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Expressões utilizadas por familiares ao relatarem experiências de conviver com o adoecimento mental

Expresiones utilizadas por familiares al relatar experiencias de convivir con la enfermedad mental

Resumos

OBJETIVO: Identificar as expressões usadas por familiares para descrever a experiência de conviver com o adoecimento mental. MÉTODOS: Tratase de pesquisa que realizou análise dos relatos de familiares por meio do software Analyse Lexicale par Contexte d'um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), contendo metodologia de análise de dados qualitativos que se adapta a qualquer domínio de investigação, em que se pretenda tratar material textual. RESULTADOS: A análise realizada pelo ALCESTE forneceu quatro classes agrupadas duas a duas: Classe 2 -- início da doença e Classe 4 -- início do tratamento; Classe 1 -- convivência e Classe 3 - cotidiano. CONCLUSÃO: Os momentos descritos pelos familiares foram identificados por expressões, palavras e termos usados pelos mesmos em suas narrações. A principal contribuição deste estudo foi trazer a linguagem dos familiares para descrever os momentos do adoecimento por meio de uma metodologia de análise mais distante do pesquisador.

Família; Esquizofrenia; Enfermagem psiquiátrica; Entrevistas como assunto


OBJETIVO: Identificar las expresiones usadas por familiares para describir la experiencia de convivir con la enfermedad mental. MÉTODOS: Se trata de una investigación realizada con el análisis de los relatos de familiares por medio del software Analyse Lexicale par Contexte d'um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), utilizando metodología de análisis de datos cualitativos que se adapta a cualquier dominio de investigación, en la que se pretenda tratar material textual. RESULTADOS: El análisis realizado por el ALCESTE proporcionó cuatro clases agrupadas de dos en dos: Clase 2 -- inicio de la enfermedad y Clase 4 -- inicio del tratamiento; Clase 1 -- convivencia y Clase 3 - cotidiano. CONCLUSIÓN: Los momentos descritos por los familiares fueron identificados por expresiones, palabras y términos usados por los mismos en sus narraciones. La principal contribución de este estudio fue traer el lenguaje de los familiares para describir los momentos de la enfermedad por medio de una metodología de análisis más distante del investigador.

Família; Esquizofrenia; Enfermería psiquiátrica; Entrevistas como asunto


OBJECTIVE: To identify the expressions used by families to describe the experience of living with mental illness. METHODS: This research analysis of the accounts of family members is conducted using the software, Analyse Lexicale par Contexte d'um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), which contains methodology for analyzing qualitative data that is adapted to any area of research in which text-based material is to be reviewed. RESULTS: The analysis provided by ALCESTE formed four classes grouped two by two: Class 2 - onset of illness, and Class 4 - start of treatment, Class 1 - living, and Class 3 - everyday. CONCLUSION: The moments described by family members were identified by expressions, words and terms used in their narrations. The principle contribution of this study was to bring the language of families used to describe the moments of illness through a methodology of analysis that is more distant from the researcher.

Family; Schizophrenia; Psychiatric nursing; Interviews as topic


ARTIGO ORIGINAL

Expressões utilizadas por familiares ao relatarem experiências de conviver com o adoecimento mental* * Artigo extraído da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil.

Expressions used by family members to share experiences of living with mental illness

Expresiones utilizadas por familiares al relatar experiencias de convivir con la enfermedad mental

Laís Mariana da FonsecaI; Sueli Aparecida Frari GaleraII

IMestre em Ciências pelo Programa de Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIDoutora. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

Autor para correspondencia Autor Correspondente: Laís Mariana da Fonseca Rua Agudos, 123, Mogi Guaçu, SP, Brasil. CEP: 13.845.320 E-mail: laismarfsc@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Identificar as expressões usadas por familiares para descrever a experiência de conviver com o adoecimento mental.

MÉTODOS: Tratase de pesquisa que realizou análise dos relatos de familiares por meio do software Analyse Lexicale par Contexte d'um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), contendo metodologia de análise de dados qualitativos que se adapta a qualquer domínio de investigação, em que se pretenda tratar material textual.

RESULTADOS: A análise realizada pelo ALCESTE forneceu quatro classes agrupadas duas a duas: Classe 2 -- início da doença e Classe 4 -- início do tratamento; Classe 1 -- convivência e Classe 3 - cotidiano.

