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ORDEM DO DIA: Uma análise do trabalho da Unesco em torno das políticas culturais (1979-82)

Agenda: An Analysis of Unesco’s Work on Cultural Policies (1979-82)

RESUMO

Em 1982, a Unesco realizou, na Cidade do México, a Mondiacult, uma importante conferência sobre políticas culturais envolvendo quase todos os seus Estados-membros. O foco de análise deste artigo é a elaboração de um de seus documentos de base - a “ordem do dia” -, que produziu uma espécie de etnografia institucional a partir dos usos das ideias de cultura e de políticas culturais.

PALAVRAS-CHAVE:
políticas culturais; Unesco; antropologia histórica do Estado

ABSTRACT

In 1982, the United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Unesco) held in Mexico City the Mondiacult, an important cultural policy conference involving almost all its member states. The focus of this article is an analysis of the elaboration of one of its basic documents - the “agenda”, or the ordre du jour - producing an institutional ethnography based on the uses of notions of cultural and of cultural policies.

KEYWORDS:
cultural policies; Unesco; historical anthropology of the State

INTRODUÇÃO

Realizada na Cidade do México em 1982, a Mondiacult foi uma das mais importantes conferências em torno da cultura e, mais especificamente, das políticas culturais promovidas pela Unesco. O evento, que reuniu quase todos os Estados-membros da Organização, pode ser compreendido - ficará mais claro a seguir - como o ponto culminante de um investimento sistemático da Unesco no campo das políticas culturais desde os anos 1960.

Este artigo pretende analisar a elaboração do documento de base da Conferência - a “ordem do dia” (ver Figura 1). Como o nome sugere, trata-se da agenda da Conferência, organizando as principais atividades e plenárias, assim como os temas a serem debatidos. É um documento tão simples quanto fundamental, já que permite uma coordenação mínima do evento. Quando se observa seu processo de elaboração, contudo, é possível identificar uma série de disputas internas que está diretamente ligada à organização da própria Unesco. A análise, então, focará nos processos que antecedem o documento e que sustentam sua construção. Além disso, devemos considerar também a brochura Problems and Prospects, que serve de base aos tópicos listados na “ordem do dia”.

FIGURA 1
Reprodução da “ordem do dia” da Mondialcult.

Dois objetivos mais amplos, desse modo, norteiam o texto: de um lado, compreender os processos “participativos” que levaram à definição dos termos que enformavam o debate internacional em torno das políticas culturais; de outro, refletir acerca da adoção de uma ideia antropológica de cultura, suas condições de possibilidade e algumas de suas implicações.

Este trabalho se orienta metodologicamente como uma espécie de etnografia histórica institucional.1 1 Há algumas perspectivas relativamente consolidadas em torno do trabalho etnográfico de instituições. O trabalho de Mary Douglas (2007 [1986]) é referência fundamental nesse cenário, já que se interroga até que ponto o pensamento depende das instituições. Dorothy Smith (2005) certamente produziu um marco ao consolidar uma proposta metodológica, assim como Georgina Born e sua importante etnografia do IRCAM (Born, 1995). Partindo desses trabalhos, gostaria de afirmar a possibilidade de observar as dinâmicas de poder que conformam práticas institucionais a partir de seus arquivos. A contribuição deste texto, assim, é seu caráter histórico. Utiliza-se, para isso, de materiais escritos de diversas ordens, dando atenção não apenas aos grandes documentos oficiais da Conferência, como também à troca interna de correspondência entre os diversos setores da Unesco.2 2 Este artigo se baseia em pesquisa realizada no Arquivo Central da Unesco entre janeiro e agosto de 2016 em Paris. Durante esse período, estive ligado ao Centre Maurice Halbwachs (ENS/EHESS/CNRS) como pesquisador visitante. Fui supervisionado pelo professor Benoît de L’Estoile, a quem agradeço, e contei com financiamento da Fapesp. Nesse sentido, trata-se de uma análise descritiva - parcial, como toda etnografia - de alguns processos de interação.

Ao mesmo tempo, esses processos interativos dependem do compartilhamento de determinados problemas, noções e questões para ocorrer. Nesse contexto, mais importante do que a maneira como agentes e agências defendem certos pontos de vista é analisar como essas disputas - em torno de determinadas posições marcadas - são possíveis. Proponho, portanto, que algo antecede a concordância ou a discordância em torno desses pontos, e que é exatamente isso que permite o diálogo entre os Estados-membros da Conferência.

A partir de uma análise do processo de elaboração da “ordem do dia” será possível compreender, para além das disputas pela ideia de políticas culturais e de cultura de modo geral, a maneira como se produzem um léxico e também um campo semântico que possibilitam o debate em si mesmo. Como ficará mais claro ao longo do artigo, mais importante do que apontar as discordâncias é identificar de um terreno que permite essa disputa. Seria possível, dessa maneira, fazer uma analogia com o que Foucault chama de veridicção, ou seja, “as formas pelas quais se articulam, sobre um campo de coisas, discursos capazes de serem ditos verdadeiros ou falsos” (Foucault, 2006Foucault, Michel. Ditos e escritos, v. V. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006., p. 235).

Desse modo, para a análise da “ordem do dia”, serão levados em consideração tanto os passos para elaborar a versão inicial do documento - o uso de recursos presentes no jogo participativo contemporâneo, como o diagnóstico realizado por consultores, a escuta de especialistas vinculados ao campo em questão e a consulta à sociedade civil organizada - quanto sua análise posterior e sugestões dos setores de ciências sociais, educação e comunicação da Unesco. Ao mesmo tempo, pretende-se enfatizar os processos em que são construídos os grandes documentos, como os relatórios e as resoluções das Conferências Gerais. Nesse contexto, é necessário considerar as disputas em torno de processos de significação, entrevendo sua inscrição política como saberes e práticas de poder específicos. Pretende-se ainda mostrar como instituições paraestatais tendem a reproduzir mecanismos da administração pública em processos de formação de Estado.3 3 Ver, acerca de processos de formação de Estado, Elias (2006) e Souza Lima (1995).

De saída, é preciso mencionar a centralidade que o tema das “políticas culturais” tomou no escopo da Unesco, especialmente a partir dos anos 1960. Nota-se, desde então, uma preocupação de articular o tópico do desenvolvimento à questão cultural. Isso ocorreu especialmente na gestão René Maheu (1962-74), mas é um processo que teve continuidade com seu sucessor, Amadou-Mahtar M’Bow (1974-87). Um dos marcos desse processo seria a Déclaration sur les droits culturels en tant que droits de l’homme, de 1970_______. Déclaration sur les droits culturels en tant que droits de l’homme. Paris, 1970., que constrói uma isonomia entre o trabalho mais geral da onu e aquele realizado pela Unesco, a partir da garantia de direitos. Ou seja, pressupõe-se a existência de direitos culturais, e sua defesa é sustentada em uma gramática ampliada dos direitos humanos.4 4 Sobre esse ponto, ver também o adendo sobre direitos culturais na International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights (Unesco, 1969, p. 21).

