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Associação entre doença periodontal e síndrome coronariana aguda

Resumos

OBJETIVO: Analisar a relação entre a DP e SCA e verificar a associação entre a DP e periodontite em pacientes com SCA. MÉTODOS: Foram incluídos 58 pacientes com diagnóstico de SCA e 57 controles, sem história de doença arterial coronariana (DAC). Variáveis: hipertensão arterial, diabete, dislipidemia, obesidade, história de DAC, tabagismo e polimorfismo genético do gene da interleucina-1beta. RESULTADOS: Fizeram parte do estudo 115 indivíduos. No grupo SCA, 58 pacientes foram avaliados, sendo 32 (55,2%) do sexo masculino e 26 (44,8%) do sexo feminino. No grupo controle, 57 indivíduos, sendo 32 (56,1%) do sexo masculino e 25 (43,9%) do sexo feminino. Verificou-se DP em 26 (44,8%) pacientes com SCA e em 15 (26,6%) pacientes do grupo controle (beta2 = 4,43, p = 0,04). Análise pela regressão logística, para a associação entre DP e SCA, demonstrou RC de 1,8 (IC 95%: 1,0-5,0); p = 0,24. A associação de periodontite com SCA apresentou RC: 4,5 (IC 95%: 1,3-15,6); p = 0,019. CONCLUSÃO: Não observamos associação independente entre a DP e SCA. Houve associação independente entre periodontite e SCA.

Doença periodontal; periodontite; coronariopatia


OBJECTIVE: To evaluate the relationship between PD and ACS and the association of PD and periodontitis in ACS patients. METHODS: Fifty-eight ACS patients and 57 controls with no history of coronary artery disease (CAD) were included in the study. Variables: arterial hypertension, diabetes, dyslipidemia, obesity, history of CAD, cigarette smoking, and interleukin-1beta gene polymorphism. RESULTS: One hundred and fifteen subjects were enrolled in the study. In the ACS group, 58 patients were evaluated, 32 of whom (55.2%) were male and 26 (44.8%), female. In the control group, 57 subjects were evaluated, 32 (56.1%) of whom were male and 25 (43.9%), female. Periodontal disease was diagnosed in 26 (44.8%) ACS patients and 15 (26.6%) control patients (beta2 = 4.43, p = 0.04). In a logistic regression analysis, the odds ratio for association between PD and ACS was 1.8 (95% CI: 1.0-5.0); p = 0.24. The odds ratio for association of periodontitis with ACS was 4.5 (95% CI: 1.3-15.6); p = 0.019. CONCLUSION: No independent association was found between PD and ACS. There was an independent association between periodontitis and ACS.

Periodontal disease; periodontitis; coronary disease


ARTIGO ORIGINAL

Associação entre doença periodontal e síndrome coronariana aguda

Rafael Luiz Rech; Natálio Nurkin; Ivana da Cruz; Fabiano Sostizzo; Carolina Baião; José Antônio Perrone; Rodrigo Wainstein; Daniela Pretto; Euler Roberto Fernandes Manenti; Luiz Carlos Bodanese

Hospital São Lucas – PUC-RS e Faculdade de Odontologia da PUC-RS - Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Luiz Carlos Bodanese Rua Tauphick Saadi, 437/601 90470-040 – Porto Alegre, RS E-mail: bodanese@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a relação entre a DP e SCA e verificar a associação entre a DP e periodontite em pacientes com SCA.

MÉTODOS: Foram incluídos 58 pacientes com diagnóstico de SCA e 57 controles, sem história de doença arterial coronariana (DAC). Variáveis: hipertensão arterial, diabete, dislipidemia, obesidade, história de DAC, tabagismo e polimorfismo genético do gene da interleucina-1b.

RESULTADOS: Fizeram parte do estudo 115 indivíduos. No grupo SCA, 58 pacientes foram avaliados, sendo 32 (55,2%) do sexo masculino e 26 (44,8%) do sexo feminino. No grupo controle, 57 indivíduos, sendo 32 (56,1%) do sexo masculino e 25 (43,9%) do sexo feminino. Verificou-se DP em 26 (44,8%) pacientes com SCA e em 15 (26,6%) pacientes do grupo controle (b2 = 4,43, p = 0,04). Análise pela regressão logística, para a associação entre DP e SCA, demonstrou RC de 1,8 (IC 95%: 1,0-5,0); p = 0,24. A associação de periodontite com SCA apresentou RC: 4,5 (IC 95%: 1,3-15,6); p = 0,019.

CONCLUSÃO: Não observamos associação independente entre a DP e SCA. Houve associação independente entre periodontite e SCA.