CONCLUSÃO: Os momentos descritos pelos familiares foram identificados por expressões, palavras e termos usados pelos mesmos em suas narrações. A principal contribuição deste estudo foi trazer a linguagem dos familiares para descrever os momentos do adoecimento por meio de uma metodologia de análise mais distante do pesquisador.

Descritores: Família/psicologia; Esquizofrenia/enfermagem; Enfermagem psiquiátrica; Entrevistas como assunto

ABSTRACT

OBJECTIVE: To identify the expressions used by families to describe the experience of living with mental illness.

METHODS: This research analysis of the accounts of family members is conducted using the software, Analyse Lexicale par Contexte d'um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), which contains methodology for analyzing qualitative data that is adapted to any area of research in which text-based material is to be reviewed.

RESULTS: The analysis provided by ALCESTE formed four classes grouped two by two: Class 2 - onset of illness, and Class 4 - start of treatment, Class 1 - living, and Class 3 - everyday.

CONCLUSION: The moments described by family members were identified by expressions, words and terms used in their narrations. The principle contribution of this study was to bring the language of families used to describe the moments of illness through a methodology of analysis that is more distant from the researcher.

Keywords: Family/psychology; Schizophrenia/nursing; Psychiatric nursing; Interviews as topic

RESUMEN

OBJETIVO: Identificar las expresiones usadas por familiares para describir la experiencia de convivir con la enfermedad mental.

MÉTODOS: Se trata de una investigación realizada con el análisis de los relatos de familiares por medio del software Analyse Lexicale par Contexte d'um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), utilizando metodología de análisis de datos cualitativos que se adapta a cualquier dominio de investigación, en la que se pretenda tratar material textual.

RESULTADOS: El análisis realizado por el ALCESTE proporcionó cuatro clases agrupadas de dos en dos: Clase 2 -- inicio de la enfermedad y Clase 4 -- inicio del tratamiento; Clase 1 -- convivencia y Clase 3 - cotidiano.

CONCLUSIÓN: Los momentos descritos por los familiares fueron identificados por expresiones, palabras y términos usados por los mismos en sus narraciones. La principal contribución de este estudio fue traer el lenguaje de los familiares para describir los momentos de la enfermedad por medio de una metodología de análisis más distante del investigador.

Descriptores: Família/psicología; Esquizofrenia/enfermería; Enfermería psiquiátrica; Entrevistas como asunto

INTRODUÇÃO

A esquizofrenia é um transtorno mental de evolução crônica que causa sofrimento ao doente e sua família. Traz ao paciente grave prejuízo capaz de interferir amplamente na capacidade de atender às exigências da vida e da realidade, podendo torná-lo frágil diante de situações estressantes e aumentar o risco de suicídio (1). Para a família, a experiência de conviver com um membro portador desse transtorno tem sido comparada à jornada sob a tempestade (2).

Quando ocorre uma piora no comportamento do doente, torna-se necessário levá-lo ao médico. Ao entrar em contato com o sistema de saúde mental, a família aprende uma nova linguagem, que é a dos profissionais de saúde. Esta deverá ser ajustada ao senso comum convencional do contexto familiar de modo que possibilite compreender e tratar o adoecimento.

O idioma sobre o adoecimento cria um conjunto comum de palavras e conceitos ao paciente e para o profissional; este idioma deve permitir que um compreenda o outro. É assim que a família introduz palavras e conceitos novos para construir sua história e experiência com o adoecimento mental (3).

Na pesquisa desenvolvida por um autor (4), o objetivo era esclarecer o significado do cuidado para pais de filhos com diagnóstico de esquizofrenia em uma comunidade terapêutica. Uma abordagem fenomenológica hermenêutica foi utilizada para interpretar o significado das experiências vividas narradas dentro das entrevistas transcritas. Foram entrevistados oito familiares de seis doentes e formulados cinco temas. Vivendo com tristeza, angústia e constante preocupação: quando os pais apresentam dificuldade de identificar sintomas da doença, consideram o comportamento diferente como sendo característico da adolescência e a definição do diagnóstico foi narrada como um choque; vivendo com culpa e vergonha: os pais sentem-se culpados pela doença e vergonha dos comportamentos estranhos de seus filhos; relacionamento com enfermeira/cuidado: conforto e dificuldades: as enfermeiras não tinham interesse em compartilhar informações e cooperar com os pais, no entanto, cuidavam bem de seus filhos; entrar em acordo com as dificuldades: a aceitação da doença e a esperança de uma vida melhor para seus filhos revelaram ser úteis no enfrentamento das dificuldades e esperança de uma vida melhor para o filho: as narrativas apresentam a esperança, como uma força de sustentação para buscar maneiras de melhorar a vida para o filho, mas também revelaram o esforço para manter a esperança.

