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Mensuração e características da dor perineal em primíparas submetidas à episiotomia

Mensuración y características del dolor perineal en primíparas sometidas a la episiotomí

Resumos

OBJETIVO: Mensurar e caracterizar a percepção dolorosa das puérperas primíparas submetidas à episiotomia. MÉTODOS: Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem quantitativa, realizada com 40 puérperas primíparas submetidas ao parto normal com episiotomia. Para mensuração da dor foi utilizada a escala de categoria numérica e para caracterização a versão brasileira do questionário McGill - Br-MPQ. RESULTADOS: Os valores encontrados na avaliação da dor foram de média 4,2 e os descritores que melhor caracterizaram a dor foram: dolorida; que repuxa; incômoda; chata; ardida; pica como uma agulhada; latejante; em pressão. CONCLUSÃO: A intensidade da dor perineal foi considerada como moderada pelas puérperas. Na caracterização da queixa dolorosa os descritores mais citados foram da dimensão sensorial. Este estudo possibilitou observar a necessidade do reconhecimento dos aspectos qualitativos e quantitativos da dor na prática clinica obstétrica.

Dor; Episiotomia; Período pós-parto


OBJETIVO: Medir y caracterizar la percepción dolorosa de las puérperas primíparas sometidas a la episiotomía. MÉTODOS: Se trata de una investigación descriptiva con abordaje cuantitativo, realizada con 40 puérperas primíparas sometidas al parto normal con episiotomía. Para la mensuración del dolor se utilizó la escala de categoría numérica y para la caracterización la versión brasileña del cuestionario McGill - Br-MPQ. RESULTADOS: Los valores encontrados en la evaluación del dolor tuvieron en promedio 4.2 y los descriptores que mejor caracterizaron el dolor fueron: adolorido; que empuja; incómoda; fastidio; que arde; pica como una aguja; palpita; presiona. CONCLUSIÓN: La intensidad del dolor perineal fue considerada como moderada por las puérperas. En la caracterización de la queja dolorosa los descriptores más citados fueron de la dimensión sensorial. Este estudio posibilitó observar la necesidad de reconocimiento de los aspectos cualitativos y cuantitativos del dolor en la práctica clínica obstétrica.

Dolor; Episiotomía; Período de posparto


OBJECTIVE: The objective of this study was to characterize and measure perineal pain in puerperal primiparous undergoing episiotomy. METHODS: A descriptive design was conducted in 40 puerperal primiparous who underwent normal childbirth with episiotomy. Pain was measured with the Brazilian version of the McGill questionnaire (Br-MPQ). RESULTS: Participants had a mean pain level of 4.2, and the words that better characterized perineal pain were: sore; hurting, discomfort, annoying, burning, stinging, throbbing, and pressing. CONCLUSION: The intensity of perineal pain was reported to be moderate. The pain characteristics most reported consisted of the sensorial dimension. The findings of this study suggest the need for identification of both the qualitative and quantitative aspects of pain in obstetric services.

Pain; Episiotomy; Postpartum period


ARTIGO ORIGINAL

Mensuração e características da dor perineal em primíparas submetidas à episiotomia* * Trabalho realizado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil.

Mensuración y características del dolor perineal en primíparas sometidas a la episiotomí

Ana Carolina Rodarti PitanguiI; Lídia de SousaI; Cristine Homsi Jorge FerreiraII; Flávia Azevedo GomesIII; Ana Márcia Spanó NakanoIV

IDoutoranda em Enfermagem em Saúde Pública pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIDoutora, Professora do Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP - Ribeirão Preto (SP), Brasil

IIIDoutora, Professora do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

IVProfessora Associada do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil

Autor Correspondente Autor Correspondente: Ana Carolina Rodarti Pitangui Av. Portugal, 2580 casa 32 - Santa Cruz Ribeirão Preto - SP - CEP. 14020-380 E-mail: carolinapitangui@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Mensurar e caracterizar a percepção dolorosa das puérperas primíparas submetidas à episiotomia.

MÉTODOS: Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem quantitativa, realizada com 40 puérperas primíparas submetidas ao parto normal com episiotomia. Para mensuração da dor foi utilizada a escala de categoria numérica e para caracterização a versão brasileira do questionário McGill – Br-MPQ.