Palavras-chave: Doença periodontal, periodontite, coronariopatia.

Introdução

As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte em populações do mundo ocidental, apesar da tendência de declínio de sua incidência e da mortalidade relatada em diversos países, incluindo o Brasil1-8. Em nosso país, aproximadamente 260 mil indivíduos morrem por doenças cardiovasculares, e grande parcela dessa mortalidade é devida a eventos coronarianos agudos. Em indivíduos com idade igual ou superior a sessenta anos, as doenças do aparelho circulatório respondem por mais de 40% dos óbitos e quase 30% das internações hospitalares9.

Os fatores de risco para aterosclerose e, conseqüentemente, para a doença arterial coronariana (DAC) têm sido identificados em estudos epidemiológicos que relacionam sua presença com a incidência da doença clinicamente manifesta10. Entre os principais fatores de risco modificáveis associados ao aumento da incidência da doença coronariana, salientamos a hiperlipidemia, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo e diabete melito (DM)11. Idade, sexo e história familiar estão entre os principais fatores de risco não-modificáveis associados à cardiopatia isquêmica12-16.

Evidências sugerem haver associação entre marcadores inflamatórios, como interleucinas, proteína-C-reativa (PCR)17, PARs (Protease-activated receptors), Lp-PLA2 (Lipoprtein-associated phopholipase A2), MMPs (Matrix metaloproteinase-9)18, entre outros, com a aterogênese e eventos isquêmicos agudos. Considerando-se os novos marcadores de risco cardiovascular, alguns estudos sugerem associação entre doença periodontal (DP) e DAC. A hipótese aventada sugere que a DAC possa ser desencadeada por mecanismos sistêmicos, além dos fatores inflamatórios locais, sendo a infecção periodontal crônica uma das possibilidades a ser considerada19-22.

Possivelmente, também processos infecciosos podem estar implicados na gênese e no desencadeamento de processos ateroscleróticos e suas complicações, suportados pela detecção de marcadores sorológicos relacionados a alguns agentes como a chlamydia pnemoniae, helicobacter pylori e citomegalovirus23,24. Contudo, outros autores sugerem que a associação entre DAC e DP é um fenômeno meramente casual, uma vez que associação pode estar relacionada apenas com outros fatores de risco cardiovascular25,26.

Taylor e cols.27 realizaram um estudo de intervenção em pacientes com avançada periodontite que necessitavam extração completa das peças dentárias. Doze semanas após a completa extração dentária observaram significativa redução da proteína-C-reativa, inibidor do ativador do plasminogênio (PAI-1), contagem de plaquetas e glóbulos brancos. Esse estudo demonstrou que a eliminação de avançada periodontite pela completa extração dentária reduz marcadores de risco inflamatórios e trombóticos, suportando a hipótese de que o tratamento da DP pode reduzir o risco cardiovascular27.

Entendemos que essa é uma área que necessita novas pesquisas, que possam contribuir para o melhor entendimento entre a DP e eventos isquêmicos agudos. Esse foi o racional que nos estimulou a elaborar o presente estudo.

Métodos

Estudo de caso controle contemporâneo, no qual os casos foram pacientes internados por SCA na Unidade de Tratamento Coronariano (UTC) do Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e os controles, pacientes da comunidade da cidade de Gravataí-RS, sem história prévia de DAC, identificados por meio de avaliação clínica e exames complementares específicos.

O projeto de pesquisa foi submetido a avaliação pela comissão científica e, posteriormente, foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da PUCRS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Todos os pacientes foram incluídos após assinatura de consentimento livre e esclarecido.

Foram incluídos 58 pacientes que preenchiam os critérios diagnósticos de SCA, com ou sem supradesnivelamento de segmento ST persistente, internados na UTC do HSL-PUCRS, de forma consecutiva no ano de 2002.

Definiu-se SCA com supradesnivelamento de segmento ST como IAM, caracterizada pela apresentação de: dor torácica, irradiada ou não para membros superiores, mandíbula, dorso, ou epigástrio, com duração de trinta minutos ou mais, podendo estar associada ou não a sudorese, náuseas ou palidez; presença de supradesnivelamento do segmento ST de 1 mm em duas ou mais derivações periféricas contíguas, ou 2 mm em duas ou mais derivações precordiais contíguas ao eletrocardiograma (ECG); elevação de marcadores séricos de lesão e necrose muscular cardíaca (CK, CK-MB) em três vezes seu valor de referência28.

