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Conservação da coleção de álbuns fotográficos do Museu da Imagem e do Som de Goiás

Resumos

O artigo tem como objeto o tratamento de conservação da coleção de álbuns fotográficos do Museu da Imagem e do Som de Goiás, realizado com recursos provenientes da Fundação Vitae, em parceria com o Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte. Apresentamos, com referência a cada álbum fotográfico, informações históricas, uma descrição sumária, as características de deterioração, os procedimentos adotados e as principais intervenções realizadas durante o tratamento de conservação.

Conservação; Fotografia; História de Goiânia


This paper discusses the conservation of a collection of photographic albums belonging to the Goiás Image and Sound Museum, which was carried out with Vitae Foundation funding and in partnership with Funarte's Center for Photographic Conservation and Preservation. The authors present a brief description of each photographic album along with historical data and information about their state of deterioration, as well as the procedures adopted and the main interventions performed during their conservation.

Conservation; Photography; History of Goiânia


CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

Conservação da coleção de álbuns fotográficos do Museu da Imagem e do Som de Goiás

Stela Horta Figueiredo1 1 Do Museu da Imagem e do Som de Goiás, Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, nº 2, Centro - 74.003-010 - Goiânia - GO. E-mail: < stelahf@uol.com.br>. ; Maria Clara Mosciaro2 2 Do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte. ; Ivy da Silva3 3 Do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte

RESUMO

O artigo tem como objeto o tratamento de conservação da coleção de álbuns fotográficos do Museu da Imagem e do Som de Goiás, realizado com recursos provenientes da Fundação Vitae, em parceria com o Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte. Apresentamos, com referência a cada álbum fotográfico, informações históricas, uma descrição sumária, as características de deterioração, os procedimentos adotados e as principais intervenções realizadas durante o tratamento de conservação.

Palavras-chaves: Conservação. Fotografia. História de Goiânia.

ABSTRACT

This paper discusses the conservation of a collection of photographic albums belonging to the Goiás Image and Sound Museum, which was carried out with Vitae Foundation funding and in partnership with Funarte's Center for Photographic Conservation and Preservation. The authors present a brief description of each photographic album along with historical data and information about their state of deterioration, as well as the procedures adopted and the main interventions performed during their conservation.

Keywords: Conservation. Photography. History of Goiânia.

A coleção de álbuns fotográficos4 4 Consideramos "álbum Fotográfico" como um conjunto de folhas reunidas, onde são fixadas imagens fotográ-ficas;no caso da coleção considerada, trata-se de álbuns com originais fotográficos (Cf. FUNARTE-IBAC, 1993). do Museu da Imagem e do Som de Goiás5 5 O Museu da Imagem e do Som de Goiás é uma unidade da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, órgão do governo estadual responsável pela gerência da cultura em Goiás. , doravante MIS-GO, é constituída por um dos mais importantes conjuntos de imagens com valor histórico existentes no Acervo Fotográfico dessa Instituição. São 880 fotografias, que compreendem o período de 1 930 a 1950, época que corresponde, aproximadamente, à de construção de Goiânia6 6 Goiânia foi fundada em 24 de outubro de 1933 e conservou praticamente a mesma estrutura urbana prevista no Plano Urbanístico de 1938 (Cordeiro, 1989). Por isso é consenso entre os autores da historiografia goia-niense considerar o período 1933-1950 como correspondendo à "construção de Goiânia". . Cabe ressaltar que Goiânia foi uma cidade planejada e construída após a Revolução de 1930, no contexto da política desenvolvimentista do governo Vargas, durante o Estado Novo. As imagens não se restringem à capital: também fazem parte do conjunto registros significativos dos principais municípios goianos.

A nova capital, em construção, constituía um foco de atração para trabalhadores de níveis e categorias profissionais diferentes, vindos de outros estados do Brasil. Os primeiros fotógrafos chegavam a Goiânia ideologicamente motivados por idéias de progresso e modernidade, mas também por metas mais concretas, como a melhoria das condições de vida e de trabalho. Orientados por exigências da clientela e do mercado, os fotógrafos não se limitavam à produção de retratos de pessoas e de grupos familiares em estúdios: documentavam eventos sociopolíticos, festividades, registravam a construção das avenidas e dos edifícios, e o surgimento da vida urbana no ambiente inóspito do cerrado goiano.

