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Análise das intervenções de terapia ocupacional no desempenho das atividades de vida diária em crianças com paralisia cerebral: uma revisão sistemática da literatura

Analysis of occupational therapy interventions in the performance of everyday activities in children with cerebral palsy: a systematic review of the literature

Resumos

OBJETIVOS: avaliar, através da seleção e análise criteriosa de artigos, os efeitos das intervenções voltadas para a promoção do desempenho de atividades de vida diária, utilizadas por terapeutas ocupacionais, em crianças com paralisia cerebral. MÉTODOS: a busca na literatura foi realizada nas bases eletrônicas: Ovid, Medline, CINAHL e Lilacs, incluindo artigos publicados entre janeiro de 2001 e maio de 2006, nos idiomas inglês e português, utilizando os seguintes descritores: "terapia ocupacional", "paralisia cerebral" e "criança". Foram selecionados quatro estudos, seguindo critérios de inclusão pré-definidos, avaliados quanto à qualidade metodológica com a escala OTSeeker. RESULTADOS: a análise da qualidade metodológica dos estudos selecionados revelaram pontuações de magnitudes baixa à moderada na escala OTSeeker. Foram encontradas diferenças quanto ao tipo de intervenção utilizada para a promoção das atividades de vida diária, bem como dos desfechos investigados. CONCLUSÕES: a análise crítica dos artigos sugere que o contexto no qual a criança com paralisia cerebral está inserida parece ser um fator importante no seu desempenho funcional. A avaliação sistemática da literatura sobre os efeitos de intervenções de Terapia Ocupacional na promoção de atividades de vida diária em crianças com paralisia cerebral poderá contribuir para uma prática baseada em evidências, entre esses profissionais.

Terapia ocupacional; Paralisia cerebral; Atividades de vida diária


OBJECTIVES: to evaluate, by means of a careful search for and analysis of articles, the effects of interventions used by occupational therapists to improve the performance of everyday activities in children with cerebral palsy. METHODS: the search for literature on the subject was conducted using the electronic databases Ovid, Medline, CINAHL and LILACS, and covered articles published between January 2001 and May 2006, in English or Portuguese, using the following keywords: "occupational therapy", "cerebral palsy", and "child". Four studies were selected, according to previously determined inclusion criteria, and these were evaluated for their methodological quality using the OTSeeker scale. RESULTS: the analysis of the methodological quality of the selected studies revealed scores from low to moderate on the OTSeeker scale. There were differences in relation to the type of intervention used to promote everyday activities, and regarding the outcomes that were investigated. CONCLUSIONS: the context in which the child with cerebral palsy is living seems to be an important factor in his/her functional performance. The systematic evaluation of the literature on the effects of Occupational Therapy interventions in promoting everyday activities in children with cerebral palsy may contribute to evidence-based practices among these health professionals.

Occupational therapy; Cerebral palsy; Activities of daily living


REVISÃO REVIEW

Análise das intervenções de terapia ocupacional no desempenho das atividades de vida diária em crianças com paralisia cerebral: uma revisão sistemática da literatura

Analysis of occupational therapy interventions in the performance of everyday activities in children with cerebral palsy: a systematic review of the literature

Vanessa Pio Diniz GuerzoniI; Adriane Provesano BarbosaI; Ana Cristina Chama BorgesI; Paula Silva de Carvalho ChagasII; Ana Paula Bensemann GontijoI; Fernanda EterovickI; Marisa Cotta ManciniI

IDepartamento de Terapia Ocupacional. Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Universidade Federal de Minas Gerais. Av. Antônio Carlos, 6627. Campus Pampulha. Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP: 31.270-901. E-mail: mcmancini@pib.com.br

IIDepartamento de Fisioterapia. Faculdade de Medicina. Universidade Federal de Juiz de Fora. MG, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar, através da seleção e análise criteriosa de artigos, os efeitos das intervenções voltadas para a promoção do desempenho de atividades de vida diária, utilizadas por terapeutas ocupacionais, em crianças com paralisia cerebral.