Ao mesmo tempo, conforme indica Maurel, há uma clara intenção da Unesco de coordenar e ampliar as políticas culturais em seus diversos Estados-membros:

Nas décadas de 1960 e 1970, a Unesco fez esforços crescentes para promover a “cooperação cultural internacional”; essa ação envolve a publicação de estudos sobre políticas culturais e a cooperação cultural, a adoção da “Declaração dos Princípios da Cooperação Cultural Internacional” (1967) e a organização de conferências. Três delas em particular são lembradas por sua importância. A mesa redonda sobre política cultural, realizada em Mônaco em dezembro de 1967, que reúne intelectuais de vinte países, reflete em particular sobre as novas possibilidades de democratização da cultura através de meios de comunicação de massa e recomenda que a Unesco “fortaleça sua ação como centro internacional da cultura” e “sua vocação como local de encontro de criadores, organizadores e público”. A “conferência intergovernamental sobre os aspectos institucionais, administrativos e financeiros das políticas culturais”, organizada em Veneza entre agosto e setembro de 1970, e a primeira “conferência de ministros europeus sobre políticas culturais”, realizada em Helsinque em junho de 1972, são esforços de trabalho nesse sentido. (Maurel, 2006Maurel, Chloé. L’Unesco de 1945 a 1974. Tese (doutorado em história). Paris, Université Panthéon-Sorbonne - Paris I, 2006., pp. 759-60; tradução minha)

Há um esforço, portanto, para articular uma definição efetiva de “políticas culturais”, já que o campo era considerado inovador para a época, por estabelecer uma estrutura de ação que envolvia tanto a definição de projetos mais diretamente como também, e em consequência, um escopo de ação; um universo de coisas que poderiam ser mobilizadas conjuntamente a partir de uma ideia de política cultural. É para este último processo, então, que seriam mais diretamente necessários o estabelecimento e a pactuação de um conceito de cultura.

Feitas essas considerações sobre a Unesco e as políticas culturais, passo à “ordem do dia” e à Mondiacult mais diretamente.

A PREPARAÇÃO PARA A MONDIACULT

Uma das metas acordadas na Conferência Geral de 1978 foi a preparação para a segunda conferência mundial acerca das políticas culturais (a primeira foi realizada em Veneza em 1970). Essa meta é apresentada na resolução com base no reconhecimento de que os “valores culturais têm um papel excepcional para o desenvolvimento de todas as nações e são fundamentais para a cooperação internacional” (Unesco, 1978_______. Medium Term Plan. Paris, 1978., p. 83). Ela reconhece, a partir disso, que as atividades para a preservação e o desenvolvimento de valores culturais são úteis a todas as sociedades e fundamentais para o estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional. Aponta, também, o interesse internacional acerca das políticas culturais e das ações que pudessem fomentar o desenvolvimento a partir dos valores culturais. Culmina sugerindo que se incluísse um objetivo especial no Medium Term Plan chamado “Preservation and further development of cultural values” e que se produzisse uma publicação com a documentação detalhada dos debates apresentados na Mondiacult.

Essa apresentação indica alguns claros pressupostos, por um lado, e obscurece certas questões, por outro. O ponto de partida das políticas culturais, assim, seria um reconhecimento de base de que valores culturais teriam impacto no desenvolvimento e na cooperação entre nações. É interessante notar aqui como não há um aclaramento do que seriam valores culturais; se é bem verdade que não haveria como esgotar esse ponto em uma resolução curta, seria possível, caso fosse assim desejado, estabelecer ao menos alguns parâmetros.

Essa é uma questão interessante porque apresenta um deslocamento. A ideia de valores culturais aqui utilizada poderia ser facilmente substituída nos primeiros anos de atuação da Unesco pelas belas-artes e pelo patrimônio cultural. Nesse sentido, há um descolamento do escopo, que passa a comportar mais sistematicamente uma noção ampliada de cultura. Para além do patrimônio e das linguagens artísticas, de um lado ela conteria o que se poderia compreender como cultura popular ou folclore, mas de outro também a indústria cultural (e este último ponto é um dos fatores nodais, já que passava por regulamentação da produção cultural, que culminaria com a retirada dos Estados Unidos e do Reino Unido da Unesco na primeira metade dos anos 1980).5 5 Um bom apanhado desse debate pode ser encontrado em Regourd (2002).

No entanto, há uma indicação direta da elaboração de uma nova ordem econômica. É importante levar em conta, pois, o contexto sociopolítico internacional, marcado por uma oposição - nem sempre polar - entre capitalismo e socialismo, EUA e URSS, (neo)liberalismo econômico e uma estatização mais direta da economia. Trata-se de um momento, assim, em que essas questões se apresentavam também na Unesco como um campo de disputa, especialmente com a descolonização africana e asiática, que trouxe novos Estados-membros.

Ainda sobre esse aspecto - e aqui é o que me parece ser central, se pensarmos em termos da produção de uma discussão legítima, de um campo de possibilidades estratégicas ou de um processo de veridicção -, há uma clara tentativa de econometrização do debate acerca da cultura. Não por acaso, parte significativa dos esforços em torno das políticas culturais foi sua inserção em um processo de planificação que pudesse explorar economicamente seu potencial produtivo. Um dos registros interessantes nesse sentido é a publicação Pour une methodologie de planification culturelle, de 1974_______. Pour une Methodologie de Planification Culturelle. Paris, 1974..

Examinando as trocas de documentação entre os setores, especialmente a partir da gestão de Richard Hoggart como diretor-geral assistente para ciências sociais, ciências humanas e cultura (1970-75), esse ponto é defendido como um aporte de legitimidade para o trabalho feito a partir da cultura. É como se sua inserção em um processo econômico garantisse seu reconhecimento como um campo importante para atuação política e estatal.

Um cenário de escassez é sempre enfatizado nesse plano. Adella Kay, assessora do departamento cultural, em carta de 7 de outubro de 1970 dirigida ao diretor-adjunto da Casa de Cultura de Namur, Bélgica, lamenta a não existência de uma compilação completa dos indicadores da cultura para a Europa. No mesmo ano, a seção de políticas culturais, ainda recente, conforme carta de seu chefe nesse período, Fedor Ballo, procurava junto ao Collège de France um autor que colaborasse como especialista no tema das “estatísticas da cultura”. O próprio Hoggart, em carta de 7 de outubro de 1970, pergunta a A. Saydou, então diretor-assistente para cultura, o que seria a Divisão de Estatísticas de Comunicação e Cultura, e sugere que o trabalho da área cultural deveria se aproximar “intensamente” desse setor, especialmente depois da conferência de Veneza.