RESULTADOS: Os valores encontrados na avaliação da dor foram de média 4,2 e os descritores que melhor caracterizaram a dor foram: dolorida; que repuxa; incômoda; chata; ardida; pica como uma agulhada; latejante; em pressão.

CONCLUSÃO: A intensidade da dor perineal foi considerada como moderada pelas puérperas. Na caracterização da queixa dolorosa os descritores mais citados foram da dimensão sensorial. Este estudo possibilitou observar a necessidade do reconhecimento dos aspectos qualitativos e quantitativos da dor na prática clinica obstétrica.

Descritores: Dor; Episiotomia; Período pós-parto

RESUMEN

OBJETIVO: Medir y caracterizar la percepción dolorosa de las puérperas primíparas sometidas a la episiotomía.

MÉTODOS: Se trata de una investigación descriptiva con abordaje cuantitativo, realizada con 40 puérperas primíparas sometidas al parto normal con episiotomía. Para la mensuración del dolor se utilizó la escala de categoría numérica y para la caracterización la versión brasileña del cuestionario McGill – Br-MPQ.

RESULTADOS: Los valores encontrados en la evaluación del dolor tuvieron en promedio 4.2 y los descriptores que mejor caracterizaron el dolor fueron: adolorido; que empuja; incómoda; fastidio; que arde; pica como una aguja; palpita; presiona.

CONCLUSIÓN: La intensidad del dolor perineal fue considerada como moderada por las puérperas. En la caracterización de la queja dolorosa los descriptores más citados fueron de la dimensión sensorial. Este estudio posibilitó observar la necesidad de reconocimiento de los aspectos cualitativos y cuantitativos del dolor en la práctica clínica obstétrica.

Descriptores: Dolor; Episiotomía; Período de posparto

INTRODUÇÃO

O puerpério é um período marcado por intensa vulnerabilidade e pode haver intercorrências, tanto físicas quanto emocionais, apesar disto, dentre as fases do ciclo gravídico-puerperal, é o período em que a mulher recebe menor atenção da equipe de saúde e dos seus familiares, visto que todas as atenções neste período são focadas majoritariamente para o recém-nascido. Assim, o corpo feminino apresenta-se reduzido puramente às funções maternas.

Neste período, espera-se que a puérpera esteja minimamente restabelecida para exercer suas atividades e cuidados com o recém-nascido. Entretanto, essa é uma fase difícil, em que a mulher se recupera do parto que é um evento desgastante, e que associa, muitas vezes, procedimentos e intervenções cirúrgicas dolorosas, principalmente na região perineal.

Durante o processo do parto normal a superfície pélvica e perineal recebem influência direta em suas estruturas, sofrendo constantes modificações que poderão ocasionar lesões em seus tecidos, seja por episiotomias ou por roturas(1). Mais de 70% das mulheres submetidas ao parto normal, são freqüentemente acometidas por algum grau de laceração perineal, sendo esta morbidade, suficientemente grave para requerer reparo cirúrgico(2).

A episiotomia é a lesão decorrente da ampliação cirúrgica do orifício vaginal por uma incisão no períneo, durante a última fase do segundo estágio do trabalho de parto ou nascimento, que tem como objetivo prevenir e minimizar lesões dos tecidos do canal do parto, favorecendo a descida e a liberação do feto, evitando assim, o sofrimento fetal e complicações na cicatrização(3-7).

Contudo, vale salientar que não existem evidências científicas que sustentem estas hipóteses, sendo atualmente recomendado por diversos autores e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a restrição do seu uso, em razão de produzir maiores benefícios e menor risco de morbidade, quando comparada à prática de rotina(8-10).

Normalmente, observa-se na prática obstétrica uma preocupação com a dor do período do parto, trabalho de parto e pós-cesária. Entretanto, a dor perineal pós-parto vaginal e pós-episiotomia são frequentemente esquecidas ou ignoradas pelos profissionais envolvidos na prática da assistência.

A dor na episiotomia tem sido reportada como uma das causas mais comuns de morbidade materna no período pós-parto. A mulher com episiotomia tem uma experiência maior de dor e está sujeita a maior perda sanguínea, hematoma, infecção, deiscência, disfunção sexual, prolapso vaginal e fístula reto-vaginal, quando comparada com outros graus de trauma perineal(6, 11-13).

