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Relação entre os aspectos sócio cognitivos e perfil funcional da comunicação em um grupo de adolescentes do espectro autístico

Resumos

TEMA: questões referentes ao desenvolvimento de linguagem e suas relações com os aspectos sociocognitivos norteiam a prática clinica no atendimento a população com diagnóstico dentro do espectro autístico. As alterações ou diferenças neste desenvolvimento podem resultar em uma maneira diferenciada de analise e orientação para essa população. A adolescência passa a ser um ponto de interrogação dentro desta analise pois, na grande maioria, as pesquisas estão destinadas à primeira infância. O profissional de Fonoaudiologia deve avaliar a relação entre as habilidades de linguagem e a competência comunicativa. As habilidades de linguagem referem-se à competência para compreender e formular os sistemas simbólicos falados ou escritos, enquanto a competência comunicativa refere-se à habilidade em fazer uso da linguagem como um instrumento efetivamente interativo com outras pessoas, em diversos contextos sociais. OBJETIVO: verificar a evolução do perfil funcional da comunicação e do desempenho sociocognitivo de adolescentes com diagnóstico psiquiátrico incluído no espectro autístico, atendidos em instituição especializada, em três situações comunicativas diversas, durante um período de 12 meses e as relações entre essas variáveis nas mesmas situações, durante o mesmo período de tempo. MÉTODO: foram acompanhados cinco adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos, em três situações comunicativas. Durante um período de 12 meses foram realizados dois conjuntos de gravações, inicial e final, para cada sujeito. Cada conjunto de gravações foi realizado em três situações diferentes, com duração de 30 minutos cada: Situação I - terapia de linguagem individual; Situação II - criança em grupo com coordenador e Situação III - criança em grupo sem coordenador. RESULTADOS: existem diferenças entre os sujeitos nas três situações comunicativos, quanto ao desempenho sociocognitivo e o perfil funcional da comunicação. CONCLUSÃO: existe uma relação entre a evolução do desempenho sociocognitivo e o perfil funcional da comunicação nas três situações comunicativas, no período estudado.

Autismo; Pragmática; Linguagem


BACKGROUND: issues concerning language development and their relation with social cognitive aspects give direction to the clinical practice when assisting the population with the diagnosis within the autistic spectrum. The deficits or differences in this development can result in different ways of analyzing and counseling this population. Adolescence becomes a question mark in this analysis since, in most cases, researches address only early childhood. The speech pathologist must assess the relationship between language abilities and communicative competence. Language abilities refer to the possibilities to understand and formulate spoken or written symbolic systems, whereas the communicative competence refers to the ability to use language as an effective tool to interact with other people in several social contexts. PURPOSE: to verify the development of the functional communicative profile and of the social cognitive aspects of adolescents, who attend a specialized institution and who have a psychiatric diagnosis within the autistic spectrum in three different situations of communication during a 12 months period and to study the relation between these variables in the same situations, during the same period of time. METHOD: subjects of this study were five adolescents with ages between 12 and 17 years. Two recording sets, with a 12 month interval, were obtained for each subject. Each recording set was composed by three 30 minutes videotaped situations of different interactive contexts: Situation I - individual language therapy; Situation II - child in a group with coordinator; Situation III - child in a group without coordinator. RESULTS: differences exist between the subjects in the three studied situations regarding the social cognitive performance and the functional communicative profile. CONCLUSION: there is a relationship between the development of the social cognitive aspects and the functional communicative profile in the three situations of communication for the studied period.

Language; Pragmatics; Autism; Pervasive Developmental; Disorders


ARTIGOS DE RELATO DE CASO

Relação entre os aspectos sócio cognitivos e perfil funcional da comunicação em um grupo de adolescentes do espectro autístico

Carla CardosoI; Fernanda Dreux Miranda FernandesII

IFonoaudióloga. Doutora em Ciências pela Área de Fisiopatologia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade do Estado da Bahia

IIFonoaudióloga. Livre-Docente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Coordenadora do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Distúrbios Psiquiátricos da Infância do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carla Cardoso R. Cícero Simões, 191 - Apto. 1101 Condomínio Professor Gilson Silva Salvador - BA - CEP 41830-475 ( cardoso.carla@uol.com.br).