Até 2004, o estado de conservação da coleção de álbuns impossibilitava a realização de pesquisas, exposições, publicações e projetos educativos de dimensão museológica, pois os documentos estavam com sua estrutura física comprometida: os papéis suporte, os entrefolhamentos e as fotografias apresentavam-se em avançado estágio de deterioração.

O tratamento de conservação foi possível por meio de projeto desenvolvido em parceria com o Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte (CCPF-RJ)7 7 Fizeram parte da equipe de trabalho no CCPF-Funarte: Maria Clara Mosciaro (historiadora e conservadora), Ivy da Silva (conservadora), Richam Samir (fotógrafo e arquivista), Gerana de Holanda (laboratorista) e Sandra Calixto (encadernadora). , com recursos provenientes da Fundação Vitae. A primeira fase do projeto, envolvendo o tratamento de conservação, a reprodução fotográfica e o treinamento de uma técnica do MIS-GO em técnicas de estabilização e consolidação fotográfica, foi realizada na sede do CCPF-RJ durante o ano de 2005; a segunda fase teve início em março de 2006, no MIS-GO8 8 Trabalharam na segunda fase do projeto no MIS-GO: Stela Horta Figueiredo (fotógrafa e conservadora), Keith Tito (historiadora) e Sejana de Pina Jayme (estudante de Artes Visuais). , logo após a chegada dos álbuns já tratados em Goiânia, e compreendeu atividades de pesquisa histórica, catalogação, digitalização dos negativos e inserção das imagens no Banco de Dados Informatizado.

Os álbuns integram três coleções: Luiz Pucci, Museu Estadual Prof. Zoroastro Artiaga, e José Mendonça Teles. Apresentamos a seguir, para cada álbum fotográfico, informações históricas, uma descrição sumária, as características de deterioração e as principais intervenções realizadas durante o tratamento de conservação. Cabe ainda acrescentar que todas as fotografias são em preto e branco, e apresentam a mesma estrutura física: suporte de papel, tendo gelatina como camada emulsionante e prata como substância formadora da imagem.

Álbum da Coleção Luiz Pucci

O álbum integra um conjunto de documentos fotográficos, constituído por fotografias em preto e branco e negativos flexíveis, doado por Hilda Pucci, esposa do fotógrafo pioneiro Luiz Pucci (17.1.1919 - 20.10.1978), em 2002, quando o MIS-GO desenvolvia o projeto Pioneiros da Fotografia em Goiânia9 9 O projeto Pioneiros da Fotografia em Goiânia foi desenvolvido de janeiro de 2001 a agosto de 2002, pela equipe do MIS-GO,com o objetivo de constituir um acervo da vida e da obra dos primeiros fotógrafos da cidade. A publicação dos volumes dois e três da série Cadernos de Fotografia do MIS, a realização de uma exposição fotográfica, 16 entrevistas transcritas e digitalizadas,incorporadas à documentação do acervo e 1260 documentos fotográficos doados por familiares e amigos dos fotógrafos constituíram alguns dos resultados do projeto. .

No início da década de 1 950, o fotógrafo e a esposa organizaram o álbum para servir de mostruário de poses para os clientes no estúdio. Hilda foi companheira e ajudante do fotógrafo. Com muito capricho, fazia o "colorido à mão" nas fotografias e montava a vitrina com as fotografias mais "artísticas" e com os álbuns que serviam como mostruário de poses. Preocupado com a conservação desses álbuns, Pucci fazia a seguinte inscrição na contracapa: "Favor me olhar com cuidado". Também carimbava no verso das fotos a frase: "Esta fotografia foi roubada do mostruário de Pucci Fotógrafo", para intimidar as pessoas que quisessem retirar alguma imagem como lembrança.