MÉTODOS: a busca na literatura foi realizada nas bases eletrônicas: Ovid, Medline, CINAHL e Lilacs, incluindo artigos publicados entre janeiro de 2001 e maio de 2006, nos idiomas inglês e português, utilizando os seguintes descritores: "terapia ocupacional", "paralisia cerebral" e "criança". Foram selecionados quatro estudos, seguindo critérios de inclusão pré-definidos, avaliados quanto à qualidade metodológica com a escala OTSeeker.

RESULTADOS: a análise da qualidade metodológica dos estudos selecionados revelaram pontuações de magnitudes baixa à moderada na escala OTSeeker. Foram encontradas diferenças quanto ao tipo de intervenção utilizada para a promoção das atividades de vida diária, bem como dos desfechos investigados.

CONCLUSÕES: a análise crítica dos artigos sugere que o contexto no qual a criança com paralisia cerebral está inserida parece ser um fator importante no seu desempenho funcional. A avaliação sistemática da literatura sobre os efeitos de intervenções de Terapia Ocupacional na promoção de atividades de vida diária em crianças com paralisia cerebral poderá contribuir para uma prática baseada em evidências, entre esses profissionais.

Palavras-chave: Terapia ocupacional, Paralisia cerebral, Atividades de vida diária

ABSTRACT

OBJECTIVES: to evaluate, by means of a careful search for and analysis of articles, the effects of interventions used by occupational therapists to improve the performance of everyday activities in children with cerebral palsy.

METHODS: the search for literature on the subject was conducted using the electronic databases Ovid, Medline, CINAHL and LILACS, and covered articles published between January 2001 and May 2006, in English or Portuguese, using the following keywords: "occupational therapy", "cerebral palsy", and "child". Four studies were selected, according to previously determined inclusion criteria, and these were evaluated for their methodological quality using the OTSeeker scale.

RESULTS: the analysis of the methodological quality of the selected studies revealed scores from low to moderate on the OTSeeker scale. There were differences in relation to the type of intervention used to promote everyday activities, and regarding the outcomes that were investigated.

CONCLUSIONS: the context in which the child with cerebral palsy is living seems to be an important factor in his/her functional performance. The systematic evaluation of the literature on the effects of Occupational Therapy interventions in promoting everyday activities in children with cerebral palsy may contribute to evidence-based practices among these health professionals.

Key words: Occupational therapy, Cerebral palsy, Activities of daily living

Introdução

Paralisia cerebral (PC) é definida como um grupo de desordens do movimento e da postura conseqüentes a lesões não progressivas, que ocorre no cérebro em fase de maturação estrutural e funcional.1,2 Trata-se de uma condição de saúde que resulta em alterações na estrutura e função do sistema neuromusculoesquelético. Como conseqüências, crianças com PC, muitas vezes, podem desenvolver fraqueza muscular, dificuldades no controle entre as musculaturas agonista e antagonista, restrição da amplitude de movimento e alterações de tônus e de sensibilidade.3 Tais alterações podem interferir no desempenho de atividades relevantes à funcionalidade dessas crianças, incluindo marcha, escrita, brincar, entre outras.3 Além disso, podem limitar a participação das mesmas em diferentes ambientes, incluindo domiciliar e escolar.3

As atividades de vida diária (AVD) que fazem parte do cotidiano infantil incluem tarefas de auto-manutenção como banho, vestuário, alimentação, uso do banheiro, higiene oral e comunicação.4 O desempenho de tais atividades é importante para que a criança seja capaz de satisfazer suas necessidades básicas, garantindo-lhe maior independência e participação em seu ambiente domiciliar.4 Em crianças com PC o desempenho dessas atividades é, muitas vezes, a principal queixa de pais e familiares, e/ou da própria criança.5 A promoção na realização de tarefas de vida diária tem sido, portanto, o principal objetivo almejado pelos terapeutas ocupacionais que trabalham com essa clientela.