Fedor Ballo explica em memorando de 5 de junho de 1970, endereçado a E. Fulchignoni, então chefe da Divisão para Avanço Cultural da Comunidade, que o programa de política cultural (cultural policy) seria desenvolvido a partir de duas linhas principais: 1) a intensificação de estudos econômicos e sociológicos para prover dados que possibilitariam aos Estados-membros planejar melhor suas políticas, adaptando-as às condições locais; 2) levar a cabo projetos operacionais em alguns Estados-membros.6 6 Cabe, aqui, observar a composição do secretariado da Unesco à época ocupado com as questões culturais. Adella Kay foi uma importante articuladora, em um sentido mais técnico, do setor de desenvolvimento cultural, tendo trabalhado também no setor de artes criativas e letras. Sua atuação cotidiana é de enorme relevância a partir da consulta ao Arquivo da Unesco. Ela teve participação em várias das conferências setoriais de políticas culturais ocorridas entre finais dos anos 1960 e 1970. Fedor Ballo, eslovaco, também esteve ligado de modo direto à sedimentação do setor de políticas culturais da Organização. Amadou Saydou, nigeriano com formação em filosofia pela Sorbonne e trabalhos importantes acerca de uma filosofia africana, chefiou o departamento de cultura entre 1967 e 1974. Enrico Fulchignoni teve atuação expressiva no audiovisual, especialmente no campo do cinema etnográfico; foi chefe do setor de filmes culturais e tv da Unesco e professor da Sorbonne. Richard Hoggart, enfim, foi um dos expoentes dos estudos culturais, sendo um dos fundadores do Centro de Estudos Culturais da Universidade de Birmingham. Tem obra vasta, destacando-se o trabalho em torno da cultura popular britânica e do letramento.

É nesse cenário que a realização de uma grande conferência sobre políticas culturais deve ser pensada. O processo preparatório para a Mondiacult esteve inserido no tema das “políticas culturais” no Program and Budget para essa mesma Conferência Geral. Os resultados esperados para o tema eram os seguintes:

promoção de reflexões da comunidade internacional acerca do desenvolvimento cultural, das políticas culturais e dos problemas específicos dos grupos menos privilegiados; contribuição para a elaboração de estratégias mais coerentes para o desenvolvimento cultural integrado e para a definição e implementação de políticas culturais nacionais; aumento da participação na vida cultural através de programas de atividades culturais endógenas; estabelecimento ou fortalecimento de mecanismos regionais de cooperação cultural e estímulo às relações interculturais. (Unesco, 1979a_______. Approved Programme and Budget for 1979-1980, 20th General Conference (1978). Paris, 1979a., p. 402; tradução minha)

A preparação para a Mondiacult contava com us$ 577.900 para sua efetivação e estaria dividida em duas frentes. A primeira se ocuparia da “avaliação dos resultados das conferências regionais sobre políticas culturais”, compilando os resultados de ações nos campos do desenvolvimento cultural, das políticas culturais e da cooperação cultural entre 1970 e 1980. Ao mesmo tempo, pretendia-se avaliar a implementação das recomendações da Conferência sobre políticas culturais na Europa (realizada em Helsinki, em 1972) e também produzir uma análise comparativa de experiências de diferentes contextos territoriais, a fim de encontrar elementos comuns nas políticas culturais efetivadas nos diversos níveis nacionais. Essa compilação serviria de base para a “preparação intelectual” da conferência mundial sobre políticas culturais. Indica-se, por fim, a realização de um painel ad hoc de especialistas que se reuniriam em 1979 para discutir essas questões conforme a pesquisa realizada. Para isso, havia um orçamento previsto de us$ 37.300.

Já a segunda frente, com a meta mais específica de “Preparação para Conferência Mundial sobre Políticas Culturais”, propõe que, a partir das sugestões do painel de especialistas, fosse feita uma consulta a administradores do campo cultural, representantes das letras e das artes, e grupos não governamentais envolvidos em atividades culturais.

Ainda nessa meta, definem-se os objetivos principais da Conferência:

  1. Esclarecer ideias relacionadas ao desenvolvimento cultural e às políticas culturais;

  2. Estabelecer novas diretrizes em torno de objetivos, atividades e métodos para a preparação de estratégias para a próxima década de desenvolvimento cultural, relacionando-as à busca de uma nova ordem econômica internacional;

  3. Fortalecer a cooperação internacional, particularmente no campo das relações internacionais. (Unesco, 1979a, p. 403; tradução minha)

A partir desses pontos, estudos de vários temas deveriam ser conduzidos para a construção da agenda provisória da Conferência. Uma publicação especial deveria ser preparada para a ocasião, assim como um produto multimídia mostrando os resultados do trabalho da Unesco no campo das políticas culturais até então.

A “ORDEM DO DIA” EM DISPUTA

O primeiro passo dado pelo secretariado7 7 Quando da elaboração dos documentos de base da Mondiacult, o secretariado da Unesco em torno da cultura tinha uma composição diversa. Seus membros, em ordem hierárquica, eram os seguintes: Makaminan Makagiansar, diretor-geral assistente para cultura e comunicação; Rodolfo Stavenhagen, diretor-geral assistente para ciências sociais; Gérard Bolla, vice-diretor-geral assistente para cultura e comunicação; Emmanuel Pouchpa Dass, diretor da divisão de estudos culturais; Albert Botbol, chefe da seção de políticas culturais; Maté Kovacs, especialista de programa, seção de políticas culturais; Marcelle Vallet, especialista de programa, seção de políticas culturais. para a preparação da Conferência foi a contratação de um consultor que elaborasse um documento-base para orientar as diversas reuniões e estratégias preparatórias. O profissional escolhido foi Claude Fabrizio, canadense especialista em políticas e desenvolvimento culturais, cujas pesquisas foram significativamente feitas sob chancela da Unesco.8 8 Ver, por exemplo, Fabrizio (1995).

O relatório gerado pela consultoria foi intitulado “Reflections on the Evolution of the Notion of Culture and of the Concepts Relating Cultural Development and Cultural Policies since 1970”. Na capa, aparece a habitual informação de que o trabalho foi escrito pelo consultor e que não necessariamente representa as visões da Unesco. Quando se olha o processo de troca de correspondências para contratação do consultor, assim como a avaliação das versões iniciais do texto pelo setor de políticas culturais, nota-se, contudo, procedimentos que acabam por orientar de maneira direta o produto final da consultoria. Isso se garante, para além das observações feitas pelo próprio comissariado, pela obrigação, prevista no Program and Budget, de condensar as recomendações das convenções anteriores acerca das políticas culturais.

