do C403, o novo estudo que atende a política municipal de mudança do clima e adota a nova metodologia voltada para as aglomerações urbanas aceita internacionalmente4.

17Entretanto, os dados e informações disponibilizados pelos Inventários já realizados não têm refletido efetivamente na elaboração e implementação de políticas públicas consistentes de mitigação e adaptação frente ao fenômeno na cidade de São Paulo.

18No último estudo o setor de energia foi apontado como responsável pela maior parte das emissões; entretanto a frota de automóveis na cidade chega a 7,8 milhões de veículos, sendo que a grande maioria, em torno de 5 milhões são automóveis particulares e apenas 44.242 representam o transporte público (IBGE, 2016). Por outro lado, os governos, independentemente da postura ideológica, têm mantido a política de incentivos fiscais para o setor da indústria automobilística (Governo Federal, 2018).

19Estima-se que 4 mil pessoas morrem por ano com problemas relacionados a poluição atmosférica em São Paulo. Seus habitantes possuem maiores riscos (duas vezes mais) de serem acometidos por um infarto, 30% a mais de terem câncer de pulmão e 25% da população feminina sofrer abortos (Saldiva, 2014).

20Segundo o Relatório da Comissão Lancet sobre a Saúde e Mudança Climática, as mudanças climáticas antropogênicas ameaçam acabar com os ganhos dos últimos de 50 anos na saúde pública, e inversamente, as políticas abrangentes de adaptação poderiam resultar na maior oportunidade de saúde do século XXI (ARMANN, M. et all, 2018)

21Todavia, presenciamos em período anterior a implementação de projetos que visaram a diminuição dos GEE como a criação de ciclovias, ciclofaixas, ciclorotas, bicicletários, ônibus movidos a biocombustível em caráter experimental (ecofrota), etc., que foram importantes, mas pontuais; longe de alcançar os objetivos propostos.

22Apesar de sua importância o Programa de Inspeção Veicular, iniciado em 2007, foi paralisado em 2013. O governo local ignorou os resultados positivos na área ambiental e da saúde contrariando ainda a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 418/2009 que orienta sua expansão para todo o Brasil.

23Na Lei da Mudança do Clima está previsto, em seu artigo 50, que os programas relacionados ao transporte público da cidade devem considerar a redução de 10% de combustíveis fósseis a partir de 2009 e, em 2018, toda a frota estaria utilizando combustível renovável não fóssil. Ocorre que, como os demais objetivos previstos nesta Lei e no Plano de Ação de 2011, a troca da base energética no transporte público não foi concretizada.

24A retomada das reuniões do Comitê do Clima em 2017, onde se discutiu exaustivamente esta questão, dada sua relevância, redundou na aprovação da Lei 16.802/2018 que modifica a redação do artigo 50 da Lei de mudanças climáticas de São Paulo. Na nova redação, além do transporte público do Município, as empresas que prestam serviços de coletas de resíduos sólidos urbanos e hospitalares também deverão promover a redução progressiva das emissões de CO2 de origem fóssil.

25Neste sentido poderíamos considerar um avanço; não obstante, tendo em conta as metas estabelecidas em 2009 e as atuais, isto é, 50% de redução de GEE nos próximos 10 anos e, 100% para daqui há duas décadas demonstra que a gestão pública local ainda não interiorizou a gravidade da problemática ligada a mudança do clima.

26No campo da energia, é importante colocar a experiência de São Paulo na captação de GEE dos aterros Bandeirantes e São João, hoje desativados. Os recursos recebidos nas negociações dos créditos de carbono são direcionados ao Fundo de Especial de Meio Ambiente (FEMA) e devem, necessariamente, custear projetos socioambientais na região do entorno dos aterros como forma de compensação pelos transtornos causados no decorrer das atividades, bem como pelo passivo ambiental gerado.

27A cidade produz em torno de 20 mil toneladas/dia de resíduos, dos quais 7.000 mil toneladas/dia são encaminhadas para o município de Caieiras. Do montante de resíduos coletados, 35% são recicláveis, mas apenas 1,6% são aproveitados (PGIRS, 2014).

28Mais recentemente, 2015, o governo local lançou o Programa “Feira Livres e Jardins Sustentáveis” com a inauguração no bairro da Lapa do primeiro pátio de compostagem de resíduos orgânicos oriundos das feiras livres e jardinagem de espaços públicos. A atual gestão implantou os pátios da Sé e Mooca que somados ao da Lapa processam 30 mil toneladas de resíduos por dia; há previsão da construção de mais 15 pátios até 2020. No mesmo período foram inauguradas duas centrais mecanizadas de triagem de resíduos recicláveis (Santo Amaro e Ponte Pequena). O objetivo é atingir a meta 24 do Programa de Metas 2017-2020, que prevê a redução de 500 mil toneladas de resíduos destinadas aos aterros no período de 4 anos tendo como ano base 2013 – 2016 (PMSP, 2018).