O álbum é constituído por 246 retratos, sendo 41 deles coloridos "à mão"; a maioria das fotos é produzida em estúdio, com poses de homens, mulheres, casais de noivos, casais com filhos e crianças (Figura 1). O retrato de uma jovem, tamanho 20 x 25 cm, colorizado "à mão", é emoldurado no centro da capa e recoberto por acetato. A moldura de couro, semelhante a um passepartout, apresentava desgaste e acabamento comprometido, com as costuras e os arremates rompidos (Figura 2). A capa, também de couro, estava ressecada e encontrava-se separada do corpo do álbum. As páginas, de papel cartão cinza, de baixa qualidade, já apresentavam manchas escuras e sinais de acidez; algumas estavam quebradiças; o entrefolhamento, de papel manteiga, estava amarelecido e fragilizado (Figura 3).




A proposta de intervenção neste álbum foi amplamente discutida entre as conservadoras e a equipe técnica do acervo fotográfico do MIS-GO, pois envolveu a remoção das fotografias e a substituição do suporte original. A fragilidade e o estágio de deterioração do suporte tornariam qualquer intervenção de conservação pouco efetiva, comprometendo a estabilização das fotografias10 10 No tratamento do álbum da Coleção Pucci foram empregadas medidas de conservação e de restauro. Convém aqui explicitar que o tratamento envolveu dois objetos de conservação, o álbum fotográfico e os originais fotográficos em seu interior. Em relação às fotografias não se requer propriamente restauração, mas medidas de conservação,para preservar suas imagens. Segundo Luis Pavão,"o restauro não tem em fotografia tanta importância como noutros setores da conservação". Procura-se até mesmo conservar as marcas visíveis da ação do tempo, reparando materiais que sofreram danos físicos, o que vem a constituir uma forma de estabilização (Cf. PAVÃO, 2004, p. 11). Contudo, a situação é diferente no que concerne aos álbuns fotográficos como objetos museológicos.A medida de substituir as páginas de suporte interfere,certamente , na "materialidade " do álbum. Contudo, tal medida torna-se plausível quando o suporte coloca em risco a fotografia (Cf. MUSEUMS, LIBRARIES AND ARCHIVES COUNCIL, 2005,p. 43). O Museu da Imagem do Som privilegia, evidentemente, o valor histórico das imagens e sua relevância na memória coletiva em relação ao valor histórico do objeto que as contém, no caso, o álbum fotográfico, numa situação limite em que as condições de preservação da imagem estejam ameaçadas.Ainda assim, pode-se dizer que preservamos o atributo de "documento histórico", no sentido que lhe confere Ul-piano Menezes (1998, p. 93- 94), às fotografias e também aos álbuns, já que efetivamos medidas de conservação e restauração que garantem a ambos a condição de "suportes de informação" no âmbito das ações museológicas de pesquisa, preservação e comunicação. . Por isso foram adotados, primeiramente, procedimentos que garantissem o reposicionamento das fotografias conforme sua apresentação original: registro fotográfico detalhado, página a página; mapeamento gráfico de todo o conjunto e numeração das fotografias. A seguir foi realizada a remoção mecânica das fotografias, que estavam afixadas com adesivo à base de goma arábica. Os resíduos de papel e cola remanescentes no verso das fotografias foram removidos com aplicação de metilcelulose. As fotografias foram higienizadas com trincha e esponja química e, de acordo com o estado de conservação de cada uma delas, pequenos reparos foram realizados.

A capa foi encaminhada à encadernadora Sandra Calixto, que recuperou a encadernação em couro e substituiu os arremates, que se encontravam completamente deteriorados. O acetato deteriorado que recobria a foto da capa foi substituído por folha de poliéster, promovendo uma melhora na visibilidade da imagem (Figura 4). Para o novo corpo do álbum, foi escolhido papel de cor, gramatura e textura semelhantes ao do original (Gainsborough, cor Charcoal, 240 g) (Figura 5). O entrefolhamento anterior, em papel de seda texturizado, foi substituído por papel japonês de baixa gramatura e tom amarelado (silk tissue).



Houve a remoção da folha de papel com a recomendação "Favor me olhar com cuidado", para um tratamento químico com água deionizada e solução de hidróxido de cálcio, visando a desacidificação (Figuras 6 e 7). Depois de seca e planificada, a folha retornou à contracapa do álbum recomposto (Figura 8).