Além disso, sabe-se que a avaliação precisa da dor é de fundamental importância para a humanização da assistência prestada à paciente, pelo fato de promover o correto planejamento das intervenções a serem realizadas(14). No entanto, por ser a dor uma experiência subjetiva e multifatorial, ela não pode ser determinada por instrumentos físicos que usualmente permitem o registro de medidas de peso corporal, altura, temperatura e pressão sanguínea, pois não há um instrumento padrão que permita, ao avaliador, mensurar de forma objetiva essa experiência interna, complexa e pessoal. Também, não deve ser mensurada apenas por instrumentos unidimensionais, como dimensão que varia somente em magnitude de intensidade, mas sim globalmente, considerando todas suas múltiplas dimensões(15-17).

Deste modo, a avaliação multidimensional da dor é essencial para um manejo adequado, o que justifica a relevância desta pesquisa, cujo objetivo foi mensurar e caracterizar a percepção dolorosa de puérperas primíparas submetidas à episiotomia.

Neste contexto, diante da necessidade de mensurar e caracterizar a percepção das puérperas primíparas submetidas à episiotomia frente à dor perineal, preconizou-se, no presente estudo, a utilização da escala de categoria numérica (NRS) e os descritores de dor do instrumento multidimensional questionário para dor McGill, em sua versão adaptada para língua portuguesa(18).

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem quantitativa, que foi desenvolvida em uma maternidade filantrópica conveniada com o Sistema Único de Saúde, atendendo partos de baixo risco e privilegiando o parto vaginal, situada na cidade de Ribeirão Preto – São Paulo - Brasil.

Este projeto teve a aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, sob protocolo nº. 0665/2006.

Participaram do estudo 40 puérperas primíparas submetidas ao parto normal e que receberam assistência durante o processo de parturição na maternidade supracitada. Todas as participantes que estiveram de acordo com os procedimentos da pesquisa, e que aceitaram voluntariamente participar da mesma, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, segundo a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional da Saúde.

Foram incluídas no estudo as puérperas que atenderam aos seguintes critérios: primíparas com gestação de baixo risco; maiores de 18 anos de idade; alfabetizadas; que falavam e entendiam a língua portuguesa; que estavam orientadas quanto ao tempo e lugar; pós-parto normal; que haviam sofrido episiotomia com episiorrafia; que apresentavam dor no local da episiotomia e ausência de patologia genitourinária. Foi estabelecido que as parturientes que tivessem qualquer intercorrência puerperal seriam excluídas do estudo, entretanto isso não aconteceu com nenhuma das mulheres incluídas.

Os seguintes instrumentos para registro de dados foram utilizados durante a pesquisa: formulário de dados que constava de variáveis sobre o perfil das puérperas, antecedentes e procedimentos obstétricos, dados do trabalho de parto e do recém-nascido; escala de categoria numérica (NRS) representada por uma reta de 10 centímetros, onde 0 significa "nenhuma dor" e 10 denota a "pior dor imaginável"; parte III da versão Brasileira do questionário McGill de dor – Br-MPQ, validado(18). Este é composto por um conjunto de 68 descritores divididos em 4 categorias principais e 20 subclasses, que referem ao aspecto sensorial - discriminativa, composto de 10 subclasses e 34 palavras; afetivo - motivacionais, de 5 subclasses e 17 palavras; avaliação subjetiva - cognitiva, de 1 subgrupo e 5 palavras e categoria mista, composta de 4 subclasses e 12 descritores. Cada subclasse é formada de 2 a 6 descritores. Durante a aplicação dos descritores do Br-MPQ era solicitado a puérpera que escolhesse ou não um descritor que melhor representasse sua dor.

Foi realizado o teste-piloto em 15 puérperas para avaliar o cálculo do poder e tamanho da amostra e para verificar a compreensão e eficácia dos instrumentos de coleta de dados pelas puérperas. Para realização do mesmo foi empregado o aplicativo PASS, 2002 (Power Analysis and Sample Size), que identificou o número de 40 puérperas representativo para a amostra. Também constatou-se ser inviável o uso da escala analógica visual na pesquisa. Apesar de ser considerada de fácil aplicação, foi observada pouca compreensão e dificuldade de domínio da mesma pelas puérperas atendidas na maternidade, sendo, portanto, substituída pela escala de categoria numérica (NRS). Também observou-se na prática, restrições quanto ao uso do Br-MPQ para este grupo de mulheres, pelo fato do mesmo ser extenso, de difícil compreensão e cansativo. Entretanto, este foi mantido na pesquisa por ser uma ferramenta importante para mensurar adequadamente a complexidade da experiência dolorosa e pela sua validade, fidedignidade e reconhecimento científico.