O documento, como sugerido no título, tem foco nas noções de “cultura”, mas também apresenta questões em torno do “desenvolvimento cultural” e da “política cultural”. Isso seria feito com uma perspectiva prática, marcada por uma “reflexão para ação” (Fabrizio, 1980_______. “Reflections on the evolution of the notion of culture and of the concepts relating cultural development and cultural policies since 1970”. Unesco, CC-80/WS/57. Paris, 1980., p. 1). Para tanto, seria necessário examinar a maneira como a ideia de cultura teria sido pensada ao longo dos anos 1970, mas dando ao

estudo um caráter claramente prospectivo. […] Nossa análise deverá trazer à luz o “núcleo comum” do pensamento internacional sobre problemas de cultura, desenvolvimento cultural e políticas culturais. Mas também teremos que considerar em que medida o reconhecimento e a evolução dos conceitos em nível internacional foram traduzidos em termos estruturais, políticos e práticos em nível nacional. (Idem, ibidem; tradução minha)

Fabrizio identifica um interesse novo na definição de cultura a partir dos anos 1960, que ele atribui ao surgimento mais sistemático de políticas que afetam particularmente a situação cultural. Nesse cenário, salienta que um processo de definição do conceito de cultura poderia atuar como guideline para a construção de políticas desse tipo. No plano da definição, em continuidade, faz uma afirmação interessante sobre a maneira como o termo vinha sendo empregado desde a Conferência de Veneza em 1970:

As considerações adicionais dadas a essa questão desde Veneza por várias conferências intergovernamentais mostram claramente que agora existe unanimidade a favor de uma definição socioantropológica de cultura em oposição a qualquer abordagem estética, que é rejeitada por seu caráter elitista e por ser muito específica para permitir que se adapte a todos os tipos de culturas e descreva o todo existencial; ou seja, características concretas que realmente compõem uma cultura. (Fabrizio, 1980_______. “Reflections on the evolution of the notion of culture and of the concepts relating cultural development and cultural policies since 1970”. Unesco, CC-80/WS/57. Paris, 1980., p. 4; grifos e tradução meus)

Assim, a cultura seria compreendida como uma soma total das características distintivas - materiais, intelectuais ou espirituais - de certo grupo social ou sociedade. E seria a partir dessa definição englobante - que compreende modos de vida e produção, sistemas de valores, crenças e opiniões - que os problemas operacionais das políticas culturais deveriam ser questionados. Levam-se em conta, assim, as diferentes inter-relações colocadas pela cultura, evidenciando sua complexidade, sendo necessário, segundo Fabrizio, o uso de soluções criativas no trabalho com políticas desse tipo, sem que houvesse uma presunção de suficiência de recursos meramente “técnicos”.

Entretanto, os motivos que fazem com que certa definição socioantropológica de cultura seja adotada em vez de outra de caráter estético são muito relevantes. Uma interpretação possível é a necessidade de encontrar uma definição suficientemente ampla que desse conta das diversas características culturais dos diferentes países-membros. Em um contexto em que são observadas realidades econômicas, sociais e culturais muito díspares, a definição se torna suficientemente inclusiva. Os antropólogos, como profissionais aptos a lidar com a diferença, no entanto, se apresentam como os especialistas em cultura capazes de relatar de maneira satisfatória esses panoramas culturais diversos. É uma maneira, assim, de descrever de modo pretensamente não hierárquico as diferenças de desenvolvimento - para usar um parâmetro da própria Unesco.

É nesse cenário que Fabrizio sustenta, portanto, que uma perspectiva complexificadora é a única possibilidade para o desenvolvimento da cultura. Não há, contudo, uma mediação efetiva entre uma concepção antropológica de cultura e sua possibilidade de fomento. Partindo de uma discussão sobre distinções entre folclore, cultura de massa e de elite, e também das interfaces da cultura com a educação, comunicação, desenvolvimento, meio ambiente, ciência, tecnologia e economia - parte dos outros campos de atuação da Unesco, é importante destacar -, o autor chega a um item especificamente dedicado à ideia de desenvolvimento cultural.

De início, é reconhecida a dubiedade no termo. De um lado, a ideia de desenvolvimento cultural poderia estar relacionada ao incremento das atividades culturais e da vida cultural; de outro, poderia ser pensada como a atitude de levar em conta as questões culturais em todos os programas de desenvolvimento. Sem especificar em que lado desses polos, estabelecidos por ele próprio, estaria, Fabrizio oferece duas definições claras:

O desenvolvimento cultural é a promoção contínua de todos os fatores técnicos, econômicos ou sociais capazes de elevar significativamente o nível da vida cultural da população […]. Nessas bases, é possível e desejável definir com precisão os objetivos de uma estratégia de desenvolvimento cultural e deduzir suas formas e meios, levando em consideração as necessidades e aspirações dos vários elementos da população, expressos por ela mesma, e também, naturalmente, as restrições de todos os tipos que fazem com que seja necessário fixar prioridades e arbitrar entre interesses conflitantes. (Fabrizio, 1980_______. “Reflections on the evolution of the notion of culture and of the concepts relating cultural development and cultural policies since 1970”. Unesco, CC-80/WS/57. Paris, 1980., pp. 9-10; tradução minha)

Nessa primeira definição, seria necessário levar em conta o fato de que o Homem “é o sujeito e o objeto do desenvolvimento, que não pode ser total nem legítimo sem a dimensão cultural. A cultura deve, portanto, ocupar um lugar central no processo endógeno de desenvolvimento integral” (idem, ibidem; tradução minha).

Uma definição final é dada a partir dessa argumentação:

O desenvolvimento cultural pode ser definido como a soma dos meios pelos quais uma comunidade procura sistematizar seus esforços para interpretar seu passado, organizar seu presente e planejar seu futuro. Em outras palavras, qualquer visão não dinâmica do desenvolvimento cultural, que não o considere um fator de transformação da estrutura econômica e social, está fadada ao fracasso. (Idem, p. 10; tradução minha)

Nota-se, assim, uma articulação da ideia de desenvolvimento cultural a partir de um melhor suprimento das necessidades culturais de certa população. E, a partir dessa definição, caberia às políticas culturais estabelecer os caminhos para a consecução de projetos de desenvolvimento cultural.

As definições expostas até aqui a partir do texto de Fabrizio dão pistas do léxico que baseia a disputa em torno das políticas culturais no âmbito da Unesco - que pode ser vista de forma amplamente desigual entre seus países-membros. De qualquer modo, quando se analisam, como citado, as trocas de documentação, vê-se que esses conceitos são estabelecidos conforme critérios definidos também pelo comissariado da própria Unesco. Os termos, portanto, não são apenas do consultor, mas de coautoria e chancelados pela Organização.

Dando continuidade ao processo de preparação para a Mondiacult e, consequentemente, de definição da “ordem do dia”, foram realizadas entre os anos 1980 e 1981 mais de trinta consultas para a realização da Conferência Mundial de 1982, muitas delas tendo como base o documento escrito por Fabrizio. Trata-se de eventos de ordens distintas, sendo que a maioria deles não tinha a Conferência em si como temática central. Parece-me, assim, se tratar de oportunidades em que, mais do que consultas efetivas, são realizados “informes” sobre a proximidade da reunião e um levantamento mais geral de temas. Esse argumento é amparado, por exemplo, na ausência de registros detalhados sobre essas reuniões no arquivo da instituição em Paris. Exceções, contudo, denotam suas importâncias: duas consultas a intelectuais/especialistas, outra à sociedade civil, e, enfim, uma consulta interna a setores afins na própria Unesco. É o caso, assim, de detalhar essas três esferas consultivas.

