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Os deslocamentos de capitais no oeste americano do século XIX

The movements of capitals in the american west (XIXth century)

Resumos

Fundar um território ou um Estado no grande oeste dos Estados-Unidos do século XIX significa criar uma capital, e frequentemente deslocá-la até que o sítio escolhido corresponda ao projeto que sustentou a colonização anglo-americana. As hesitações desta política sumamente simbólica dependem da complexidade do povoamento, da instabilidade da economia regional, e de conflitos de interesses privados. Estudamos esta história a partir dos casos de Illinois e Minnesota que permitem ilustrar o conjunto de enfoques aos quais as elites foram confrontadas, querendo oferecer capitais significando o triunfo do processo de conquista territorial e simbolizando um conjunto de valores.

Estados Unidos; Cidades-capitais; Mobilidade


In the great American West from the Appalachians to the Pacific Ocean, founding new Territories or new States led to the creation of new capital cities, and the subsequent relocation of these cities' sites, to conform to the contemporary colonial ambitions of the Anglo-American settlers and administrators. Capital cities, therefore, were often moved according to the everchanging demographic of the population, the instability of economic conditions during the early years of colonial settlement, and a variety of private interest conflicts. Two case studies - Illinois and Minnesota - are scrutinized in this article to shed light on an overlooked phenomenon, which occurred in every Territory and State and which can facilitate our understanding of the early settlers' value systems.

United States; Capital-city; Mobility


DOSSIÊ: CAPITAIS SONHADAS, CAPITAIS ABANDONADAS

OUTRAS HISTORIAS AMERICANAS

Os deslocamentos de capitais no oeste americano do século XIX

The movements of capitals in the american west (XIXth century)

Tangi Villerbu

Maître de conférences (professor associado) em História Contemporânea. Faculté des Lettres, Langues, Arts et Sciences Humaines. Université de La Rochelle. 1 parvis Fernand Braudel 17031 La Rochelle Cedex.- França. E-mail: tvillerb@univ-lr.fr

RESUMO

Fundar um território ou um Estado no grande oeste dos Estados-Unidos do século XIX significa criar uma capital, e frequentemente deslocá-la até que o sítio escolhido corresponda ao projeto que sustentou a colonização anglo-americana. As hesitações desta política sumamente simbólica dependem da complexidade do povoamento, da instabilidade da economia regional, e de conflitos de interesses privados. Estudamos esta história a partir dos casos de Illinois e Minnesota que permitem ilustrar o conjunto de enfoques aos quais as elites foram confrontadas, querendo oferecer capitais significando o triunfo do processo de conquista territorial e simbolizando um conjunto de valores.

Palavras-chave: Estados Unidos. Cidades-capitais. Mobilidade.

ABSTRACT

In the great American West from the Appalachians to the Pacific Ocean, founding new Territories or new States led to the creation of new capital cities, and the subsequent relocation of these cities' sites, to conform to the contemporary colonial ambitions of the Anglo-American settlers and administrators. Capital cities, therefore, were often moved according to the everchanging demographic of the population, the instability of economic conditions during the early years of colonial settlement, and a variety of private interest conflicts. Two case studies - Illinois and Minnesota - are scrutinized in this article to shed light on an overlooked phenomenon, which occurred in every Territory and State and which can facilitate our understanding of the early settlers' value systems.

Keywords: United States. Capital-city. Mobility.

Os Estados Unidos do século XIX constituem um campo a priori fértil para quem quiser estudar o fenômeno dos deslocamentos de capitais: se considerarmos as terras adquiridas a partir do momento em que o país se tornou independente, entre os Apalaches e o oceano Pacífico, 32 territórios e estados precisaram ser dotados ou se dotaram, até 1912, de capitais, e em muitos casos, essa necessidade foi múltipla, uma vez que a capital chegou a ter quatro localizações. Como resultado, as transferências efetivas de capitais abundaram, havendo ainda que acrescentar os projetos de deslocamento abortados. Porém, nesse aspecto, existe um não assunto na historiografia.

Precisamos, então, recorrer aos trabalhos de erudição local, histórias locais do século XIX ou revistas das sociedades históricas dos Estados atuais, para encontrar um tênue vestígio de interesse pelo assunto, sem que seja apresentada uma visão de conjunto, desenvolvida uma problemática. Em uma perspectiva atual, o estudo das transferências de capitais emerge em um registro da curiosidade, de pitoresco erudito.

Todavia, na globalidade, essas transferências são ricas em ensinamentos, pois resultam de certo número de lógicas inerentes à conquista de novas terras e à criação das estruturas administrativas da colonização de povoamento no oeste americano do século XIX1 1 De nossa parte, decidimos propositadamente utilizar aqui o quadro conceitual do colonialismo, como começam a fazer certos historiadores do oeste, para deixar bem claro que a história do oeste no século XIX é, antes de mais nada, a dos ameríndios e só depois de uma primeira colonização, francesa, espanhola, inglesa ou russa, lentamente sobreposta, a partir de finais do século XIX por uma colonização anglo-americana: é esse processo complexo e multifacetado que é importante analisar. Consulte para a utilização do conceito colonial ROBBINS 1994, ADAS 2001, OSTLER 2004, WHALEY 2010. . Em primeiro lugar, porque ocorrem de forma privilegiada, por ocasião de mudanças de estatuto, principalmente da criação de Territórios e Estados, segundo as regras estabelecidas pelo Ordenamento do Norte-Oeste e respeitadas em seu espírito, mas com muitas adaptações conjunturais, até a criação dos Estados do Arizona e do Novo México em 1912.

Deslocar a capital significa, por parte das elites, demonstrar um desejo de futuro, como reconstruir sempre em uma terra virgem, repetindo incessantemente um ato de fundação. Assim, existe uma política dos símbolos: Será verdadeiramente necessário deslocar uma capital antiga para uma cidade nova? A escolha da localização da capital é fundamental, assenta-se em questões territoriais relacionadas tanto com a geografia quanto com as realidades políticas, mas também em desafios econômicos ou culturais em um contexto de grande incerteza. Escolher equivale, muitas vezes, a uma aposta: Como ter realmente a certeza da qualidade do local, do futuro das linhas férreas ou das jazidas de minerais, da "qualidade" dos fluxos migratórios? Essa incerteza induz, naturalmente, transferências, que dependem da visão que as elites em confronto - e a competição entre as cidades é renhida - têm da escolha da melhor localização e, por conseguinte, do futuro de seu Estado. Assim, penetrar na lógica das transferências de capitais é escrutinar os projetos dos anglo-americanos que estão no poder para as terras que conquistaram, é compreender como os colonos quiseram tornar real seu oeste imaginado.

