Acessibilidade / Reportar erro

Separação e identificação de constituintes químicos polares dos galhos de Porcelia Macrocarpa

Separation and identification of polar constituents from the branches of Porcelia macrocarpa

Resumo

This paper describes a methodology to separate and identify polar compounds as flavonoid and lignan glucosides, amino acids, salt of quaternary ammonium amino acid and carbohydrates from branches of Porcelia macrocarpa (Annonaceae).

Porcelia macrocarpa; water-soluble compounds; Annonaceae


Porcelia macrocarpa; water-soluble compounds; Annonaceae

ARTIGO

Separação e identificação de constituintes químicos polares dos galhos de Porcelia macrocarpa

Mariana H. Chaves

Departamento de Química - Centro de Ciência da Natureza - Universidade Federal do Piauí - Campus Ininga - 64049-550 - Teresina - PI

Alexander de Freitas e Nídia F. Roque* * Atualmente no Instituto de Química, UFBA

Instituto de Química da Universidade de São Paulo - São Paulo - SP

Alberto José Cavaleiro

Instituto de Química - UNESP - Araraquara - SP

Recebido em 4/2/99; aceito em 4/10/99

e-mail: mariana@ufpi.br

Separation and identification of polar constituents from the branches of Porcelia macrocarpa. This paper describes a methodology to separate and identify polar compounds as flavonoid and lignan glucosides, amino acids, salt of quaternary ammonium amino acid and carbohydrates from branches of Porcelia macrocarpa (Annonaceae).

Keywords: Porcelia macrocarpa; water-soluble compounds; Annonaceae.

INTRODUÇÃO

O fitoquímico prefere normalmente trabalhar com produtos naturais de baixa e média polaridade. Esta preferência é justificada pela maior solubilidade dessas substâncias em solventes voláteis (p. e. < 100oC), fato que facilita a remoção destes após os processos de fracionamento e purificação, através das técnicas cromatográficas entre outras, ou mesmo após análises espectroscópicas. A cromatografia, em si, é uma outra razão dessa preferência dos químicos de produtos naturais. A sílica gel, fase estacionária de baixo custo, é eficiente na maioria dos casos em questão, sendo responsável por mais de 90% das separações de extratos vegetais de média polaridade. Em função do seu caráter polar e ácido, não é recomendada na separação de substâncias polares, especialmente as hidrossolúveis, pois além de não promover boa resolução, pode resultar em adsorções irreversíveis, ocasionando perdas, ou pode conduzir a formação de artefatos. O emprego mais recente de fases reversas, onde os grupos silanóis da sílica gel são funcionalizados por grupos alquila ou outros de baixa polaridade, tem permitido a separação eficiente de substâncias mais polares1,2. Dois problemas, no entanto, ainda persistem neste caso, o preço da fase estacionária e a dificuldade de remoção do eluente que freqüentemente contém água.

Se por um lado os químicos preferem trabalhar com substâncias de média polaridade, os biólogos e farmacólogos desejam preferencialmente produtos naturais mais polares para realizarem bioensaios, inclusive porque tradicionalmente são considerados mais freqüentemente possuidores de bioatividade. Este quadro vem sendo lentamente modificado no Brasil, por ambos os lados químicos e biólogos-farmacólogos. Estes últimos ao modernizarem as estratégias dos bioensaios conseguem mais freqüentemente testarem substâncias menos polares3.

Porcelia macrocarpa é popularmente conhecida como pindaíba, pindaíba do mato, pau de zinga, banana de macaco e banana do mato. É encontrada na região sudeste, estendendo-se desde a costa norte de Santa Catarina a sudeste de Minas Gerais. Constituem sinonímias para esta espécie as denominações: Uvaria macrocarpa Warming e Porcelia goyazensis R. E. Fries. Juntamente com Porcelia ponderosa são as únicas, das sete espécies do gênero, que ocorrem no Brasil4.