A primeira consulta a especialistas foi feita em dezembro de 1980 e contou com dezesseis indivíduos de diferentes países, incluindo o brasileiro Aloisio Magalhães, então presidente da Fundação Pró-Memória. Nessa oportunidade, os diretores para cultura e ciências sociais discursaram e, a partir do trabalho apresentado pelos consultores, fizeram observações gerais que ancoravam a definição dos principais problemas e das principais perspectivas para a Conferência.

Nesse contexto, foram debatidas metodologias para avaliação tanto dos resultados das conferências promovidas pela Unesco como das ações dos diferentes Estados para políticas culturais. Dada a dificuldade de acessar resultados, ficou estabelecida a necessidade de uma metodologia plural, amparada em uma concepção de cultura que não fosse hierarquizante.

Ao mesmo tempo, havia uma preocupação com o avanço dos processos de desenvolvimentos multinacionais, que deveriam ser respondidos com estratégias endógenas de cada Estado para lidar com a questão em seus respectivos territórios. Para isso, seria necessária a adoção de uma concepção ampla de cultura, que incluiria diferentes grupos e seus modos de vida, em vez de uma ideia elitista baseada nas artes e nas letras. Com essa perspectiva - segundo os especialistas ouvidos e cujas falas foram documentadas no relatório final do encontro - seria possível tomar a cultura como parte integral de qualquer processo de desenvolvimento. Os programas de ações e políticas culturais estatais deveriam, portanto, ter como objetivo primeiro possibilitar condições para que indivíduos e grupos efetivassem seus direitos culturais, em processo análogo ao estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A segunda consulta, realizada entre 22 e 25 de junho de 1981, contou também com dezesseis especialistas; todos diferentes com a exceção de Aloisio Magalhães, o único a participar de ambas as reuniões. Dessa vez, nota-se uma discussão mais ampla por parte dos especialistas, ao passo que na primeira consulta uma ratificação do trabalho apresentado pelo consultor foi o mais evidente. De qualquer modo, foi mantida uma visão para cultura que engloba os modos de vida e rechaça um foco nas belas-artes. Gostaria de destacar, contudo, um apontamento final apresentado no relatório: o destacado pessimismo com relação aos resultados efetivos das políticas culturais. Os especialistas advogam, assim, pelo reconhecimento da cultura como algo vivo, que permeia todas as atividades humanas. E, para que ela fosse fomentada, as políticas culturais deveriam ser planejadas tendo ligações reais com o desenvolvimento econômico e social como um todo.

Partindo para a consulta à sociedade civil, realizada entre 22 e 24 de setembro de 1981, foram convidadas 51 organizações, das quais apenas 21 enviaram representantes. Ao contrário da consulta a especialistas, não houve financiamento da Unesco para participação. De modo geral, houve uma preocupação menor no estabelecimento de conceitos e um centramento nas atividades artísticas. Foi ratificada uma ideia antropológica de cultura no relatório final do encontro, mesmo que as organizações participantes tivessem, em sua maioria, escopo de atuação voltado diretamente para as artes.

Assim, foi discutido o papel dos artistas e artesãos nas sociedades, bem como sua situação diante das novas tecnologias - apresentadas inicialmente como dificuldade a partir das indústrias culturais de massa, mas também vistas como potencialidades na criação audiovisual, por exemplo. Discutiu-se, ainda, a questão patrimonial a partir de um viés ampliado, de modo que práticas imateriais também fossem consideradas. Por fim, afirmou-se que, para haver uma democracia cultural, seria necessário que as formas de ação cultural levassem em conta as aspirações e necessidades específicas dos diferentes grupos culturais em sua diversidade, estimulando e preservando a criatividade de indivíduos e comunidades.

Na consulta a outros setores da Unesco, enfim, foram realizadas reuniões específicas para discussão da “ordem do dia” e do documento de base. Os setores participantes, depois desses encontros, enviaram textos de formatos bastante dessemelhantes. De modo geral, pode-se dizer que as áreas de comunicação, educação, ciências e ciências sociais trabalharam para se integrar a propostas de política cultural. Nesse sentido, nota-se um esforço enunciativo de incluir os escopos de trabalho desses setores da Unesco entre propostas de política cultural. Esse ponto fica claro na citação a seguir, na abertura do texto que consolida as contribuições do setor de educação para a “ordem do dia anotada”:

A necessidade de uma interação mais profunda entre educação e cultura é universalmente reconhecida, e não é objetada em princípio. São cada vez mais numerosas as conferências internacionais ou regionais, de funcionários responsáveis ou especialistas tanto em educação como em cultura, que pedem uma reaproximação ou até recomendam a integração completa dessas duas esferas. (Unesco, CLT/CD/131/15.8, caixa 326, pasta 008 A 10/53/06 “82” 171b; tradução minha)

É importante salientar, aqui, exatamente esse esforço como uma tentativa de fazer com que pautas próprias estivessem incluídas em um dos eventos mais importantes da organização naquele ano. É necessário levar em conta que se trata de uma conferência com orçamento de us$ 750 mil e que movimentou quase todos os Estados-membros. É útil, desse modo, que “tudo” seja política cultural. Essa postura, contudo, não é permanente, mas, sim, uma negociação; em outros momentos o movimento seria exatamente o contrário: políticas educacionais ou científicas deveriam ser tratadas individualmente. Nesse cenário, a inclusão ou não no escopo das políticas culturais é um recurso. Essa maleabilidade é necessária; no entanto, ela só é possível porque a própria ideia de políticas culturais é definida fluidamente, assim como as noções que gravitam em torno dela.

Analisando o processo de consulta, é importante salientar que as diversas contribuições feitas pelos participantes têm pouco impacto no documento final que se tornou a “ordem do dia” da Mondiacult. O trabalho dos especialistas, em primeiro lugar, acaba por chancelar o que já havia sido preparado pela consultoria inicialmente. Isso significa, naturalmente, um compartilhamento de certos valores e certas perspectivas analíticas. Mas faz surgir também uma linha interpretativa: é possível considerar o processo de consulta como um recurso legitimador para as propostas da própria Unesco. Assim, essa é uma etapa necessária para que o planejamento da Conferência tenha uma característica menos hierárquica, que poderia transparecer caso o documento base fosse escrito apenas pela Organização.

Há, contudo, alguns pontos que dão coerência a esse processo, ou seja, que fazem com que a consulta às diversas instâncias e o próprio trabalho da Unesco para políticas culturais consigam ser articulados. Isso se dá, como já delineado, no compartilhamento de um léxico.

No plano semântico, partindo para esse léxico de modo mais direto, me parece evidente que as ideias de políticas culturais e de cultura estão intimamente associadas e são basais. Nesse sentido, há uma clara pujança desses termos ao longo do período estudado - e diria que também posteriormente, vide o último grande documento da Unesco sobre cultura, Re-shapping Cultural Policies (Unesco, 2016_______. Re-shapping Cultural Policies. Paris, 2016.).