RESUMO

TEMA: questões referentes ao desenvolvimento de linguagem e suas relações com os aspectos sociocognitivos norteiam a prática clinica no atendimento a população com diagnóstico dentro do espectro autístico. As alterações ou diferenças neste desenvolvimento podem resultar em uma maneira diferenciada de analise e orientação para essa população. A adolescência passa a ser um ponto de interrogação dentro desta analise pois, na grande maioria, as pesquisas estão destinadas à primeira infância. O profissional de Fonoaudiologia deve avaliar a relação entre as habilidades de linguagem e a competência comunicativa. As habilidades de linguagem referem-se à competência para compreender e formular os sistemas simbólicos falados ou escritos, enquanto a competência comunicativa refere-se à habilidade em fazer uso da linguagem como um instrumento efetivamente interativo com outras pessoas, em diversos contextos sociais.

OBJETIVO: verificar a evolução do perfil funcional da comunicação e do desempenho sociocognitivo de adolescentes com diagnóstico psiquiátrico incluído no espectro autístico, atendidos em instituição especializada, em três situações comunicativas diversas, durante um período de 12 meses e as relações entre essas variáveis nas mesmas situações, durante o mesmo período de tempo.

MÉTODO: foram acompanhados cinco adolescentes, com idades entre 12 e 17 anos, em três situações comunicativas. Durante um período de 12 meses foram realizados dois conjuntos de gravações, inicial e final, para cada sujeito. Cada conjunto de gravações foi realizado em três situações diferentes, com duração de 30 minutos cada: Situação I - terapia de linguagem individual; Situação II - criança em grupo com coordenador e Situação III - criança em grupo sem coordenador.

RESULTADOS: existem diferenças entre os sujeitos nas três situações comunicativos, quanto ao desempenho sociocognitivo e o perfil funcional da comunicação.

CONCLUSÃO: existe uma relação entre a evolução do desempenho sociocognitivo e o perfil funcional da comunicação nas três situações comunicativas, no período estudado.

Palavras-Chave: Autismo; Pragmática; Linguagem.

Introdução

Os quadros inseridos no espectro autístico envolvem três áreas de desenvolvimento com algum grau de alteração: linguagem, cognição e interação. A divisão destas três áreas é realizada de uma forma didática, porém é preciso salientar que durante o processo de desenvolvimento, linguagem e cognição apresentam-se muitas vezes interligados, apesar de suas distinções (Fernandes, 2003a).

Na área da cognição, muitos autores (Fernandes e Ribeiro, 2000; Adamson, 2001; Tager-Flusberg et al., 2002) mencionam que esses déficits poderiam ser responsáveis pelas alterações de linguagem e que a socialização é o resultado da interdependência e ao mesmo tempo da dependência destes aspectos.

O termo espectro autístico, introduzido por Lorna Wing (1988) e depois completado por Bishop (1989), propõe a definição de uma entidade nosológica única para os quadros de autismo infantil - de baixo ou alto funcionamento, juntamente com a Síndrome de Asperger. A diferenciação destes quadros estaria na intensidade dos desvios de linguagem, déficits cognitivos e interação social.

Bishop (1989) formulou que o autismo infantil, juntamente com a Síndrome de Asperger e a Síndrome Semantico-Pragmática, fariam parte de um mesmo espectro, em que o ponto em comum seria a linguagem. A autora define que os prejuízos da Síndrome de Asperger estariam ligados aos aspectos sociais enquanto que na Síndrome Semântico-Pragmática, aos aspectos formais da linguagem. O autismo teria estas duas variáveis comprometidas, com as dificuldades de linguagem manifestadas tanto na linguagem não-verbal quanto na verbal, estando as maiores dificuldades relacionadas à comunicação.