Em trabalhos anteriores relatamos a ocorrência de g-lactonas, ácidos graxos e triglicerídeos acetilênicos do extrato diclorometânico das sementes, amidas e lignanamidas da fração hidroalcóolica do extrato etanólico dos galhos e sesquiterpenos do óleo essencial das folhas da espécie Porcelia macrocarpa, Annonaceae5-7.

Neste artigo descreve-se a separação e identificação de substâncias solúveis em água, extraídas dos galhos desta espécie. O trabalho tem dupla intenção, relatar os constituintes polares da planta e mostrar que tendo-se uma infra-estrutura razoável (RMN e liofilizador) é possível, e até mesmo pouco dispendioso, trabalhar-se com substâncias polares.

PARTE EXPERIMENTAL

Procedimentos Experimentais gerais. As cromatografias tipo "flash" foram realizadas em colunas de 15 cm de comprimento e 3 cm de diâmetro interno, usando como fase estacionária sílica H (Artigo 7736), sílica gel (Artigo 9385) ambas da Merck e celulose microgranular Whatman. Nas colunas cromatográficas convencionais (à pressão atmosférica) com dimensões de 50x2,5 cm e 31x1 cm foram usados respectivamente amberlite XAD-2 da Aldrich, previamente tratada com acetona em Soxhlet e amberlite IR-120 (H+) da Merck (Artigo 4765) previamente regenerada com solução 1 mol/L de HCl. A análise das frações foi feita em placas de 0,25 mm de sílica gel (Artigo 7731) e celulose microcristalina (Artigo 2330) ambas da Merck. As placas foram reveladas com solução de sulfato cérico, ninidrina ou Dragendorff modificado8,9.

Os espectros de RMN foram obtidos num espectrômetro AC-200 da brucker, operando a 200 MHz para o hidrogênio e 50,3 MHz para o carbono-13. As amostras para análise de RMN foram dissolvidas em CdCl3, DMSO-d6 ou D2O. Nos espectros de RMN de 13c obtidos em D2O, foi utilizado MeOH como referência externa.

Material Vegetal. Os galhos de porcelia macrocarpa (Warm.) R. E. Fries foram coletados em junho de 1991, de um espécimen cultivado no Jardim Botânico de São Paulo-SP. A exsicata deste espécimen encontra-se depositada no Herbário do Instituto de Botânica de São Paulo sob o número SP76791.

Extração e fracionamento. O material vegetal constituído por galhos foram secos ao ar, moídos (800 g) e extraídos com etanol a 95% a frio. O extrato bruto (60 g) foi suspenso em MeOH/H2O (1:2), submetido a partições com éter etílico, acetato de etila e n-butanol, sucessivamente. A fase aquosa restante, após o processo de partição, foi concentrada por liofilização (23 g) e, parte desta (4 g) foi submetida a um fracionamento através de uma coluna de amberlite XAD-2 (copolímero de estireno e divinilbenzeno) eluída com água e posteriormente com metanol. As frações eluídas com metanol foram reunidas e analisadas por RMN. As frações eluídas com água (FA) foram testadas quanto a presença de aminoácidos, utilizando placas comparativas de sílica gel, eluídas com CHCl3/MeOH/H2O (5:5:1) e reveladas com ninidrina, dando resultado positivo.