Illinois: da herança francesa à cidade de Lincoln

Illinois foi criado como Território em 1809 e tornou-se Estado em 1818, entre o Mississipi e o Lago Michigan. Mas desde 1800 a região estava incluída no novo Território do Indiana e, portanto, possuía uma capital: Vincennes, no Wabash. Tratava-se de um antigo posto francês característico do que Jay Gitlin denominou recentemente o "corredor crioulo", esse espaço enorme entre os Grandes Lagos, os vales do Mississipi e do Missouri, e o Golfo do México, que a França tinha conquistado e, subsequentemente, perdido em 1763 (e 1803), mas que continuou a ser uma terra de expansão da francofonia e a esfera de influência dos comerciantes franceses pelo menos na primeira terça parte do século XIX (GITLIN, 2009).

Quando comparado a Detroit e Saint-Louis, Vincennes era um polo pouco importante, mas mesmo assim, por volta de 1800, tinha algumas centenas de habitantes, a grande maioria de origem francesa, vindos do vale de Saint-Laurent, da Louisiana ou da França. Essa comunidade de agricultores, artesãos e comerciantes, debatia-se, desde 1770, com fluxos migratórios angloamericanos constantes, particularmente da Virgínia, mas continuava a ser, quando Vincennes se tornou capital - uma escolha fácil, dada a centralidade da localização e sua dimensão excepcional no novo território -, um dique do catolicismo (o pai de Jean Francois Rivet, refratário emigrado, dirige a paróquia entre 1795 e 1804) e da francofonia.2 2 Existe pouca literatura sobre Vincennes. Consulte VILLERBU 2008 e VILLERBU a ser publicado.

Vincennes recebeu, nessa altura, os atributos de uma capital anglo-americana: o governador William Harrison mandou construir lá sua residência, um edifício que abriga modesta assembleia e, em 1806, foi criada uma biblioteca e também uma "universidade". Entretanto, continuava a ser decepcionante como capital. Jean Badollet, que passou a chamar-se John em sua pátria de adoção, era um genebrino emigrado para os Estados Unidos na década de 1780. Tornou-se cidadão americano graças a seu grande amigo Albert Gallatin, outro genebrino, mas especialmente secretário do Tesouro de Thomas Jefferson, diretor do Departamento das Terras de Vincennes. Em 1806, descrevia assim sua cidade, onde viria a falecer como grande notável em 1837:

A população desta cidade é constituída por antigos habitantes franceses e americanos. Os primeiros são uma raça ignorante, inofensiva e indolente, que exibe, aos olhos de um observador, uma combinação tosca de modos franceses e índios; seu apego aos velhos hábitos é tal que a ideia de viver na floresta, ou seja, em uma fazenda, lhes causa tanta repulsa como se tivessem caído aqui vindos diretamente do centro de Paris. Tendo sua anterior opulência desaparecido com o comércio índio por meio do qual subsistiam, vivem enfiados nesta aldeia (o único lugar dos Estados Unidos a que esse nome se aplica com o mesmo sentido que tem na Europa), com algumas exceções, em uma situação de grande pobreza, transportando sua lenha a uma distância de 5 a 6,5 km, cultivando um pouco de milho nas proximidades de Vincennes e dedicando-se à navegação como profissão.

Nada ilustra melhor sua falta de planejamento do que a precipitação com que se desfizeram de suas terras por uma ninharia. Nem mesmo um dentre cem continua atualmente proprietário das terras que lhes foram concedidas pelos Estados Unidos. Entre os norte-americanos encontra-se mais compreensão e ambição, em cada rosto adivinha-se o desejo de atividade, um tédio que gerou um espírito de jogo, demasiado prevalecente aqui. À mesma causa se pode atribuir a atenção constante a anedotas domésticas, a tendência para a bisbilhotice e a difamação, o que para uma mente bem formada torna a conversa desinteressante ou repugnante e, ao impor uma contenção necessária, destrói efetivamente qualquer prazer de sociabilidade. A pessoa sente-se solitária por muita gente que tenha à sua volta3 3 John Badollet à Albert Gallatin, Vincennes, 1º de janeiro de 1806, em THORNBLOUGH 1963, p. 58-59. (VINCENNES, 1963, p.58-59).

Uma população francesa miserável, em relação à qual Badollet utiliza todos os topoi que já circulam sobre sua incapacidade de desenvolver o continente, e americanos que dificilmente brilham. O retrato de Vincennes não é lisonjeiro e precisamos admitir que, efetivamente, a cidade teve um desenvolvimento muito medíocre, a única evidência de sua centralidade foi o fato de ter sido erigida, embora tardiamente, como sede episcopal católica em 1833, o que, afinal de contas, apenas indica sua ligação francesa e não o dinamismo americano. Foi de forma bastante lógica que Indiana deslocou sua capital - Corydon - quando se tornou Estado e criou uma cidade, Indianapolis, para funcionar como tal, em 1825.

Entretanto, a região entre Wabash e Mississipi tinha-se povoado suficientemente para querer voar com as próprias asas, e foi assim que surgiu o Território de Illinois. Mas a capital apresentava características idênticas às de Vincennes. De fato, Kaskaskia, que se tornou a capital em 1809, era, como Vincennes, uma antiga povoação francesa. E, como no caso de Vincennes, a escolha era óbvia, mesmo que a posteriori pareça pouco satisfatória: a essa altura Illinois era povoada - excetuando-se as tribos indígenas - especialmente no extremo sul e ao longo das margens do Mississipi, todos locais ainda em grande parte franceses e situados na órbita de St. Louis4 4 DAVIS 1999, mas o francesismo do local é mais visível, por exemplo, na história erudita e baseada em uma série de notas biográficas de REYNOLDS 1852. .