O reposicionamento das fotografias no novo suporte foi realizado de forma a manter o mesmo sistema anteriormente utilizado: adesão pelo verso. A opção foi pela fita adesiva GUDY® 870, que, além de apresentar boa estabilidade e reversibilidade, não promove o aparecimento de relevo. Finalmente, o álbum foi acondicionado em caixa porta-fólio revestida em material sintético (Figura 9).


Álbuns da Coleção Museu Estadual Prof. Zoroastro Artiaga-MZA

Os dois álbuns descritos a seguir integram a Coleção MZA, que foi encaminhada ao MIS-GO em 1 999 sob a forma de Depósito. Além de álbuns fotográficos, essa coleção compreende fotografias (em preto e branco e em cores), cartões postais, diapositivos e discos compactos.

Álbum do Interior Goiano

O álbum foi montado, provavelmente na década de 1950, por funcionários do Museu Estadual de Goiás11 11 O Museu Estadual de Goiás foi criado pelo Decreto-Lei nº 383, de 6 de fevereiro de 1946; em 16 de maio de 1965, teve o nome alterado para Museu Goiano Prof. Zoroastro Artiaga (Lei nº5770), em homenagem ao primeiro diretor, que permaneceu no cargo até 1957 e, posteriormente, de 1965 a 1971; em 20 de agosto de 1980, sofreu nova alteração em seu nome, pelo Decreto-Lei nº 1788, passando a ser denominado Museu Estadual Prof. Zoroastro Artiaga. , com a preocupação de organizar e preservar as fotografias. Muitas fotos apresentam no verso um carimbo com a seguinte inscrição: "Museu Estadual de Goiás.... Secção:.... Goiânia:.../.../..."; e, no espaço reservado para a data, a inscrição feita à caneta "07/1 957", confirmando a preocupação em identificar as fotos pertencentes aquele museu. São fotografias que registram o surgimento e o desenvolvimento das principais cidades goianas, entre elas Anápolis, Caldas Novas, Rio Verde, Pirenópolis, Catalão, além de cidades que hoje pertencem ao estado do Tocantins, como Porto Nacional, Natividade, entre outras. Imagens de abertura de estradas, habitações na zona rural, produções agrícolas e pequenas fábricas de calçados misturavam-se com fotos de tipos humanos, edificações, fachadas residenciais, eventos sociopolíticos, culturais e datas comemorativas.

O álbum não evidenciava uma classificação das fotografias, quer por município ou temática. Tampouco havia qualquer preocupação estética ou funcional na apresentação das imagens: as 470 fotos foram coladas no suporte de maneira a aproveitar ao máximo o espaço, a ponto de encontrarmos, na mesma página, fotografias orientadas horizontal e verticalmente, à revelia da orientação original dos enquadramentos. De tamanhos variados (9 x 14 cm, 12 x 18 cm, 18 x 24 cm e 20 x 25 cm), as fotografias estavam, em sua maioria, totalmente coladas no suporte, cujas folhas eram de papel cartão acinzentado e também de cartolina de cor azul-clara. As páginas encontravam-se com manchas, excrementos de insetos e outras sujidades, além de dobras, rasgos e perdas nas bordas (Figura 10). As fotos estavam em avançado estado de deterioração, provocado, principalmente, por manipulação e ambiente de guarda impróprios. Observava-se, em muitas delas, perfurações, rasgos, perda da emulsão, partes faltantes, resíduos de papel e cola, manchas e outras sujidades (Figura 11). Algumas apresentavam inscrições descritivas, feitas a caneta sobre a imagem. O conjunto, constituído de 58 páginas, não tinha capa e, por tais dimensões, estava acondicionado em duas caixas de papel cartão.



Levando-se em conta o estado geral de conservação do álbum e as características de apresentação das fotografias antes descritas, as conservadoras decidiram pela remoção das fotos do suporte deteriorado, permitindo um complexo tratamento de conservação em cada uma delas. O procedimento foi realizado mecanicamente, com auxílio de uma espátula de bambu. Confirmou-se, após a retirada, a suposição de que as fotos estavam coladas ao suporte com adesivo à base de PVA (poliacetato de vinila), de difícil remoção. Também se observou a presença de goma arábica e resíduos de papel de suportes anteriores, indicando que o estágio avançado de deterioração das fotografias tenha sido decorrente de sucessivas manipulações inadequadas.