O que me parece mais importante, no entanto, é a maneira como as ideias de políticas culturais e de cultura são amplas e, exatamente por serem basais, permitem deslocamentos semânticos, com o surgimento de novas noções e novas centralidades. Isso não quer dizer que as noções anteriores sejam apagadas, mas a própria definição de “centralidades” semanticamente ancoradas é o que possibilita um trabalho de “conjunto” de planejamento.

Também aqui reside a pertinência de uma ideia antropológica de cultura, que é capaz de englobar inúmeros aspectos da vida de modo geral e, exatamente por isso, tem a possibilidade de ser manipulada de acordo com a necessidade momentânea. Esse trabalho, porém, só é possível porque a ideia de cultura tem fluidez e se torna um recurso a ser utilizado pelos diversos agentes e agências que estão em jogo (e jogando) no campo das políticas culturais.

ANTROPOLOGIAS, CULTURAS E PRÁTICAS DE GOVERNO

Nesse cenário, é oportuno estabelecer, mesmo que de modo parcial, algumas condições de possibilidade para a migração da ideia antropológica de cultura, um conceito heurístico, para um universo de planejamento. Uma explicação simples poderia supor que as participações de indivíduos do secretariado da Unesco teriam sido as principais determinantes para essa transmutação. Os nomes de Richard Hoggart (1957Hoggart, Richard. The Uses of Literacy: Aspects of Working-Class Life, with Special Reference to Publications and Entertainments. Londres: Chatto and Windus, 1957. ), com sua ideia de cultura popular inclusiva, não hierarquizada, ou de Rodolfo Stavenhagen (2001Stavenhagen, Rodolfo. “Derechos culturales: el punto de vista de las ciencias sociales”. In: Niec, Halina (dir.). ¿A Favor o en contra de los derechos culturales?. Paris: Unesco , 2001.), cuja atuação intelectual foi tão significativa quanto sua afirmação prática da cultura como direito, emergiriam diretamente.

Sem perder de vista a importância de agenciamentos individuais, esse processo pode ser analisado de maneira mais complexa, a partir de duas perspectivas complementares. De um lado, há uma dimensão epistemológica, em que o conceito antropológico de cultura se espraia para outras posturas analíticas - e advogo que isso ocorre pela necessidade de elaborar a diferença de uma nova maneira a partir do pós-guerra. De outro, há uma dimensão institucional, que considera o fato de que a própria antropologia se institucionaliza como disciplina a partir do contato com processos de formação de Estado.

No esteio da Segunda Guerra Mundial, uma série de elaborações em torno da cultura passam a ser efetivadas. O mundo vivia os efeitos do nazifascismo de modo contundente, e elaborações acerca das diferenças na esteira de um discurso de paz mostravam-se imperativas. Notas para definição de cultura, escrito por T. S. Eliot em 1949, é um ensaio emblemático nesse sentido. Nele, é notável a maneira como o conceito antropológico de cultura é retomado como referência inicial. Assim, Eliot desvencilha-se da conhecida noção de sir Edward Tylor de 1871Tylor, Edward. Primitive Culture, v. 1. Londres: John Murray, 1871. 9 9 Considerada fundadora — ao menos para boa parte da historiografia da noção de cultura em antropologia -, a definição é feita nos seguintes termos: “Cultura ou Civilização, considerada em seu amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes, e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem em sua experiência como membro da sociedade” (Tylor, 1871, p. 1; tradução minha). por lidar com sociedades primitivas e diz ser necessário uma passagem à sociologia. Esse movimento, porém, se mostra frágil, já que a teoria cultural eliotiana deveria ser encontrada “no padrão da sociedade como um todo” (2011, p. 26). De qualquer modo, e é esse o ponto a ser destacado aqui, atravessa o trabalho de Eliot uma preocupação com a Guerra e seus horrores como declínio civilizacional. Era nesse sentido que se apresentava como capital definir de modo direto a noção de cultura.

Mesmo na teoria antropológica, no entanto, é nessa quadra histórica em que o interesse pela ideia de cultura é retomado. No emblemático ensaio de Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn, Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions, de 1952, esse ponto é destacado. O interesse antropológico pela cultura, assim, teria ficado adormecido desde a definição de Tylor até as primeiras décadas do século XX. De qualquer modo, é notável a maneira como os autores trabalham para sedimentar a prática antropológica em torno do conceito; fazem isso, contudo, mobilizando também noções elaboradas a partir de outras perspectivas disciplinares. Se esse aspecto, por um lado, pode ser lido como consonante à necessidade mesma de institucionalização da disciplina, por outro, no entanto, evidencia uma disponibilidade de construção da ideia antropológica a partir de um contraponto interessado - e não excludente - de outras noções. Esse é um movimento que garante abrangência para a formatação de uma noção de cultura antropológica, ao mesmo tempo que são agrupadas a partir de um interesse pela diferença: “A Bíblia, Homero, Hipócrates, Heródoto, estudiosos chineses da dinastia Han - para tomar apenas alguns dos exemplos mais óbvios - mostraram interesse nos distintos modos de vida de povos diferentes” (Kroeber; Kluckhohn, 1952Kroeber, Alfred & Kluckhohn, Clyde. Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions. Cambridge, Massachusetts: The Museum, 1952., p. 3; tradução minha).

Em ambas as elaborações apresentadas, portanto, vê-se um processo conceitual no qual a antropologia é colocada em contato com outras construções analíticas. Esse movimento é condição de possibilidade, desse modo, para que pudessem surgir perspectivas para a cultura dita antropológica sem que o horizonte fosse necessariamente a realização de um trabalho etnográfico.

Ao mesmo tempo, essa dimensão epistemológica não pode ser lida sem levarmos em conta os arranjos institucionais que ocorreram simultaneamente. Seria complexo avaliar se primeiro ocorreram as construções institucionais ou se foram exatamente as elaborações que justificaram e permitiram os arranjos institucionais. Considero esses processos mutuamente informados; separo-os aqui apenas com fins metodológicos. A dimensão institucional, assim, ajuda a compreender a maneira como a antropologia esteve envolvida em contextos estatais e paraestatais - sendo a questão colonial um dos aspectos mais relevantes nesse ponto.

O antropólogo saudita Talal Asad, ao fazer um balanço para o livro Colonial Situations - editado por George W. Stocking Jr. em 1991 -, afirma que a antropologia teve pouca importância para o colonialismo. Segundo o autor, o conhecimento antropológico seria de caráter um tanto esotérico para que servisse efetivamente como base de atuação à maior parte das empreitadas coloniais. Além disso, tinha de concorrer com outros relatos muitas vezes mais acessíveis, como os produzidos por viajantes e missionários.