Assim, um dos problemas que se colocava em Kaskaskia, na primeira década do século XIX, era a imposição, pelo bispo de Baltimore, Monsenhor Carroll, do regresso da população francesa à ordem católica. Como havia sucedido em Vincennes, a cidade acolheu dois refratários: os irmãos John e Donald Ollivier, filhos de uma família de pequenos proprietários de terras da nobreza, respectivamente, reitor e vigário da paróquia de Sautron (diocese de Nantes), até 1791, que tinham passado pela Espanha antes de chegarem a Illinois5 5 Charles Berthelot du Chesnay tinha compilado fichas sobre os irmãos Ollivier: Arquivos regionais da Ille-et-Vilaine, 29J 9. Baseou-se nelas para construir sua tese, BERTHELOT DU CHESNAY 1984 , onde constataram que os habitantes de Kaskaskia estavam acostumados a enterrar não católicos em seu cemitério e mostravam-se relutantes em pagar o dízimo6 6 Cartas de Jean-François Rivet a Monsenhor Carroll, Vincennes, 18 de setembro de 1799 e 31 de outubro de 1800, Arquivos da diocese de Covington (Kentucky), documentos Camille Maes. . Sinal de mudança na cidade? Na verdade, os anglo-americanos, como em Vincennes, estão muito presentes na região, mas na povoação de Kaskaskia propriamente dita, são escassos. Por isso, designar a localidade como a capital de Illinois parecia um desafio: assumir que a pequena aldeia francesa, originária de um projeto missionário jesuíta e ainda marcada por sua herança católica, transformar-se-ia em capital de um Estado que todos queriam que se tornasse a vitrine da colonização de povoamento anglo-americana.

É que Illinois era realmente um sonho. Moses Austin expressava-se assim em relação ao assunto em 1796:

A região de Illinois é talvez uma das mais belas e férteis da América e tem a vantagem peculiar de possuir grandes planícies e pradarias ou florestas onde se pode fazer a colheita no primeiro ano, sem o problema e a despesa de abater árvores, o que em todas as outras partes da América acabam por exaurir a força e a bolsa de um novo colono7 7 Memória de Moses Austin, datada de 25/Mar/1797, Um Memorando de Viagem de Austin», American Historical Review, Vol. 5, No. 3. (Abr., 1900), p. 539. Austin está a caminho da margem espanhola do Mississipi, onde se instala para aproveitar as minas. Mais tarde, em 1820, tornar-se-ia célebre como primeiro empresário americano no Texas. (AUSTIN, 1900, p.539).

Se acrescentarmos as minas e a rede fluvial, Illinois anuncia-se como uma terra de abundância para os novos colonos. Era esse discurso incessante das elites locais que circulava nos guias para migrantes e que muito contribuía para o aumento real da população anglo-americana. No outro lado do Atlântico, Illinois tornou-se famoso na década de 1810 graças à prosa do inglês Morris Birkbek, em sua apologia sem limites às pradarias do território.

Kaskaskia era, portanto, uma capital, mas sem brilho e sem que o enxerto anglo-americano o tivesse adquirido. Portanto, quando lá se reuniu a convenção destinada à criação do Estado de Illinois, no inverno de 1818-1819, decidiu-se criar uma nova capital. Em março, os eleitos ofereceram quatro lotes de terras e encarregaram uma comissão de subir o rio Kaskaskia para definir o melhor local com a finalidade explícita de romper com a velha história imperial, tal como a mesma se expressava em Kaskaskia, para fundar uma nova cidade que fosse portadora da visão de um mundo novo.

Foi no meio dos bosques, nas margens do rio, que os comissários escolheram a localização dessa capital, cujo nome era Vandalia. Nome improvável, alegadamente originário de um mito local: uma tribo indígena extinta que teria a denominação de "vândalos". A escolha não era anódina para Thomas Ford, que participou da convenção de Kaskaskia: "O nome de sua nova cidade [...] ilustraria melhor o caráter dos modernos e não dos antigos habitantes do país" (FORD, 1854, p. 35). Tratava-se, paradoxalmente, ao abandonar uma capital francesa por outra, que devia seu nome a um povo desaparecido, de romper com o passado. Na verdade, era necessário trocar uma referência europeia por um enraizamento continental por captação de identidade.

Vandalia suscitava, no momento de sua criação, as maiores esperanças. Ferdinand Ernst, um jovem migrante alemão, foi o melhor testemunho disso, em setembro de 1819, quando os lotes foram vendidos no novo local:

Cheguei a Vandalia no dia 5 de setembro" Este local, segundo a Constituição do estado de Illinois, será a sede do governo do novo estado. Fica a cerca de 80 km de Edwardsville e aproximadamente a 95 km do Wabash; mais ou menos no centro do estado. sua localização foi bem escolhida, em uma margem do Kaskaskia, com cerca de 15 pés de altura e grande abundância de madeira para construção, boa água de nascente e excelentes terras à volta. O rio, que é navegável até este ponto, descreve aqui uma curva acentuada que forma quase um ângulo reto, vindo de leste para sul.

A planta da cidade é formada por um quadrado dividido em 64 quadrados e o espaço de dois destes quadrados no centro destina-se a uso público. Cada quadrado, com oito lotes para construção, tem aproximadamente 9000 m2; cada lote de construção tem cerca de 25 m de largura e de 46 m de comprimento. Cada quadrado é atravessado de norte para sul por uma ruela de cerca de 5 m; e as ruas grandes, uniformes e em linha reta, com aproximadamente 25 m de largura interceptam-se entre si em ângulos retos.

Somente há quatro semanas, os membros da comissão, anunciaram a venda desses lotes (que se realizará amanhã) e já se nota muita atividade. Eu e Charles Reavise fomos os primeiros a começar a construir. Como era difícil, naquele tempo, penetrar na densa floresta que abraçava todo o circuito da futura cidade! Atualmente existem várias estradas transitáveis até lá. Neste momento estão em curso os mais intensos preparativos para a construção de casas e somos diariamente visitados por viajantes. Como tudo terá mudado daqui a 10 ou 20 anos! Todas essas enormes florestas terão desaparecido, dando lugar a uma cidade próspera, com belos edifícios. A partir deste local um povo livre, governar-se-á por meio de seus representantes e zelará por sua liberdade e bem-estar (ERNST, 1904, p. 163).

Estamos perante uma história americana clássica, que foi divulgada durante muito tempo n os manuais: uma nova cidade, um ambiente difícil, mas perspectivas brilhantes, porque a coragem e a fé que os colonos depositam no futuro tornarão todos os sonhos possíveis. Mas a história do avanço para o oeste também é feita de insucessos individuais e coletivos, e Vandalia foi um deles A cidade era considerada insalubre e cara, estava mal ligada ao restante do Estado e também ao restante do país, na verdade, a tal ponto que a estrada nacional prevista por Albert Gallatin, na primeira década do século chegou a Vandalia quando esta já não era mais capital.