As pesquisas sobre a experiência familiar de conviver com o adoecimento mental contribuem para a compreensão do sofrimento presente nessa experiência e nas formas de enfrentamento adotadas pelas famílias.

OBJETIVO

O objetivo desta pesquisa foi identificar as expressões utilizadas por familiares para descrever a experiência de conviver com o adoecimento mental.

MÉTODOS

Trata-se de pesquisa que descreve o vocabulário utilizado por familiares ao relatar eventos de sua experiência de conviver com o adoecimento nos seguintes momentos: início da doença, início do tratamento, convivência e cotidiano. A análise dos relatos dos familiares foi realizada por intermédio do software Analyse Lexicale par Contexte d'um Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE), o que integra uma quantidade considerável de testes estatísticos, organizados para realizar a análise dos dados textuais. Apresenta como base de cálculos, as leis de distribuição do vocabulário para a realização da análise léxica das palavras de um conjunto de textos, independente da origem de sua produção (5-7).

O ALCESTE é uma metodologia de análise de dados qualitativos que se adapta a qualquer domínio de investigação, em que se pretenda tratar material textual, sobretudo no que se refere à sua composição lexical e estruturação temática (6).

Neste estudo, o material textual foi obtido com base nas 24 entrevistas com familiares que convivem com um familiar portador de esquizofrenia, coletadas por meio dos seguintes projetos de pesquisa: "Adaptação familiar nos primeiros cinco anos de diagnóstico de esquizofrenia",aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Processo HCRP nº 9800/2007; "Adaptação familiar após o impacto inicial dos cinco primeiros anos do diagnóstico de esquizofrenia", financiado pela FAPESP e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP, Protocolo nº 230/2007 e "Redefinindo a identidade familiar: trajetória de famílias após o diagnóstico de esquizofrenia", financiado pela FAPESP e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HC/FMRP/USP - Processo HCRP nº 9801/2007.

O preparo do material textual foi realizado, conforme os critérios do programa de computador ALCESTE. Cada entrevista foi definida, como uma unidade de contexto inicial (UCI). Assim, o programa analisou 24 UCIs. O preparo do material, envolveu identificar no inicio de cada UCI um conjunto de variáveis (idade e sexo do doente e do familiar participante, tempo de doença do doente e relação de parentesco do familiar), constituindo-se um corpus de análise, isto é um conjunto textual centrado em um tema. O tema estabelecido nesta pesquisa foi a experiência de cuidar de familiares que convivem com um membro da família com esquizofrenia.

O programa realiza quatro etapas sequenciais na análise dos dados, definidas pelas quatro primeiras letras do alfabeto (A, B, C, D) (5-7):

Etapa A - O programa reconhece as UCIs , separando-as em partes de texto de tamanhos iguais, chamadas de unidades de contexto elementar (UCEs). Agrupa as ocorrências das palavras, de acordo com suas raízes, calculando as frequências dessas formas reduzidas.

Etapa B - Esta etapa realiza o cálculo das matrizes de dados e a classificação das UCEs. O conjunto das UCEs é repartido em função da frequência das formas sugeridas. Aplica-se o método de classificação hierárquica descendente e obtém-se uma classificação definitiva.

Etapa C - Nesta etapa, o programa apresenta o Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente, que irá indicar as relações existentes entre as classes e fornecer elementos que permitem a descrição de cada uma das classes, pelo seu vocabulário característico (léxico) e pelas variáveis consideradas nas linhas de comando.

Etapa D - Esta é uma continuidade da etapa anterior. O programa realiza a seleção das UCEs mais características de cada classe, possibilitando, assim, a contextualização do vocabulário mais significativo das classes.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitêde Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo solicitando dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As entrevistas utilizadas foram aprovadas anteriormente pelo Comitê de Ética e obtidas, mediante assinatura desse Termo. Portanto, para desenvolver a análise das entrevistas, não foi necessário obter nova assinatura do TCLE.