Com a finalidade de obter-se uma fração enriquecida por aminoácidos, FA foi submetida a uma coluna de troca iônica (amberlite IR-120, H+), eluída com água e posteriormente com solução a 3 mol/L de NH4OH. Nas frações eluídas com água saíram as substâncias neutras, as quais após liofilização foram analisadas por RMN 1H. Esta análise revelou a presença de carboidratos nas mesmas, optou-se então por acetilar e cromatografá-las em coluna de sílica gel (Esquema 1). As primeiras frações eluídas com base (NH4OH, 3 mol/L), da coluna de troca iônica, deram teste positivo com ninidrina indicando a presença de aminoácidos nas mesmas. As últimas foram reveladas com o reagente de Dragendorff modificado8,9, indicando a presença de sais de amônio quaternário. Uma amostra das frações contendo os aminoácidos foi submetida a análise por CLAE para aminoácidos proteicos, segundo metodologia descrita por Moore & Stein10, revelando a presença de uma mistura complexa dessas substâncias. Submeteu-se então esta mistura a um fracionamento utilizando-se cromatografia em coluna de celulose (Esquema 1).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As frações eluídas com metanol da coluna de Amberlite XAD-2 foram analisadas por RMN utilizando-se como solvente DMSO-d6. Esses espectros revelaram que as primeiras frações eram constituídas por misturas de flavonóides glicosilados. Nas últimas, o flavonóide 1, anteriormente isolado da interfase éter-água (Esquema 1), era predominante11. Os demais não foram identificados.

A separação cromatográfica, em coluna de sílica gel, das frações neutras (FA1) da coluna de troca iônica, acetiladas, forneceu três frações cuja análise por CCDC e por RMN, permitiu identificá-las como uma mistura de carboidratos, um hemi-terpeno (2) e uma lignana glicosilada, a liriodendrina (3)12-14, todos na forma de seus acetatos. Ressalta-se, que este é o primeiro relato da ocorrência de liriodendrina na família Annonaceae.

A análise por CLAE da fração enriquecida por aminoácidos (FA2), não resultou na identificação segura de seus constituintes porque alguns destes se tratavam de aminoácidos não proteicos.

Os aminoácidos puros e em misturas, obtidos no fracionamento em coluna de celulose, foram analisados por RMN de 13C, usando-se como solvente água deuterada e metanol como referência externa. A presença destas substâncias em espécies da família Annonaceae já havia sido anteriormente relatada15,16.Osaminoácidos puros tratavam-se do ácido pipecólico (4), prolina (5) e alanina (6), sendo que a prolina (5) era o constituinte majoritário da mistura original (FA2). A primeira mistura apresentou como constituinte principal a citrulina (11). A segunda mistura era constituída pela prolina (5), valina (7) e o sal de trimetilamônio da glicina (8) e a terceira mistura pelo ácido g-aminobutírico (9) e 4-hidroxiprolina (10).

Os aminoácidos valina (7), prolina (5), alanina (6) e o sal de trimetilamônio da glicina (8) foram identificados por comparação de seus dados com os da literatura17,18. Não foram encontrados na literatura dados de RMN de 13C relativos ao ácido pipecólico (4), ácido g-aminobutírico (9) e a citrulina (11). Os dois primeiros tiveram suas estruturas deduzidas por analogia desses dados com os de outros aminoácidos correlatos17. A citrulina (11) foi identificada, em mistura, onde esta substância era predominante e por comparação com modelos da literatura. A análise por RMN de 13C, da última fração eluída com NH4OH 3 mol/L, identifica esta como o sal de trimetilamônio da tirosina (12). Os dados de RMN 13C de 4, 9, 11 e 12 encontram-se na Tabela 1.

Os sais de trimetilamônio são facilmente reconhecidos pela presença, no espectro de RMN 13C, de tripletos entre 62 e 68 ppm (CH2 ou CH) e em cerca de 54 ppm (CH3), com constante de acoplamento em torno de 3 e 4 Hz respectivamente, referentes a carbonos ligados a nitrogênio quaternário. Este comportamento é característico do acoplamento escalar de núcleos quadrupolares (I=1), como o 14n acoplando neste caso com o 13C (I=1/2)18,19.

CONCLUSÃO

O pré-tratamento da fase aquosa da partição do extrato etanólico em amberlite XAD-2 separou os constituintes hidrofóbicos dos hidrossolúveis, incluindo nestes últimos, os carboidratos, sais de trimetilamônio e aminoácidos. O enriquecimento em resina de amberlite IR-120 (H+), da fração dos constituintes iônicos hidrossolúveis, permitiu separar os aminoácidos e sais de trimetilamônio das substâncias neutras, tais como carboidratos, entre outras. O fracionamento em coluna de celulose resultou na separação dos aminoácidos e dos sais de trimetilamônio.