A remoção dos resíduos de PVA exigia um solvente capaz de solubilizar o adesivo sem comprometer os demais componentes da fotografia. Após uma série de tentativas para encontrar a dosagem dos componentes do solvente, decidiu-se pela utilização de uma solução de acetona e álcool etílico, na proporção de 3:1. A aplicação dessa solução dava-se após a completa remoção de resíduos de suportes anteriores, pois alguns dos papéis apresentavam corantes cuja solubilidade poderia resultar em manchas no papel fotográfico. A goma arábica, também encontrada no verso das fotografias, foi removida com a aplicação de umidade controlada, com metilcelulose a 6% em água.

O passo seguinte foi a estabilização das fotografias com danos estruturais. Rasgos, vincos e delaminações foram consolidados com a utilização de papel japonês e metilcelulose (Figura 12). As perdas de suporte foram compensadas com enxertos de papel artesanal, de gramatura e cor compatíveis com o original (Figuras 13 e 14). Nos casos em que a perda comprometia a leitura da imagem, foi feita a reintegração visual com aquarela, sem a pretensão de completar as imagens, mas para melhor apresentação estética. As fotografias mais frágeis passaram pelo tratamento de laminação (aderência da fotografia danificada a um novo suporte), realizada com papel japonês de baixa gramatura, de forma a permitir a leitura das informações contidas no verso das imagens (Figura 15).





A forma de acondicionamento escolhida após o tratamento foi o álbum tipo porta-fólio com bolsas de poliéster. As fotografias foram colocadas em dois álbuns, respeitando a forma original de apresentação do conjunto; cada um dos volumes foi acondicionado em caixa rígida, tipo luva (Figura 16).


As fotografias do álbum documentam o Décimo Circuito de Goiânia, competição esportiva realizada em 24 de outubro de 1944, na comemoração do aniversário de Goiânia. O conjunto de imagens do fotógrafo pioneiro Sílvio Berto registra corridas de bicicletas e motos. São 20 fotografias e informações textuais, agrupadas em 13 tabelas, com os nomes dos atletas participantes, as modalidades disputadas, a definição do percurso e as classificações nas diversas provas realizadas. As primeiras páginas, na dimensão de 32,5 x 22 cm, trazem fotografias com legendas descritivas a tinta, ao lado direito de cada imagem (Figura 17). As demais páginas contêm 9 tabelas datilografadas no formato 32,5x22 cm, e 4 no formato de 32,5 x44 cm, sendo que estas se encontravam dobradas ao meio. As fotos eram fixadas com grampos de metal e apresentavam-se amarelecidas, com sinais de ferrugem e outras sujidades. Todas as páginas em papel tipo jornal, de baixa gramatura, estavam amarelecidas, amassadas e com rasgos nas extremidades dos vincos (Figura 18).



As intervenções realizadas neste álbum envolveram técnicas de higienização e estabilização das fotografias, e o resgate estrutural de todas as suas páginas. As fotografias passaram por higienização mecânica e obturação dos furos deixados pelos grampos metálicos. As folhas contendo fotos e as informações textuais foram higienizadas e os reparos nas áreas de rasgos e vincos foram feitos com fita Filmoplast® P, ativada por calor (Figura 19). Foi utilizada esta fita porque o papel - tipo jornal - não responderia satisfatoriamente a um tratamento envolvendo umidade. Após a realização dos reparos, todas as folhas foram planificadas e a montagem das fotografias ao suporte tratado foi feita com o adesivo GUDY® 870. O acondicionamento final do álbum foi planejado para que o mesmo mantivesse aparência e estrutura parecidas com o original e as tabelas não voltassem a ser dobradas. O álbum foi acondicionado em jaquetas de poliéster, presas por parafusos, pela lateral esquerda, em lombada de cartão recoberto por material sintético. As tabelas foram acondicionadas individualmente, abertas, em jaquetas de poliéster com suporte de cartão neutro. Foi produzida uma única caixa, tipo porta-fólio e revestida em material sintético, para acondicionar o álbum e as tabelas conjuntamente. O álbum ficou ao fundo e, sobre este, as tabelas, apoiadas pelas bordas por um suporte que envolve o álbum. Tal suporte tem a mesma altura do álbum e completa a área da caixa, pois o álbum tem dimensões menores que as das planilhas (Figura 20).