29Segundo especialista estas ações atendem a Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de São Paulo (PGIRS) e, na escala internacional, o acordo de Paris. “A cidade já está botando em prática compromissos que o Brasil assumiu em Paris, como a redução de emissões de gases do efeito estufa” (PMSP, AMLURB, 2018).

  • 5 O processo é realizado pelo método aeróbio que não gera odores nem propagação de vetores de doenças (...)

30A retomada da compostagem de resíduos orgânicos, que correspondem a 51% do gerado, é de suma importância pois demonstrou a viabilidade do tratamento destes resíduos no interior da área urbana da própria cidade, diminuindo os custos com transporte e tratamento em aterros sanitários localizados na periferia ou em outros Municípios.5

31Entretanto, apesar da aprovação do PGIRS e demais compromissos assumidos, inclusive na esfera internacional, os dados nos mostram que o governo de São Paulo terá um grande desafio nos próximos anos para viabilizar a coleta seletiva e o tratamento dos resíduos domiciliares, em sua maior parte orgânicos; além de promover locais apropriados para a destinação adequada dos resíduos originados pelos rejeitos da construção civil, que hoje, são encaminhados irregularmente para a periferia da cidade, notadamente em áreas frágeis e protegidas ambientalmente.

32Neste contexto, o conceito de cidade compacta deverá nortear o planejamento urbano, segundo as diretrizes do Plano de Ação de 2011. A ideia é induzir a implantação de centralidades sustentáveis acompanhada do adensamento populacional onde haja infraestrutura instalada, com transporte, qualidade ambiental e urbanística, promovendo, concomitantemente, a adequação de áreas desprovidas destes serviços. Um ponto importante deste conceito é a busca pela harmonia e equilíbrio, entre a localização dos postos de trabalho (oportunidades de emprego) e a moradia da população. As intervenções urbanas poderiam estimular a criação de novas centralidades e a requalificação e revitalização de regiões próximas as redes de transportes, proporcionando desta maneira, a gradativa diminuição do tempo de deslocamentos, em particular dos trabalhadores que residem em áreas mais distantes do centro. Acredita-se ainda que o desenvolvimento das cidades, nesta direção, resultará na diminuição da pressão urbana nas regiões periféricas e ambientalmente mais frágeis da cidade.

33Para Rolnik (2013) “A tal cidade compacta não precisa ser vertical. Em alguns bairros, os sobradinhos, concentram mais população do que a verticalização (...)”; mas segundo ela (...) O novo plano Diretor poderá ser inútil, por causa do interesse das empreiteiras em construir, sem elevar a concentração”.

O Plano de Ação de 2011 e a dinâmica na expansão da cidade

  • 6 O Condomínio “Reserva Nova Cantareira” localizado à Av. Nova Cantareira é um dos exemplos deste tip (...)

34Da elaboração do Plano de Ação proposto pelo governo local se foram 8 anos, mas a expansão e o espraiamento da cidade seguem seu modo e seu ritmo, agregando novas áreas, inclusive de riscos, em direção a seus limites territoriais. Multiplicam-se os loteamentos irregulares e invasões onde a população mais carente vai residir ou; de outra forma pela implantação, também de forma irregular, de condomínios voltados para a população de maior poder aquisitivo6.

35Usando o tema segurança como mote, os espaços disponíveis nas áreas centrais e privilegiadas da cidade, fruto da saída das indústrias, são ocupados por condomínios fechados dotados de serviços e recreação. Se constituem verdadeiros enclaves nas cidades que não propiciam a convivência, o encontro entre os moradores do bairro; à solidariedade. Seriam os “(...) espaços anti-urbano dentro das cidades” (Meyer, 2013).

36Ademais, em que pese à iniciativa dos governos locais, projetos como “Morar no centro” (2001) seguido do “Renova centro” (2010) que previam a revitalização do centro histórico, bem como a desapropriação de edifícios anteriormente utilizados para serviços com a readequação para moradias, não obtiveram sucesso. No último projeto, de um total de 53 edifícios selecionados, a partir de uma parceria entre o governo local e a Faculdade de Arquitetura da USP (FAU-USP) apenas 07 foram readaptados (O estadão, 2012).

37Em 2016, houve a revisão do Plano de Metas “Um Tempo Novo para São Paulo - 2013-2016”, considerando o horizonte de 16 anos. A síntese das discussões, que contou com a participação de 5.000 pessoas e 12.500 contribuições on line, segundo Secretaria Municipal da Habitação, resultou no Projeto de Lei nº 619/2016. Este Plano previa a implementação de políticas que garantissem o direito à moradia digna, ofertas adequadas e definitivas às famílias de baixa renda e atendimento habitacional emergencial e transitório nos casos em que são necessárias respostas imediatas.