RESULTADOS

A operação A1 (Leitura do corpus) fornece o número de linhas com asterisco = 24. O programa reconhece a separação do corpus em 24 unidades de contexto inicial - UCIs ou entrevistas.

Na operação B1, que realiza a seleção das Unidades de Contexto Elementares (UCEs = segmentos de texto) e cálculo dos dados, ocorre a redução das palavras às suas raízes, obtendo-se 1.193 palavras analisáveis (com frequência igual ou superior a quatro), 221 palavras instrumento e 42 palavras variáveis (com asterisco). As 1.193 palavras analisáveis ocorreram 41.385 vezes.

Na operação C1 (Intersecção entre as Classes), o corpus foi dividido em 1.507 UCEs, das quais 1.045, ou seja, 69,3% do total foram designadas em uma mesma classe em duas classificações hierárquicas descendentes (CHD) que utilizaram UCEs com tamanhos diferentes.

As quatro classes geradas pela Classificação Hierárquica Descendente (Figura 1) abrangeram contextos semânticos específicos, sendo cada uma denominada com um título e o nome do corpus foi definido como "experiência de cuidar". As classes agrupadas duas a duas referem-se a quatro momentos distintos, que são: Classe 1: Convivência; Classe 2: Início da Doença; Classe 3: Cotidiano; Classe 4: Início do tratamento. A Classe 1 - convivência está ligada à Classe 3 - cotidiano e a Classe 2 - início da doença à Classe 4 - início do tratamento por falarem de momentos que se complementam.


As palavras e termos serão apresentados na sequência dos agrupamentos das classes (CHD), conforme a trajetória relatada pelos familiares. Na Classe 2 - início da doença - destacaram-se os termos "começou a doença", "adoeceu", "adoecimento", "história da doença", "comportamentos estranhos desde a infância", "antes da doença". As palavras da Classe 4 - início do tratamento - foram: "mudou", "internações", "alta-hospitalar", "hospital", "tratamento", "neurologista", "doutor", "remédio", "hospital-dia", "posto de saúde". O software agrupou os termos "feliz", "difícil", "futuro", "esperança", "esquizofrenia" para a Classe 1 - convivência e - "cuidado", a "sozinho", "hoje a gente entende mais", "preocupa", "o doente só conversa comigo" na Classe 3 - cotidiano.

DISCUSSÃO

As informações relatadas pelos familiares desta pesquisa e que foram apresentadas pelas palavras da Classe 2 - início da doença - indicam uma variedade de fatos relacionados ao início da doença, uma variedade de comportamentos que se alteram, especialmente, de senso-percepção, afeto, pensamento, comunicação e alterações nas relações consigo e com as pessoas.

Existem dois relatos distintos que caracterizam o início do adoecimento, primeiramente, são os familiares que descrevem que seu ente querido era quieto e isolado desde criança, tinha poucos amigos, mas achavam que isso era coisa de criança ou característico dele. Outros familiares descrevem que começaram a perceber mudanças no comportamento de seu ente querido, pois estava mais irritado, nervoso, começou a se isolar, ficava trancado no quarto, dormia muito ou passava noites inteiras acordado e ficava agressivo.

Em uma pesquisa, a história antes do adoecimento foi narrada pelos pais com tristeza, pois seus filhos eram crianças felizes, com muitos amigos e depois foram se isolando (4). Outro estudo descreve quando os doentes começaram a apresentar mudanças de comportamento que ao serem relatadas variaram entre alterações de humor, relacionamentos e comportamentos (8).

A agressividade é um fato muito presente nesta pesquisa, os familiares citaram que o doente brigava e, às vezes, batia em familiares ou em pessoas desconhecidas, necessitando chamar a polícia para controlar a situação. Alguns doentes não se lembravam do que tinham feito depois das brigas, outros choravam e pediam desculpa pelo comportamento agressivo que não conseguiam controlar.

Algumas pesquisas relataram que vários pais foram atacados por seus filhos Os comportamentos violentos eram relativamente frequentes e dirigidos a propriedades, família ou a si mesmos. Episódios de crise, mesmo os não violentos, foram terríveis e traumatizantes. Não surpreendentemente esses pais relataram altos níveis de estresse, consequência dos sentimentos de frustração, impotência e baixa autoestima (2-9).