Recentemente, a Organização Panamericana da Saúde6 publicou a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) de forma a descrever funcionalidade e incapacidade relacionadas às condições de saúde como processos interativos e evolutivos. A CIF classifica os processos de funcionalidade e de incapacidade de um indivíduo, que são resultantes da interação entre uma condição de saúde e os fatores do contexto pessoal e ambiental, em três categorias, denominadas estrutura e função do corpo, atividade e participação.7 Nesse modelo, as três categorias são interdependentes e todas sofrem influências dos fatores do contexto.7 Segundo a CIF, os componentes de funcionalidade referentes à atividade e à participação descrevem as atividades diárias desempenhas pelo indivíduo e o envolvimento dele em situações de vida.7 De acordo com esse modelo, o ambiente em que o indivíduo atua pode agir como facilitador ou como barreira para o seu desempenho funcional e social, devendo portanto ser considerado no processo terapêutico.7,8 Em crianças com PC, o ambiente domiciliar deve ser consistentemente avaliado, de forma a indicar as modificações necessárias que visem à promoção da participação e independência dessas crianças em suas atividades cotidianas.

Na prática clínica da Terapia Ocupacional, um dos focos de intervenção está voltado para o desempenho e independência de crianças com PC na realização de tarefas de vida diária, em contextos relevantes. Entretanto, a literatura possui poucos registros abordando esse tema. Mancini et al.5 verificaram que crianças com PC apresentaram um repertório de habilidades funcionais de vida diária diferenciado, comparadas com o de crianças típicas no qual diferenças entre grupos foram identificadas na seqüência e na dificuldade relativa para desempenhar diversas atividades de auto-cuidado. Lammi e Law,9 por sua vez, demonstraram que o desempenho de crianças com PC em tarefas da rotina diária sofre influência do contexto no qual estão inseridas. Brown e Gordon10 observaram que crianças com disfunções neuromotoras apresentam menos variedade e tempo dedicado às atividades cotidianas, menor participação social nas tarefas de casa e em atividades recreativas, comparadas com crianças típicas.

Para a promoção da prática baseada em evidências entre os profissionais que atuam com essa clientela e, em especial, terapeutas ocupacionais que trabalham diretamente com esse desfecho, torna-se necessário avaliar criticamente a literatura existente sobre esse tema, sintetizando os principais resultados. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi, através de uma revisão sistemática da literatura, avaliar os efeitos das intervenções utilizadas por terapeutas ocupacionais no tratamento de crianças com PC, visando à promoção de AVD em ambiente domiciliar.

Métodos

Seleção dos artigos

A busca dos artigos foi realizada nas bases de dados eletrônicas Ovid, Medline, CINAHL e Lilacs, sendo restrita ao período de janeiro de 2001 a maio de 2006. As palavras-chaves utilizadas foram: "terapia ocupacional", "paralisia cerebral" e "criança", e os termos correspondentes em inglês occupational therapy, cerebral palsy and child de forma combinada. A pesquisa foi limitada aos idiomas português e inglês e a estudos realizados com humanos de faixa etária entre zero e 18 anos.

Os estudos foram pré-selecionados através dos títulos e da leitura dos resumos, com base nos seguintes critérios de inclusão: artigos com intervenção da Terapia Ocupacional e participantes com diagnóstico de paralisia cerebral. Foram excluídos estudos de revisão da literatura, estudos com abordagens invasivas e medicamentosas e aqueles que abordavam somente a aplicação de instrumentos de avaliação. Quando título e resumo não forneceram informações suficientes, os autores realizaram a leitura do artigo na íntegra e definiram sua inclusão ou não nesse estudo.