Álbuns da Coleção José Mendonça Teles

Os dois álbuns foram organizados pelo sertanista Acary de Passos Oliveira (17.2.1907 -23.5.1993)12 12 Acary de Passos Oliveira, sertanista que participou da expedição Roncador -Xingu durante o Estado Novo, coletando material etnográfico sobre várias tribos brasileiras: Kamayurá, Bororo, Txicão, Javaé, Xavante, Krahó, Apinayé entre outras. Acumulou farto. e encaminhados, logo após sua morte, ao escritor goiano José Mendonça Teles, que os doou ao MIS-GO em 2001. Os álbuns hoje fazem parte da Coleção José Mendonça Teles.

Álbum I (série Acary de Passos Oliveira)

As fotografias do álbum registram uma expedição realizada c. 1 937, acompanhando o rio das Mortes e no rio Araguaia, entre os estados de Goiás e Mato Grosso, pela Missão Salesiana sob a responsabilidade do Padre Hipólito Chovelon. As missões salesianas tentaram, durante as décadas de 1930 e 1 940, a pacificação de índios na região. As imagens apresentam a derrubada de roças, a construção dos primeiros ranchos e algumas embarcações no rio. Outro importante conjunto de fotografias registra a viagem feita pelo presidente Getúlio Vargas à aldeia dos índios Karajá na Ilha do Bananal, em agosto de 1 940. As fotografias ilustram o contato da comitiva presidencial com os índios, o acampamento e as belezas naturais da região.

O álbum não tinha capa, e as páginas eram de papel de baixa qualidade, unidas por um prendedor de metal com sinais de oxidação. O suporte inadequado e, provavelmente, o ambiente de guarda, quente e seco, provocaram o abaulamento das 77 fotografias que integram o conjunto (Figura 21). Além disso, as imagens mostravam-se amarelecidas e com sujidades.


Álbum II (série Acary de Passos Oliveira)

O álbum foi organizado com 67 fotografias, em sua maioria dos fotógrafos pioneiros Eduardo Bilemjian e Antônio Pereira da Silva, que registram aspectos físicos, sociais e urbanísticos do período da construção de Goiânia e, ainda, eventos realizados em Uberaba (MG) e na cidade do Rio de Janeiro (DF). As fotografias têm dimensões variadas (6 x 6 cm, 6 x 9 cm, 9 x 14 cm, 12 x 18 cm e 18 x 24 cm). Podemos destacar, do conjunto de imagens, a visita a Goiânia de Willy Aureli, chefe da Bandeira Piratininga, em 1936, e a visita do Presidente Vargas, em agosto de 1 940. Também integram o conjunto imagens representativas do pavilhão de Goiás, na Feira Internacional de Amostras do Rio de Janeiro, edo Presidente Vargas, na inauguração de uma feira agropecuária em Uberaba.

A capa do álbum, de papel tipo cartão, estava muito deteriorada e com as bordas rasgadas. As páginas centrais eram de papel de qualidade inferior e baixa gramatura; algumas, em papel seda, apresentavam-se amarelecidas, rasgadas e quebradiças, além de unidas por um prendedor de metal (Figura 22). Apesar do acondicionamento inadequado, as fotografias não apresentavam problemas de deterioração, apenas a ocorrência de manchas e sujidades.


As fotografias dos álbuns I e II da Coleção José Mendonça Teles, após terem sido removidas dos suportes originais deteriorados, foram submetidas a técnicas de higienização mecânica e química e, no caso do álbum I, a procedimento de planificação. Em seguida, foram colocadas em álbuns porta-fólio, com duas e quatro bolsas de poliéster, obedecendo-se a mesma ordem de apresentação original. Caixas rígidas tipo luva complementaram o acondicionamento (Figura 23).