Independente do pressuposto teórico utilizado, a linguagem representa uma característica fundamental dentro dos quadros do espectro autístico (Fernandes, 2003a). Suas alterações são variáveis conforme o grau de severidade do quadro clínico, sendo de grande importância as pesquisas que visam a melhor compreensão sobre o funcionamento da comunicação nestas crianças. Dentro do espectro autístico, as alterações de linguagem têm caráter delimitador dos quadros, sendo um fator de grande importância para o prognóstico.

Em 2000, Lopes, tendo em vista as alterações de linguagem presente nestes quadros e levando-se em conta que toda ação comunicativa é inerente ao contexto em que ela ocorre, já demonstrava a importância de considerar não apenas o receptor na interação, mas também o efeito da reação deste sobre o emissor, portanto o quanto a situação comunicativa pode interferir no processo de interação.

Perissinoto et al. (2003) ressalta que, na conceitualização de comunicação e linguagem, vários elementos estão envolvidos, sendo a efetividade comunicativa estabelecida na relação falante-ouvinte, levando-se em conta tanto as emissões do emissor quanto as do receptor e as trocas de papéis entre eles.

Procurando a relação com o contexto lingüístico, Bernardo-Optiz (1982), observando uma criança autista, verificou que o comportamento pragmático varia conforme a situação. Watson (1998) percebeu que mães de crianças autistas tendem a se adaptar ao comportamento comunicativo de seus filhos. Em 2000, Amato com a analise do perfil comunicativo de pares de crianças autistas e suas mães e pares de mães de crianças normais observou que mães e seus filhos autistas podem ser comparados com mães e bebês de quatro meses.

Bara et al. (2001) relatou que em situações espontâneas existe uma diminuição da ocorrência de ecolalias e aumento nas variações das funções comunicativas. Em 2001, Cardoso estudou a relação entre as situações comunicativas e o desempenho comunicativo de crianças diagnosticadas dentro do espectro autístico verificou que essas crianças pareciam diferenciar os interlocutores.

Segundo Scheuer e Limongi (2003), o processo de desenvolvimento cognitivo não pode ser considerado de forma pontual e restrita. Ele se dá durante toda a vida e é resultante de experiências acumuladas e organizadas através da ação do individuo sobre o meio e vice-versa. Fernandes (2003b) completa que no processo de desenvolvimento, cognição e linguagem se completam e na interação podem ser observados.

Fernandes (2000b) já havia mencionado a importância da compreensão do processo de simbolização, que seriam decorrentes de um déficit cognitivo e responsáveis pelas alterações do uso funcional da linguagem. Anteriormente Libby et al. (1998), observando crianças autistas em situação de jogo espontâneo observou a dificuldade dos mesmos em simbolizar.

Pesquisas realizadas por Adamson (2001), demonstraram que as crianças autistas apresentam dificuldade específica no mecanismo cognitivo necessário para representar estados mentais, acarretando dificuldades nos padrões de interação social. A mesma autora ainda completa que essa dificuldade pode alterar os padrões dos jogos simbólicos, criatividade, originalidade e pragmática que tem esta habilidade como pré-requisito.

Molini e Fernandes (2001), em estudo com crianças do espectro autístico para verificar o desempenho sociocognitivo, puderam observar que dentro deste continuum, as crianças apresentam variações individuais nestes aspectos. Segundo as autoras, o desempenho sociocognitivo e os aspectos funcionais da linguagem estão relacionados.

Em 2000, Fernandes menciona que os déficits cognitivos envolvem aspectos da linguagem e processos centrais de codificação. No mesmo ano a autora, juntamente com Ribeiro, em um estudo com o objetivo de detectar a eficácia de situações dirigidas para obtenção de escores sociocognitivos, observaram uma relação entre a simbolização e a capacidade de compreensão da linguagem. Neste estudo conseguiram verificar que para essa população o uso de procedimentos específicos de avaliação parece ser desnecessário, pois os escores obtidos não são diferentes dos obtidos em situação espontânea.