Avaliação qualitativa dos estudos

Os artigos selecionados foram submetidos a uma avaliação qualitativa da metodologia empregada, através de uma escala denominada Occupational Therapy Systematic Evaluation of Evidence (OTSeeker),11,12 que inclui critérios específicos para avaliação da qualidade da evidência. A escala OTSeeker foi desenvolvida por uma equipe de terapeutas ocupacionais da Universidade de Queensland e do oeste de Sydney, Austrália, em março de 2003, com base na escala Physiotherapy Evidence Database (PEDro) descrita por Sherrington et al.13 A escala OTSeeker se baseia nos critérios inicialmente propostos pela escala PEDro, dividindo-os em duas categorias: a primeira registra a qualidade da validade interna do artigo, através de oito itens, e a segunda documenta a qualidade da interpretação estatística feita pelos autores, através de dois itens. Ambas as categorias utilizadas na escala OTSeeker foram baseados na lista de Delphi.14

A escala OTSeeker atribui pontuação de 1 (um) para uma resposta afirmativa a cada item ou critério, e de 0 (zero) para uma resposta negativa às seguintes perguntas referentes à validade interna: 1) os sujeitos foram alocados aleatoriamente para os grupos de estudo?; 2) a alocação foi sigilosa?; 3) os grupos foram equivalentes na linha de base?; 4) todos os participantes foram cegos?; 5) os terapeutas foram cegos?; 6) foi utilizado um avaliador cego para avaliar os resultados?; 7) foram obtidas medidas de pelo menos um desfecho primário em mais do que 85% dos sujeitos alocados? e 8) houve análise da intenção de tratar?

Para análise da qualidade estatística, os mesmos critérios de pontuação são utilizados para as seguintes perguntas: 1) os resultados da comparação entre os grupos foram reportados? e 2) as medidas de variabilidade e os índices de estimativa estatística foram apresentadas para a variável primária? Existe ainda uma última pergunta que não é pontuada na análise da qualidade metodológica da evidência apresentada pelo artigo, mas serve como um item a mais no processo de avaliação, que é a seguinte: os critérios para elegibilidade dos participantes são especificados?

Todos os artigos selecionados a partir dos critérios de inclusão foram submetidos à análise da qualidade metodológica com a escala OTSeeker, por dois pesquisadores independentes, devidamente treinados nos critérios de pontuação da escala.

Resultados

A busca na literatura resultou em 67 artigos. Desses, nove foram inicialmente selecionados através da leitura dos títulos e resumos, considerando os critérios de inclusão pré-estabelecidos. Os demais foram descartados pela ausência de intervenção ou abordagem terapêutica ocupacional, por fazerem uso de procedimentos invasivos (cirúrgico e/ou medicamentoso) e/ou por elegerem instrumento de avaliação como desfecho final. Além disto, foram excluídos os trabalhos de revisão da literatura. Durante a leitura na íntegra dos nove artigos pré-selecionados, cinco foram excluídos por não utilizarem a Terapia Ocupacional como intervenção terapêutica e um por incluir participantes com diagnósticos diferentes de PC.

Ao final, somente quatro artigos foram incluídos no estudo, cujas qualidades de suas evidências obtiveram pontuação de magnitudes consideradas de moderada a baixa. A maior pontuação foi de 6 em 10, sendo atribuída a um estudo controlado e randomizado.15 Dos restantes, um estudo9 de sujeito-único pontuou 4 em 10 e dois relatos de casos16,17 pontuaram 4 em 10 e 3 em 10, respectivamente.

As informações dos estudos selecionados foram resumidas de forma padronizada em uma tabela estruturada, incluindo os seguintes itens: autor(es), escore no OTSeeker, quantidade de participantes, tipo de intervenção utilizada, procedimentos terapêuticos (freqüência, duração das sessões e tempo total do tratamento), ambiente em que a intervenção foi realizada, desfechos avaliados nos componentes da CIF e descrição dos resultados. A consistência (índice kappa) entre os dois pesquisadores na avaliação dos artigos selecionados para essa revisão sistemática foi de 0,89, como se pode observar na Tabela 1.

Discussão

Atualmente, profissionais da área de reabilitação, incluindo terapeutas ocupacionais, deparam-se com um mercado de trabalho escasso, competitivo e exigente. Para que o profissional insira-se e/ou mantenha um lugar definitivo nesse mercado ele precisa, além de buscar um ensino continuado, sistematizar sua prática fundamentando-a não só com as informações teóricas e clínicas, mas também com as melhores e mais atuais evidências científicas disponíveis.