Em meados da década de 1830, Vandalia possuía todos os atributos de uma capital, com seu capitólio, seus dois jornais, instituições religiosas e escolas. Porém, a constatação é clara: a cidade era um fracasso econômico e demográfico: Peoria, Jacksonville, Decatur, Alton, Springfield, Quincy, emergem como verdadeiros polos e ofuscam Vandalia (STROBOL, 1992), o que, por si só n ão constituía necessariamente um problema: a cidade podia continuar com uma dimensão reduzida e limitada a sua função administrativa, como tantas capitais de Estados americanos. Mas os desafios de poder locais decidiram em outro sentido.

Illinois dos anos 1830 era, de fato, fragmentado, do ponto de vista tanto cultural como político. O Estado era um testemunho ideal da transposição para o oeste do problema fundamental n ão resolvido durante a revolução: a escravatura. Os colonos traziam consigo suas convicções e seus sistemas econômicos, sociais e raciais e Illinois, onde a escravatura era teoricamente proibida, vê-se rapidamente dividido entre sua parte sul, que vive ao ritmo dos Estados vizinhos, os escravagistas Missouri e Kentucky, e sua parte norte, que é mais uma extensão de New England, de Nova York ou da Pensilvânia, e que, sem militar no campo abolicionista, e sem negar um racismo patente, recusa a escravatura, porque faz concorrência com o trabalho livre e leva a uma presença negra desprezada.8 8 Esses anos cruciais para os Estados Unidos são o tema de fervorosos debates entre os historiadores. Consulte recentemente WILLENTZ 2005, HOWE 2007, REYNOLDS 2008. EGNAL 2009 demonstrou claramente a importância nacional dessa fragmentação do Illinois, como dos outros Estados do meio-oeste.

Ora, Vandalia tinha obtido o título de capital apenas durante 20 anos e aproximava-se o momento de decidir novamente. Às oposições naturais entre cidades emergentes, cujas elites locais acalentam sonhos de grandeza, vêm somar-se grandes conflitos em torno daquilo que Illinois deveria ser: Escolher-se-ia uma cidade do sul, uma capital do norte ou se inventaria mais uma vez uma nova cidade sob a forma de compromisso?

O debate foi lançado em 1833 e, em 1834, realizou-se um referendo conjuntamente com a eleição dos representantes do Estado. Alton, que apostava em sua rede fluvial e esperava concorrer com Saint-Louis, venceu Vandalia, que representava a continuidade, e Springfield, cujos defensores argumentavam com a centralidade geográfica. Mas a vitória era muito precária: 7.511 votos contra 7.148 e 7.044. Como o contrato de Vandalia não havia terminado e não se impunha uma solução, a decisão foi adiada.

Nas eleições seguintes, os condados de Sangamon e de Springfield enviaram nove representantes, unanimemente Whigs, incluindo o jovem Abraham Lincoln. Em 25 de fevereiro de 1837, a Câmara dos Representantes aprovou uma lei sobre a transferência da capital, estipulando que a cidade vencedora se comprometia a pagar 50.000 dólares de despesas, acrescidas do montante equivalente despendido pelo Estado para adaptar o local às novas exigências. Em 28 de fevereiro, Springfield ganhou no quarto turno, por 73 de 123 votos, graças ao recente domínio Whig, marcado pela componente nortista do Estado. No entanto, o assunto não ficou encerrado porque, por um lado, a primavera de 1837 assistiu à explosão de uma crise econômica que tornou quase impossível, a médio prazo, enfrentar as despesas exigidas pela lei e, por outro, Vandalia continuou a contestar juridicamente, durante alguns anos, o deslocamento da capital e, portanto, sua perda de estatuto (PEACE 1918; STROBL 1992; POSPISEK 2006).

No entanto, em meados da década de 1840, Springfield emergiu como capital incontestada de Illinois, sem que isso diminuísse efetivamente as divisões do Estado, que se tornarão gritantes no final dos anos 1850, quando se oporão as duas celebridades da política americana que foram Stephen Douglas e Abraham Lincoln, defensores de dois projetos concorrentes para o país: a escolha da capital continua a ser uma política do símbolo que, no caso vertente, não conseguiu resolver profundas clivagens políticas e culturais.

Projeções

O caso de Illinois ilustra os múltiplos desafios que se colocam em torno das transferências de capitais: Que identidade cultural associar às capitais? Como garantir o sucesso do projeto urbano? Como cimentar a comunidade em torno de uma visão cujo projeto de capital é portador? Como ultrapassar as rivalidades locais? Cada Estado do oeste viu-se confrontado com o problema no século XIX.

O Arkansas ou o Arizona conhecem situações de ambiguidades culturais, que levaram a procurar a cidade mais representativa da nova colonização anglo-americana. O Arkansas foi criado às pressas, em 2 de março de 1819, porque os interesses escravagistas locais viam com horror a transformação, no ano seguinte, do Missouri, do qual fariam parte, em um Estado sem escravos. Por isso, era necessário tomar a iniciativa e criar um pequeno Estado sulista no oeste, além do Mississipi - ironicamente, em 1820, o compromisso do Missouri autorizava, por derrogação, o Missouri, a continuar escravagista. O Arkansas tinha falta de cidades, como muitos novos Estados, e foi Arkansas Post, junto ao rio com o mesmo nome, escolhida como capital. Antigo posto francês e depois espanhol, Arkansas Post é assim descrita em 1805:

Aqui a população é constituída por sessenta a setenta famílias, nove ou dez das quais são oriundas dos três estados, Virgínia, Maryland e Pensilvânia; as outras (à exceção de uma ou duas espanholas) são todas francesas, nativas ou emigrantes de Illinois e Nova Orleans e duas ou três da Europa, residentes na aldeia ou em um círculo de cerca de 5 a 6,5 km; também existem, dispersas pelo rio, sete ou oito famílias, a mais próxima a mais de cinquenta milhas e a mais distante, ao dobro dessa distância, por terra; o que pelos meandros do rio, talvez corresponda a quarenta léguas divididas entre essa zona; existem ainda sessenta negros, raramente mais de três por família, e com uma ou duas exceções, todos são escravos9 9 John Teats, responsável americano do posto em 1805, citado em MATTISON 1957. (TEATS, 1805, apud MATTISON p. 37-38).