Molini (2001), em um estudo com aspectos sociocognitivos nesta população percebe uma dificuldade especifica no uso destas habilidades, concordando com a literatura de que o equipamento cognitivo pode estar preservado e a dificuldade destas crianças estaria no uso dos mesmos. Isso remete a questões da linguagem, em que o déficit também estaria no uso, mostrando uma estreita relação entre o desenvolvimento da linguagem e cognição.

Através do estudo dos meios de comunicação alguns autores (Tager-Flusberg et al., 2002), levantaram a hipótese de que o uso estereotipado e rígido da linguagem serve como regulador da interação, através do uso limitado dos meios verbal e gestual.

A avaliação sistemática da competência comunicativa permite aos profissionais entenderem melhor como e quando uma criança usa suas habilidades lingüísticas.

As técnicas de avaliação devem ter como objetivo específico o diagnóstico diferencial e questões sobre o aperfeiçoamento em funções comunicativas. O estabelecimento de critérios de avaliação para uma padronização dos dados encontrados é de grande importância para a efetivação das técnicas terapêuticas a serem propostas (Fernandes, 2003a).

O profissional de Fonoaudiologia deve avaliar a relação entre a habilidade de linguagem com a competência comunicativa. A habilidade de linguagem refere-se à competência da criança em compreender e formular os sistemas simbólicos falados ou escritos, enquanto a competência comunicativa refere-se à habilidade em fazer uso da linguagem como um instrumento efetivamente interativo com outros contextos sociais. Esta competência envolve a intenção comunicativa, independente dos meios utilizados para a comunicação (Bara et al., 2001).

Em estudo anterior Wetherby e Prutting (1984) sugerem, que funções deste tipo podem ser classificadas em dois tipos: as funções interpessoais; que seriam aquelas em que existe uma intenção comunicativa, a participação do outro no ato comunicativo e as funções não interpessoais que teriam a função de regulação de ações e os atos não focalizados.

Neste mesmo estudo, as autoras relatam a relação nas desordens comportamentais, interacionais e comunicativas com as habilidades sociocognitivas, pois existe, nas crianças autistas, uma defasagem no tempo de aquisição das mesmas.

Wetherby e Prutting (op. cit) sugeriram então um modelo de protocolo para a avaliação das habilidades sociocognitivas, levando-se em consideração níveis de aquisição e competência para cada uma.

Em 2000, Fernandes propôs um modelo de avaliação das funções comunicativas, que utiliza uma série de vinte categorias. Para a autora, toda e qualquer forma de som ou gesto compreendido pelo interlocutor, e portador de uma função de linguagem deve ser considerado linguagem. Segundo este modelo, os atos comunicativos começam quando a interação adulto-criança, criança-adulto ou criança-objeto é iniciada e termina quando o foco de atenção da criança muda ou há uma troca de turno. A autora relaciona ainda os meios comunicativos que podem ser utilizados, que podem ser divididos em: verbais (que envolvem pelo menos 75% de fonemas da língua), vocais (todas as outras emissões) e gestuais (envolvendo movimentos do corpo e do rosto).

Em 2001, Molini, com base no modelo sugerido por Wetherby e Prutting (1984), conseguiu identificar a presença da intenção comunicativa, o que poderia modificar o estereotipo de que as crianças autistas não seriam capazes de se comunicar, podendo a mesma ocorrer, mesmo que seja de uma forma alternativa. O mesmo estudo conseguiu mostrar a efetividade deste modelo de investigação para detectar as reais capacidades sociocognitivas de cada criança autista. Neste estudo a autora conseguiu detectar que, os aspectos uso do objeto mediador, seguido por imitação vocal, nesta população são os aspectos que mais estão ausentes durante o período observado.