38Atualmente chega a quase 500 mil o déficit de moradias em São Paulo considerando as famílias com renda de até 10 salários mínimos. Com base nesta realidade e com a justificativa de que foram esgotadas as potenciais fontes de financiamento para o setor público, o governo local lançou no início de 2018, o Programa de Parceria Público-Privada (PPP) de Habitação do Município, que prevê a construção de 34 mil novas moradias em um período de seis anos (PMSP, 2018).

39O alcance desta política é fator de preocupação, dado que este Programa levaria quase 90 anos para atender a demanda por moradias de interesse social, caso esta fosse congelada. Há que se considerar que no Programa “Minha Casa Minha Vida” estava prevista a entrega de 2 milhões de moradias até 2018.

40Não é por acaso que a cidade abriga hoje 1.714 favelas, 391.053 domicílios em favelas, 1.974 loteamentos cadastrados, 390.007 lotes em loteamentos irregulares e 1.506 cortiços cadastrados apenas nas subprefeituras da Sé e Mooca (PMSP, 2018).

41Como vimos o avanço dos instrumentos voltados para o planejamento da cidade rumo à sustentabilidade se opõe à realidade encontrada na expansão da área urbana em direção as periferias. Diante da ineficácia dos governos na oferta de habitação popular e demais políticas correlatas de proteção ambiental observamos a diminuição gradativa da Mata Atlântica ainda existente em São Paulo. É neste processo que, concomitantemente, vão sendo forjadas as áreas de riscos suscetíveis aos eventos extremos, que os governos irão se deparar em um futuro muito próximo.

42As figuras 1 e 2 demonstram 6 (seis) tipos de ocupação do solo na área de amortecimento do Parque Estadual da Cantareira, tombado pela UNESCO como Reserva da Biosfera e cuja vegetação caracteriza-se por apresentar remanescente do bioma da Mata Atlântica, integrando o Cinturão Verde de São Paulo: ocupação irregular (1 e 6), industrial (3) e edificações de interesse social (2, 4 e 5).

Figura 1: Uso do solo na região do Parque Estadual da Cantareira (2003)

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Fonte: Google Earth, 2003

Figura 2: Uso do solo na região do Parque Estadual da Cantareira (2018)

44[Image non convertie]

Fonte: Google Earth, 2018

45Se compararmos a Lei de Zoneamento de 2004 com a atual, de 2016, o que observamos com bastante clareza é que muitas áreas com ocupações irregulares, anteriormente grafadas como Zona Mista ou Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM) passaram para Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), ou seja, a mudança no zoneamento veio ratificar o tipo de ocupação existente anteriormente.

46Em 2003 verificamos que na Zona Mista de Proteção (ZMp) estavam inseridas as ocupações irregulares e conjuntos de edificações de interesse social (1, 4, 5 e 6) e na Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM), 1 conjunto de edificações de interesse social e uma indústria (2 e 3). Em 2016, observa-se que as áreas identificadas de 1 a 6 foram grafadas como ZEIS.

47Há que se destacar as intervenções em ZEPAM com a execução das obras do Rodoanel na região Norte de São Paulo. Para esta região estava previsto a implantação do Parque de Borda da Cantareira “Bananal Canivete II”. Neste caso, o zoneamento permanece o mesmo de 2004, isto é, a área continua com as restrições ambientais, e o Parque só consta dos Projetos do governo.

Figura 3: Tipo de uso e zoneamento na região do Parque Estadual da Cantareira (2004)

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Fonte: Mapa Digital da Cidade – Geosampa (consulta 18/10/2018)

Figura 4: Tipo de uso e zoneamento na região do Parque Estadual da Cantareira (2016)

49[Image non convertie]

Fonte: Mapa Digital da Cidade – Geosampa (consulta 18/10/2018)

50Uma das prováveis leituras passa pela questão social, com a priorização da manutenção e regularização dos loteamentos e ocupações em detrimento a manutenção ou recuperação das áreas verdes.

51Por outro lado, a demanda reprimida por moradias populares levaria os governos a “compactuarem” com esta situação como contrapartida pela sua inércia.