No entanto, Asad lança o argumento - que propositalmente trabalha pouco, já que não seria adequado ao texto que escrevia - de que o colonialismo, sim, teria servido à antropologia como disciplina acadêmica:

O processo do poder global europeu tem sido central na tarefa antropológica de registrar e analisar os modos de vida das populações subjugadas, mesmo quando uma consideração séria desse poder foi excluída teoricamente. Não se trata apenas de que o trabalho de campo antropológico tenha sido facilitado pelo poder colonial europeu (embora esse ponto bem conhecido mereça ser pensado em outros termos para além dos moralistas); trata-se do poder europeu em si, como discurso e prática, e da maneira como eles procuravam compreendê-lo. (Asad, 1991Asad, Talal. “Post Scriptum”. In: George W. Stocking, Jr. (org.). Colonial Situations: Essays on the Contextualization of Ethnographic Knowledge. Madison: University of Wisconsin Press, 1991., p. 315; tradução minha)

Se concordo com Asad que a antropologia disciplinar teve pouco ou nenhum impacto no colonialismo, mas que este, sim, teve importância para afirmação da antropologia em um sentido disciplinar, parece-me que é condição de possibilidade para isso a dimensão moralizante da empresa colonial. É nesse cenário que a antropologia floresce como uma espécie de reunião de registros de cultura, como prática museal e cumulativa, fazendo uma alusão ao já citado livro de Tylor de 1871Tylor, Edward. Primitive Culture, v. 1. Londres: John Murray, 1871.. É aí, na possibilidade de inventariar, registrar e depois transformar, que a ação estatal vê utilidade no trabalho antropológico.

Essa reflexão colabora para aludir à relação entre a institucionalização da antropologia e os processos de formação de Estado. Nesse sentido, seria possível consolidar o argumento de Asad, cabendo, ainda, uma interrogação sobre a possibilidade mesma da institucionalização da antropologia a partir de sua relação - mais ou menos explícita - com estratégias estatais de dominação - não apenas mas também em registros coloniais.

Nesse cenário, também seria possível citar a produção de Malinowski em torno da antropologia em confluência com práticas coloniais. Esse ponto pode ser visto em Uma teoria científica da cultura, de 1944, em que o autor advoga pela necessidade de o antropólogo se afirmar como uma espécie de mediador entre os nativos e as empresas coloniais. Mais do que apontar a pertinência desse argumento ou sua invalidade, essa proposta analítica colabora para a construção do antropólogo como um especialista em cultura em diálogo com o Estado.10 10 De L’Estoile (1994) examina esse ponto ao analisar o processo de administração racional colonial como proposto por Malinowski.

Também nos Estados Unidos esse processo de aproximação pode ser visto. É o caso da Escola de Cultura e Personalidade, fundada por Franz Boas, e sua participação no Office of War Information durante a Segunda Guerra Mundial. A investigação antropológica acerca de países e culturas envolvidos serviria de base para a atuação estatal nesses territórios.11 11 Goldman e Neiburg (2002) analisam essa questão em detalhes.

Essa dimensão institucional - que conforma a antropologia como saber científico útil - foi, portanto, condição de possibilidade para que houvesse uma associação entre a ideia antropológica de cultura e as estratégias de planejamento estatais e paraestatais. Ela ganha eficácia, contudo, a partir do interesse mais geral pela ideia antropológica de cultura no pós-guerra, conformando uma dimensão epistemológica para esse movimento. É nesse contexto, a partir das condições sedimentadas nesse processo, que a Unesco constrói sua atuação no campo das políticas culturais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No texto “Applied Anthropology in Government: United Nations”, parte da coletânea Anthropology Today, organizada por Alfred Kroeber em 1961, Alfred Métraux reconhece o impacto ainda incipiente da antropologia para a atuação da ONU, mas afirma que ela ainda teria uma enorme contribuição a dar. O principal eixo para isso seria o da “assistência técnica”, um esquema de ação da agência para levar aos “países economicamente atrasados o conhecimento técnico e os métodos que lhes permitirão elevar seu padrão de vida e ter sua participação no progresso dos países altamente industrializados” (Métraux, 1961Métraux, Alfred. “Applied Anthropology in Government: United Nations”. In: Kroeber, Alfred Louis (org.). Anthropology Today: An Ecyclopedic Inventory. Chicago: The University of Chicago Press, 1961, pp. 1.880-94., p. 1.880; tradução minha).

Os antropólogos seriam então os cientistas mais indicados para auxiliar a inserção desses processos de desenvolvimento em certas culturas:

Os especialistas envolvidos devem, obviamente, ter um conhecimento profundo da cultura dentro da qual o programa de assistência técnica está operando e também devem ser capazes de descrevê-la objetivamente, de modo a prever o efeito que as mudanças introduzidas terão sobre essa cultura como um todo. Os antropólogos são os cientistas mais adequados a cumprirem esses requisitos pelas características de sua formação. (Idem, p. 1.883; tradução minha)

Essas afirmações são feitas em um cenário em que, se o planejamento da atuação estatal levaria ao desenvolvimento, seria necessário também considerar as implicações desses processos para as práticas culturais tradicionais. Os antropólogos, assim, deveriam atuar como mediadores entre o avanço técnico - necessário - e os nativos e as culturas afetados por ele. Vê-se operando, aqui, uma confluência entre as perspectivas do desenvolvimento e a cultura.

Ao mesmo tempo, deve-se ter em vista novos processos de planejamento da administração pública, calcados em diagnósticos científicos, capazes de prever efeitos e metas. Esse ponto culmina com a formatação mesma da ideia de política pública nos anos 1950.12 12 Examinei essa questão em detalhe no capítulo 4 da minha tese de doutorado (ver Gonçalves Dias, 2014). A própria atuação da Unesco, portanto, passa a ser calcada pela feitura de diagnósticos e elaboração de planos de ação, versados como um vocabulário técnico também para questões culturais.

A partir desse processo, solidifica-se uma atuação da Unesco em torno das políticas culturais, tratando-as a partir do paradigma das políticas públicas. Elas são ancoradas, ainda, em uma ideia de cultura antropológica. Esse movimento tem seu ápice na Mondiacult, quando em 1982 os Estados-membros da Unesco se tornam efetivamente signatários dessas definições, que trazem compromissos com uma perspectiva direta para o trabalho no campo cultural.

A definição dessa perspectiva, porém, é feita anteriormente. Como visto, a elaboração do documento de base da Conferência permite entrever alguns dos movimentos de negociação em torno de um léxico fundamental que possibilitava os debates em torno das noções de cultura e desenvolvimento. A antropologia é mobilizada então como saber especializado em cultura - já acionado historicamente, como descrito, por outras ações estatais - exatamente porque estaria apta a tratá-la relativizando diferenças. É nesse registro que os parâmetros que estabeleceriam a atuação da Unesco no campo das políticas culturais operam uma ideia antropológica de cultura.

Ocorre, contudo, que essa noção nem sempre é definida. A transmutação da categoria heurística para o universo de planejamento de ações não leva consigo os debates em torno da ideia de cultura ocorridos na antropologia.13 13 Strathern (1995) observa essa mesma questão para um universo diferente. O interesse pela versão antropológica da cultura, assim, não está na pujança das disputas em torno do termo travadas no interior da disciplina.