A coleta de dados foi realizada durante os meses de março a maio de 2007. Antes de iniciá-la era verificado se as puérperas haviam recebido analgesia durante o trabalho de parto ou se tinham feito o uso de medicamentos ou outros recursos de alivio de dor. Caso houvesse sido feito uso destes, os pesquisadores aguardavam no mínimo seis horas, a partir do horário em que tinha sido administrada a última dose dos recursos terapêuticos, para iniciar a avaliação. Ressalta-se que o tempo de espera para o início do estudo levou em consideração o período de ação do medicamento utilizado, por isso foi variável. Também foi estabelecido, como critério, a execução de atividades, ou seja, somente eram avaliadas as puérperas que já haviam se levantado e realizado funções como sentar e caminhar.

A análise de dados foi realizada por meio da construção de um banco de dados no software aplicativo Microsoft Excel versão para Windows XP. Após codificação das variáveis em um dicionário de dados e da validação do banco de dados por dupla entrada, procedeu-se a análise exploratória das variáveis, passando-se em seguida a análise confirmatória.

A análise estatística foi realizada empregando-se o programa "Statistical Package for Social Sciences" (SPSS), versão 11.5 para Windows.

RESULTADOS

A idade das 40 puérperas participantes do estudo variou de 18 a 31 anos, com média de 21 anos, desvio-padrão de 3,2 e mediana de 20,5 anos. Em relação à ocupação, maioria (30-75%) era de donas de casa, 2 (5%) costureiras, 1 (2,5%) diarista, 4 (10%) caixas de loja, 1 (2,5%) estudante, 1 (2,5%) auxiliar de enfermagem e 1 (2,5%) manicure. Quanto a situação conjugal, as puérperas apresentaram-se distribuídas em proporções equitativas de casadas, solteiras e em união consensual. Sobre a etnia, a maioria das puérperas se identificou como brancas. No que diz respeito à escolaridade, 23 (57,5%) chegaram a cursar o nível médio de ensino, embora a maior parte destas não tenha chegado a concluí-lo.

As 40 puérperas participantes do estudo eram primíparas, conforme critério pré-estabelecido. Entretanto, quatro destas eram secundigestas com um aborto anterior.

A idade gestacional observada pelo tempo de amenorréia, variou de 34 a 45 semanas, sendo a média de 39 semanas, o desvio-padrão de 2,1 semanas e a mediana de 39 semanas. Quanto a idade gestacional observada pela ultra-sonografia verificou-se uma variação de 35 a 41 semanas, com média de 38,7 semanas, desvio-padrão de 1,3 semanas e mediana de 39 semanas. Também se observou uma perda de dados referente a ultra-sonografia.

Constatou-se que uma das puérperas do estudo não realizou pré-natal e que o número de consultas realizadas durante a gestação, variou de 0 a 11 consultas, sendo a média de 7,7 consultas, um desvio-padrão de 2,2 consultas e mediana de 8 consultas. Verificou-se que 85% (34) das puérperas realizaram mais de seis consultas de pré-natal.

A duração do trabalho de parto mensurado a partir da fase ativa até o nascimento, obtida através de dados no partograma, teve um tempo mínimo de 31 minutos e máximo de 9 horas, com média de 7,35 horas, desvio-padrão de 3,5 horas e mediana de 8 horas. O número de toques, também foi avaliado a partir da fase ativa do trabalho de parto e com base no partograma, tendo sido feito no mínimo 1 e máximo de 10 toques, média de 3,6 toques, desvio-padrão de 1,7 e mediana de 3 toques.

Nas variáveis referentes aos recém-nascidos verificou-se que a maioria era do sexo masculino, 22(55%). A média de peso foi de 3068,6 gramas, mediana até 3.070 gramas, e desvio-padrão 371,4 gramas. O menor peso ao nascer foi de 2160 gramas e o maior 4005 gramas. Quanto a estatura, variou de 41,5 a 52,5 centímetros, média de 48,5 centímetros, desvio-padrão de 2,3 centímetros e mediana de 48,5 centímetros.

