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Carcinoma epidermóide de esôfago e adenocarcinoma gástrico sincrônicos

CARTA AO EDITOR

Carcinoma epidermóide de esôfago e adenocarcinoma gástrico sincrônicos

Janina Ferreira Loureiro Huguenin, Vitor Vargas Zampieri de Azevedo, Herbert Ives Barreto Almeida, Ivanir Martins de Oliveira, Carlos Eduardo Pinto

Trabalho realizado pela Seção de Cirurgia Abdômino-Pélvica do Instituto Nacional de Câncer – INCA, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência Correspondência: Janina Ferreira Loureiro E-mail: janinaloureiro@hotmail.com

INTRODUÇÃO

O carcinoma epidermóide de esôfago é ocasionalmente associado à outras neoplasias, principalmente do trato respiratório e da região da cabeça e pescoço1, 2, 3. A sua apresentação sincrônica com o adenocarcinoma gástrico é um evento raro, porém importante de ser investigado por ser o estômago o principal órgão utilizado para a reconstrução do trato alimentar após esofagectomia4. Nos casos em que existam tumores gástrico sincrônicos, o cólon passa a ser opção para a reconstrução do trânsito.

Embora esta associação entre tumores gástricos e esofágicos seja pequena nos países ocidentais, a incidência desse sincronismo vem aumentando nos países do oriente5. No Brasil, poucos casos são descritos, não existindo estimativa para estes sincronismo em nosso país.

RELATO DE CASO

Homem de 71 anos, branco, tabagista, casado e queixando-se há seis meses de pirose retroesternal, saciedade precoce, melena e emagrecimento. Evoluiu com disfagia para sólidos nos últimos dois meses. Ao exame físico, apresentava Performance Status de 1, emagrecido, sem adenomegalias palpáveis. Ausculta pulmonar e cardíaca normais. Abdome sem massas palpáveis. Toque retal normal.

Realizou endoscopia digestiva alta com lesão ulcerada acometendo 70% da circunferência do esôfago torácico médio-inferior e uma outra lesão úlcero-infiltrante em antro gástrico, circunferencial até o piloro, sem estenose, a mais de 10 cm da junção esofagogástrica. A biópsia da lesão esofágica diagnosticou carcinoma escamoso de esôfago, e a gástrica adenocarcinoma gástrico.

Tomografia de tórax, abdome e pelve descartavam derrame pleural ou adenomegalia torácica. Mostrava espessamento parietal concêntrico do terço inferior do esôfago, junção esofagogástrica, da região antropilórica e linfonodomegalia junto à pequena curvatura gástrica. Fígado estava com dimensões e contornos normais, sem sinais de lesões focais.

O paciente foi submetido à esofagogastrectomia total trans-hiatal com linfadenectomia e reconstrução com o cólon esquerdo e jejunostomia. A histopatologia confirmou presença de carcinoma epidermóide de esôfago médio de 7,5 x 6,5cm com margem proximal de 4,5 cm e adenocarcinoma gástrico Borrmman III de 4,0 x 2,5cm com margem distal de 2,0 cm (Figura 1). Foram isolados ao total 60 linfonodos, dos quais dois eram positivos para carcinoma epidermóide (um no grupo cárdico direito e um no esquerdo) e dois eram positivos para adenocarcinoma na pequena curvatura. A classificação patológica para tumor esofágico foi de pT3pN1 e para o tumor gástrico pT4apN1a.


Apresentou boa evolução pós-operatória, permanecendo em UTI até o 2º dia de pós-operatório, quando também foi introduzida a dieta pela jejunostomia. No 10º dia realizou esofagografia, sem sinais de fístula, sendo então iniciada dieta oral com boa aceitação. Recebeu alta hospitalar no 20º dia do pós-operatório.