O problema era, portanto, o de Vincennes e Kaskaskia: um perfil de capital que não correspondia ao projeto cultural do novo Estado. A administração não deixou de se instalar em Arkansas Post, mas com a firme intenção de se mudar rapidamente.

Quanto ao Arizona, precisava gerir sua herança hispânica e não francesa. O território foi criado em 1863, por Abraham Lincoln, durante a Guerra de Secessão, por razões essencialmente estratégicas, e constituía a metade ocidental daquilo que, a essa altura, era o Novo México - que se manteve, mas reduzido para metade. Enquanto o Novo México manteve uma maioria hispânica que desenvolvia sua própria consciência de identidade, o Arizona, que conhecera apenas um pequeno foco de povoamento espanhol e depois mexicano em sua parte sul, foi rapidamente invadido pelos colonos anglo-americanos graças a seu extraordinário potencial mineiro (SHERIDAN, 1995; NIETO-PHILLIPS, 2004).

As autoridades que tomaram as rédeas do Arizona, decidiram, em 1864, fazer de Prescott sua capital. Mas, a essa altura, Prescott não passava de um pequeno aglomerado mineiro em gestação, muito isolado, que tinha como única vantagem manifestar o futuro que se pretendia dar ao Território. Em 1867, o governador Richard McCormick obteve a transferência da capital para Tucson, uma autêntica cidade, a mais importante e mais antiga da região, mas com um urbanismo e população francamente hispânicos (SHERIDAN), o que não dava a imagem desejada. Em 1877, decidiu-se reenviar as instituições para Prescott, processo que ficou concluído em 1879. Mas apesar de ter crescido, a cidade mantinha suas lacunas: Faltava-lhe centralidade e se beneficiava de redes de transportes muito medíocres, ao passo que Tucson se situava na trajetória da linha do Pacífico Sul que a ligava a Nova Orleans e a Los Angeles. Em 1879, a luta foi relançada, entre Prescott, que queria manter sua situação, Tucson, que estava se americanizando lentamente e queria recuperar terreno e um terceiro elemento, Phoenix, que estava adquirindo poder, nos anos 1880, e apostava em seu vale fértil, em sua ligação ferroviária com Tucson e em sua americanidade. Foi uma guerra de dez anos entre as elites dos três polos e mais tarde dos dois, quando Tucson renunciou, em 1885. Todos os golpes foram permitidos durante as várias leis sobre a transferência da capital apresentadas à assembleia territorial, até a vitória final de Phoenix em 1889 (EHRLICH, 1981).

O destino da capital do Arkansas foi igualmente decidido entre o jogo político e os negócios. Na sessão legislativa de fevereiro de 1820 foram propostas duas soluções: Cadron e Little Rock. O segundo local tinha sido reconhecido pelos franceses em 1722, mas estes não tinham construído nada lá, e o local mudou muitas vezes de mãos até que um especulador de Saint-Louis, William Russell, se apoderou dele. Russell assistiu à sessão de fevereiro, durante a qual a assembleia, na falta de acordo, acabou por adiar a decisão para a sessão de outubro. E entre fevereiro e outubro, sob a influência de Russell, um certo número de legisladores, comprou lotes de terrenos em Little Rock (o presidente da câmara comprou os seus lotes durante a sessão de outubro) e, logicamente, a assembleia votou sem dificuldades pelo deslocamento da capital para a cidade de Little Rock, que ainda só existia na cabeça de seus promotores (WHAYNE, 2002). Arkansas Post resistiu como porto fluvial até a Guerra da Secessão e desapareceu como cidade quando a estrada de ferro a tornou inútil.

No mesmo ano que o Arizona, Lincoln - cuja atividade neste domínio foi inigualável (ETULAIN, 2009) - criou o Território de Idaho, uma região mineira no norte das Montanhas Rochosas. Tratava-se, contudo, de um território sem uma cidade estável: era constituído apenas por cidades mineiras que tinham emergido recentemente da terra e cujo destino era incerto. A maior dessas cidades era Idaho City, que contava com mais de 6.000 habitantes, mas só era acessível a cavalo, e não tinha ruas nem agência dos correios.

O governador privilegiou Lewiston, que até a criação do território era uma pequena cidade de barracas situada na reserva dos Nez-Percés, cujas fronteiras tinham sido deslocadas para legalizar a nova capital. Lewiston levou a melhor, porque estava ligada ao resto do mundo: uma linha de diligência permitia chegar a um navio a vapor que conduzia a Portland, na costa do Pacífico. Mas Lewiston era uma capital muito pobre, e a fragilidade de sua situação, como a de outras localidades, suscitava cobiças, com todas as novas comunidades gabando-se de ser uma escolha melhor.

Boise City venceu rapidamente: ainda com melhores ligações do que Lewiston, também era mais central. Mas as polêmicas não terminaram e quando o território se tornou Estado em 1889, Boise foi realmente confirmada, mas a Constituição previa uma divisão das funções de capital: o Supremo Tribunal devia reunir-se, alternadamente, em Boise e Lewiston (que desse modo não perdia tudo) e a universidade do Estado foi fundada em Moscow (SCHWANTES, 1991; ARRINGTON, 1994).

Tucson também obtivera a universidade quando Phoenix se tornou capital. O modelo disseminou-se, por ser conveniente, na medida em que permitia minorar os ressentimentos e multiplicar os polos de desenvolvimento especializados no território, ao dispersar as instituições públicas: a capital era a sede do Capitólio, mas pode nunca ter ganho mais nada.

O território de Dakota, quando foi criado em 1861, optara por esta estratégia: sua área era imensa, as cidades pequenas e pouco numerosas, essencialmente mercados agrícolas, mas muito reivindicativas, e a primeira sessão parlamentar em 1862, fora, no mínimo, tempestuosa. À força de negociações, Yankton tornou-se capital, Vermillion obteve a universidade e Bon Homme a penitenciária. Como na maioria dos casos, o acordo foi imediatamente contestado pelos vencidos e os recém-chegados, mas a contestação foi contida até 1883. Nesse ano, o próprio governador Ordway tinha interesses financeiros no projeto e o Pacífico Norte, que construiu uma linha ferroviária na parte norte de Dakota, exercendo uma intensa pressão junto dos eleitos.