Ao contrário, é a possibilidade de ser excessivamente plástico - que já era estabelecido, afinal, no todo complexo tyloriano - que se afirma como um recurso. A margem em torno da qual se podem estabelecer questões e um escopo de ação envolvendo quase todos os países do mundo - abrangência de atuação da Unesco - precisa, estrategicamente, ser ampla.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • _______. Resolutions of The 20th General Conference (1978). Paris, 1979b.
  • _______. Conférence mondiale sur les politiques culturelles: rapport final. Paris, 1982.
  • _______. Re-shapping Cultural Policies. Paris, 2016.
  • 1
    Há algumas perspectivas relativamente consolidadas em torno do trabalho etnográfico de instituições. O trabalho de Mary Douglas (2007Douglas, Mary. Como as instituições pensam. São Paulo: Edusp, 2007. [1986]) é referência fundamental nesse cenário, já que se interroga até que ponto o pensamento depende das instituições. Dorothy Smith (2005Smith, Dorothy. Institutional Ethnography: A Sociology for People. Toronto: Altamira Press, 2005.) certamente produziu um marco ao consolidar uma proposta metodológica, assim como Georgina Born e sua importante etnografia do IRCAM (Born, 1995Born, Georgina. Rationalizing Culture: IRCAM, Boulez, and the Institutionalization of the Musical Avant-Garde. Oakland: University of California Press, 1995.). Partindo desses trabalhos, gostaria de afirmar a possibilidade de observar as dinâmicas de poder que conformam práticas institucionais a partir de seus arquivos. A contribuição deste texto, assim, é seu caráter histórico.
  • 2
    Este artigo se baseia em pesquisa realizada no Arquivo Central da Unesco entre janeiro e agosto de 2016 em Paris. Durante esse período, estive ligado ao Centre Maurice Halbwachs (ENS/EHESS/CNRS) como pesquisador visitante. Fui supervisionado pelo professor Benoît de L’Estoile, a quem agradeço, e contei com financiamento da Fapesp.
  • 3
    Ver, acerca de processos de formação de Estado, Elias (2006Elias, Norbert. “Processos de formação de Estados e construção de nações”. In: Neiburg, Federico; Waizbort, Leopoldo (orgs.). Escritos & ensaios; 1: Estado, processo, opinião pública. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, pp. 153-65.) e Souza Lima (1995Souza Lima, Antonio Carlos de. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.).
  • 4
    Sobre esse ponto, ver também o adendo sobre direitos culturais na International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights (Unesco, 1969Unesco. International Convent on Economic, Social and Cultural Rights. Paris, 1969., p. 21).
  • 5
    Um bom apanhado desse debate pode ser encontrado em Regourd (2002Regourd, Serge. L’Exception culturelle. Paris: PUF, 2002.).
  • 6
    Cabe, aqui, observar a composição do secretariado da Unesco à época ocupado com as questões culturais. Adella Kay foi uma importante articuladora, em um sentido mais técnico, do setor de desenvolvimento cultural, tendo trabalhado também no setor de artes criativas e letras. Sua atuação cotidiana é de enorme relevância a partir da consulta ao Arquivo da Unesco. Ela teve participação em várias das conferências setoriais de políticas culturais ocorridas entre finais dos anos 1960 e 1970. Fedor Ballo, eslovaco, também esteve ligado de modo direto à sedimentação do setor de políticas culturais da Organização. Amadou Saydou, nigeriano com formação em filosofia pela Sorbonne e trabalhos importantes acerca de uma filosofia africana, chefiou o departamento de cultura entre 1967 e 1974. Enrico Fulchignoni teve atuação expressiva no audiovisual, especialmente no campo do cinema etnográfico; foi chefe do setor de filmes culturais e tv da Unesco e professor da Sorbonne. Richard Hoggart, enfim, foi um dos expoentes dos estudos culturais, sendo um dos fundadores do Centro de Estudos Culturais da Universidade de Birmingham. Tem obra vasta, destacando-se o trabalho em torno da cultura popular britânica e do letramento.
  • 7
    Quando da elaboração dos documentos de base da Mondiacult, o secretariado da Unesco em torno da cultura tinha uma composição diversa. Seus membros, em ordem hierárquica, eram os seguintes: Makaminan Makagiansar, diretor-geral assistente para cultura e comunicação; Rodolfo Stavenhagen, diretor-geral assistente para ciências sociais; Gérard Bolla, vice-diretor-geral assistente para cultura e comunicação; Emmanuel Pouchpa Dass, diretor da divisão de estudos culturais; Albert Botbol, chefe da seção de políticas culturais; Maté Kovacs, especialista de programa, seção de políticas culturais; Marcelle Vallet, especialista de programa, seção de políticas culturais.
  • 8
    Ver, por exemplo, Fabrizio (1995Fabrizio, Claude (org.). La Dimension culturelle du développement, vers une approche pratique. Paris: Éditions Unesco, 1995.).
  • 9
    Considerada fundadora — ao menos para boa parte da historiografia da noção de cultura em antropologia -, a definição é feita nos seguintes termos: “Cultura ou Civilização, considerada em seu amplo sentido etnográfico, é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes, e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem em sua experiência como membro da sociedade” (Tylor, 1871Tylor, Edward. Primitive Culture, v. 1. Londres: John Murray, 1871., p. 1; tradução minha).
  • 10
    De L’Estoile (1994De l’Estoile, Benoît. “L’Anthropologue face au monde moderne. Malinowski et ‘la rationalisation de l’anthropologie et de l’administration’”. Genèses, n. 17, 1994, pp. 140-63.) examina esse ponto ao analisar o processo de administração racional colonial como proposto por Malinowski.
  • 11
    Goldman e Neiburg (2002Goldman, Marcio; Neiburg, Federico. “Da nação ao império: a guerra e os estudos do caráter nacional”. In: De L’Estoile, Benoît; Neiburg, Federico; Sigaud, Lygia (orgs.). Antropologia, impérios e estados nacionais. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Faperj, 2002, pp. 187-217.) analisam essa questão em detalhes.
  • 12
    Examinei essa questão em detalhe no capítulo 4 da minha tese de doutorado (ver Gonçalves Dias, 2014Gonçalves Dias, Caio. Da “Antropologia Filosófica” ao “Do-In Antropológico”: um estudo crítico da produção da ideia de políticas culturais no Brasil (1985-2013). Tese (doutorado em antropologia social). Rio de Janeiro, Museu Nacional/UFRJ, 2014.).
  • 13
    Strathern (1995Strathern, Marilyn. “The Nice Thing about Culture is that Everyone Has It”. In: Shifting Contexts: Transformations in Anthropological Knowledge. Londres: Routledge, 1995, pp. 153-76.) observa essa mesma questão para um universo diferente.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2018
  • Aceito
    04 Out 2019
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