Reprodução fotográfica

A reprodução fotográfica complementou o tratamento de conservação, possibilitando a produção de negativos de segunda geração para realizar, por seu intermédio, ampliações positivas, preservando os originais e viabilizando a digitalização. O trabalho foi realizado por Richam Samir, fotógrafo do CCPF. Em função do contraste e do estado de conservação das fotos definiram-se três grupos distintos de documentos, que orientaram os procedimentos técnicos no desenvolvimento da reprodução fotográfica: imagens com contraste normal e que não necessitavam de tratamento diferenciado durante a reprodução e no processamento laboratorial; imagens com pouco contraste ou esmaecidas, que foram reproduzidas com a utilização de filtro azul para aumentar o contraste; imagens coloridas "à mão", que foram reproduzidas com filme colorido, para manter suas características. Os filmes utilizados foram o Kodak T MAX 1 00/1 20 e o Fuji REALA 1 00/1 20, que geraram fotogramas no tamanho 6 x 7 cm. Todo o material produzido - filmes e papéis fotográficos - foi submetido a tratamento de permanência por meio da utilização de dois banhos fixadores: banho auxiliar à base de sulfito de sódio e viragem final de selênio. Esse procedimento é adotado com sucesso há muitos anos nos laboratórios do CCPF. Os filmes negativos foram acondicionados em cartelas de polietileno, envelopes alcalinos e caixas tipo fichário; as cópias-contato em álbuns portantes e caixas tipo luva.

Conclusão

O tratamento de conservação realizado na coleção de álbuns do MIS-GO representou um desafio à equipe de conservadoras do CCPF e de técnicos do museu, não só pelo avançado estágio de deterioração em que se apresentavam os papéis suporte, entrefolhamentos e as fotografias, mas pelas deliberações em relação a medidas a serem adotadas durante o tratamento. Ainda que se tenha efetivado um grande número de procedimentos de conservação, não se pode afirmar que a ênfase do projeto decorra principalmente de operações técnicas bem sucedidas. Ressaltamos, anteriormente, a dificuldade da equipe em decisões importantes, como a de remover as fotografias e substituir o suporte original de quatro dos álbuns. A escolha dos novos acondicionamentos também foi muito discutida; decidiu-se pela manutenção de suportes com características de álbuns, que valorizassem tanto o conjunto quanto os documentos fotográficos individualmente. Particularmente no caso do Álbum do Interior Goiano, isso fica bastante evidenciado, pois a quantidade de fotos e sua disposição em cada uma das páginas não favoreciam a apreciação das imagens. Os álbuns remontados indicam que houve um aprimoramento, no que se refere às condições de arranjo nos conjuntos originais, já que a apresentação anterior ao tratamento (folhas soltas) não permitia sequer recuperar sua condição de artefato de visualização de imagens fotográficas. Além disso, a forma de acondicionamento escolhida proporcionou a valorização das fotografias individualmente. Seus atributos técnicos e estéticos foram realçados, seu conteúdo e suas informações e mensagens evidenciadas.

A partir da chegada dos álbuns em Goiânia, a equipe do acervo fotográfico do MIS-GO prosseguiu a pesquisa histórica, possibilitando a catalogação informatizada e a digitalização das imagens. Tornaram-se disponíveis 880 novos registros no banco de dados, para consulta a estudantes, professores, pesquisadores e usuários da comunidade. O desenvolvimento de ações museológicas de comunicação intensificou-se, visto que a realização do projeto proporcionou a preservação da rica coleção de álbuns e ampliou a possibilidade de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento: história social, arquitetura, urbanização, sociologia do trabalho, história cultural, história da fotografia, entre outras.

REFERÊNCIAS

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Artigo apresentado em 4/2007. Aprovado em 5/2007.