Foi nomeada, desse modo, uma comissão e organizada uma digressão pelas localidades, devendo cada uma garantir um investimento de 100.000 dólares e, aproximadamente, 65 hectares de terrenos para construção. No sul do território, várias cidades propunham-se e opunham-se entre si, enquanto no norte o consenso se reunia à volta de Bismarck, que foi naturalmente escolhida. A consequência imediata foi o reforço da vontade do sul de se separar do norte. O fracasso de uma nova transferência, desta vez para Pierre, cidade do sul, em 1885, convenceu a todos de que o Dakota unido não tinha futuro, então, em 1889, nasceram dois Estados: Dakota do Norte, com Bismarck como capital, e Dakota do Sul com Pierre (SCHELL, 2004).

Poderíamos multiplicar os exemplos, mostrando a rivalidade entre Cheyenne, Laramie e Evanston, no Wyoming (GOULD, 1968) ou entre Helena e Anaconda, em Montana (NEWBY, 1987), durante os períodos em que os estatutos jurídicos territoriais ainda estavam em evolução e as hierarquias urbanas, tal como os equilíbrios demográficos, continuavam a ser muito instáveis. Encontraríamos sempre os mesmos elementos de uma história comum, a da procura da coerência do território conquistado e colonizado, da concordância entre um projeto cultural e lógicas econômicas locais e nacionais, entre as escalas em função das quais cada um pensa seu futuro, entre cidade, seção do Estado e Estado.

Projetos abortados e capital estável: o Minnesota

O Minnesota oferece a oportunidade de rever todos esses dados, mas em um caso específico: a capital, definida em 1849 como temporária e alvo, durante décadas, de projetos concorrentes, nunca foi deslocada10 10 Nos primeiros tempos do Minnesota, uma síntese recente faz o balanço de algumas décadas de sucesso que renovaram profundamente a visão da história do Estado: WINGERD 2010. . O argumento demonstrativo não colhe, especificamente ao invocar que Saint-Paul era a única verdadeira cidade quando o território foi criado e que sua supremacia nunca tinha sido posta em causa, integrada como estava no conjunto das "Cidades Gêmeas", com Minneapolis, a laboriosa. Pelo contrário: em um país onde Nova York, Baltimore, Filadélfia, Detroit, Chicago, Los Angeles, Miami, Saint-Louis, Nova Orleans ou ainda Houston são capitais dos respectivos Estados, o fato de a capital do Minnesota se encontrar no centro da metrópole regional e não em uma cidade à qual a função de capital teria sido especialmente destinada, pode parecer uma anomalia, que se deve elucidar: Por que os deslocamentos da capital sempre fracassaram?

O caso é tanto mais estranho quanto Saint-Paul podia apresentar inicialmente as deficiências de Vincennes, Kaskaskia ou Arkansas Post: uma cidade insuficientemente representativa da colonização anglo-americana. Em 1846, Robert Clouston descrevia-a assim:

St. Paul é uma pequena aldeia miserável, constituída por umas quantas casas dispersas, entaladas aqui e ali no topo de um barranco praticamente suspenso sobre o Mississipi: quase todas as casas são uma loja ou uma mercearia [uma taverna] para o abastecimento dos agricultores da vizinhança e para os índios Sioux e, seguramente, um dono de mercearia não se pode queixar de não se beneficiar de apoio, pois beber uísque parece ocupar pelo menos metade do tempo dos piores cidadãos de Saint-Paul. A outra metade é dedicada a vigarizarem-se uns aos outros ou a incomodar os estranhos: os agricultores cultivam apenas o suficiente para suprir suas próprias necessidades sem, aparentemente, fazer qualquer tentativa para melhorar sua situação: parecem uma classe de homens indolentes, preguiçosos, inúteis e pode-se imaginar o aspecto miserável e sujo de suas casas11 11 Narração de Robert Clouston, Minnesota Historical Society, [WINDOWS‐1252?] p.2379. (CLOUSTON, p.2379).

A cidade parecia pouco fadada para ser, três anos depois, a capital de um novo território cujas elites anglo-americanas encaravam o futuro com loucas esperanças de desenvolvimento econômico. Não que o quadro pintado por Clouston devesse ser levado ao pé da letra, mas mostrava até que ponto o modelo desenvolvido pelos francófonos de Saint-Paul se enquadrava mal no imaginário dos Estados Unidos. Era preciso escolher outra capital ou transformar Saint-Paul.

O problema colocou-se, portanto, quando o Minnesota conseguiu tornar-se território, decisão para a qual muito contribuiu Saint-Paul: as elites da cidade, como os habitantes do bosque do vale próximo da Santa Cruz, recusaram-se a permanecer no Wisconsin, quando este se tornou um Estado em 1846, porque já viam a si próprios como o centro de um futuro Estado voltado para o oeste, para a pradaria. Por conseguinte, em 1849, tratava-se de propor uma capital para o novo território. Ora, o congresso dos Estados Unidos tinha autorizado os fundadores do território a reunir a convenção em Saint-Paul, como se a escolha se impusesse, quando na região ainda não se tinha realizado nenhum recenseamento exato. Este chegou no fim do ano: atribuiu 840 habitantes a Saint-Paul, contra 637 a Pembina, 609 à Stillwater, 328 a Little Canada e 243 à Saint-Antoine. Mas Pembina estava demasiadamente afastada do centro e povoada de mestiços; Stillwater não passava de um centro industrial nascente, construído em torno de serrarias; e Little Canada, como o nome indica, era um centro de imigrantes francófonos. Saint-Antoine tentou ser a capital, como demonstra o pequeno aglomerado de Sauk Rapids, mas sem sucesso.

A primeira sessão da assembleia territorial elege Saint-Paul a título temporário: a cidade, fundada havia menos de dez anos por canadenses francófonos, acabava de mudar de fisionomia e de se tornar aceitável, com sua maioria, entretanto, anglo-americana e seu crescimento desenfreado (o recenseamento de 1850 atribuiu-lhe 1284 habitantes, o que representa um crescimento de quase 53% só em um ano) e, a essa altura, era um centro comercial importante e último porto do Mississipi (WILLS, 2004).