52De acordo com Davis (2013, pg. 36)

“(...) a ideia de um Estado intervencionista muito comprometido com a habitação popular e a criação de empregos parece alucinação ou piada de mau gosto, porque há muito tempo os governos abdicaram de qualquer iniciativa séria para combater as favelas e remediar a marginalidade urbana”

Considerações finais

53Observamos que as últimas décadas foram bastante férteis na construção de instrumentos inovadores na proteção ambiental, inclusive para as urbanas, como previsto na Política Nacional do Meio Ambiente, e no contexto internacional, na Agenda XXI e na Nova Agenda Urbana da Organização das Nações Unidas (ONU). Temos claro ainda, que a cidade de São Paulo tem inovado no estabelecimento de instrumentos legais, programas e projetos que visam a sustentabilidade urbana, até mesmo na criação da lei das mudanças climáticas.

54Entretanto os projetos e programas implantados sob este enfoque ainda são tímidos, não correspondem as necessidades e a realidade de São Paulo. As iniciativas que tiveram êxito, como o Programa de Inspeção Veicular e o transporte movido com biodiesel, foram paralisados pelos governos que se seguiram, evidenciando que os riscos socioambientais oriundos das mudanças do clima não foram completamente internalizados pelo poder público.

55A expansão urbana continua semelhante àquele iniciado na década de 1970 e por sua vez, os antigos e conhecidos problemas relacionados ao desmatamento, poluição hídrica e atmosférica e resíduos se avolumam e se agravam; os efeitos adversos das mudanças do clima, com intensificação das ilhas de calor e ocorrência de eventos extremos passam a ser percebidos, porém não compreendidos, desafiando o poder público.

56Quando muito exigido, o governo age sobre os riscos que estão na iminência da catástrofe e do desastre. Mas a percepção do problema se mantém nos riscos imediatos e, assim, os cenários de médio e longo prazo, não são priorizados.

57O déficit de moradias populares compromete a manutenção dos remanescentes da Mata Atlântica e na esteira desta problemática, os mananciais tão importantes para a cidade. O governo local não possui recursos para suportar e encaminhar políticas de habitação que a demanda requer e sua ação, na maioria dos casos, tem se limitado a mudar o zoneamento de áreas mais restritivas ambientalmente, quando se trata de invasões e loteamentos irregulares, até mesmo em locais que apresentam riscos a seus moradores.

58A crise socioambiental contemporânea que a cidade de São Paulo vivencia demanda a implementação e continuidade de políticas públicas integradas e inovadoras que promovam a sustentabilidade e equidade social como forma de enfrentamento aos desafios provocados pelas mudanças do clima.

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Bibliographie

Referencias Bibliográficas

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Disponível em: https://ambientedomeio.com/saude-ambiental/poluicao-atmosferica-e-seus-efeitos-sobre-a-saude-humana/

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https://www.sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,apos-3-anos-so-7-predios-foram-reformados-no-centro-de-sp,959438

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/noticias/?p=248360

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/noticias/?p=268133

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Notes

1 O primeiro Inventário de Emissões de GEE foi elaborado em 2005 (ano base de 2003) segundo a metodologia do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPPC em inglês), cujos resultados foram incluídos no Inventário de 2013. Gases inventariados: Resíduos, Agricultura, Floresta e Outros Usos da Terra (AFOLU), Energia e Processos Industriais e Uso de Produtos (IPPU).

2 Valores expressos em gigagramas de dióxido de carbono equivalente (Gg = 1.000 toneladas).

3 O Grupo C40 congrega cidades mundiais no empenho ao combate as mudanças climáticas (C 40).

4 Protocolo Global para Inventários de Emissões de Gases de Efeito Estufa na Escala da Comunidade.

5 O processo é realizado pelo método aeróbio que não gera odores nem propagação de vetores de doenças possibilitando a inserção dos pátios de compostagem na área urbana da cidade. Em avaliação a este método a International Solid Waste Association (ISWA) concluiu que, se comparado com um aterro sanitário, o Pátio de Compostagem da Lapa (Projeto piloto) reduz em 87% a emissão de GEEP (PMSP, AMLURB, 2018).

6 O Condomínio “Reserva Nova Cantareira” localizado à Av. Nova Cantareira é um dos exemplos deste tipo de ocupação irregular.

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Pour citer cet article

Référence électronique

Jane Zilda dos Santos Ramires et Neli Aparecida de Mello-Théry, « São Paulo: avanços e recuos, após quase uma década da política de mudança do clima »Confins [En ligne], 38 | 2018, mis en ligne le 27 décembre 2018, consulté le 29 mars 2024. URL : http://journals.openedition.org/confins/17041 ; DOI : https://doi.org/10.4000/confins.17041

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Auteurs

Jane Zilda dos Santos Ramires

Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA), Prefeitura do Município de São Paulo.jramires@prefeitura.sp.gov.br,jane.santos.ramires@gmail.com.br

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Neli Aparecida de Mello-Théry

Universidade de São Paulo, Escola de Artes e Humanidades (EACH. namello@usp.br

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