A mesma autora relata neste estudo que, em situação de teste, esses aspectos tendem a aparecer em sua totalidade, no entanto quando se observa as situações dirigida e espontânea, as segundas são mais eficazes na observação do desempenho sociocognitivo desta população.

Os objetivos deste estudo são: verificar a evolução do perfil funcional da comunicação e os aspectos sociocognitivos de adolescentes, com diagnóstico psiquiátrico incluído no espectro autístico, atendidos em instituição especializada, em três situações comunicativas diversas - em terapia de linguagem individual, em atividades de grupo com e sem coordenação, num período de 12 meses; e verificar as relações entre o perfil comunicativo e os aspectos sociocognitivos nas mesmas situações, durante o mesmo período de tempo.

Método

Os procedimentos de coleta e analise dos dados foram iniciados após os processos éticos pertinentes: Parecer da Comissão de Ética (CAPPesq Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) número 141/02) e assinatura do Termo de Consentimento Pós-Informação, pelos responsáveis pelos adolescentes.

Sujeitos: foram selecionados cinco adolescentes, com média de idade entre doze anos e quatro meses a dezesseis anos e três meses, segundo os seguintes critérios preestabelecidos:

. diagnóstico realizado por médico psiquiatra, dentro do espectro autístico, com base nos critérios estabelecidos pelo Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais (DSM) - IV ou pela Classificação Internacional de Doenças (CID) - 10;

. sem acompanhamento prévio com terapia de linguagem.

Material: foram utilizados jogos e brinquedos, filmadora de vídeo e fitas, protocolos de registro.

Procedimento: foram estabelecidas as situações comunicativas, sendo os contextos comunicativos variáveis conforme as atividades individuais e em grupo propostas pelo adulto ou escolhidas pelos sujeitos.

Durante um período de 12 meses foram realizados dois conjuntos de gravações, inicial e final, para cada sujeito. Cada conjunto de gravações foi realizado em três situações diferentes, com duração de 30 minutos cada:

Situação I: criança em terapia de linguagem individual (30 minutos).

Situação II: criança em grupo com coordenador (30 minutos). O coordenador do grupo não é o terapeuta de linguagem.

Situação III: criança em grupo sem coordenador (30 minutos)

Os grupos de gravação não eram necessariamente os mesmos das salas de aula e os participantes não precisavam estar nos mesmos grupos durante o processo de coleta de dados. Durante este processo, os participantes eram atendidos em terapia de linguagem individual semanal.

A instituição onde foi realizado o estudo tem caráter educacional e os participantes desenvolviam atividades pedagógicas e lúdicas, permanecendo na mesma, no mínimo por um período, cinco dias da semana.

O corpus das gravações foi analisado quanto a:

. desempenho de cada sujeito nas três situações, durante o período de 12 meses;

. comparação dos aspectos sociocognitivos e do perfil funcional da comunicação, durante o mesmo período.

Para a análise do perfil funcional da comunicação foram utilizados os critérios propostos por Fernandes (2004), este modelo utiliza uma série de vinte categorias (Anexo Anexo ):

Pedido de objetos (PO): atos ou emissões usadas para solicitar um objeto concreto desejável.

Pedido de ação (PA): atos ou emissões usados para solicitar ao outro que execute uma ação. Inclui pedidos de ajuda e outras ações envolvendo outra pessoa ou outra pessoa e um objeto.

Pedido de rotina social (PS): atos ou emissões usados para solicitar ou outro que inicie ou continue um jogo de interação social. É um tipo específico de pedido de ação envolvendo uma interação.

Pedido de consentimento (PC): atos ou emissões usados para pedir consentimento do outro para realização de uma ação. Envolve uma ação executada.

Pedido de informação (PI): atos ou emissões usadas para solicitar informações sobre um objeto ou evento. Inclui questões "wh" e outras emissões com contorno entoacional de interrogação.