Mais uma vez, as coisas não foram assim tão simples e a decisão esbarrou na oposição de todos aqueles que pensavam que sua cidade tinha um futuro melhor do que a cidade vizinha e melhores condições para abrigar as instituições do Estado e funcionar como sua vitrine. Além disso, a segunda sessão da assembleia decidiu uma divisão de funções: a penitenciária para Stillwater, a universidade para Saint-Antoine, o capitólio e o governador para Saint-Paul.

No entanto, ainda nada tinha sido decidido e sucederam-se décadas de pressões no Minnesota, com argumentos já esgrimidos: a centralidade geográfica da capital, enquanto Saint-Paul estava totalmente distanciada do centro, no sudeste do Estado; as rivalidades financeiras entre os especuladores (os "boosters"), que apostavam nas cidades com futuro hipotético, o projeto cultural de que a capital era portadora (THOMPSON, 1973). O argumento da centralidade foi invocado por grupos que apresentaram as duas localidades concorrentes de St. Paul, mas essa nunca foi a parte mais importante de raciocínio, em um Estado que, até o final do século XIX, fora colonizado muito parcialmente e só estava densamente povoado em sua terceira parte no sul: St. Peter, junto ao rio Minnesota, ou a localidade de Kandiyohi, teriam desviado a capital para oeste, mas esse aspecto raramente era o mais debatido.

Em contrapartida, tratava-se, sobretudo, de inventar uma nova capital por razões financeiras. Em 1854, o governador Willis A. Gorman, em pessoa, e nove sócios adquiriram terras na margem sul do rio Minnesota, terrenos nos quais se supunha nascer uma cidade: St. Peter (não confundir com a antiga Saint-Pierre, aldeia francófona situada na mesma margem do rio, a que os angloamericanos preferiram chamar Mendota). A St. Peter Company foi reconhecida em 1856 e começou a promover a localidade, por meio de uma eficaz ação de lobby na assembleia territorial.

E o sucesso não tardou a chegar: em fevereiro de 1857, durante aquela que se pensava ser sua última sessão antes do nascimento do Estado do Minnesota, a assembleia votou a favor da transferência da capital de Saint-Paul, cidade florescente, para St. Peter12 12 Decidi manter aqui a grafia "Saint-Paul" porque a cidade é de origem francófona e utilizar a grafia "St. Peter" para uma suposta cidade imaginada no âmbito da colonização de povoamento anglo-americana. , cidade inexistente. No entanto, a lei não foi aprovada, devido a um episódio que ficou célebre na história local: Joseph Rolette, representando a comunidade mestiça de Pembina e chefe do comitê de leis da assembleia, desapareceu durante vários dias com o texto da lei de transferência, até passar o prazo legal de promulgação. Ninguém sabe a razão exata desse comportamento bizarro, mas Rolette foi considerado um herói pela população de Saint-Paul: salvou o estatuto da capital (WHITE, 1999).

Esses episódios não ocorreram, contudo, sem dificuldade: os promotores de St. Peter na assembleia tinham - apesar de tudo, graças a uma cópia do texto - obtido a assinatura do governador Gorman, que era o primeiro interessado no deslocamento. Mas a assembleia não considerou essa assinatura, que não saiu de Saint-Paul como devia, antes de 1º de maio de 1857, o que invalidou todo o processo. Assim, a Constituição do Estado, votada em 1858, regressou ao ponto de partida: a capital estava em Saint-Paul, mas uma "votação popular" podia mudar sua localização - e St. Peter continuava a ser uma miragem.

Outros especuladores assumiram, então, esse papel. Em 1856, pouco antes da crise econômica que atingiria todo o território dos Estados Unidos e muito duramente um Minnesota ainda frágil, um grupo de empresários de Minneapolis adquirira terras no condado de Kandiyohi County, sob a denominação de Kandiyohi town site company. O objetivo era claramente inventar uma cidade e mais ainda, como o estatuto de Saint-Paul ainda não era suficientemente estável, inventar uma capital.

Aliás, o primeiro governador do Estado, Henry Hastings Sibley, também não era desfavorável à opção proposta, e foi nomeada uma comissão para, pelo menos, reconhecer e fazer o levantamento dos terrenos ainda selvagens de Kandiyohi, notáveis sobretudo por seus lagos, suas florestas e seus recursos de caça. Mas o processo ficou por aí. Em 1861, 1869 e 1872, os promotores da localidade voltaram a agitar-se, propuseram à Câmara dos Representantes uma transferência de capital, e a imprensa lançou campanhas em que apenas foram trocados argumentos medíocres, à altura dos desafios financeiros do caso. Mas Saint-Paul aguentava-se.

A esses argumentos financeiros veio somar-se mais tarde um elemento cultural, apresentado por um movimento populista muito poderoso nos Estados Unidos do final do século XIX, principalmente na pradaria. O Minnesota fez parte dos pontos de apoio importantes do movimento, que à escala do Estado propôs, em 1890, reconsiderar a escolha de Saint-Paul, sem que dessa vez existissem pressões de investidores locais. Tratava-se de um projeto para mudar o Estado, como referiu a imprensa local:

A metrópole de Nova York é a cidade de mesmo nome, e a capital é Albany. Chicago é a metrópole de Illinois, mas os legisladores trabalham em Springfield. O fato de St. Paul ser uma das maiores e mais ricas cidades do Minnesota, em vez de ser visto como uma circunstância favorável, é considerado uma razão para remover a capital pelas pessoas em geral13 13 New London Times, sem data, citado em THOMPSON 1973. (THOMPSON, 1973, p.238)

St. Paul não é lugar para a capital. Uma grande cidade comercial não é lugar para uma capital de estado; esta deve estar localizada em uma cidade rural agradável, livre das peias e confusões" [sic] da indústria e do comércio, onde os legisladores possam livremente, longe das influências e tumultos de uma grande metrópole, legislar com calma e em benefício de todo o estado14 14 Litchfield Independant, sem data, citado em THOMPSON 1973 (THOMPSON, 1973, p.238)

O populismo surge aqui como uma espécie de regresso ao ideal jeffersonita: a cidade moderna, industrial, fruto da concentração capitalista do final do século XIX, iria ao encontro do projeto americano, definido um século antes como república de "farmers", de pequenos proprietários de terras virtuosos. Recusar Saint-Paul não era querer investir em uma metrópole concorrente, mas pelo contrário, pretender regressar à virtude original e também alinhar-se com Estados - Nova York, Illinois - que não podemos dizer que em 1890 representassem um ideal rural. Pelo contrário. O populismo era uma busca, lançada nos anos 1870, pelos "pequenos" do mundo rural, para encontrar um lugar em um mundo que lhes escapava cada vez mais, mas do qual não queriam ser excluídos; pelo contrário: queriam participar da modernidade, mas inventando eles próprios as formas dessa participação (GOODWYN, 1976; KAZIN 1995; POSTEL, 2007).