Uma prática baseada em evidências auxilia o profissional em sua tomada de decisão clínica, permitindo-o selecionar o melhor método de avaliação e elaborar e implementar um programa terapêutico mais eficaz à sua realidade clínica.18-20 Devido à magnitude e a diversidade de informações disponíveis em livros, periódicos e revistas eletrônicas, a implementação dessa prática dependerá, entre outras coisas, da dedicação e formação do profissional. Ele deve não apenas selecionar e organizar as informações disponíveis na literatura científica, mas também ser capaz de avaliar criticamente as evidências, determinando a validade e a aplicabilidade clínica das mesmas.18-20 É por meio de buscas criteriosas por evidências de qualidade que o terapeuta ocupacional garantirá a seu cliente um tratamento eficaz e uma prestação de serviço de qualidade.18-20

Caracterização dos desenhos metodológicos

Pesquisas na área de neurologia infantil, em especial com a clientela de PC, freqüentemente deparam-se com questões práticas, como dificuldades na homogeneização dos grupos e questões éticas referentes à privação de crianças ao tratamento, levando pesquisadores a realizarem estudos com desenhos do tipo sujeito-único. Tal desenho permite extrair conclusões referentes aos efeitos de uma determinada intervenção, com base nos resultados de um ou mais sujeitos de forma experimental e controlada.21 Além disso, esse desenho apresenta a peculiaridade de fornecer informações individualizadas e longitudinais acerca das mudanças ocorridas sob as condições de tratamento. Entretanto, esse tipo de desenho metodológico não permite inferências de causalidade provenientes de intervenções, como o desenho do tipo ensaio clínico randomizado, o qual é considerado tradicionalmente padrão ouro, entre os estudos experimentais. O desenho tipo sujeito-único, apesar de restringir as generalizações para indivíduos específicos incluídos no estudo, viabiliza a replicação de seus resultados na prática clínica. Nessa revisão sistemática o estudo desenvolvido por Lammi e Law9 utilizou um desenho de sujeito-único e, apesar de pontuar relativamente baixo na escala de OTSeeker (4 em 10), as informações disponibilizadas por esses autores são de grande relevância clínica.

Em relação aos estudos do tipo relato de caso, essa revisão incluiu os artigos de Reid,16 e Guideti e Söderback,17 que utilizaram esse desenho metodológico. A natureza eminentemente clínica de estudos do tipo relato de caso disponibiliza informações individuais de cada participante de forma pouco sistematizada, apresentando pontuações extremamente baixas quanto à qualidade de sua evidência, e limitando inferências conclusivas sobre seus resultados.21

Somente o artigo de Sung et al.,15 entre os quatro artigos selecionados para esta revisão, caracterizou-se como estudo controlado e randomizado, disponibilizando informações sobre a eficácia de uma intervenção. Na área da terapia ocupacional, observa-se a necessidade de ampliar o corpo de evidências científicas de forma a possibilitar aos profissionais dessa área informações sólidas para uma melhor fundamentação da prática clínica.

Dos artigos incluídos nesta revisão, um utilizou a terapia de uso forçado (TUF), um fez uso de brincadeiras virtuais, outro empregou a terapia ocupacional convencional e um utilizou a terapia funcional centrada na família (TFCF) como abordagens terapêuticas.

No estudo de Sung et al.15 o método de intervenção utilizado foi a TUF. O protocolo de intervenção, aplicado em 18 crianças com hemiplegia, consistiu no uso de um splint no membro superior não afetado, por seis semanas, associado a um programa de terapia ocupacional funcional para o membro superior mais acometido, por duas sessões semanais de 30 minutos, realizadas na clínica, durante seis semanas. Os resultados apresentados demonstraram melhoras significativas na função motora, no padrão de preensão do membro afetado (avaliada pelos testes Box and block test- BBT e Erhardt Developmental Prehension Assesment-EDPA) e no desempenho de atividades de vida diária (avaliado pelo escore de auto-cuidado do teste Functional Independence Measure for Children-WeeFIM) das crianças submetidas à TUF, quando comparadas com as do grupo controle. Com base nesses resultados, pode-se argumentar que a associação da terapia de uso forçado com o treino funcional apresentou efeitos positivos no desempenho de tarefas do cotidiano dessas crianças.