DISCUSSÃO

Com o aumento da sobrevida dos pacientes com câncer e melhores programas de rastreamento para detecção precoce de lesões neoplásicas, cada vez mais tumores sincrônicos e metacrônicos são descobertos6,9. O carcinoma de células escamosas do esôfago tem sido descrito em associação com o adenocarcinoma gástrico principalmente no Japão. Em 1980, dados do Comitê Japonês de Doenças do Esôfago (Japanese Committee of Esophageal Disease) mostraram que dos 11.732 casos de tumores esofágicos ressecados no Japão, 186 (1,6%) eram associados a tumores gástricos7.

Hamabe et al.8, em estudo retrospectivo com 288 pacientes portadores de tumores primários do esôfago ressecados, obtiveram 17 (5,9%) com segundo tumor primário concomitante. Destes, 11 (3,8%) apresentavam adenocarcinoma gástrico, sendo todos do sexo masculino. Estes 11 pacientes foram tratados com esofagogastrectomia parcial ou total e a reconstrução do trânsito variou conforme o tamanho e localização da lesão gástrica. O próprio estômago remanescente foi utilizado em três pacientes, o cólon em sete e o jejuno em um. Os autores concluíram que nos casos de tumores gástricos e esofágicos sincrônicos, procedimentos cirúrgicos adequados devem ser escolhidos baseados no estadiamento, localização e experiência cirúrgica.

Koide et al. 4 avaliaram retrospectivamente uma série de 208 pacientes com tumores de esôfago dos quais 24 pacientes (11,5%) apresentavam tumores sincrônicos no estômago. Em relação ao tipo histológico das lesões gástricas, 12 (5,6%) eram adenocarcinoma, oito lesões benignas, um tumor carcinóide, duas lesões metastáticas intramural, uma lesão metastática linfonodal e um tumor submucosos de origem desconhecida. O tratamento realizado para a lesão de esôfago foi esofagectomia com linfadenectomia por toracotomia em 18 pacientes, esofagectomia transhiatal em quatro e apenas by pass paliativo em dois casos. Em relação às lesões gástricas, foram realizadas 10 gastrectomias totais com linfadenectomia, duas gastrectomias proximais com linfadenectomia, quatro ressecções alargadas (incluindo pancreatectomia distal e/ou esplenectomia associado à gastrectomia), seis ressecções gástricas parciais (leiomioma) e três ressecções de lesão gástrica (adenoma). A sobrevida dos pacientes operados com tumor esofágico único foi a mesma quando comparada com as duas neoplasias sincronicamente. Os autores destacam a importância do diagnóstico de tumor gástrico sincrônico ao tumor de esôfago por interferência no manejo destes doentes e também estimulam a ressecção de ambos os tumores sempre que factível.

Shibuya et al.10 estudaram pacientes com tumores de cabeça e pescoço e tumores de esôfago. Dos 434 pacientes com tumores de esôfago, 47 (10,8%) apresentavam tumores sincrônicos e 107 (24,6%) metacrônicos. Dentre as neoplasias sincrônicas ao esôfago, 23 casos (5,2%) apresentavam tumor de cabeça e pescoço e 16 (3,6%) lesões gástricas associadas.

A incidência precisa de um segundo tumor primário varia entre as séries. Essa diferença pode ser justificada pelos diferentes seguimentos e também por fatores genéticos e ambientais.

No Brasil, poucos casos são descritos. No Rio Grande do Sul, em uma série de 261 pacientes portadores de carcinoma epidermóide de esôfago, 19 (7,28%) apresentavam segunda neoplasia associada11. Em 10 dos 19 casos os tumores eram sincrônicos, dos quais quatro (1,5%) eram adenocarcinomas gástricos. Dois destes pacientes tiveram ambas as lesões ressecadas, enquanto os outros dois apenas tratamento paliativo (radioterapia e prótese esofágica).

A existência de tumores sincrônicos de esôfago e estômago é um evento raro, porém a sua identificação é fundamental para um adequado planejamento cirúrgico destes pacientes. Sempre que possível o tratamento cirúrgico radical deve ser realizado com o objetivo curativo de ambas as neoplasias.

Fonte de financiamento: não há

Conflito de interesses: não há

Recebido para publicação: 01/03/2012

Aceito para publicação: 31/01/2013

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  • Correspondência:

    Janina Ferreira Loureiro
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013
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