Estes procedimentos simples, utilizando-se fases estacionárias recicláveis e de preços acessíveis, possibilitaram separar várias substâncias da fase aquosa da partição de um extrato etanólico que normalmente é descartada.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CNPq (N. F. R.), CAPES-PICD (M. H. C.) FAPESP (A. F.) pelas bolsas e a FAPESP pelo suporte financeiro. Agradecem também à Dra. Claudia M. Young, instituto de Botânica, SEMA, pelo material vegetal.

  • 1. blunt, J. W.; Calder, V. L.; fenwick, G. D.; lake, J. R.; mccombs, J. D.; munro, M. H. G.; perry, N. B.; J. Nat. prod. 1987, 50, 290.
  • 2. Evans, M. B.; Dale, A. D.; Little, C. J.; Chromatographia 1980, 13, 5.
  • 3. Cechinel Filho, V.; Yunes, R. A.; Quím. Nova 1998, 21, 99.
  • 4. Murray, N. A.; Sistematic Botany Monographs 1993, 40, 89.
  • 5. Chaves, M. H.; Roque, N. F.; Phytochemistry 1997, 44, 523.
  • 6. Chaves, M. H.; Roque, N. F.; Phytochemistry 1997, 46, 879.
  • 7. Brochini, C. B.; Núńez, C. V.; Moreira, I. C.; Roque, N. F.; Chaves, M. H.; Quím. Nova 1999, 22, 37.
  • 8. Blunden, G.; El Barouni, M. M.; Gordon, S. M.; McLean, W. F. H.; Rogers, D. J.; Botanica Marina 1981, XXIV, 451.
  • 9. Stahl, E.; Thim Layer Chromatography, 2nd ed, Springer-Verlag, Berlin, 1969, p 873-274.
  • 10. Spackman, D. H.; Stein, W. H.; Moore, S.; Anal. Chem. 1958, 30, 1190.
  • 11. Chaves, M. H.; tese de Doutoramento, Instituto de Química-USP, Săo paulo, 1996.
  • 12. Jolad, S. D.; Hoffmann, J. J.; Cole, J. R.; J. Org. Chem 1980, 45, 1327.
  • 13. Deyama, T.; Chem. Pharm. Bull 1983, 31, 2993.
  • 14. Houghton, P. J.; lian, L. M.; Phytochemistry 1986, 25, 1907.
  • 15. Touche, A.; Desconclois, J. F.; Jacquemin, H.; Lelievre, Y.; Forgacs, P.; plantes Médicinales et Phytothérapie 1981, 1, 4.
  • 16. Leboeuf, M.; Cavé, A.; Bhaumik, P. K.; Mukherjee, B.; Mukherjee, R.; Phytochemistry 1982, 21, 2783.
  • 17. Prestsch, E.; Seibel, J.; Simon, W.; Clerck, T.; Tables of Spectral Data for Structure determination of Organic Compounds, 2nd ed, Springer-verlag, Berlin, 1989.
  • 18. Bunden, G.; Gordon, S. M.; Crabb, T. A.; Roch, O.G.; rowan, M. G.; Wood, B.; mag. Reson. Chem 1986, 24, 965.
  • 19. Gil, V. M. S.; Geraldes, C. F. G. C.; ressonância Magnética Nuclear, fundaçăo calouste gulbenkian, Lisboa, 1987, p. 547.
  • 20. Wagner, H.; bladt, S.; Plant drug Analysis: a thin layer chromatography atlas, 2nd ed, springer-Verlag, Berlin, 1996.
  • *
    Atualmente no Instituto de Química, UFBA
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Recebido
      04 Fev 1999
    • Aceito
      04 Out 1999
    Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: quimicanova@sbq.org.br