A definição de SCA sem supradesnivelamento de segmento ST ao ECG caracterizou-se por quadro clínico similar ao descrito antes, mas com duração da dor torácica por período inferior a trinta minutos, com ou sem elevação de marcadores enzimáticos séricos de lesão e necrose muscular cardíaca (CK, CK-MB, Troponinas I e T)28.

Pacientes portadores de neoplasias, cirrose hepática, HIV, insuficiência renal crônica, hipo- ou hiperparatireoidismo, doenças inflamatórias crônicas (artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose múltipla, doença de Chron) não foram incluídos na pesquisa.

O grupo controle foi constituído por 57 pacientes, pareados por sexo, participantes do Projeto Gravataí, do Instituto de Geriatria da PUC-RS, sem história de DAC.

As covariáveis analisadas foram idade > 60 anos; sexo masculino; tabagismo, definido como indivíduo fumante atual ou abstinente há menos de um ano; hipertensão arterial sistêmica (HAS), definida como pressão arterial igual ou superior a 140/90 mmHg em três verificações sucessivas com intervalos de cinco minutos ou tratamento com agentes específicos; DM, definida como glicemia de jejum superior a 126 mg/dl, ou tratamento com agentes específicos; dislipidemia, definida com dosagem sérica de colesterol total > 200 mg/dl, ou LDL >130 mg/dl, triglicerídeos > 150 mg/dl ou utilização de tratamento específico; obesidade, considerada se índice de massa corporal (IMC) > 30 (IMC = Peso em Kg/ A2 em metros); história familiar de DAC (pai ou irmão biológico com DAC documentada antes dos 55 anos de idade e/ou mãe ou irmã biológicas com DAC documentada antes dos 65 anos de idade).

Os avaliadores de DP eram da equipe de DP da Faculdade de Odontologia da PUCRS e eram cegos quanto à presença ou não de SCA, para determinação de presença e gravidade da DP. Etiologicamente foram quantificados e qualificados a presença de placa bacteriana e o padrão de higiene do paciente, assim como a gravidade da inflamação gengival e a presença de fatores retentivos de placa, que favorecessem o acúmulo da mesma junto aos dentes.

Foram definidos como portadores de DP os pacientes que apresentavam características de gengivite ou periodontite ao exame clínico periodontal. Foram considerados portadores de gengivite pacientes com hiperemia e edema gengival, contorno gengival irregular e sangramento espontâneo ou provocado ao toque do instrumental de exame. A periodontite, grau mais avançado de DP, foi caracterizada pela formação de bolsa periodontal, perda de inserção periodontal e osso alveolar e pela presença de inflamação gengival.

Para a definição da gravidade da DP, os aspectos analisados foram o número de dentes perdidos, a profundidade de sondagem clínica, caracterizada como a distância medida em milímetros desde a margem gengival até o fundo sondável do sulco gengival, em todos os dentes. O terceiro aspecto analisado foi o nível clínico de inserção que se caracteriza como a distância medida desde o limite amedocementário até o fundo do sulco gengival, também em todos os dentes. O instrumental utilizado para avaliar a gravidade da DP foi pinça, sonda milimetrada (10 mm) e espelho, marca DUFLEX.

Análise estatística - O tamanho da amostra foi calculado em 114 pacientes, 57 em cada grupo, para um poder de 90%, diferença quanto ao objetivo primário entre os grupos de 20%, com um valor a significativo < 0,05. Para verificar associação entre DP e SCA foi utilizado o teste Qui-quadrado. Para verificar a relação entre DP e periodontite, como variáveis independentes, e demais variáveis, com SCA, foi utilizado o teste de regressão logística, método Forward Wald. Os dados foram processados e analisados com auxílio dos programas Excel e SPSS versão 11.0.

Resultados

Foram investigados 115 indivíduos no presente trabalho, cuja idade média foi de 59,3 anos no grupo SCA e setenta anos no controle (P < 0,001). Observamos que no grupo SCA, 32 (55,2%) indivíduos eram do sexo masculino, o mesmo verificando-se no grupo controle no qual 32 (56,1%) indivíduos eram homens.

As características gerais dos dois grupos quanto à presença de fatores de risco cardiovasculares são descritas na tabela 1.

O grupo SCA apresentou uma prevalência significativamente maior de HAS, dislipidemia e história familiar para DAC, resultados esperados ao compararmos grupos com tais características. As variáveis DM, tabagismo e obesidade foram estatisticamente similares entre os dois grupos.

A DP esteve presente em 26 pacientes (44,8%) com SCA e em quinze pacientes (26,6%) do grupo controle, o que evidencia uma razão de chance (RC) de 2,3 (IC 95% = 1-5); p = 0,04, conforme podemos observar na tabela 2.