Protesto (PR): atos ou emissões usadas para interromper uma ação indesejada. Inclui oposição de resistência à ação do outro e rejeição do objeto oferecido.

Reconhecimento do outro (RO): atos ou emissões usados para obter a atenção do outro e para indicar reconhecimento de sua presença. Inclui cumprimentos, chamados, marcadores de polidez e de tema.

Exibição (E): atos usados para atrair a atenção para si. A performance inicial pode ser acidental e a criança repete-a quando percebe que isso atrai a atenção do outro.

Comentário (C): atos ou emissões usados para dirigir a atenção do outro para um objeto ou evento. Inclui apontar, mostrar, descrever, informar e nomear de forma interativa.

Auto-regulatório (AR): emissões usadas para controlar verbalmente sua própria ação. As emissões precedem imediatamente ou co-ocorrem com o comportamento motor.

Nomeação (N): atos ou emissões usados para focalizar sua própria atenção em um objeto ou evento através da identificação do referente.

Performativo (PE): atos ou emissões usados em esquemas de ação familiares aplicados a objetos. Inclui efeitos sonoros e vocalizações ritualizadas produzidas em sincronia com comportamento motor da criança.

Exclamativo (EX): atos ou emissões que expressem uma reação emocional a um evento ou situação. Inclui expressões de surpresa, prazer, frustração e descontentamento e sucede imediatamente um evento significativo.

Reativos (RE): emissões produzidas enquanto a pessoa examina ou interage com um objeto ou parte do corpo. Não há evidência de intenção comunicativa, mas o sujeito está focalizando a atenção em um objeto / parte do corpo e parece estar reagindo a isso. Pode servir a funções de treino e de auto-estimulação.

Não-focalizada (NF): emissões produzidas embora o sujeito não esteja focalizando sua atenção em nenhum objeto ou pessoa. Não há evidência comunicativa. Pode servir a funções de treino ou auto-estimulação.

Jogo (J): atos envolvendo atividade organizada, mas auto-centrada, inclui reações circulares primárias. Pode servir a funções de treino ou auto-estimulação.

Exploratória (XP): atos envolvendo atividades de investigação de um objeto particular ou parte do corpo ou vestimenta do outro.

Narrativa (NA): emissões destinadas a relatar fatos reais ou imaginários, pode haver ou não atenção por parte do ouvinte.

Expressão de protesto (EP): choro, manha, birra ou outra manifestação de protesto não necessariamente dirigida a objeto, evento ou pessoa.

Jogo compartilhado (JC): atividade organizada compartilhada entre adulto e criança.

Para a análise dos aspectos sociocognitivos foram utilizados os critérios propostos por Molini (2001).

Intenção comunicativa gestual (ICG)

1. A criança examina ou manipula objetos e não se dirige ao adulto.

2. A criança expressa reações emocionais a objetos/eventos, incluindo bater palmas, sorrir, fazer caretas ou bater.

3. A criança emite sinais gestuais que são contíguos ao objetivo, ao próprio corpo da criança ou ao corpo do adulto, a criança dirige-se ao adulto.

4. A criança repete o mesmo sinal gestual até que o objetivo tenha sido atingido, a criança dirige-se ao adulto.

5. A criança modifica a forma do sinal gestual até que o objetivo tenha sido atingido, ou seja, a criança repete o sinal com algum elemento a mais, a criança dirige-se ao adulto.

6. A criança emite sinais gestuais ritualizados que não são contíguos ao objetivo, ao corpo da criança ou ao corpo do adulto; ou seja, o mesmo sinal deve ser usado em pelo menos duas ocasiões no mesmo contexto comunicativo para ser qualificado como ritual; a criança dirige-se ao adulto.