Investigando o nível de dor mensurado pela NRS, observou-se que os valores encontrados na avaliação da dor foram, em média, de 4,2, desvio-padrão 2,0, mínimo de 1 e máximo de 8.

Em relação à caracterização da dor pelos descritores do Br-MPQ nas categorias sensorial, afetiva, avaliativa e mista, verifica-se na Tabela 1 os descritores que apareceram com maior frequência. Os descritores selecionados foram classificados por ordem de postos segundo as freqüências obtidas.

DISCUSSÃO

Utilizando o relato e a interpretação das puérperas sobre a dor perineal, por meio de instrumentos específicos de mensuração da dor, que inclui os dois tipos: unidimensionais e multidimensionais, observamos, neste estudo, pela escala de categoria numérica (NRS), que a intensidade da dor foi considerada como moderada pelas puérperas, com média de 4,2. Assim como outros autores(19-21), verificou-se neste estudo que a NRS foi considerada como um instrumento de fácil aplicabilidade e de boa aceitação pelas puérperas, contudo, constatou-se que esta não substitui o uso de protocolos multidimensionais de avaliação da dor.

Na caracterização da dor perineal apresentada pelas puérperas submetidas à episiotomia na avaliação da dor, verificou-se que os descritores e categorias que melhor definiram a dor pós-episiotomia foram: 1º- dolorida (sensorial) 67,5%, 2º- que repuxa (sensorial) 60%, 3º- incômoda (avaliativa) 57,5%, 4º- chata (afetiva) 55%, 5º- ardida (sensorial) 47,5%, 6º- pica como uma agulhada (sensorial) 45%, 7º- latejante (sensorial) 42,5%, 8º- em pressão (sensorial) 37,5%.

Pode-se notar com os resultados obtidos que, no presente estudo, houve uma tendência maior para a escolha de descritores da categoria sensorial em ambos os grupos, fato este que já era esperado devido a esta categoria englobar 50% (34 palavras) dos descritores do Br-MPQ, enquanto a categoria afetiva é constituída por 25% (17 palavras), a avaliativa por 7,3% (5 palavras) e a mista por 17,7% (12 palavras).

Autores(22) relatam que esta distribuição desproporcional dos descritores dos componentes sensorial, afetivo, avaliativo, acrescida categoria mista, que também é de caráter sensorial, tem sido motivo de questionamento, pois se acredita que esta diferença de proporções, coaja o paciente a escolher mais descritores da categoria sensorial. Apesar destas criticas, acreditam ser inquestionável o auxilio do questionário para o paciente poder comunicar sua experiência dolorosa.

Na literatura científica não encontramos estudos de avaliação da dor na situação considerada em nossa pesquisa. Dentre os estudos realizados de avaliação de dor resultante de uma incisão cirúrgica, um realizado(23) com 48 pacientes pós-operados, submetidos a cirurgias ortopédicas, ginecológicas, vasculares e abdominais, permitiu averiguar, pelo Método de Estimação de Magnitude, que os descritores de maior atribuição expressaram qualidades do tipo sensorial, afetivos e avaliativo da experiência dolorosa, conforme categorização da versão do questionário McGill de dor para a língua portuguesa. Os autores deste estudo ainda ressaltam que a literatura aponta descritores dos três agrupamentos como aqueles escolhidos por pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos diversificados.

Com o propósito de conhecer a qualidade da dor pós-operatória, outro estudo(24) com 88 pacientes adultos e pós-operados, permitiu observar que sensação dolorosa também foi descrita por descritores das categorias sensorial, afetiva e, avaliativa, sendo, a maioria das palavras escolhidas, pertencentes a categoria sensorial.

Objetivando investigar a aplicabilidade e validade do questionário de dor McGill em sua forma reduzida, o estudo(25) com 40 pacientes adultos, pós-operados, identificou que os descritores escolhidos com maior freqüência foram os pertencentes aos agrupamentos sensoriais e afetivos.

Contudo, torna-se difícil e limitada a comparação dos dados obtidos no presente estudo por meio do Br-MPQ com as informações de outras pesquisas, dadas as diferenças de idiomas e da própria validação do questionário para a língua portuguesa, já que existem validações realizadas por diferentes autores que utilizam descritores distintos dos utilizados neste estudo, que baseou-se na proposta de validação(18) entretanto encontramos na literatura cientifica nacional propostas de adaptação(22,26).