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  • 1
    Do Museu da Imagem e do Som de Goiás, Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, nº 2, Centro - 74.003-010 - Goiânia - GO. E-mail: <
  • 2
    Do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte.
  • 3
    Do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funarte
  • 4
    Consideramos "álbum Fotográfico" como um conjunto de folhas reunidas, onde são fixadas imagens fotográ-ficas;no caso da coleção considerada, trata-se de álbuns com originais fotográficos (Cf. FUNARTE-IBAC, 1993).
  • 5
    O Museu da Imagem e do Som de Goiás é uma unidade da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira, órgão do governo estadual responsável pela gerência da cultura em Goiás.
  • 6
    Goiânia foi fundada em 24 de outubro de 1933 e conservou praticamente a mesma estrutura urbana prevista no Plano Urbanístico de 1938 (Cordeiro, 1989). Por isso é consenso entre os autores da historiografia goia-niense considerar o período 1933-1950 como correspondendo à "construção de Goiânia".
  • 7
    Fizeram parte da equipe de trabalho no CCPF-Funarte: Maria Clara Mosciaro (historiadora e conservadora), Ivy da Silva (conservadora), Richam Samir (fotógrafo e arquivista), Gerana de Holanda (laboratorista) e Sandra Calixto (encadernadora).
  • 8
    Trabalharam na segunda fase do projeto no MIS-GO: Stela Horta Figueiredo (fotógrafa e conservadora), Keith Tito (historiadora) e Sejana de Pina Jayme (estudante de Artes Visuais).
  • 9
    O projeto
    Pioneiros da Fotografia em Goiânia foi desenvolvido de janeiro de 2001 a agosto de 2002, pela equipe do MIS-GO,com o objetivo de constituir um acervo da vida e da obra dos primeiros fotógrafos da cidade. A publicação dos volumes dois e três da série
    Cadernos de Fotografia do MIS, a realização de uma exposição fotográfica, 16 entrevistas transcritas e digitalizadas,incorporadas à documentação do acervo e 1260 documentos fotográficos doados por familiares e amigos dos fotógrafos constituíram alguns dos resultados do projeto.
  • 10
    No tratamento do álbum da Coleção Pucci foram empregadas medidas de conservação e de restauro. Convém aqui explicitar que o tratamento envolveu dois objetos de conservação, o álbum fotográfico e os originais fotográficos em seu interior. Em relação às fotografias não se requer propriamente restauração, mas medidas de conservação,para preservar suas imagens. Segundo Luis Pavão,"o restauro não tem em fotografia tanta importância como noutros setores da conservação". Procura-se até mesmo conservar as marcas visíveis da ação do tempo, reparando materiais que sofreram danos físicos, o que vem a constituir uma forma de estabilização (Cf. PAVÃO, 2004, p. 11). Contudo, a situação é diferente no que concerne aos álbuns fotográficos como objetos museológicos.A medida de substituir as páginas de suporte interfere,certamente , na "materialidade
    " do álbum. Contudo, tal medida torna-se plausível quando o suporte coloca em risco a fotografia (Cf. MUSEUMS, LIBRARIES AND ARCHIVES COUNCIL, 2005,p. 43). O Museu da Imagem do Som privilegia, evidentemente, o valor histórico das imagens e sua relevância na memória coletiva em relação ao valor histórico do objeto que as contém, no caso, o álbum fotográfico, numa situação limite em que as condições de preservação da imagem estejam ameaçadas.Ainda assim, pode-se dizer que preservamos o atributo de
    "documento histórico", no sentido que lhe confere Ul-piano Menezes (1998, p. 93-
    94), às fotografias e também aos álbuns, já que efetivamos medidas de conservação e restauração que garantem a ambos a condição de "suportes de informação" no âmbito das ações museológicas de pesquisa, preservação e comunicação.
  • 11
    O Museu Estadual de Goiás foi criado pelo Decreto-Lei nº 383, de 6 de fevereiro de 1946; em 16 de maio de 1965, teve o nome alterado para Museu Goiano Prof. Zoroastro Artiaga (Lei nº5770), em homenagem ao primeiro diretor, que permaneceu no cargo até 1957 e, posteriormente, de 1965 a 1971; em 20 de agosto de 1980, sofreu nova alteração em seu nome, pelo Decreto-Lei nº 1788, passando a ser denominado Museu Estadual Prof. Zoroastro Artiaga.
  • 12
    Acary de Passos Oliveira, sertanista que participou da expedição Roncador -Xingu durante o Estado Novo, coletando material etnográfico sobre várias tribos brasileiras: Kamayurá, Bororo, Txicão, Javaé, Xavante, Krahó, Apinayé entre outras. Acumulou farto.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2007
    • Recebido
      Abr 2007
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