Intenção comunicativa vocal (ICV)

1. A criança vocaliza enquanto manipula ou examina um objeto ou enquanto ignora um objeto e não se dirige ao adulto.

2. A criança expressa reação emocional a um objeto/evento, incluindo gritos, risos, choro.

3. A criança emite sinais vocais enquanto se dirige a um objeto ou ao adulto, o mesmo sinal deve ser usado em pelo menos dois contextos comunicativos diferentes.

4. A criança repete o mesmo sinal vocal até que o objeto seja atingido, a criança dirige-se ao adulto.

5. A criança modifica a forma do sinal vocal até que o objetivo tenha sido atingido; a criança dirige-se ao adulto.

6. A criança emite sons ritualizados, isto é, o mesmo sinal deve ser usado em pelo menos duas situações com o mesmo contexto comunicativo para ser qualificado como ritual; a criança dirige-se ao adulto.

Uso de objeto mediador (UOM)

Uso de uma ferramenta ou instrumento como forma de obter o objeto desejado:

1. A criança usa um instrumento familiar contíguo ao objetivo como forma de obtê-lo.

2. A criança usa um instrumento familiar não contíguo ao objetivo como forma de obtê-lo.

3. A criança usa um instrumento não familiar contíguo ao objeto como forma de obtê-lo.

4. A criança usa um instrumento não familiar e não contíguo ao objeto como forma de obtê-lo.

Imitação gestual (IG)

1. A criança imita esquemas de ação familiares.

2. A criança imita gestos complexos compostos de esquemas de ação familiares.

3. A criança imita gestos não familiares visíveis.

4. A criança imita gestos invisíveis não familiares e reproduz o modelo do adulto na primeira tentativa quando o modelo não está mais presente.

Imitação vocal (IV)

1. A criança imita sons vocálicos familiares.

2. A criança imita palavras familiares.

3. A criança imita padrões sonoros não familiares.

4. A criança imita palavras não familiares e reproduz o modelo do adulto na primeira tentativa quando o modelo não está mais presente.

Jogo combinatório (JCo)

1. A criança usa esquemas motores simples em objetos.

2. A criança manipula propriedades físicas dos objetos.

3. A criança relaciona dois objetos.

4. A criança relaciona três ou mais objetos sem ordem seqüencial.

5. A criança combina pelo menos três objetos em ordem seqüencial.

6. A criança combina mais de três objetos em ordem seqüencial.

Jogo simbólico (JS)

1. A criança usa esquemas motores simples nos objetos.

2. A criança manipula propriedades físicas dos objetos.

3. A criança usa de forma convencional os objetos realísticos; pode ou não usar substâncias invisíveis, aplica os esquemas apenas em si mesma.

4. A criança usa miniaturas de forma convencional; pode ou não usar substâncias invisíveis; aplica os esquemas apenas a si mesma.

5. A criança usa objetos de forma convencional com substâncias invisíveis, aplica o esquema a si mesma e a outros.

6. A criança usa um objeto pelo outro; aplica o esquema a si mesma e a outros.

Os dados coletados de cada sujeitos em cada gravação foram sintetizados nos protocolos propostos por Molini (2001); Fernandes (2004) (vide Anexo Anexo ).

Resultados

A seguir iremos fazer uma apresentação dos dados conforme as situações comunicativas observadas.

Em relação as situações comunicativas, podemos perceber que os sujeitos apresentaram um comportamento comunicativo semelhante entre elas quanto ao aumento do número de atos comunicativos, diferenciando apenas em relação à média de ocorrência do mesmo, devido ao fator de disputa do espaço comunicativo.

Na situação I (Tabela 1) pode-se observar um aumento no número de funções comunicativas nos sujeitos dois, três, quatro e cinco, sendo que apenas o sujeito um obteve um decréscimo deste numero. Quanto aos aspectos sociocognitivos pode-se perceber que todos os sujeitos obtiveram escores em todos os aspectos observados, desde do inicio ou apenas no final do processo.

Nesta mesma situação, pode-se também notar que os aspectos sociocognitivos de Jogo Simbólico e Jogo Combinatório todos os sujeitos obtiveram nota máxima.