Quando o movimento dos Granges se transformou em um movimento político, em dezembro de 1889, sob a forma da Aliança dos Agricultores - antes do nascimento do partido populista - o Minnesota foi um dos líderes. A Aliança podia contar com eleitos para a Câmara dos Representantes e do Senado do Estado, e foram eles, em parte (as fidelidades partidárias foram pouco claras em seu conjunto...), que defenderam a transferência da capital.

O jogo político em torno dessa transferência foi de grande complexidade; não se trata aqui de entrar nos pormenores da longa e técnica batalha parlamentar. Em 1891, foi proposta uma lei que visava apenas à construção de um novo Capitólio. Foi em torno dessa lei que começou uma década de lutas, porque, na verdade, a questão era: onde construir esse novo Capitólio? Em Saint-Paul, perto do antigo, ou na futura Blaine, no condado de Kandiyohi? A votação de 1893 assegurou a vitória de Saint-Paul, mas os defensores de Kandiyohi não baixaram os braços e utilizaram todos os recursos jurídicos possíveis, até o Supremo Tribunal do Minnesota afirmar, em 1897, que Saint-Paul era realmente a capital definitiva do Estado, a menos que uma votação da assembleia e do povo decidisse o contrário, o que não aconteceu. As terras que Sibley tinha imaginado poderem servir para uma nova capital em Kandiyohi foram vendidas pelo Estado em 1901 e destinadas à agricultura.

A tentação de se perder é grande, escrevendo a história das transferências de capitais, na erudição local, em uma narrativa pitoresca, em que se encontrem especuladores gananciosos, políticos corruptos ou pioneiros ambiciosos que permitam alimentar incessantemente as narrativas sobre o ocidente. Mas se quisermos, por um lado, mudar de escala, observando todas as transferências e não as de um determinado Estado e, por outro lado, construir um quadro conceitual a partir do qual possamos pensar essas transferências, estas assumem outra importância.

E de objetos anedóticos, transformam-se em postos de observação da construção da nação americana, enquanto conquista e coloniza o oeste, ou seja, tenta impor suas lógicas de identidade próprias. Desse ponto de vista, nomear as capitais revela-se crucial, mas seria necessário o inquérito de Christian Montès a todas as capitais, as que ainda o são, as que nunca o foram (MONTES, 2008). E, além da toponímia, precisamos interrogar-nos sempre sobre os processos culturais subjacentes aos deslocamentos que animaram o oeste do século XIX. As poucas reflexões aqui propostas não tinham outro objetivo que não o de convidar a percorrer essa história cultural da mobilidade das capitais.

Notas

Bibliografia

Recebido em 20/12/2010

Aprovado em 15/04/2011

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  • WINGERD M. L. North country: The making of Minnesota. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2010.
  • 1
    De nossa parte, decidimos propositadamente utilizar aqui o quadro conceitual do colonialismo, como começam a fazer certos historiadores do oeste, para deixar bem claro que a história do oeste no século XIX é, antes de mais nada, a dos ameríndios e só depois de uma primeira colonização, francesa, espanhola, inglesa ou russa, lentamente sobreposta, a partir de finais do século XIX por uma colonização anglo-americana: é esse processo complexo e multifacetado que é importante analisar. Consulte para a utilização do conceito colonial ROBBINS 1994, ADAS 2001, OSTLER 2004, WHALEY 2010.
  • 2
    Existe pouca literatura sobre Vincennes. Consulte VILLERBU 2008 e VILLERBU a ser publicado.
  • 3
    John Badollet à Albert Gallatin, Vincennes, 1º de janeiro de 1806, em THORNBLOUGH 1963, p. 58-59.
  • 4
    DAVIS 1999, mas o francesismo do local é mais visível, por exemplo, na história erudita e baseada em uma série de notas biográficas de REYNOLDS 1852.
  • 5
    Charles Berthelot du Chesnay tinha compilado fichas sobre os irmãos Ollivier: Arquivos regionais da Ille-et-Vilaine, 29J 9. Baseou-se nelas para construir sua tese, BERTHELOT DU CHESNAY 1984
  • 6
    Cartas de Jean-François Rivet a Monsenhor Carroll, Vincennes, 18 de setembro de 1799 e 31 de outubro de 1800, Arquivos da diocese de Covington (Kentucky), documentos Camille Maes.
  • 7
    Memória de Moses Austin, datada de 25/Mar/1797, Um Memorando de Viagem de Austin»,
    American Historical Review, Vol. 5, No. 3. (Abr., 1900), p. 539. Austin está a caminho da margem espanhola do Mississipi, onde se instala para aproveitar as minas. Mais tarde, em 1820, tornar-se-ia célebre como primeiro empresário americano no Texas.
  • 8
    Esses anos cruciais para os Estados Unidos são o tema de fervorosos debates entre os historiadores. Consulte recentemente WILLENTZ 2005, HOWE 2007, REYNOLDS 2008. EGNAL 2009 demonstrou claramente a importância nacional dessa fragmentação do Illinois, como dos outros Estados do meio-oeste.
  • 9
    John Teats, responsável americano do posto em 1805, citado em MATTISON 1957.
  • 10
    Nos primeiros tempos do Minnesota, uma síntese recente faz o balanço de algumas décadas de sucesso que renovaram profundamente a visão da história do Estado: WINGERD 2010.
  • 11
    Narração de Robert Clouston, Minnesota Historical Society, [WINDOWS‐1252?] p.2379.
  • 12
    Decidi manter aqui a grafia "Saint-Paul" porque a cidade é de origem francófona e utilizar a grafia "St. Peter" para uma suposta cidade imaginada no âmbito da colonização de povoamento anglo-americana.
  • 13
    New London Times, sem data, citado em THOMPSON 1973.
  • 14
    Litchfield Independant, sem data, citado em THOMPSON 1973
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      20 Dez 2010
    • Aceito
      15 Abr 2011
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