Quando analisamos as diferentes formas de manifestação da DP, verificamos que no grupo SCA a freqüência absoluta de indivíduos sem DP foi de quinze (26,3%) pacientes, e no grupo controle de onze (19%) pacientes. A freqüência absoluta de indivíduos sem dentes nos casos foi de 21 (36,9%), e nos controles, de 27 (47,4%) indivíduos. A freqüência absoluta de indivíduos com gengivite no grupo SCA foi de sete (12,1%), e nos controles, de dez (17,6%) indivíduos, todos resultados comparativos sem significância estatística. Quando avaliamos indivíduos com periodontite, uma forma mais grave de apresentação da DP, verificamos que a freqüência absoluta nos casos foi de dezenove (32,8%) indivíduos afetados, enquanto nos controles foi de cinco (8,8%) indivíduos afetados, RC = 5,1 (1.7-14.8); P = 0,003 (tab. 3).

Quando da análise multivariada, observamos que a DP perde seu poder de associação com as SCA, apresentando uma RC de 1,8 (IC 95% 0,7-4,7); P = 0,24. Contudo, o subgrupo de indivíduos com periodontite apresentou diferença estatisticamente significativa, comparada ao grupo de indivíduos sem essa manifestação de DP, quanto à ocorrência de SCA, com uma RC de 4,5 (IC 95% =1,3-15,6); P = 0,019, conforme podemos observar na tabela 4.

Discussão

As doenças cardiovasculares assumem importante papel clínico e epidemiológico, encontrando-se entre as principais causas de morte em nosso país1-3. Vários estudos prévios definiram fatores de risco para o desenvolvimento de doença aterosclerótica e conseqüentemente de DAC, tais como dislipidemia, HAS, DM e tabagismo10,13,29-35. Evidências sugerem que a disfunção endotelial por presença de marcadores inflamatórios17,18 e possivelmente sorológicos24,25, associada a fatores de risco cardiovasculares consagrados como os supracitados13-16, possam constituir-se como evento inicial comum, resultando em incremento da resposta inflamatória sistêmica36,37, contribuindo para o processo aterosclerótico e desencadeamento de eventos isquêmicos agudos13-16.

Estudo realizado por Emingil e cols.22 sugere que a presença de DP induziria uma resposta inflamatória sistêmica, resultando em níveis séricos elevados de marcadores inflamatórios como o TNF-a, as interleucinas e a PCR, creditando a esses a possibilidade de instabilização de lesões ateroscleróticas e eventos ateroscleróticos17,18. Entretanto, são limitadas e discutíveis as evidências que relacionam de maneira conclusiva esses fenômenos25,26.

Há que considerar que tanto a DAC quanto a DP são doenças multifatoriais, sendo a análise detalhada dos resultados obtidos, considerando a prevalência de outros fatores de riscos nos grupos SCA e controle, importantes de serem consideradas. Estudos publicados demonstram que aproximadamente 70% dos pacientes com SCA fatais e não-fatais são tabagistas22,38. Em nosso estudo, a prevalência de tabagistas no grupo SCA foi de 37,9%. Esse achado está possivelmente relacionado ao tamanho de nossa amostra. Acreditamos que com um maior número de indivíduos analisados, a presença dessa variável fosse mais próxima desses estudos publicados. Porém, o fato de essa variável ser também um importante fator de risco para o desenvolvimento das DP, e de não haver diferença estatisticamente significativa quanto à sua presença nos dois grupos, reduziu ou eliminou o viés de confusão para a análise.

Quanto à presença de DM, sua associação com doença aterosclerótica e SCA está bem estabelecida38. Quanto à sua associação com DP, Emrich e cols.39 encontraram uma associação positiva entre perda óssea periodontal (periodontite) e DM tipo 2, com RC igual a 3,43 (IC 95%; 2,28-5,16). Seppälä e cols.36 sugerem maior perda óssea periodontal em indivíduos com DM tipo 1 não-controlados, comparados com indivíduos com DM tipo 1 controlados, sugerindo também associação entre esse tipo de DM e DP. Em nossa amostra não houve diferença estatisticamente significativa quanto à presença de DM nos dois grupos, sendo possivelmente eliminado o fator de confusão para essa variável.

Observamos uma diferença estatisticamente significativa quanto à média de idade entre os grupos, em que o grupo controle apresentou uma média de idade superior, assim como um maior número de indivíduos com mais de sessenta anos. Sabemos que o fator idade também é responsável por incremento de risco cardiovascular, e esse achado pode ter diminuído a significância e a magnitude de nossos resultados.