Reid,16 por sua vez, utilizou uma intervenção baseada em brincadeiras virtuais no tratamento de quatro crianças com PC (três com quadriplegia espástica e uma com diplegia espástica). O programa foi administrado uma vez por semana, durante oito semanas, em ambiente de laboratório. As brincadeiras virtuais foram selecionadas individualmente de acordo com a preferência de cada participante. Embora todas as crianças tenham apresentado melhoras na coordenação motora de seus membros superiores (avaliada pelo teste Bruininks-Oseretsky Test of Motor Proficiency-BOTMP), apenas duas delas obtiveram ganhos na qualidade de seus movimentos (mensurado pelo teste Quality of Upper Extremity Skills Test-Quest). Embora esse artigo tenha sido incluído na busca e cumprido os critérios de inclusão definidos para esta revisão, o referido estudo não apresentou impacto específico de sua intervenção em atividades funcionais de vida diária desempenhadas por crianças com PC em ambiente domiciliar.

O estudo de Guidetti e Söderback17 utilizou a terapia ocupacional convencional em cinco crianças com PC como abordagem terapêutica. O programa de treinamento foi aplicado duas vezes por semana, em ambiente clínico, durante 60 minutos, por 10 semanas. As sessões foram estruturadas individualmente, de acordo com o desempenho funcional de cada participante. Os resultados mostraram melhoras de três crianças no tempo de vestir e de apenas duas no tempo de despir. Quanto ao desempenho nas atividades de vida diária, nenhum dos participantes obteve melhoras. Fatores como pequena amostragem, ausência de informações quanto às características psicométricas do teste utilizado, diferenças na assiduidade dos participantes ao tratamento e individualização do protocolo de intervenção ameaçam a validade de seus resultados.

No estudo de Lammi e Law,9 a abordagem terapêutica utilizada foi a TFCF. O protocolo consistiu na identificação e eliminação, pelos terapeutas ocupacionais, de possíveis barreiras observadas no ambiente domiciliar, durante o desempenho de três tarefas funcionais. Tais tarefas foram selecionadas pelas famílias, por serem consideradas metas funcionais para seus filhos. Os resultados demonstraram que, para cada criança, pelo menos uma de duas tarefas alvo apresentou melhora significativa. Esse estudo demonstrou efeitos positivos da TFCF e utilizou um desenho que viabiliza sua reaplicação na prática clínica.

Com base no exposto acima, pode-se observar que três dos quatro estudos - Lammi e Law,9 Sung et al.15 e Guidetti e Söderback17 - analisaram como desfecho de interesse os efeitos da terapia ocupacional nas AVD de crianças com PC.

Caracterização dos efeitos terapêuticos segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)

De acordo com a CIF, funcionalidade e incapacidade resultam da interação dinâmica entre a condição de saúde da criança, descrita com base nas três categorias: estrutura e função do corpo, atividade e participação, e o ambiente no qual ela está inserida.22 A análise dos desfechos dos quatro estudos foi descrita com base no modelo da Classificação Internacional de Incapacidade, Funcionalidade e Saúde. Os desfechos dos estudos foram documentados nas categorias referentes à estrutura e função do corpo e atividade. Na primeira, foi analisado o desfecho padrão de preensão (EDPA).16 Na categoria atividade foram analisados desfechos tais como qualidade de movimentação da extremidade superior (QUEST),16 capacidade em realizar atividades de função manual (BBT e BOTMP) e de vida diária (WeeFIM),13 capacidade para vestir e despir (medido pelo teste Klein-Bell Activities of Daily Living Scale version for children (KBADL) e tempo despendido15 e desempenho em tarefas cotidianas específicas.9

Quanto aos fatores contextuais, apenas o estudo de Lammi e Law9 considerou o ambiente domiciliar no processo de intervenção, obtendo assim, melhoras mais direcionadas à performance da criança com PC em suas atividades cotidianas.