Em outro estudo foi observado que os dois principais sintomas descritos pelos familiares foram o isolamento e a agressividade. É só com a intensificação do isolamento social e do aumento da resposta agressiva do paciente frente a questões simples, que a família questiona-se sobre algo errado estar acontecendo com seu familiar (8).

Na pesquisa realizada por Mohr e Regan-Kubinski(10), os pais relataram a existência de um momento em que começaram a perceber que algo não estava bem com o filho. Descreveram este momento como iniciando um pesadelo. Muhlbauer (2) relatou o processo de conviver com o adoecimento mental como uma jornada sob a tempestade. Na primeira fase da jornada, a família percebia na mudança de comportamento do doente, o advento de uma tempestade.

Diante da situação crítica em que a família se encontra, quando os comportamentos da pessoa se exacerbam, surgem discussões se aquele comportamento é realmente coisa da idade ou doença mental. Com isso, os familiares começam a buscar ajuda profissional para tentarem entender o que está acontecendo.

A internação foi a principal medida empregada, tanto para iniciar o tratamento como para fazer mudança de medicação. Em alguns casos, a internação foi involuntária e por meio do atendimento de urgência, o doente ficava agressivo e nervoso por não querer ser internado, às vezes, era necessário chamar a polícia.

O fato é evidenciado em uma pesquisa (11), na qual foi observado que, com o familiar com quadro agudo de esquizofrenia, a família vivenciou um período intenso marcado por idas frequentes ao serviço de saúde, culminando com a primeira internação em alguns casos e, em outros, apenas o início do tratamento medicamentoso. Em alguns casos, o doente não aceitava a medicação prescrita e em outros esta não fazia efeito.

Após a inserção no serviço de saúde, a família enfrenta outro problema, ou seja, entender o que está acontecendo, conhecimento sobre a doença mental e seu tratamento, por meio de uma linguagem até então desconhecida. Neste momento, o familiar tenta aproximar sua linguagem e conhecimento ao do profissional de saúde e aprende novas palavras e conceitos com este, que procura explicar a doença e seus conceitos aproximando-os do senso comum (3).

As palavras da Classe 4 - início do tratamento -ressaltam este quadro. Os familiares relataram a trajetória que fizeram com seus familiares, passando por vários serviços e profissionais da saúde e a dificuldade de adaptação às medicações. A necessidade de internação diante das crises ou para ajuste de medicações e a recusa do doente em aderir ao tratamento medicamentoso prescrito.

Muitos autores relatam que o cuidado ao portador de esquizofrenia deve ser composto pelo tratamento medicamentoso aliado a uma abordagem holística que inclua a socioterapia e a psicoterapia, que também devem ser oferecidas aos familiares (12-16). No entanto, esta pesquisa mostra nos relatos dos familiares, a abordagem apenas da medicação, indicando que reconhecem que ela é importante para o controle dos sintomas. Mesmo os doentes que fazem outros tratamentos com profissionais que buscam a reabilitação psicossocial, familiares e doentes só acham isso possível por causa da medicação.

Nas últimas três décadas, o movimento da Reforma Psiquiátrica conquistou mudanças profundas na atenção psiquiátrica, a superação dos modelo "hospitalocentrismo" e "medicalocêntrico", por uma rede de serviços de natureza comunitária e compreensiva, que ainda não alcançavam totalmente seu objetivo (17).

A proposta desse movimento é transformar o conceito de doença mental e a construção de uma rede de novos serviços, com espaços de sociabilidade, trocas e produção de subjetividade que sejam além de alternativos, substitutivos ao modelo terapêutico tradicional, mas, que ofereçam um resultado de qualidade de vida muito melhor aos portadores de transtorno mental (18).

Uma pesquisa notou que as medicações mais utilizadas pelos doentes são os antipsicóticos de segunda geração, que são eficazes na supressão, tanto de sintomas positivos como negativos da esquizofrenia, atenuam as alterações cognitivas e estão associados a uma incidência muito baixa de efeitos adversos extrapiramidais, fazendo com que haja uma alternativa medicamentosa que possibilite ao paciente retomar sua vida com melhor qualidade (16).