Já na situação II (Tabela 2), pode-se observar que nesta situação o aspecto sociocognitivo de uso do objeto mediador não apareceu em nenhuma das gravações nos sujeitos, enquanto nos outros aspectos observados pode-se perceber um aumento nos escores apresentados. O aspecto sociocognitivo de jogo simbólico obteve escore máximo nesta situação, coordenando com o aumento significativo das funções interpessoais.

A situação III (Tabela 3), mostra um comportamento diferenciado quanto aos aspectos sociocognitivos, com a ausência completa de alguns dos aspectos observados durante o período de 12 meses.

A porcentagem de funções comunicativas interpessoais é menor inicialmente na situação III (Tabela 3), porém ao final do período estudado na mesma esta posição é invertida com alguns participantes obtendo nota máxima (100%). É possível perceber que também na situação III a diversidade de funções comunicativas utilizadas sofre um decréscimo, enquanto nas outras situações (I e II) este fato não acontece da mesma maneira.

Discussão

Os resultados encontrados demonstram que os desempenhos nas variáveis investigadas durante o período de doze meses e as características individuais observadas nos sujeitos diagnosticados dentro do espectro autístico, apresentaram variações em todos os ítens analisados.

Quando verifica-se o perfil funcional da comunicação, pode-se mais uma vez confirmar a variável número de atos comunicativos como foco de interesse no desenvolvimento destes sujeitos (Cardoso, 2001; Fernandes, 2003a).

A diminuição da variabilidade de funções comunicativas ocorridas na situação III pode-nos mostrar uma efetividade comunicativa, pois nas outras situações os mesmos participantes podem experimentar as funções, mas na situação com o outro similar é adequado apenas o uso daquelas que obtenham uma efetividade maior. Esses achados concordam com os de Cardoso (2001) quando estuda os meios comunicativos utilizados em situações comunicativas diversas.

Comparando os dados do perfil funcional da comunicação e o desempenho sociocognitivo, percebe-se que, existe uma relação entre a evolução dos dois, fato já verificado pela literatura anteriormente, mostrando existir uma estreita relação entre o desenvolvimento de linguagem e cognitivo (Fernandes e Ribeiro, 2000; Adamson, 2001).

A impossibilidade de verificação da ocorrência de alguns itens como na situação III atesta a ressalva realizada por Molini (2001) quanto a possibilidade de ausência de alguns aspectos, mas a impossibilidade de concluir a ausência dos mesmos, visto que nas outras situações esses aspectos ocorreram.

Conclusão

Pode-se observar que esses adolescentes, com diagnóstico dentro do espectro autístico, parecem perceber as diferenças pertinentes a cada situação comunicativa e conseguem se adequar as mesmas, tendo uma mudança no perfil funcional da comunicação.

Em todas as situações ocorrem mudanças tanto no perfil funcional da comunicação quanto nos aspectos sociocognitivos, sendo possível perceber uma relação entre o desempenho do participantes nestes dois apectos. E importante ressaltar que, as mudanças nos desempenhos podem ser consideradas interligadas, porém não lineares.

Recebido em 10.08.2004.

Revisado em 21.11.2004; 5.07.2005; 20.10.2005; 14.02.2006.

Aceito para Publicação em 14.02.2006.

Artigo de Relato de Caso

Artigo Submetido a Avaliação por Pares

Conflito de Interesse: não

* Este Trabalho faz Parte da Tese de Doutorado Defendida pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Anexo

Anexo - Clique aqui para ampliar Anexo

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Anexo

  • Endereço para correspondência:

    Carla Cardoso
    R. Cícero Simões, 191 - Apto. 1101
    Condomínio Professor Gilson Silva
    Salvador - BA - CEP 41830-475
    (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Jan 2006

    Histórico

    • Aceito
      14 Fev 2006
    • Recebido
      10 Ago 2004
    • Revisado
      21 Nov 2004
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