Desde os primeiros trabalhos publicados, que objetivaram associar doenças periodontais e doenças cardiovasculares, observamos que poucos estudos buscaram avaliar a associação entre DP e SCA23,39, alguns trabalhos publicados procuraram estabelecer associação apenas entre DP e IAM33,35.

Hujoel e cols.25 publicaram uma coorte prospectiva com 8.032 pacientes com avaliação médica e periodontal, acompanhando-os por aproximadamente dez anos. Os pacientes foram divididos em três grupos, sendo 1.859 indivíduos com periodontite, 2.421 com gengivite e 3.752 considerados saudáveis. Os desfechos avaliados foram morte por causa coronariana, internação por SCA ou necessidade de revascularização miocárdica nesse período. Após ajuste para fatores de risco cardiovascular, observou-se não haver associação entre gengivite e DAC, RC de 1,05 (IC 95%; 0,88-1,26) e entre periodontite e DAC, RC de 1,14 (IC 95%; 0,96-1,36).

Estudo de Lopez e cols.37 avaliou a associação entre os parâmetros de DP e SCA em pacientes entre trinta e cinqüenta anos de idade. Os casos foram pacientes internados com SCA e os controles pacientes internados para cirurgia eletiva. De um total de 86 pacientes, apenas 61 foram analisados. Após regressão logística, os autores puderam observar que a associação entre a gravidade da DP, caracterizada também pela perda do nível clínico de inserção e SCA, mostrou uma RC de 3,17 (IC 95% = 1,31-7,65), a associação entre profundidade de sondagem clínica e SCA apresentou uma RC de 8,64 (IC 95% = 1,22-61,20), enquanto o número de dentes perdidos não apresentou associação com a ocorrência de SCA. Tais resultados identificam uma associação entre gravidade da DP e ocorrência de SCA. Em nosso estudo, a associação entre DP e SCA, através da análise multivariada, mostrou uma RC de 1,8 (IC 95%, 0,7–4,7; P = 0,24), não havendo diferença significativa, resultado concordante com os encontrados no estudo de Hujoel e cols.25. Contudo, pudemos observar associação independente, através da análise multivariada, entre periodontite, forma mais severa de apresentação da DP e SCA, evidenciada pela RC de 4,5 (IC 95%: 1,3-15,6), o que está de acordo com os resultados do estudo de Lopez e cols.37. É importante considerarmos que nosso estudo e o de Lopez estão entre os poucos que avaliaram pacientes com SCA, comparando-os com um grupo controle, quanto à presença, ou não, de DP e periodontite. A maioria dos trabalhos da literatura analisa a relação existente entre DP e presença ou não de DAC20-21.

Os resultados de nosso estudo salientam a hipótese de que processos infecciosos orais podem estar implicados nos fenômenos inflamatórios e trombóticos, e influenciar na precipitação de eventos coronarianos agudos. Tais processos estimulariam a liberação de citocinas (IL-1 beta, TNF-alfa) em presença de LPS bacterianos. Essas substâncias agiriam sistemicamente, a partir do complexo vascular periodontal, ou seriam liberadas pelas células endoteliais coronarianas e teriam capacidade de promover agregação plaquetária e formação de trombos21-23. Recente estudo demonstrou que a eliminação de avançada periodontite pela completa extração dentária reduz marcadores de risco inflamatórios e trombóticos, suportando a hipótese que o tratamento da doença periodontal pode reduzir o risco de eventos cardiovasculares27.

Entre os fatores limitantes do nosso estudo, destacamos a impossibilidade de realizar, por motivos técnicos e financeiros, determinações de marcadores inflamatórios e dosagens sorológicas de agentes infecciosos que poderiam contribuir na análise dos pacientes avaliados.

Estudos futuros, randomizados, com um maior número de pacientes e com análise simultânea de outros marcadores de risco – inflamatórios, genéticos e sorológicos –, poderão ampliar o conhecimento e contribuir para um melhor entendimento da participação de processos inflamatórios e infecciosos nos eventos aterotrombóticos, responsáveis pelos eventos isquêmicos agudos.

Baseados nos resultados obtidos em nosso trabalho, podemos concluir que não verificamos associação independente entre a DP e SCA. Houve, entretanto, associação independente entre periodontite e SCA.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 25/01/06; revisado recebido em 24/02/06; aceito em 24/02/06.

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  • Correspondência:

    Luiz Carlos Bodanese
    Rua Tauphick Saadi, 437/601
    90470-040 – Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Fev 2007

    Histórico

    • Aceito
      24 Fev 2006
    • Revisado
      24 Fev 2006
    • Recebido
      25 Jan 2006
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