Outro estudo observa que, com o início do tratamento, a melhora dos sintomas e conhecimento da doença a família mantém uma supervisão indireta do doente. O fato ocorre, pois a família vive o conflito constante entre uma superproteção e o incentivo a uma maior independência do doente. A superproteção é fruto do medo constante da família, que o doente tenha uma recaída e retorne à tempestade do quadro agudo (2).

Com o ajuste da medicação, ocorre melhora do doente que retoma algumas atividades que havia abandonado em decorrência da doença. Isto faz com que familiares e doentes tenham esperança de que suas vidas voltem ao normal.

As Classes 1 e 3 apresentam os movimentos que a família faz para conviver com o membro doente e a situação atual familiar. As palavras da Classe 1 indicam a dificuldade da família lidar com a doença e seus sintomas, os problemas que enfrentam, mas, que após anos de convívio com a doença aprendem a reconhecer quando o doente não está bem e que o entendimento e aceitação da doença facilitam a convivência fazendo com que sejam mais felizes hoje.

Os familiares fazem reflexões comparando o início do adoecimento com o momento atual relatando que precisavam de mais informações e se as tivessem recebido, talvez a convivência não tivesse sido tão sofrida como foi. Mas o tempo de convivência possibilita melhor compreensão e aceitação da doença, e o papel dos profissionais de saúde como enfermeiros na educação sobre a doença é fundamental para uma melhor convivência. Os familiares acham que hoje a convivência está melhor, apesar de difícil, que a família está mais unida, entende melhor a doença, o que facilita a convivência. Alguns familiares relatam sentir-se mais felizes hoje do que no início da doença, apesar dos problemas que enfrentam.

Pesquisas têm mostrado que a busca por conhecimento sobre a doença de seu familiar, e o processo de aprendizagem faz com que a família comece a caracterizar os sinais e sintomas da doença, conseguindo organizar compromissos e tarefas, reordenando o desenvolvimento funcional da família (2,9,19).

A busca por informações sobre a esquizofrenia pelos familiares é frequente e necessária para eles. Querem conhecer mais sobre a doença e compreender melhor, o que a família está vivenciando. Uma pesquisa notou que reconhecer e aceitar a doença faz a diferença, pois o tratamento é entendido como necessário e essencial para melhora da qualidade de vida de pacientes e familiares (20).

Enfermeiros e outros profissionais de saúde podem reduzir as consequências negativas da esquizofrenia sobre o doente e sua família fornecendo informações e educação a respeito da doença. A educação melhora o entendimento e as expectativas das famílias em relação à esquizofrenia e ao doente promovendo melhor cuidado (21).

Alguns familiares desta pesquisa relataram sentir-se cansados, afastaram-se de amigos e outros familiares, não querem falar sobre o assunto por terem passado por momentos conturbados e atribuem suas doenças e dificuldades de lidar com problemas à doença de seu ente querido.

Uma pesquisa com familiares de portadores de esquizofrenia identificou como resultado três tipos de sobrecarga familiar: financeira, nas rotinas familiares e em forma de doença física ou emocional. Foram observadas também alterações nas atividades de lazer e nas relações sociais da família (22).

A esperança de cura é o sentimento que estimula a família a lutar contra a doença de seu familiar; por isso, faz-se necessário a esperança de cura como um instrumento de trabalho que ajuda a família a seguir em frente. Posteriormente, percebe-se que talvez esta possibilidade não possa concretizar-se, mas continua querendo a melhor qualidade de vida possível para seu membro doente (23). A aceitação da doença e a esperança de uma melhor qualidade de vida para os filhos revelaram-se como sendo útil no enfrentamento das dificuldades (4).

Os sentimentos de sofrimento e insegurança são companheiros constantes em todas as etapas do tratamento, e na perspectiva sobre o futuro. Um aspecto que deve ser considerado diz respeito à preocupação manifestada pelos familiares, geralmente, os mais idosos, em relação ao que irá acontecer no futuro, caso fiquem incapacitados, como seria para seu parente sobreviver, depois que forem incapazes de fornecer cuidado ou virem a falecer (2,24). Além disso, as questões associadas ao futuro, tais como quem vai ficar com o doente, trazem muitas preocupações para os familiares (25).