Ainda cabe ressaltar, que a aplicação do Br-MPQ mostrou-se produtiva por auxiliar as puérperas a encontrarem palavras que transmitissem exatamente o significado e a característica da experiência dolorosa, no entanto, durante a aplicação do mesmo surgiram algumas limitações para este grupo, quanto ao extenso tempo de aplicação e a dificuldade das puérperas em compreender e interpretar o significado de algumas palavras.

Em relação a estas limitações, é reconhecido(22) que algumas reflexões têm sido feitas, havendo concordância que o tempo médio de aplicação do Br-MPQ seja superior ao de uma escala de intensidade, mas o número e a qualidade das informações obtidas com o Br-MPQ são superiores. No entanto, sugerem a construção e validação de um questionário reduzido, semelhante ao McGill Short Form. Outro fato a ser considerado, é o de que indivíduos com baixa escolaridade, idosos ou com falta de concentração apresentariam maiores dificuldades na compreensão dos descritores(22,27).

Em nosso estudo, a maior parte das puérperas estudadas apresentava nível médio incompleto de escolaridade, o que nos permite supor que tal fato possa ter influenciado a compreensão de alguns descritores. Entretanto, acreditamos que o fato de alguns descritores não serem habituais do vocabulário das puérperas possam ter interferido. Também vale considerar o momento em que as mesmas se encontravam em que, geralmente, estão dispersas, com a atenção mais voltada para o filho.

Implicações e relevância deste estudo podem ser evidenciadas no conjunto das políticas internacionais de promoção à Maternidade Segura (OMS, OPAS) que visam redução da morbidade materna, dentre as quais a dor perineal no puerpério tem se apresentado como uma das ocorrências mais comuns com reflexos na saúde das mulheres e no exercício dos cuidados maternos. A possibilidade de opções de avaliação e de manejo terapêutico apropriados só viria contribuir para melhorar a qualidade da assistência prestada à puérpera, proporcionando-lhe melhor restabelecimento e disposição para desempenhar as funções maternas.

A humanização do cuidado prestado à mulher no puerpério requer, a princípio, dar visibilidade às necessidades das mulheres neste período, as quais muitas vezes, são subestimadas pelos profissionais de saúde envolvidos na prática da assistência, que priorizam os riscos e o patológico. A dor tende a ser banalizada, como parte do processo, tanto pelo profissional quanto pela mulher, apesar do sofrimento que causa. Constata-se a importância de se criar estratégias educativas dirigidas às mulheres e aos profissionais de saúde, no sentido de valorizar a queixa de dor que, pode ser avaliada com base nas características e na mensuração da intensidade.

Sendo assim, os resultados obtidos, devem ser divulgados e dirigidos àqueles que, direta ou indiretamente, estejam envolvidos com o período puerperal, sejam eles: médicos obstetras, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, fisioterapeutas, administradores de serviços de saúde ou hospitais, e para aqueles que definem políticas e estratégias relacionadas à saúde da mulher.

CONCLUSÃO

A intensidade da dor perineal foi considerada como moderada pelas puérperas submetidas à episiotomia. Na caracterização da queixa pelo Br-MPQ, os descritores que tiveram maior atribuição foram: 1º- dolorida, 2º- que repuxa, 3º- incômoda, 4º- chata, 5º- ardida, 6º- pica como uma agulhada, 7º- latejante, 8º- em pressão. Este estudo possibilitou-nos observar a necessidade do reconhecimento da importância dos aspectos qualitativos e quantitativos da dor na prática clinica obstétrica para que possam ser adotadas medidas terapêuticas mais eficazes que venham a contribuir para melhoria da assistência prestada a puérpera.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pelo apoio financeiro.

Artigo recebido em 01/10/2007 e aprovado em 11/02/2008

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  • Autor Correspondente:
    Ana Carolina Rodarti Pitangui
    Av. Portugal, 2580 casa 32 - Santa Cruz
    Ribeirão Preto - SP - CEP. 14020-380
    E-mail:
  • *
    Trabalho realizado na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - USP – Ribeirão Preto (SP), Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009

    Histórico

    • Aceito
      11 Fev 2008
    • Recebido
      01 Out 2007
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