O contexto ambiental é o principal fator que distingue os termos capacidade e performance.2,23 O termo capacidade refere-se ao desempenho de habilidades e tarefas funcionais em situação ideal e estruturada, incluindo a habilidade da criança para executar uma tarefa ou ação. O termo performance refere-se à maneira como a criança desempenha diferentes tarefas em sua rotina diária, considerando a influência de fatores ambientais como os aspectos físicos, atitudinais e sociais, em situação real de vida das crianças.2,23,24

Na literatura científica, vários estudos têm demonstrado a importância do contexto na funcionalidade e na participação de crianças com PC.25-27 O estudo de Schenker et al.25 demonstrou que a participação de crianças com PC foi dependente do contexto no qual estavam inseridas. Hammal et al.,26 por sua vez, observaram que, após os fatores relativos à deficiência terem sido controlados, o local onde a criança com PC vive atua como influenciador de sua participação. Os resultados do estudo de Palisano et al.28 demonstraram que a demanda dos diferentes ambientes interfere no método de mobilidade selecionado pela criança com PC. Entretanto, observa-se que nem sempre o desempenho da criança em um ambiente terapêutico estruturado corresponde ao que é realizado em seu ambiente domiciliar. Por exemplo, a criança pode apresentar capacidade para despir e vestir durante o processo terapêutico, mas não necessariamente realizar essas atividades de forma independente em sua rotina diária. O entendimento dessa complexa relação entre os descritores de funcionalidade e os aspectos ambientais torna-se um fator importante na tomada de decisão clínica de profissionais que lidam com crianças que apresentam deficiências na infância.25

Faz-se necessário que o profissional da reabilitação conheça as características dos diferentes ambientes (casa, escola e comunidade) de forma a identificar e modificar, quando necessário, os aspectos que funcionam como barreiras ou facilitadores ao desempenho funcional da criança.27,29,30

A relevância dada ao meio ambiente faz com que o foco da intervenção se modifique a partir de um processo direcionado à criança, para a interação dessa com o contexto.7 Nesse sentido, o desempenho funcional pode ser modificado diretamente pelo uso de equipamentos especiais ou indiretamente pela manipulação de variáveis da tarefa ou do ambiente, já que a otimização da performance dessas crianças é decorrente do ajustamento racional e equilibrado entre limitações do indivíduo, da tarefa e do ambiente.31

Entre os estudos selecionados, nenhuma informação foi fornecida sobre o impacto das diferentes intervenções na categoria de participação. Tal fato pode omitir informações acerca de todos os possíveis efeitos dessas abordagens terapêuticas para o tratamento da criança com PC.

Conclusões

O foco dessa revisão foi a busca e análise crítica de evidências científicas sobre as abordagens terapêuticas ocupacionais utilizadas no tratamento de crianças com PC na promoção de atividades de vida diária. Os resultados encontrados apresentaram diferentes tipos de intervenções que podem ser usadas por esses profissionais para promover mudanças nesse desfecho funcional, em crianças com PC. Informações sobre o contexto real no qual a criança desempenha suas atividades cotidianas parece ser um fator importante, podendo contribuir positivamente para a funcionalidade das mesmas. Atualmente, a busca constante por evidências para fundamentar a prática clínica da Terapia Ocupacional é imprescindível para seleção e uso de intervenções com eficácia demonstrada e, consequentemente, para a implementação da prática baseada em evidências. Esse estudo de revisão sistemática apresenta uma síntese da evidência disponível e pode contribuir para subsidiar ações terapêuticas ancoradas em evidências científicas. Posteriormente, o desenvolvimento de novos estudos com desenhos metodológicos de melhor qualidade poderão nortear de forma mais específica a prática clínica desses profissionais.

Recebido em 2 de maio de 2007

Versão final apresentada em 20 de agosto de 2007

Aprovado em 22 de agosto de 2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2008

Histórico

  • Aceito
    22 Ago 2007
  • Revisado
    20 Ago 2007
  • Recebido
    02 Maio 2007
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