As palavras selecionadas da Classe 3 - Cotidiano -indicam que os familiares ainda se preocupam em deixar o doente sozinho, por medo de que algo aconteça ou para supervisionar a medicação, mantendo um cuidado supervisionado organizando-se em seu cotidiano de modo que o doente não fique sozinho em casa. A maioria dos cuidadores são mães que relataram que agora o paciente ajuda em casa, e o relacionamento social fica intimamente ligado a elas, conforme relatos em que as mães ou cuidadores dizem que eles conversam mais com elas, e elas continuam dispensando um período de tempo considerável para cuidar deles.

O medo e a insegurança dos familiares fazem com que ofereçam um cuidado de supervisão, reivindicando mais controle e assumindo responsabilidades para ajudar e proteger seu doente, tentando evitar, dessa forma, recaídas. Assim sendo, supervisionam a medicação do doente, procuram evitar que ele fique sozinho em casa, observam os comportamentos, tentando controlar a rotina do membro doente (26).

Os sintomas negativos da esquizofrenia como embotamento afetivo, apatia, anedonia, isolamento social fazem com que os familiares fiquem estimulando o doente a realizar algo, dizendo que não pode só dormir e ficar em casa sem fazer nada. Embora a família entenda melhor a doença, estes comportamentos ainda dificultam a convivência.

O convívio diário com um doente mental implica sérias dificuldades às famílias, tais como: conciliação das atividades cotidianas, desorganização da casa, redução da renda familiar, desgaste, tensões e conflitos nas relações (27).

A preocupação com o bem-estar de seu familiar pode ser uma constante na existência dessas famílias, buscando, em suas tomadas de decisão, confortá-lo. O cuidado parece constituir a essência da relação com o outro nesse convívio cotidiano, sendo considerado como prioritário diante de qualquer outra situação que possa vir a ocorrer em sua vida (24).

O familiar responsável pelo cuidado demonstra preocupação e vigília quanto à administração correta dos psicofármacos, tomando para si a responsabilidade de atentar para os horários e dosagem dos medicamentos, pois tem medo do uso inadequado que o portador de sofrimento psíquico possa fazer do mesmo, colocando sua vida em risco (27).

Percebe-se que a doença mental afeta a vida familiar, o clima emocional, tensionando as ansiedades e os en-cargos que recaem sobre a família, com efeitos danosos sobre seu funcionamento, com alteração da dinâmica familiar. A família fica fragilizada, e suas relações internas e externas tornam-se totalmente comprometidas. Entretanto, a família também se revela como um lugar de continência, de afeto, de cuidado, ainda que, muitas vezes, apareçam sentimentos contraditórios, inerentes à frustração aos encargos objetivos e subjetivos. A família faz uma reflexão sobre suas motivações, seu estilo de vida, seus valores preestabelecidos anteriores à doença. A vida é vista sob outro enfoque, muitos valores adquirem novo significado (24).

CONCLUSÃO

Os momentos descritos pelos familiares foram identificados por expressões, palavras e termos utilizados em suas narrações. Deste modo, a principal contribuição deste estudo foi trazer a linguagem dos familiares para referir-se a momentos do adoecimento por meio de uma metodologia de análise mais distante do pesquisador.

Os resultados indicam que a família começa a notar mudanças de comportamentos em seu familiar e vê a necessidade de buscar ajuda profissional. Com isso, inicia-se o tratamento medicamentoso. Quando o doente melhora após o ajuste da medicação, a família tem medo que outra crise ocorra ou que o doente não tome a medicação corretamente, oferecendo, assim, um cuidado supervisionado e não deixando o familiar doente sair sozinho ou ficar só em casa. Estes movimentos iniciados com o adoecimento foram incorporados ao cotidiano familiar.

A necessidade de informação, sobretudo no início do adoecimento, ficou clara neste estudo. Os familiares relatam que saber mais sobre a esquizofrenia e suas consequências auxilia no entendimento e aceitação da doença e como lidar com seu ente adoecido.

Artigo recebido em 19/10/2010 e aprovado em 02/08/2011

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  • Autor Correspondente:
    Laís Mariana da Fonseca
    Rua Agudos, 123,
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    CEP: 13.845.320
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    Artigo extraído da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Maio 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      19 Out 2010
    • Aceito
      02 Ago 2011
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